EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado n. 74.133/16

 

 

1)   Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos 42 e 43 da Lei Complementar nº 43, de 07 de novembro de 2002, do Município de Porto Feliz. gratificação. violação aos artigos 111, 115, II e V, e 128 da Constituição Estadual. 1. Funções de confiança cujas atribuições não equivalem às de assessoramento, chefia e direção, mas sim a incumbências técnicas e operacionais, comprovando a ausência do requisito de especial relação de confiança entre o governante e o servidor (arts. 115, incisos II e V, da Constituição Estadual). 2. Funções gratificadas de “Condutor” a serem percebidas por servidores públicos sem que haja relação de pertinência entre as atribuições originárias dos cargos e a condução de veículos. Violação os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público (arts. artigos 111 e 128, da Constituição Estadual.

 

 O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos artigos 42 e 43 da Lei Complementar nº 43, de 07 de novembro de 2002, do Município de Porto Feliz, pelos fundamentos a seguir expostos.

I. ATO NORMATIVO IMPUGNADO

         Os artigos 42 e 43 da Lei Complementar nº 43, de 07 de novembro de 2002, que “Dispõe sobre a estrutura administrativa da Prefeitura do Município de Porto Feliz, conforme especifica, e dá outras porvidências”, têm a seguinte redação:

“(...)

Art. 42 - Ficam criadas 02 (duas) funções gratificadas de Condutor a serem exercidas por servidores comissionados ou permanentes, portadores de Carteira Nacional de Habilitação - CNH - letra ‘C’, ou superior, categoria profissional, designados pelo Diretor para dirigir viaturas de coleta de lixo.

(...)

Art. 43 - Ficam criadas 03 (três) funções gratificadas de Condutor, a serem exercidas por Fiscais de Saneamento portadores de Carteira Nacional de Habilitação, letra “C”, ou superior, categoria profissional, designados para dirigir motocicletas ou autos.

Parágrafo Único - O valor das gratificações especificadas nos dois artigos antecedentes deverá ser de 10%, sobre a referência dos respectivos cargos.

(...)” (sic - grifo nosso)

II. PARÂMETRO DE INCONSTITUCIONALIDADE

         Os dispositivos impugnados do Município de Porto Feliz contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

         Ainda, referidos dispositivos municipais são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, e que assim estabelecem:

Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissões, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

(...)

Art. 128 - As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição

(...)”.

Em primeira análise, porque é inconstitucional a criação de funções de confiança cujas atribuições não acenam para natureza de assessoramento, chefia e direção, e sim para incumbências burocráticas, profissionais e operacionais.

Segundo, pois as funções gratificadas de “Condutor”, a serem percebidas por servidores públicos, sem que haja relação de pertinência entre as atribuições originárias dos cargos e a condução de veículos, viola os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, interesse público e às exigências do serviço (art. 111 e art. 128 da Constituição Estadual).

De antemão, cumpre registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na prática, negativa de vigência aos arts. 111, 115, II e V, 128 e 144 da Constituição Estadual, como será adiante corroborado - cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

III. INCONSTITUCIONALIDADES DAS FUNÇÕES GRATIFICADAS DE “CONDUTOR” INSERTAS NOS ARTS. 42 E 43 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 43/02, DE PORTO FELIZ

As funções gratificadas de “Condutor” acima mencionadas têm natureza meramente burocrática e operacional, com nítido distanciamento do elemento fiduciário a elas inerentes.

         As atribuições previstas nos arts. 42 e 43 da Lei Complementar Municipal nº 43, de 07 de novembro de 2002, de Porto Feliz - consistentes em “dirigir viaturas de coleta de lixo” e “dirigir motocicletas ou autos” - demonstram a natureza burocrática e operacional das atividades a serem realizadas pela função de confiança de “Condutor”.

Ressalta-se, ainda, que referida gratificação, nos termos do art. 42 do ato normativo supramencionado, também foi destinada aos cargos de provimento em comissão, razão pela qual incide o mesmo vício de inconstitucionalidade, afinal, também para estes postos, a Constituição exige que sejam limitados ao exercício de atribuições de assessoramento, chefia e direção.

