Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado n. 37.584/16

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Previdenciário. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 93-A da Lei n. 6.646, de 31 de outubro de 2007, na redação dada pelo art. 1º, “e”, da Lei n. 6.915, de 23 de dezembro de 2008, ambas do Município de Araraquara. Direito à complementação da aposentadoria e da pensão aos Servidores públicos municipais integrantes do Poder Legislativo Municipal. Ausência de fonte de custeio. Violação aos princípios do interesse público e da razoabilidade. 1. Incompatível com o art. 218 da Constituição Estadual, que determina a observância dos princípios da seguridade social previstos nos arts. 194 e 195 da Constituição Federal [dentre eles, os de que a seguridade social deve ser custeada por contribuições dos trabalhadores e de que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total (art. 195, II, § 5º)], a manutenção, no art. 93-A da Lei n. 6.646/2007 (na redação dada pelo art. 1º, “e”, da Lei n. 6.915/2008), dos direitos à complementação de proventos de aposentadoria e de pensão previstos em leis anteriores (à Constituição Federal de 1988 e à Emenda Constitucional n. 20/98) desde que admitidos até a promulgação da lei. 2. Inexistência de interesse público e de razoabilidade, violadora dos arts. 111 e 128 da Constituição Estadual, na complementação de proventos de aposentadoria e de pensões de servidores públicos sujeitos ao regime geral de previdência social, medida que lhes outorga integralidade remuneratória recusada na inatividade.

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 93-A da Lei n. 6.646, de 31 de outubro de 2007, na redação dada pelo art. 1º, “e”, da Lei n. 6.915, de 23 de dezembro de 2008, ambas do Município de Araraquara, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – O Ato Normativo Impugnado

                   Em 31 de outubro de 2007 foi editada a Lei n. 6.646 (fls. 07/68), no Município de Araraquara, que “Dispõe sobre a Organização, altera o Quadro Especial dos Servidores e institui o Plano de Cargos e Salários do Legislativo do Município de Araraquara-SP e dá outras providências”.

                   Ocorre que a Lei n. 6.915, de 23 de dezembro de 2008 (fls. 69/79), também de Araraquara, acrescentou o art. 93-A à Lei n. 6.646/2007, que apresenta a seguinte redação:

“e) Fica acrescentado o Art. 93-A, com a seguinte redação:

Art. 93 A -  Fica assegurado a todos os servidores do legislativo municipal, admitidos até a data de promulgação desta Lei, o direito à complementação de aposentadoria e pensão previsto na Lei Municipal nº 3.303, de 7 de agosto de 1.986, Lei Municipal nº 3.726, de 22 de junho de 1.990 e Lei Municipal nº 3.772, de 1º de outubro de 1.990, extinguindo-se o direito aos admitidos após a promulgação desta Lei.

§ 1º  Fará jus ao benefício o servidor que, na data de aposentadoria, contar com, no mínimo, 10(dez) anos ininterruptos de efetivo exercício, tendo por base de calculo o salário-base de vencimentos e demais vantagens, nas mesmas proporções do coeficiente de aposentadoria concedida pelo órgão previdenciário.

§ 2º O benefício disposto neste artigo e seus parágrafos estende-se aos dependentes em caso de falecimento do servidor, desde que reconhecidos pelo órgão previdenciário.” (sic)

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   A norma impugnada contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

                   Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

                   A regra jurídica contestada é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)

Artigo 218 – O Estado garantirá, em seu território, o planejamento e desenvolvimento de ações que viabilizem, no âmbito de sua competência, os princípios de seguridade social previstos nos artigos 194 e 195 da Constituição Federal”.

                   Essa última é norma remissiva que incorpora à Constituição Estadual os princípios da seguridade social contidos na Constituição Federal, em especial o caput, o inciso II e o § 5º do art. 195 desta:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(...)

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

(...)

§ 5º. Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio social”.

                   A Lei n. 3.303, de 07 de agosto de 1986 (fl. 76), referida no preceito legal impugnado, conferindo complementação de proventos da aposentadoria por invalidez e do auxílio-doença, não foi recepcionada pela Constituição Federal em razão do contraste com o art. 195, § 5º, que exige a prévia existência de fonte de custeio para criação, majoração ou extensão de benefício da seguridade social.

                   A Lei n. 3.726, de 22 de junho de 1990 (fl. 77), assegurando complementação de pensão aos dependentes de servidor público, ativo ou inativo, falecido (inclusive àqueles não filiados a instituições previdenciárias), e a Lei n. 3.772, de 01 de outubro de 1990 (fl. 78), garantindo aos inativos ou dependentes paridade, além de conflitarem com essa regra, não foram recepcionadas pelas alterações introduzidas pela Emenda Constitucional n. 20/98 nas disposições constitucionais referentes à seguridade social.

