EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 55.852/2016

 

 

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 15-C, §1º, incisos V, VI e VII; § 2º, quanto à expressão “Coordenador Geral da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos” e §3º, incisos I a V e art. 15-D, § 2º, quanto à expressão “Coordenador Geral dos Serviços de Comunicação Social e Tecnologia da Informação” e § 3º, incisos I a VII, todos da Lei Complementar nº 58, de 21 de dezembro de 1993, na redação dada pelo art. 3º da Lei Complementar nº 594, de 01 de abril de 2016, ambas do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

2)      Criação dos cargos de COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS (art. 15-C, §2º e § 3º, incisos I a VII) e COORDENADOR GERAL DOS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO (art. 15-D, § 2º e § 3º, I a VII), de provimento em comissão, que não contém atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança (art. 111 e 115, I, II e V e art. 144, CE/89).

3)      Atribuição de competências inerentes à Advocacia Pública aos cargos de SECRETÁRIO MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS (art. 15-C, §1º, incisos V, VI e VII) e COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS, reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100 e art. 144, CE/89).

 

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 55.852/16, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 15-C, §1º, incisos V, VI e VII; § 2º, quanto à expressão “Coordenador Geral da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos” e §3º, incisos I a V e art. 15-D, § 2º, quanto à expressão “Coordenador Geral dos Serviços de Comunicação Social e Tecnologia da Informação” e § 3º, incisos I a VII, todos da Lei Complementar nº 58, de 21 de dezembro de 1993, na redação dada pelo art. 3º da Lei Complementar nº 594, de 01 de abril de 2016, ambas do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação encaminhada pelo DD. Promotor de Justiça de Santa Cruz do Rio Pardo (fls. 02/04).

Conforme se extrai dos autos, a Lei Complementar nº 594, de 01 de abril de 2016, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, “Institui a Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos e a Secretaria Municipal de Comunicação Social e estrutura seu funcionamento, cria e extingue cargos em comissão e funções de confiança, altera denominações de cargos em comissão e dá outras providências” e por meio de seu art. 3º, incluiu dispositivos na Lei Complementar nº 58, de 21 de dezembro de 1993, a qual, por sua vez, “Dispõe sobre a estrutura organizacional da Prefeitura Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo e dá outras providências”.

A Lei Complementar nº 594, de 01 de abril de 2016, no que interessa, criou os cargos de SECRETÁRIO MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS, COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS e COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL, nos seguintes termos:

    

         O Anexo I da Lei trata dos cargos em comissão, repetindo as atribuições dos cargos de Coordenador Geral da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos e de Coordenador Geral da Secretaria Municipal de Comunicação Social criados, respectivamente no § 3º do art. 15-C e no § 3º do art. 15-D da Lei Complementar nº 58/1993. Vejamos:

(...)

 

2.     O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

Os atos normativos em questão, no que tange à criação dos cargos comissionados de COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS e COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL, bem como em parte das atribuições fixadas ao SECRETÁRIO MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS (alíneas V a VII do § 1º do art. 15-C), contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal por força do art. 144 da Carta Paulista.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:

“(...)

Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado: 

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais; 

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

(...)

V – prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;

(...)

IX – realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial.

Art. 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva lei orgânica.

Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

(...)

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

Primeiro porque os cargos de COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS e COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL contém atribuições técnicas, administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de comando superior em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo, de modo a serem incompatíveis com o provimento em comissão, violando os artigos 111, 115, I, II e V da Carta Bandeirante.

Além disso, parte das atribuições estabelecidas aos cargos de SECRETÁRIO MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS e COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS, contrariam o art. 98 a 100, da Constituição Estadual, visto que as atividades de advocacia pública, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais investidos mediante aprovação em concurso público.

Cumpre registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na prática, negativa de vigência aos arts. 98 a 100, 111, 115, I, II e V, e 144 da Constituição Estadual, bem como aos arts. 37, incisos II e V, da Constituição Federal – como será adiante corroborado - cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

3.     DA NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DOS CARGOS COMISSIONADOS DE COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS E COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

Os cargos de provimento em comissão de COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS e COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL tem suas atribuições fixadas, respectivamente, no § 3º do art. 15-C e no § 3º do art. 15-D da Lei Complementar nº 58/1993, na redação dada pelo art. 3º Lei Complementar nº 594/2016, e repetidas no Anexo I da LC nº 54.

Porém, as atividades desempenhadas pelos referidos cargos são destinadas a atender necessidades executórias ou a dar suporte a decisões e execução. Tratam-se, portanto, de atribuições técnicas, administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de comando superior em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo.

Dessa forma, os cargos comissionados anteriormente destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 111, 115, incisos I, II e V, e art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que, assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.

Pela análise da natureza e das atribuições dos cargos impugnados não se identificam os elementos que justificam o provimento em comissão.

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão de COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS (art. 15-C, §2º e § 3º, incisos I a VII) e COORDENADOR GERAL DOS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

4. DA NATUREZA DAS ATIVIDADES DE ADVOCACIA PÚBLICA ATRIBUÍDAS AO CARGO DE COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS E SECRETÁRIO MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS.