Trata-se, portanto, de atribuições de natureza burocrática e operacional, distantes dos encargos de comando superior em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo.

Dessa forma, as funções gratificadas anteriormente destacadas são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com os arts. 111, 115, incisos II e V, e art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza burocrática e operacional.

A criação de cargos de provimento em comissão e das funções de confiança, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que, assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, e aplicável ao caso, mutatis mutandis, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão ou função de confiança, as respectivas atribuições devem reclamar especial relação para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.

Pela análise da natureza e das atribuições das funções de confiança impugnadas, não se identificam os elementos que justificam o provimento de livre nomeação.

No caso em exame, evidencia-se claramente que as funções de confiança, antes referidos, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas e operacionais, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação especial fiduciária.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em inúmeros julgados desse E. Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

 “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 641/2007 (Anexo II) do Município de Zacarias, Lei Complementar nº 1.041/2013 (artigo 6) e Lei Complementar nº 684/2008 (cargos de “Supervisor de Ensino” e “Vice-Diretor de Escola”). Cargos de provimento em comissão fora do perfil reclamado pelo regime constitucional. Ação procedente, como modulação”. (TJSP, ADI nº 2149122-34.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Arantes Theodoro, julgado em 11 de novembro de 2015, v.u)  

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Leis nºs 3.182 e 3.183, ambas de 01 de agosto de 2014, do Município de Viradouro, que criam, respectivamente, as funções em confiança de “Vice-Diretor de Escola” e “Diretor de Escola”. Ausência do elemento “fidúcia”. Atribuições de ambos os cargos que são técnicas, operacionais, profissionais. Violação ao artigo 115, I, II e V da Constituição do Estado de São Paulo, aplicável aos Municípios por força do artigo 144 da citada Carta. Ação procedente”. (TJSP, ADI nº 2076550-80.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Xavier de Aquino, julgado em 12 de agosto 2015, v.u) (grifo nosso)

IV - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, MORALIDADE, IMPESSOALIDADE, RAZOABILIDADE, INTERESSE PÚBLICO E ÀS EXIGÊNCIAS DO SERVIÇO (ART. 111 E ART. 128 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL). 

         Convêm adicionar, inicialmente, que as vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

         Enquanto o adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição pelo desempenho de atribuições especiais ou condições inerentes ao cargo (ex facto officii), a gratificação constitui recompensa pelo desempenho de serviços comuns em condições anormais ou adversas (condições diferenciadas do desempenho da atividade – propter laborem) ou retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor (propter personam) [Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760].

         Se tradicional conceito assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452), agrega-se a partir de uma distinção mais aprofundada que “a gratificação é uma vantagem relacionada a circunstâncias subjetivas do servidor, enquanto o adicional se vincula a circunstâncias objetivas. (...) dois servidores que desempenhem um mesmo cargo farão jus a adicionais idênticos. Já as gratificações serão a eles concedidas em vista das características individuais de cada um. No entanto, é evidente que tais gratificações se sujeitam ao princípio da isonomia, de modo a que dois servidores que apresentem idênticas circunstâncias objetivas farão jus a benefícios iguais” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 761).

         Ou seja, os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias. Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85). 

         Ademais, oportuno ressaltar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).  

         Os adicionais são devidos em razão do tempo de serviço (adicionais de vencimento ou por tempo de serviço) ou do exercício de cargo (condições inerentes ao cargo) que exige conhecimentos especializados ou regime especial de trabalho (adicionais de função) como melhora de retribuição. O adicional de função (ex facto officii) repousa no trabalho que está sendo feito (pro labore faciendo), razão pela qual cessado seu motivo, elide-se o respectivo pagamento, e compreende as seguintes espécies: “de tempo integral (regime em que o servidor fica inteiramente à disposição da pessoa a que se liga e proibido de exercer qualquer outra atividade pública ou privada), de dedicação plena (regime em que o servidor desempenha suas atribuições exclusivamente à pessoa pública a que se vincula, sem estar impedido de desempenhar outras em entidade pública ou privada, diversas das que desempenha para a pessoa pública em regime de dedicação plena) e de nível universitário (desempenho de atribuições que exige um conhecimento especializado, só alcançado pelos detentores de títulos universitários)” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., pp. 230-231).

