EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

Protocolado nº 113.718/16

                       

                       

 

Ementa:    

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos I, II, III, IV, V, VI e VII do art. 4º da Lei Complementar nº 444, de 26 de junho de 2013, do Município de Mococa.

2)      O vale alimentação é vantagem pecuniária de natureza indenizatória pro labore faciendo, fundado no exercício do cargo.

3)      O afastamento decorrente de férias, casamento, até três dias, luto, pelo falecimento do cônjuge, companheiro, pais, irmãos e filhos, inclusive natimorto, padrasto, madrasta, sogros e cunhados até 2 (dois) dias, licença por acidente de trabalho ou doença profissional, licença maternidade, licença paternidade e licença médica do próprio empregado implica a suspensão temporária do exercício das funções do cargo, sendo incompatível com alguns direitos fundados no exercício do cargo que não admitem ficção legal acerca do efetivo exercício, hauridos por interpretação sistemática que não conduza a disfunções exegéticas e, sobretudo, não crie situações de conflitualidade com o ordenamento jurídico inteiro e, mormente, com os princípios de moralidade, razoabilidade e proporcionalidade ou com a natureza do acréscimo pecuniário.  Jurisprudência do STF e TJ/SP que refuta a percepção dessa vantagem pecuniária indenizatória por aqueles afastados da carreira, inativos ou que não se encontrem no efetivo exercício do cargo. Violação dos arts. 111 e 128 da Constituição Federal.

4)      Procedência da ação com modulação de efeitos para impedir restituição de valores pagos.

 

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 113.718/2016, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII do art. 4º da Lei Complementar nº 444, de 26 de junho de 2013, do Município de Mococa, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação do Promotor de Justiça da Comarca de Mococa (fls. 02/12).

A Lei Complementar nº 444, de 26 de junho de 2013, do Município de Mococa, que “Institui o Vale-alimentação, benefício a ser concedido aos empregados públicos municipais que específica” (fls. 76/78).

Os incisos do art. 4º da Lei Complementar nº 444, de 26 de junho de 2013, do Município de Mococa, dispõem a respeito do pagamento do vale alimentação para servidores públicos afastado do serviço, com destaque em negrito para o que interessa na presente ação direta (fls. 76/78):

“(...)

Art. 4º - O Vale-Alimentação instituído por esta Lei será devido ao empregado afastado do serviço sem prejuízo de vencimentos em virtude de:

I – férias;

II – casamento, até 3 (três) dias;

III – luto, por falecimento do cônjuge, companheiro, pais, irmãos e filhos, inclusive natimorto, padrasto, madrasta, sogros e cunhados até 2 (dois) dias;

IV – licença por acidente de trabalho ou doença profissional;

V – licença-maternidade, de 180 (cento e oitenta) dias, prevista no art. 7º, inciso XVIII da Constituição Federal e na Lei Municipal nº 4.108, de 08 de junho de 2011;

VI – licença paternidade de 5 (cinco) dias, prevista no art. 10, §1º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal ou pelo período estabelecido em lei que regularmente a disposição constitucional mencionada;

VII – licença médica do próprio empregado;

VIII – cumprimento de mandato de dirigente sindical, na forma da legislação específica;

IX – cumprimento de mandato de dirigente sindical, na forma da legislação específica;

X – faltas abonadas nos termos do art. 25 da Lei nº 2.254, de 18 de agosto de 1992 e art. 1º da Lei Complementar nº 068, de 27 de março de 2001;

XI – cessão a outros entes federativos, desde que percebam seus vencimentos pela Prefeitura Municipal de Mococa e não recebam benefício igual ou semelhante ao Vale-Alimentação, previsto nesta Lei, do órgão em ao qual esteja cedido.

(...)”

Nesta ação direta, pede-se a declaração da inconstitucionalidade dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII do art. 4º da Lei Complementar nº 444, de 26 de junho de 2013, do Município de Mococa.

Vejamos os fundamentos da inconstitucionalidade dos mencionados dispositivos.

2.     DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

Os dispositivos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Os dispositivos contestados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“(...)

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 128 - As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)”

3.     DA FUNDAMENTAÇÃO: INCONSTITUCIONALIDADE DA EXTENSÃO DO “VALE-ALIMENTAÇÃO” A SERVIDORES AFASTADO DO SERVIÇO, NAS HIPÓTESES DOS INCISOS I, II, III, IV, V, VI E VII DA LEI COMPLEMENTAR Nº 444, DE 26 DE JUNHO DE 2013, DO MUNICÍPIO DE MOCOCA

São inconstitucionais as disposições legais que estendem o auxílio alimentação aos servidores afastados do serviço por estar em gozo de férias, casamento, até três dias, luto, pelo falecimento do cônjuge, companheiro, pais, irmãos e filhos, inclusive natimorto, padrasto, madrasta, sogros e cunhados até 2 (dois) dias, licença por acidente de trabalho ou doença profissional, licença maternidade, licença paternidade e licença médica do próprio empregado, previstos nos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII da Lei Complementar nº 444, de 26 de junho de 2013, do Município de Mococa.