De outro lado, parte das atribuições fixadas ao cargo de COORDENADOR GERAL DA SECRETARIA DE ASSUNTOS JURÍDICOS não se harmonizam com os arts. 98 a 100, da Constituição Paulista - que se reportam ao modelo traçado no art. 132, da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual -, de observância obrigatória pelos Municípios, por força do art. 144, da Constituição Estadual.

Com efeito, qualquer atividade de advocacia pública, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais investidos em cargos públicos, mediante prévia aprovação em concurso público.

Nesse sentido, decidiu o E. Supremo Tribunal Federal, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

Portanto, é incompatível o provimento comissionado com a advocacia pública, de modo a revelar a inconstitucionalidade do cargo de Coordenador Geral da Secretaria de Assuntos Jurídicos.

Do mesmo modo, o § 3º, incisos V, VI e VII do art. 15-C da Lei Complementar nº 58/1993, introduzido pela Lei Complementar nº 594/2016, prevê atribuições ao SECRETÁRIO MUNICIPAL DE ASSUNTOS JURÍDICOS igualmente incompatíveis com os arts. 98, 99, I, II, V e IX e 100 da Constituição Estadual.

Tais dispositivos conferem, em síntese, atribuições próprias da Advocacia Pública ao Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos, que é agente político investido em cargo de provimento em comissão de natureza imediatamente auxiliar ao Prefeito.

As mencionadas alíneas declaram competir ao Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos “coordenar a distribuição de serviços e expedientes aos advogados da Secretaria Municipal de Saúde e da Scretaria Municipal de Assistência Social”, “orientar e examinar a tramitação de processos licitatórios em geral e cumprimento de contratos”, “conduzir sindicâncias e processos administrativos” e “promover a execução das atividades de natureza jurídica dos departamentos sob sua direção”, que são atividades próprias da Advocacia Pública nos termos dos arts. 98 e 99, I, II, V e IX da Constituição Estadual.

5. DOS PEDIDOS

a)                Do Pedido Liminar

Está demonstrado à saciedade o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, somando-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Santa Cruz do Rio Pardo apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

Está claramente demonstrado que os cargos de provimento em comissão de Coordenador Geral da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos e Coordenador Geral da Secretaria Municipal de Comunicação Social têm natureza meramente técnica, burocrática, operacional e profissional.

Ademais, percebe-se que parte das atribuições estabelecidas ao cargo de Coordenador Geral da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos é reservada a profissionais recrutados pelo sistema de mérito, por força dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual, o que não possibilita que o cargo seja de provimento em comissão.

         Também as alíneas V, VI e VII do § 3º do art. 15-C da Lei Complementar nº 58/1993, na redação dada pela Lei Complementar nº 594/2016, conferem atribuições próprias da Advocacia Pública ao Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos, sendo igualmente incompatíveis com os arts. 98 a 100 da Constituição Estadual.

O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocuparem tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADI-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADI-MC 568, RTJ 138/64; ADI-MC 493, RTJ 142/52; ADI-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para a suspensão parcial, até o final e definitivo julgamento desta ação, do art. 15-C, §1º, incisos V, VI e VII; § 2º, quanto à expressão “Coordenador Geral da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos” e §3º, incisos I a V e art. 15-D, § 2º, quanto à expressão “Coordenador Geral dos Serviços de Comunicação Social e Tecnologia da Informação” e § 3º, incisos I a VII, todos da Lei Complementar nº 58, de 21 de dezembro de 1993, na redação dada pelo art. 3º da Lei Complementar nº 594, de 01 de abril de 2016, ambas do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

b) Do Pedido Principal

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 15-C, §1º, incisos V, VI e VII; § 2º, quanto à expressão “Coordenador Geral da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos” e §3º, incisos I a V e art. 15-D, § 2º, quanto à expressão “Coordenador Geral dos Serviços de Comunicação Social e Tecnologia da Informação” e § 3º, incisos I a VII, todos da Lei Complementar nº 58, de 21 de dezembro de 1993, na redação dada pelo art. 3º da Lei Complementar nº 594, de 01 de abril de 2016, ambas do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que, aguarda-se deferimento.

São Paulo, 13 de dezembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

blo/mam

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 55.852/2016

Assunto: Representação para propositura de ação direta de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 58, de 21 de dezembro de 1993 do Município de Santa Cruz do Rio Pardo

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 15-C, §1º, incisos V, VI e VII; § 2º, quanto à expressão “Coordenador Geral da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos” e §3º, incisos I a V e art. 15-D, § 2º, quanto à expressão “Coordenador Geral dos Serviços de Comunicação Social e Tecnologia da Informação” e § 3º, incisos I a VII, todos da Lei Complementar nº 58, de 21 de dezembro de 1993, na redação dada pelo art. 3º da Lei Complementar nº 594, de 01 de abril de 2016, ambas do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 13 de dezembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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