         As gratificações são precária e contingentemente instituídas para o desempenho de serviços comuns em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço) ou a título de ajuda em face de certos encargos pessoais (gratificações pessoais). A gratificação de serviço é propter laborem e “é outorgada ao servidor a título de recompensa pelos ônus decorrentes do desempenho de serviços comuns em condições incomuns de segurança ou salubridade, ou concedida para compensar despesas extraordinárias realizadas no desempenho de serviços normais prestados em condições anormais” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 232), albergando, por exemplo, situações como risco de vida ou saúde, serviços extraordinários (prestação fora da jornada de trabalho), local de exercício ou da prestação do serviço, razão do trabalho (bancas, comissões).

         É assaz relevante destacar que “o que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor”, razão pela qual “essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., pp. 457-458).        

No mais, a Constituição do Estado de São Paulo subordina a previsão de vantagens pecuniárias à concorrência de dois requisitos; devem atender ao interesse público (e não somente o do servidor) e às exigências do serviço.

         Feitas essas considerações, patente a inconstitucionalidade dos artigos 42 e 43 da Lei Complementar nº 43, de 07 de novembro de 2002, do Município de Porto Feliz.

         Na espécie, a incompatibilidade vertical dos dispositivos normativos impugnados com a Constituição do Estado de São Paulo se manifesta pelo contraste direto com os arts. 111 e 128 da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por obra do art. 144 da mesma Carta.

         O art. 42 do ato normativo impugnado prevê a criação de duas funções gratificadas de “Condutor”, a serem exercidas por servidores comissionados ou permanentes, que possuam a Carteira Nacional de Habilitação - CNH - letra “C”, ou superior, categoria profissional, designados pelo Diretor para dirigir viaturas de coleta de lixo.

         Por sua vez, o art. 43 da Lei Complementar nº 43, de 07 de novembro de 2002, de Porto Feliz, cria três funções gratificadas de Condutor, a serem exercidas por Fiscais de Saneamento portadores de Carteira Nacional de Habilitação, letra “C”, ou superior, categoria profissional, designados para dirigir motocicletas ou autos.

         O parágrafo único, do art. 43, da lei em análise, prevê que o valor das gratificações especificadas nos dois artigos antecedentes deverá ser de dez por cento sobre a referência dos respectivos cargos.

         Dessa forma, o art. 42 da Lei Complementar nº 43/02, de Porto Feliz, ao tratar da função gratificada de “Condutor”, estendeu a vantagem pecuniária a todos os servidores públicos, inclusive comissionados, sem especificar qualquer relação de pertinência entre as atribuições originárias dos cargos e a condução dos veículos.

         Do mesmo modo, o art. 43 do ato normativo em análise, criou funções gratificadas de “Condutor” a serem exercidas por Fiscais de Saneamento portadores de Carteira Nacional de Habilitação, sem que fosse estabelecida qualquer relação com a natureza dos postos.        

         Em linhas gerais, foram instituídas gratificações para funções gratificadas de “Condutor” de viaturas, motocicletas e automóveis, verticalmente incompatíveis com os artigos 111 e 128 da Constituição Estadual, às escâncaras, que não atendem ao interesse público e nem tampouco às exigências do serviço.

Além de tais razões, cumpre ressaltar que as hipóteses de acumulação de cargos são previstas taxativamente no art. 115, XVIII, da Constituição Estadual.

         Assim, não se mostra razoável e nem mesmo moral, conceder vantagem pecuniária a todos os servidores públicos, inclusive comissionados, que dirigiam viaturas da Prefeitura, desvinculadas das atribuições originárias dos cargos.

A necessidade de verificar a vantagem pecuniária atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço está motivada pela sobriedade e prudência que os Municípios devem ter em relação à gestão do dinheiro público. Não se desconsidera a importância e necessidade de bem remunerar os servidores públicos, no entanto, devem ser observados os princípios orientadores da Administração Pública, constitucionalmente previstos.