A razão é simples.

O “auxílio-alimentação” ou, como denominado no caso em análise, “vale-alimentação”, previsto em leis que tratam do regime remuneratório de servidores públicos, tem natureza indenizatória.

Hely Lopes Meirelles, (Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 504), a propósito das indenizações concedidas aos servidores públicos recorda que:

“São previstas em lei e destinam-se a indenizar o servidor por gastos em razão da função. Seus valores podem ser fixados em lei ou em decreto, se aquela permitir. Tendo natureza jurídica indenizatória, não se incorporam à remuneração, não repercutem no cálculo dos benefícios previdenciários e não estão sujeitas ao imposto de renda. Normalmente, recebem as seguintes denominações: ajuda de custo (...) diárias (...) auxílio-transporte (...)

Outras podem ser previstas pela lei, desde que tenham natureza indenizatória.”

Nesse sentido, ainda, Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 25. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 308.

O auxílio-alimentação é vantagem pecuniária pro labore faciendo e tem seu contorno jurídico estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal como direito que depende do efetivo exercício e que “não se estende aos inativos e pensionistas, vez que se trata de verba indenizatória destinada a cobrir os custos de refeição devida exclusivamente ao servidor que se encontrar no exercício de suas funções, não se incorporando à remuneração nem aos proventos de aposentadoria” (STF, AgR-AI 586.615-PR, 2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, 08-08-2006, v.u., DJ 01-09-2006, p. 37).

São eloquentes os pronunciamentos a respeito da natureza jurídica do auxílio-alimentação, como o seu caráter indenizatório por este egrégio Tribunal de Justiça, verbis:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei que dispõe sobre autorização ao Poder Executivo para implantação do Vale Alimentação aos funcionários públicos em atividade e dá outras providências – Artigos 4º e 5º, incisos I, II, III, IV e V da Lei nº 1.057, de 07 de julho de 2015, com a redação dada pela Lei nº 1.058, de 29 de julho de 2015, do Município de Ubirajara - Alegação de violação aos artigos 111 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo – O vale alimentação é vantagem pecuniária de natureza indenizatória, pago somente aos servidores ativos - O pagamento do vale alimentação deve coincidir com os dias efetivamente trabalhados - Afronta aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, decorrente da perda total do benefício nas situações previstas nos incisos I, II, III e V, do artigo 5º - O prazo de consumo do vale alimentação estabelecido no artigo 1º, da Lei nº 1.058/2015, que alterou a redação do artigo 4º, da Lei nº 1.057/2015, considerando o prazo para sua entrega aos servidores, resulta em restrição excessiva, em flagrante falta de razoabilidade - Ofensa aos artigos 111 e 144, da Constituição do Estado. Pedido procedente em parte”. (TJ/SP, ADI nº 2238303-46.2015.8.26.0000, Rel. Des. Ricardo Anafe, julgado em 18 de maio de 2016)

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei do Município de Taquaritinga que prevê o pagamento de auxílio-alimentação a servidores inativos e àqueles que, embora na atividade, estejam afastados de suas funções. Preliminar. Inépcia da inicial. Basta a leitura da inicial para a fácil constatação de que a menção equivocada ao § 2º da Lei nº 3.866/10, ao invés do inciso III do § 1º do art. 1º, não passou de simples erro material, tendo, inclusive, o requerente transcrito o dispositivo impugnado com destaque, ao negritá-lo. 'A mera indicação de forma errônea de um dos artigos impugnados não obsta o prosseguimento da ação, se o requerente tecer coerentemente sua fundamentação e transcrever o dispositivo constitucional impugnado.' (STF, ADI 2.682). Preliminar afastada. O cartão de alimentação tem natureza indenizatória e não salarial e por isso é devido somente a servidores ativos e que se encontram em efetivo exercício de suas funções, para que possam ser ressarcidos dos custos despendidos com a refeição. Inconstitucionalidade. Ocorrência. Precedentes. Inépcia da inicial rejeitada. Ação procedente, com modulação, para declarar a inconstitucionalidade do III, do § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 3.866, de 8 de dezembro de 2010, e, por arrastamento, dos I, II, III, IV e V do art. 2º da Lei Complementar nº 3.866, de 8 de dezembro de 2010”. (TJ/SP, ADI nº 2146475-66.2015.8.26.0000, Rel. Des. Carlos Bueno, julgado em 27 de janeiro de 2016)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta contra a Lei Complementar Municipal nº 084/03/2011, de 12 de dezembro de 2011, de Estrela do Norte. Auxílio-alimentação. Extensão a servidor público afastado em virtude de licença saúde, acidente de trabalho ou em gozo de licença gestante, por adoção ou de licença paternidade. Impossibilidade. Benefício de natureza indenizatória. Verba devida apenas a servidor em atividade, pois se o servidor não está trabalhando, não há o que indenizar. Súmula nº 680 do STF. Inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade material configurada. Ofensa aos artigos 111 e 128. Ação parcialmente procedente, com efeito ‘ex nunc’, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 4º e 7º da norma municipal”. (TJ/SP, ADI nº 0127111-16.2013.8.26.0000, Rel. Des. Guerrieri Rezende, julgado em 05 de fevereiro de 2014)

