Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 97.868/2016
Constitucional.
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.772, de 21 de maio de 2015, do
Município de Sumaré, que “Estabelecem diretrizes para tempo de atendimento e
acomodações em cartórios no âmbito do Município de Sumaré”. 1. Obrigatoriedade imposta aos
cartórios. Competência privativa do
Poder Judiciário para dispor sobre organização dos serviços notariais e de
registro (arts. 5º, 69, II, “b”;
77 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo)
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em
conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face da Lei nº 5.772, de 21 de maio de 2015, do Município de Sumaré, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
O
protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade e,
a cujas folhas esta petição se reportará, foi instaurado a partir de
representação da Promotoria de Justiça da Comarca de Sumaré (fls. 25/27).
A
Lei nº 5.772, de 21 de maio de 2015, do Município de Sumaré, que “Estabelecem
diretrizes para tempo de atendimento e acomodações em cartórios no âmbito do
Município de Sumaré”, de iniciativa parlamentar, tem a seguinte redação (fls.
51/52):
“(...)
Art. 1º - Ficam os cartórios, no âmbito do Município
de Sumaré, obrigados a colocar à disposição dos usuários, pessoal suficiente em
todos os setores de atendimento, para que este seja efetivado em tempo
razoável.
Art. 2º - Para os efeitos desta lei, entende-se como
tempo razoável para atendimento:
I – Até 30 (trinta) minutos em dias normais;
II – Até 45 (quarenta e cinco) minutos em véspera ou
após feriados prolongados;
§1º - Os cartórios e suas entidades representativas
informarão ao órgão encarregado de fazer cumprir esta lei as datas mencionadas
nos incisos I e II.
§2º - O tempo máximo de atendimento referido nos
incisos I e II leva em consideração o fornecimento normal dos
serviços-essenciais à manutenção do ritmo normal das atividades do cartório tais
como energia, telefonia e transmissão de dados.
Art. 3º - Ficam os cartórios instalados no Município
de Sumaré, obrigados a manter atendimento de idosos, gestantes, e pessoas com
necessidades especiais no piso térreo do prédio onde se encontram instalado.
Art. 4º - Os estabelecimentos descritos no art. 1º
desta lei, no âmbito do municipal, deverão disponibilizar aos usuários:
I – Bebedouro com água potável;
II – Cadeiras em número suficiente de forma que os
usuários aguardem seus atendimentos sentados;
III – Sanitários de uso público e que estejam em
condições de uso e sinalizados;
IV – Emissor de senhas para controle de tempo de
atendimento;
§1º - O comprovante de atendimento deverá conter:
a.
Senha de atendimento;
b.
Horário da emissão do comprovante;
c.
Campo para inserir horário de atendimento.
§2º
- Os estabelecimentos descritos no art. 1º desta lei, no âmbito municipal,
deverão entregar, um comprovante de atendimento autenticado por um funcionários
ou eletronicamente com os horários em que o usuário retirou a senha e o que foi
atendido, visando o cumprimento do art. 2º desta lei.
Art.
5º - Os estabelecimentos descritos no art. 1º desta lei, no âmbito municipal,
deverão afixar, em local visível, o texto ou cartaz da presente lei, assim como
destacar o número de atendimento do PROCON e outros órgãos fiscalizadores
pertinentes.
Art.
6º - O não cumprimento das disposições desta lei sujeitará o infrator às
seguintes punições:
I –
advertência;
II –
multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), por informação, podendo ser
aplicada em dobro em caso de reincidência;
III
– após a 3ª (terceira) reincidência, acarretará na suspensão do Alvará de
Funcionamento.
Art.
7º - As denúncias dos munícipes, devidamente comprovadas, deverão ser
encaminhadas ao Órgão de Fiscalização Municipal ou PROCON, órgão municipal
encarregado de zelar pelo cumprimento desta lei, concedendo-se direito de
defesa ao cartório ou cartórios denunciados.
(...)”