                   Apesar disso, o legislador araraquarense resolveu assegurar esse benefício no art. 93-A da Lei n. 6.646, de 31 de outubro de 2007 (nela inserido pelo art. 1º, “e”, da Lei n. 6.915, de 23 de dezembro de 2008), justamente para reinstituí-los à vista de sua revogação, preservando-os dos efeitos da nova ordem constitucional, mercê da inexistência de fonte de custeio.

                   Agrava-se a situação a compreensão da natureza do vínculo dos beneficiários da lei (servidores públicos municipais e seus pensionistas), ante a sua sujeição ao regime geral de previdência social, que não contempla complementação dos proventos e das pensões à custa do erário, nem integralidade ou paridade, falecendo, portanto, interesse público e razoabilidade na sua instituição, razão pela qual violados os arts. 111 e 128 da Constituição Estadual.

                   Também a norma objurgada é incompatível com o art. 218 da Constituição Estadual. O preceito é norma remissiva que incorpora à Constituição do Estado os princípios da seguridade social contidos na Constituição da República, entre eles o caráter contributivo e a impossibilidade de criação, majoração ou extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio social, previstos no art. 195, II, § 5º, da Constituição Federal.

                   Neste sentido, a instituição de complementação de aposentadoria é inconstitucional em virtude de sua incompatibilidade com o art. 195, § 5º, da Constituição Federal de 1988, que exige a prévia existência de fonte de custeio para criação, majoração ou extensão de benefício da seguridade social, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“A exigência inscrita no art. 195, § 5º, da Carta Política traduz comando que tem, por destinatário exclusivo, o próprio legislador ordinário, no que se refere a criação, majoração ou extensão de outros benefícios ou serviços da seguridade social” (STF, AI 151.106-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 26-11-1993).

                   Merece especial menção a procedência da ADI n. 0179980-87.2012.8.26.0000, que tratava de igual assunto, todavia no que se refere ao Poder Executivo, senão vejamos:

“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal n° 6.673 de 2007, de Araraquara, que cria complementação de proventos de aposentadoria e pensões - Ausência de fonte de custeio - Inadmissibilidade - Ofensa aos 111, 128, 218 da Constituição Bandeirante - Modulação de efeitos - Princípios da boa-fé e do interesse público - Verbas de caráter alimentar - Inconstitucionalidade declarada, com efeitos ex nunc.”

                   Ademais, o colendo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já pronunciou, reiteradas vezes, a inconstitucionalidade de leis municipais similares (ADI 164.947-0/9-00, Rel. Des. Mário Devienne Ferraz, v.u., 12-11-2008; ADI 158.764-0/4-00, Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, v.u., 16-07-2008; ADI 150.585-0/9-00, Rel. Des. Luiz Tâmbara, v.u., 26-08-2009; ADI 154.602-0/7, Rel. Des. Sousa Lima, m.v., 10-09-2008 - fls. 85/116).

                  

III – Pedido liminar

                   À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito normativo municipal apontado como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se lesão irreparável ou de difícil reparação que incide sobre o erário.

                   À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 93-A da Lei n. 6.646, de 31 de outubro de 2007, na redação dada pelo art. 1º, “e”, da Lei n. 6.915, de 23 de dezembro de 2008, ambas do Município de Araraquara.

IV – Pedido

                   Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 93-A da Lei n. 6.646, de 31 de outubro de 2007, na redação dada pelo art. 1º, “e”, da Lei n. 6.915, de 23 de dezembro de 2008, ambas do Município de Araraquara.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Araraquara, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 6 de dezembro de 2016.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

ef/mam

 

Protocolado nº 37.584/16

Interessado: Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de Araraquara

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 93-A da Lei n. 6.646, de 31 de outubro de 2007, na redação dada pelo art. 1º, “e”, da Lei n. 6.915, de 23 de dezembro de 2008, ambas do Município de Araraquara

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 93-A da Lei n. 6.646, de 31 de outubro de 2007, na redação dada pelo art. 1º, “e”, da Lei n. 6.915, de 23 de dezembro de 2008, ambas do Município de Araraquara, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

3.     Instaure-se novo protocolado com cópia da Lei n. 6.646, de 31 de outubro de 2007, de Araraquara (fls. 07/68), a fim de se investigar eventual inconstitucionalidade na criação de cargos de provimento em comissão no município.

 

                   São Paulo, 6 de dezembro de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

ef/mam