In casu, a criação das citadas gratificações não atendem a nenhum interesse público, e tampouco às exigências do serviço, servindo apenas como mecanismo destinado a beneficiar interesses exclusivamente privados dos agentes públicos.

Ademais, os atos normativos impugnados que as instituíram contrariam o princípio da razoabilidade e moralidade, que devem nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Por força desse princípio, é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

As mencionadas gratificações não passam por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atendem a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos servidores públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; (b) são, por consequência, inadequadas na perspectiva do interesse público; (c) são desproporcionais em sentido estrito, pois criam ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

Manifesta-se claramente o desrespeito ao princípio da razoabilidade, pela desnecessidade de previsão normativa e por sua inadequação do ponto de vista do Poder Público, bem ainda pela falta de proporcionalidade em sentido estrito, ao criar encargos que não se justificam.

Inclusive, esse egrégio Tribunal de Justiça tem se manifestado pela inconstitucionalidade de gratificações que violam o art. 111 e art. 128 da Constituição Estadual:

 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – EXPRESSÕES 'A SER FIXADA PELO PREFEITO, NO ATO DA ATRIBUIÇÃO', DO ARTIGO 21; 'SOMADO ÀS VANTAGENS A ELE INCORPORADAS', DO §1º DO ARTIGO 21; 'REMUNERAÇÃO' E 'CORRESPONDENTE À ÚLTIMA QUE O FUNCIONÁRIO ESTIVER', DO §2º DO ARTIGO 21; 'VENCIMENTOS OU PROVENTOS', DO §2º DO ARTIGO 86; '3 (TRÊS) ANOS', DO ARTIGO 100; 'TRIÊNIO', DO §1º, DO ARTIGO 100; 'REMUNERAÇÃO INCORPORADA' E 'ADICIONAL TRINTENÁRIO', DO ARTIGO 102; 'MAIS AS VANTAGENS INCORPORADAS', DO §1º, DO ARTIGO 102; ALÉM DO §2º DO ARTIGO 102, E ARTIGO 253 E SEU PARÁGRAFO ÚNICO, TODOS DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 25/2007; ARTIGOS 25, 26, 27, INCISO II, 28, INCISOS I A IV, 29, INCISO II, 30, INCISOS I E II, BEM COMO §§1º A 3º, 31, 32 E 33 E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 2065/2013; EXPRESSÃO 'REMUNERAÇÃO', DO §1º, DO ARTIGO E 44, DA LEI MUNICIPAL Nº 2136/2013, E, FINALMENTE, EXPRESSÃO 'VENCIMENTOS INTEGRAIS', DO INCISO XIX, DO §2º, DA LEI ORGÂNICA MUNICIPAL, TODAS DO MUNICÍPIO DE CARAGUATATUBA – ALEGAÇÃO DE MÁCULA AOS ARTIGOS 111, 115, INCISO XVI, 126, 129, 133 E 144 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – REGRA CONSTITUCIONAL QUE VEDA O CHAMADO 'EFEITO CASCATA', COM INCIDÊNCIA RECÍPROCA DE ADICIONAIS, QUE IMPÕE APLICAÇÃO DA TÉCNICA DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO EM RELAÇÃO AO INCISO XIX, DO §2º, DA LEI ORGÂNICA MUNICIPAL, AO §1º DO ARTIGO 21, DA LC Nº 25/2007 E AO §1º, DO ARTIGO 44, DA LEI MUNICIPAL Nº 2.136/2007, CONJUGANDO SUA APLICAÇÃO À OBSERVÂNCIA DA VEDAÇÃO PREVISTA NA CARTA ESTADUAL (ARTIGO 115, INCISO XVI C.C. ARTIGO 129) – EXPRESSÃO 'A SER FIXADA PELO PREFEITO, NO ATO DE ATRIBUIÇÃO' E 'ATÉ' CONSTANTES DO 'CAPUT' DO ARTIGO 21, DA LC Nº 25/2007 (QUE DISPÕE SOBRE FIXAÇÃO DE GRATIFICAÇÃO EM RAZÃO DO EXERCÍCIO DE CARGO COMISSIONADO PELO