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de
constitucionalidade
O
ato normativo impugnado contraria frontalmente a Constituição do
Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal
ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
A lei impugnada é incompatível com os artigos 5º, caput; 69, II, “b”; 77 e 144, todos da Constituição Estadual, que
assim estabelecem:
“CE/89:
Art. 5º. São
Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
(...)
Art. 69. Compete
privativamente ao Tribunal de Justiça:
(...)
II – pelos
seus órgãos específicos:
(...)
b) organizar
suas secretarias e serviços auxiliares, velando pelo exercício da respectiva
atividade correicional;
(...)
Art. 77. Compete,
ademais, ao Tribunal de Justiça, por seus órgãos específicos, exercer controle
sobre atos e serviços auxiliares da Justiça, abrangidos os notariais e os de
registro.
(...)
Art. 144 . Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
Avive-se,
por necessário, que o art. 144 da Constituição
Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da
Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado
“norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos
limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da
Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o
controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo
(STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF,
Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
Neste contexto normativo, exsurge “ictu oculi” que a iniciativa legislativa parlamentar do município de Sumaré afrontou a prescrição constitucional de que compete ao Poder Judiciário iniciativa de lei a respeito de serventias judiciais e extrajudiciais (art. 69, II, “b”, da CE).
Ora, é cediço que os responsáveis pelos cartórios e serventias notariais são serviços auxiliares da justiça e, assim sendo, cabe ao Poder Judiciário privativamente disciplinar, fiscalizar e aplicar sanções aos notários, oficiais e prepostos.
Neste sentido, confira-se a jurisprudência do STF:
“Ação Direta
de Inconstitucionalidade. Lei Estadual (SP) nº 12.227/06. Inconstitucionalidade
formal. Vício de iniciativa. Art. 96, II, "b" e "d", da
Constituição Federal. 1. A declaração de inconstitucionalidade proferida por
Tribunal estadual não acarreta perda de objeto da ação ajuizada na Suprema
Corte, pendente ainda recurso extraordinário. 2. Vencido o Ministro Relator,
que extinguia o processo sem julgamento do mérito, a maioria dos Julgadores
rejeitou a preliminar de falta de interesse de agir por ausência de impugnação
do art. 24, § 2º, item 6, da Constituição do Estado de São Paulo, com
entendimento de que este dispositivo não serve de fundamento de validade à lei
estadual impugnada. 3. É pacífica a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que as leis que
disponham sobre serventias judiciais e extrajudiciais são de iniciativa
privativa dos Tribunais de Justiça, a teor do que dispõem as alíneas
"b" e "d" do inciso II do art. 96 da Constituição da
República. Precedentes: ADI nº 1.935/RO, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ
de 4/10/02; ADI nº 865/MA-MC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 8/4/94.
4. Inconstitucionalidade formal da Lei Estadual (SP) nº 12.227/06, porque
resultante de processo legislativo deflagrado pelo Governador do Estado. 5.
Ação direta que se julga procedente, com efeitos ex tunc.” (ADI
3773/SP, Rel. Min. Menezes de Direito, Tribunal Pleno, Julgado em 04/03/2009,
DJe 03/09/2009)
Ao legislar acerca de matéria de competência do Tribunal de Justiça (art.
69, II, b, e 77 da CE), violou-se o
princípio da reserva legislativa.
A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre União, Estados e Município. É através desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.
Nesse sentido, já se pronunciou esse egrégio Tribunal de Justiça:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
– ARTIGOS 9º, §§1º E 2º, 10 E 11 DA LEI Nº 323, DE 27 DE OUTUBRO DE 2010, DO
MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, COM AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELAS LEIS
COMPLEMENTARES Nº 400/13 E 454/14, QUE DISPÕE SOBRE IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO
“INTER-VIVOS” DE BENS IMÓVEIS E DE DIREITOS REAIS SOBRE ELES, ALTERAÇÃO DA
LEGISLAÇÃO RELATIVA AO ISSQN E HIPÓTESES DE REPARCELAMENTO DE DÉBITOS DE QUAL
QUER NATUREZA VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDO NO §1º DO ARTIGO 9º
POR OFENSA AOS ARTIGOS 69, INCISO II, “B”E 77 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - DEMAIS
PRECEITOS QUE TRATAM DE TEMAS QUE FOGEM À COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
CERTO QUE TAIS PRECEITOS NÃO IMPÕEM À JUSTIÇA QUE REALIZE O CÁLCULO DO TRIBUTO,
MUITO MENOS SE ENCARREGUE DE EXPEDIR A RESPECTIVA GUIA PARA PAGAMENTO AÇÃO
PARCIALMENTE PROCEDENTE”. (TJ/SP, ADI nº 2184931-85.2015.8.26.0000. Rel. Des.