Está assentado na Suprema Corte que a percepção do auxílio-alimentação depende, dada a sua natureza indenizatória, do efetivo exercício de suas funções pelo agente público e, portanto, a ele não têm direito o inativo, como resume a Súmula 680 do Supremo Tribunal Federal:

“O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos”.

Apesar de não servir como parâmetro para o controle objetivo de constitucionalidade, tem eficácia indicativa da concepção da Suprema Corte sobre a compatibilidade da lei com a Constituição.

Aliás, a jurisprudência reputou indébita a extensão de certas vantagens que pressupõem a atividade àqueles que não exerciam o cargo, como o acréscimo do 1/3 (um terço) sobre a remuneração nas férias e o auxílio-moradia.

‘CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO: FÉRIAS: ACRÉSCIMO DE UM TERÇO. C.F., art. 7º, XVII. Resolução nº 06/89 do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. I. - O direito às férias remuneradas é assegurado ao servidor público em atividade. O acréscimo de um terço da remuneração segue o principal: somente faz jus a esse acréscimo o servidor com direito ao gozo de férias remuneradas. C.F., art. 7º, inciso XVII. Servidor público aposentado não tem direito, obviamente, ao gozo de férias. II. - Resolução 06/89 do Tribunal de Justiça do Espírito Santo que estendeu aos magistrados aposentados o acréscimo relativamente às férias na base de um terço da remuneração: inconstitucionalidade. III. - ADI julgada procedente’ (STF, ADI 2.579-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 21-08-2003, v.u., DJ 26-09-2003, p. 05).

‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ESTADUAL QUE CONCEDE GRATIFICAÇÃO DE FERIAS (1/3 DA REMUNERAÇÃO) A SERVIDORES INATIVOS - VANTAGEM PECUNIARIA IRRAZOAVEL E DESTITUIDA DE CAUSA - LIMINAR DEFERIDA. - A norma legal, que concede a servidor inativo gratificação de férias correspondente a um terço (1/3) do valor da remuneração mensal, ofende o critério da razoabilidade que atua, enquanto projeção concretizadora da cláusula do ‘substantive due process of law’, como insuperável limitação ao poder normativo do Estado. Incide o legislador comum em desvio ético-jurídico, quando concede a agentes estatais determinada vantagem pecuniária cuja razão de ser se revela absolutamente destituída de causa’ (STF, ADI-MC 1.158-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 19-12-1994, m.v., DJ 26-05-1995, p. 15.154).

‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EXTENSÃO DO AUXÍLIO-MORADIA AOS MEMBROS INATIVOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. I. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. A Lei n° 8.625/1993 – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LONMP) –, ao traçar as normas gerais sobre a remuneração no âmbito do Ministério Público, não prevê o pagamento de auxílio-moradia para membros aposentados do parquet. Como a LONMP regula de modo geral as normas referentes aos membros do Ministério Público e não estende o auxílio-moradia aos membros aposentados, conclui-se que o dispositivo em análise viola o art. 127, § 2º, da Carta Magna, pois regula matéria própria da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e em desacordo com esta. II. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. O auxílio-moradia constitui vantagem remuneratória de caráter indenizatório. Portanto, é devido apenas em virtude da prestação das atividades institucionais em local distinto, enquanto estas durarem. Como decorre da própria lógica do sistema remuneratório, o auxílio moradia visa ressarcir os custos e reparar os danos porventura causados pelo deslocamento do servidor público para outros locais que não o de sua residência habitual. Dessa forma, parece lógico que tal vantagem seja deferida apenas àqueles servidores em plena atividade, que se encontrem nessa específica situação, e apenas enquanto ela durar, não se incorporando de forma perpétua aos vencimentos funcionais do servidor. O auxílio-moradia deve beneficiar somente o membro do Ministério Público que exerça suas funções em local onde não exista residência oficial condigna. Assim, a extensão de tal vantagem aos membros aposentados, que podem residir em qualquer lugar, visto que seu domicílio não está mais vinculado ao local onde exerçam suas funções (CF, art. 129, § 2º), viola os princípios constitucionais da isonomia, da razoabilidade e da moralidade. III. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE’ (STF, ADI 3.783-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, 17-03-2011, m.v., DJe 06-06-2011, RT 910/355).