SERVIDOR), QUE SE REVELAM INCONSTITUCIONAIS, POR MACULAREM OS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, LEGALIDADE, IMPESSOALIDADE E RAZOABILIDADE, DIANTE DA DISCRICIONARIEDADE OUTORGADA AO CHEFE DO EXECUTIVO PARA FIXAÇÃO DA VANTAGEM EM PATAMAR SUBJETIVO, OBSERVADO O LIMITE PREVISTO, POSSIBILITANDO REPUDIADA DIFERENCIAÇÃO OU FAVORECIMENTO PESSOAL ENTRE SERVIDORES NA MESMA CONDIÇÃO JURÍDICA, OLVIDADA AINDA A RESERVA LEGAL EM MATÉRIA DE REMUNERAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS (ARTIGOS 111 E 128 DA CE E 37, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA) – FORMA DE INCORPORAÇÃO DO CARGO EM COMISSÃO PREVISTA NO §2º, DO ARTIGO 21, DA LC Nº 25/2007 QUE NÃO VULNERA A REGRA DO ARTIGO 133 DA CE – PRESTÍGIO, ADEMAIS, AO PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE FINANCEIRA, AFIRMADO PELO C. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – SINGELA PREVISÃO DE INCORPORAÇÃO DE VANTAGENS PECUNIÁRIAS, NOS CASOS INDICADOS EM LEI (ARTIGO 86, §2º, DA LC Nº 25/2007) QUE NÃO ENSEJA, AUTOMATICAMENTE, 'EFEITO CASCATA' – INSTITUIÇÃO DE ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO (ARTIGO 100 E §1º, DA LC Nº 25/2007), BASEADO EM TRIÊNIO, QUE NÃO É COIBIDA E NÃO VULNERA OS ARTIGOS 115, INCISO XVI, E 129 – PREVISÃO DE ADICIONAL TRINTENÁRIO (ARTIGOS 102 E §2º DA LC Nº 25/2007), ADEMAIS, QUE NÃO CONFLITA COM O DIREITO À SEXTA-PARTE, VIÁVEL A CUMULAÇÃO DE VANTAGENS PREVISTAS EM LEI DESDE QUE ATINGIDOS OS RESPECTIVOS REQUISITOS LEGAIS – FORMA DE CÁLCULO DO ADICIONAL TRINTENÁRIO, TODAVIA, QUE RESVALA NO ÓBICE DO 'EFEITO CASCATA' (ARTIGO 115, XVI, CE), RAZÃO PELA QUAL INCONSTITUCIONAL A EXPRESSÃO 'MAIS AS VANTAGENS INCORPORADAS' REFERENTE À FORMA DE INCIDÊNCIA PREVISTA NO §1º, DO ARTIGO 102, DA LC Nº 25/2007 – RETROAÇÃO BENÉFICA DA LC Nº 25/2007, NOS TERMOS DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ARTIGO 253, PARA PRESERVAR A INCORPORAÇÃO DA DIFERENÇA REMUNERATÓRIA DE SERVIDORES EFETIVOS OCUPANTES DE CARGOS COMISSIONADOS OU FUNÇÃO GRATIFICADA, EM PRESTÍGIO À ESTABILIDADE FINANCEIRA – DISPOSITIVOS DIVERSOS (ARTIGOS 25, 26, 27, INCISO II, 28, INCISOS I A IV, 29, INCISO II, 30, INCISOS I E II, BEM COMO §§1º A 3º, 31, 32 E 33 E PARÁGRAFO ÚNICO), DA LEI Nº 2065/2013, QUE DISCIPLINA O PLANO DE CARREIRA DO MAGISTÉRIO PÚBLICO MUNICIPAL DE CARAGUATATUBA, QUE NÃO VIOLAM OS ARTIGOS 111, 115, INCISO XVI E 126 DA CE – INSTITUIÇÃO DE PLANO DE CARREIRA DO MAGISTÉRIO QUE ATENDE A PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ÁREA DA EDUCAÇÃO – VALORIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DO SETOR, OBSERVADAS AS PECULIARIDADES DA CARREIRA, VISANDO À MELHOR QUALIDADE NO ENSINO PÚBLICO – NORMAS, ADEMAIS, QUE EXPRESSAMENTE PREVEEM A INCIDÊNCIA DOS ADICIONAIS DECORRENTES DAS FORMAS DE PROGRESSÃO FUNCIONAL SOBRE O VENCIMENTO-BASE, ARREDANDO ALEGADO 'EFEITO CASCATA' – ALEGADAS QUESTÕES DE ÍNDOLE PREVIDENCIÁRIA, ADEMAIS, QUE SÃO ESTRANHAS À FINALIDADE RESTRITA DO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE – PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO”. (TJ/SP, ADI nº 2167153-05.2015.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Casconi, julgado em 02 de março de 2016) g.n