Ferraz de Arruda, julgado em 18 de maio de 2016)
“Incidente de inconstitucionalidade -
Artigos 19 e 21 da Lei n. 11.154/91, com a redação dada pela Lei n. 14.256/06 -
Obrigação imposta aos notários e registradores de verificar o recolhimento de
imposto e a inexistência de débitos relativos ao imóvel alienado, sob pena de
multa - Dispositivos que afrontam tanto a competência da União para legislar
sobre registro público, como a do Poder Judiciário para disciplinar, fiscalizar
e aplicar sanções aos que exercem tais atividades - Ofensa específica aos
artigos 5º, caput, 69, II, "b" e 77 da Constituição do Estado -
Procedência do incidente para declarar a inconstitucionalidade dos artigos
mencionados”. (TJ/SP, II de nº 0103847-15.2007.8.26.0053, Rel. Des. Corrêa
Viana, julgado em 05 maio de 2010)
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTTTUCIONALIDADE
em face da Lei Estadual n° 12 227, de 11 de Janeiro de 2006, de iniciativa do
Chefe do Poder Executivo, e que regulamenta "o artigo 17 do AD.CT.,
estabelece a organização básica dos serviços notariais e de registros, as
regras do concurso público de provimento da btu/andade de delegação das
serventias e dá outras providências" - Questões prejudiciais de
ilegitimidade ativa e de descabimento da ação em face de pretendido exame de
comando da Constituição Federal 1988 reiertadas Legitimidade conferida pela
Constituição Paulista (art. 90, V), demonstrada a "pertinência
temática" pelo ajustamento, aqui presente, entre os fins a que se propõe a
Associação-autora e o alcance da norma atacada. Admissibilidade do controle
concentrado, d'outra parte, se norma da Constituição Federal de observância
obrigatória, como no caso, tiver sido repetida na Constituição do Estado
Precedente do Excelso Pretóno - Vício de iniciativa, no entanto, reconhecido,
por usurpação de competência privativa do Chefe do Judiciário Não há como
dissociar os cartórios (serviços) notariais e de registro da própria
organização, no sentido abrangente, do Judiciário Ação procedente, por afronta
aos arts 5º, caput, 24, § 4º, itens 1 e 2, 69, II, "b" e 70, II,
todos da Constituição do Estado de São Paulo, tornando definitivos os efeitos
de liminar concedida pela E. Presidência desta Corte”. (TJ/SP, ADI nº
9029645-10.2006.8.26.0000, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, julgado em 05 de março de
2008)
III – Pedido liminar
À saciedade
demonstrado o fumus boni iuris, pela
ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos do
Município de Sumaré apontados como violadores de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se a imposição de inconstitucionais penalidades aos
responsáveis pelos cartórios.
À luz deste
perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e
definitivo julgamento desta ação, da Lei nº 5.772, de 21 de maio de 2015, do Município de Sumaré.
IV – Pedido
Face ao
exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que,
ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei
nº 5.772, de 21 de maio de
2015, do Município de Sumaré.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal
de Sumaré, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar
sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente,
para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 07 de dezembro de
2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef/mi
Protocolado nº 97.868/2016
Interessado: Promotoria de Justiça de Sumaré
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 5.772, de 21 de maio de 2015, do
Município de Sumaré.
1. Distribua-se a petição
inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 5.772, de 21
de maio de 2015, do Município de Sumaré, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 07 de dezembro de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef/mi