Ora, tratando-se de verba de caráter indenizatório, só se mostra legítima sua concessão aos servidores em atividade, não aos servidores afastados do serviço por estar em gozo de férias, casamento, até três dias, luto, pelo falecimento do cônjuge, companheiro, pais, irmãos e filhos, inclusive natimorto, padrasto, madrasta, sogros e cunhados até 2 (dois) dias, licença por acidente de trabalho ou doença profissional, licença maternidade, licença paternidade e licença médica do próprio empregado.

Assim, a extensão do auxílio-alimentação a servidores afastados do serviço, na forma dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII da Lei Complementar nº 444, de 26 de junho de 2013, do Município de Mococa, também não encontram apoio no interesse público e nas exigências do serviço, contrariando o art. 128 da Constituição Paulista, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Ofende, outrossim, o princípio da razoabilidade, assentado no art. 111 da Constituição do Estado, extensível aos Municípios por obra de seu art. 144.

O artigo 144 da Carta Estadual dispõe:

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.” (grifo nosso)

Por sua vez, os artigos 111 e 128 da Constituição Estadual estabelecem:

Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 128 - As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.”

Manifesta-se, claramente, o desrespeito ao princípio da razoabilidade pela desnecessidade de previsão normativa e por sua inadequação do ponto de vista do Poder Público, bem ainda pela falta de proporcionalidade em sentido estrito, ao criar encargos que não se justificam: não se pode efetuar o pagamento de verba indenizatória a servidores afastados nas hipóteses dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII da Lei Complementar nº 444, de 26 de junho de 2013, do Município de Mococa (recorde-se mais uma vez o caráter indenizatório do auxílio-alimentação) sem que haja razão legítima para tanto.

Esse raciocínio tem sido acolhido pela doutrina como argumento suficiente para, por desconsideração a um dos três aspectos do “teste de razoabilidade”, afastar-se a legitimidade do ato normativo ou administrativo.  

Confira-se: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 14. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 101; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 95; Gilmar Ferreira Mendes, “A proporcionalidade na jurisprudência do STF”, publicado em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p. 83.

A ofensa ao princípio da razoabilidade tem servido, em julgados desse E. Tribunal de Justiça, ao reconhecimento da inconstitucionalidade de leis que criam ônus excessivos e desnecessários para seus destinatários ou para o próprio Poder Público.

Confira-se: ADI 152.442-0/1-00, j. 07.05.08, v.u., rel. des. Penteado Navarro; ADI 150.574-0/9-00, j. 07.05.08, v.u., rel. des. Debatin Cardoso.

Dessa forma, está claramente configurada a necessidade de declaração da inconstitucionalidade dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII da Lei Complementar nº 444, de 26 de junho de 2013, do Município de Mococa.

4.     DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO

Último e não menos importante, impende salientar que é absolutamente desnecessária qualquer discussão em torno da modulação dos efeitos da decisão que vier a reconhecer a inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados, na medida em que, dado o caráter alimentar dos pagamentos realizados, não ocorrerá a repetição pelas vias ordinárias.

         O caráter alimentar da verba e a boa-fé dos beneficiários da norma inconstitucional arrima a necessidade de proteção da segurança jurídica que, no caso, consiste apenas na isenção da devolução dos valores pagos.

         Albergar o pleito de manutenção das relações jurídicas anteriores ao julgamento, de maneira a permitir a seus beneficiários a percepção de prestações vincendas, não se alvitra como melhor solução porque implicaria a permanência de situação ilícita e lesiva ab ovo, uma vez que é assaz comprometedora da saúde financeira do erário.

5.     DOS PEDIDOS

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII da Lei Complementar nº 444, de 26 de junho de 2013, do Município de Mococa.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Mococa, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 02 de dezembro de 2016.

 

        

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 113.718/2016

Interessado: Dr. Gabriel Marson Junqueira da Comarca de Mococa

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII da Lei Complementar nº 444, de 26 de junho de 2013, do Município de Mococa.

2.    Oficie-se ao representante, informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 02 de dezembro de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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