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Artigo 155, caput e § 1º, expressão "bem como nas demais situações em que a autoridade entender pertinente à sua representação", constante do § 1º do artigo 158, e § 3º deste mesmo artigo, da Lei nº 2.693, de 26 de agosto de 1997, com a redação dada pela Lei Complementar nº 104, de 5 de agosto de 2014, ambas do Município de Bebedouro, que dispõem sobre a concessão das gratificações de nível universitário e de representação aos servidores da administração municipal direta, indireta, autárquica e fundacional – Vantagem relativa ao "nível universitário" que beneficia de forma ampla todos os agentes públicos com formação superior na Administração Municipal de Bebedouro, estendendo-se, também, "aos ocupantes de cargos de direção ou chefia", não tendo, portanto, relação com a função exercida e nem tem como fundamento uma habilitação técnica específica necessária ao seu desempenho – Concessão da Gratificação de Representação, por outro lado, que foi atribuída aos superiores hierárquicos diretos dos servidores beneficiados, mediante simples ato administrativo, em violação ao princípio da reserva legal – Discricionariedade deferida às autoridades responsáveis também quanto à fixação do valor dessa vantagem que permite a ocorrência de favorecimentos indevidos na Administração Municipal, em ofensa aos princípios da moralidade e impessoalidade – Vícios de inconstitucionalidade aduzidos na exordial que, destarte, ficaram evidenciados na espécie, por afronta aos preceitos contidos nos artigos 5º, caput e § 1º, 24, § 2º, "1", 111, 128 e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo – Declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 2.693/1997 que, diante dos efeitos repristinatórios que lhe são inerentes, implicará na revalidação das redações anteriores dos dispositivos municipais questionados nos autos, os quais padecem dos mesmos vícios reconhecidos em relação à legislação vigente, devendo, então, por arrastamento, ser-lhes estendidos os efeitos dessa declaração de inconstitucionalidade – Precedentes desta Corte – Valores já concedidos aos servidores a título das vantagens previstas nos artigos objeto da ação que são irrepetíveis, ante seu caráter alimentar e recebimento de boa-fé, recomendando a manutenção daqueles pagamentos – Ação julgada procedente, para o fim de declarar a inconstitucionalidade da legislação objurgada nos autos, com a modulação dos efeitos dessa declaração”. (TJ/SP, ADI nº 2128351-35.2015.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, julgado em 09 de dezembro de 2015)

Por fim, nem se alegue que a supressão das gratificações ora impugnada violaria o princípio da irredutibilidade dos vencimentos dos servidores públicos, previsto no artigo 115, XVII, da Constituição Estadual, pois esta irredutibilidade pressupõe a legalidade, moralidade e razoabilidade da gratificação, não podendo, portanto, ser invocada para amparar pagamentos flagrantemente contrários aos princípios constitucionais da Administração Pública.

         Pelo exposto, fica evidente a transgressão aos artigos 111 e 128 da Constituição Estadual.

V. PEDIDO

         Assim, em face do exposto, requer-se o recebimento e processamento da presente ação, que deverá ser julgada procedente para declaração da inconstitucionalidade dos artigos 42 e 43 da Lei Complementar nº 43, de 07 de novembro de 2002, do Município de Porto Feliz.

         Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Porto Feliz, bem como a citação do douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente, vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 29 de novembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

ef/mjap

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 74.133/2016

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face dos artigos 42 e 43 da Lei Complementar nº 43, de 07 de novembro de 2002, do Município de Porto Feliz, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 29 de novembro de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

ef/mjap