Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 93.153/2016

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 6.083, de 07 de julho de 2005. Criação da Assistência à Saúde do Servidor Público Municipal. 1. É inconstitucional lei que cria o serviço de assistência à saúde de servidores públicos e agentes políticos, ativos, inativos e pensionistas, financiada por recursos do erário e contribuições facultativas daqueles, pois, o serviço público de saúde é gratuito, igualitário e universal. 2. O ordenamento jurídico constitucional não autoriza o poder público à prestação de serviços de saúde exclusivamente aos servidores públicos e agentes políticos, somente a previdência própria e a complementar, esta na condição de copatrocinador. 3. Violação dos arts. 111, 144, 218, 219, parágrafo único n. 2, 222, IV e V, e 223, I, da CE/89 e dos arts. 5º, caput, 23, II, 30, VII, 37, 194, 195, 198, II, § 1º, e 202, § 4º, da CF/88.

 

 

 

 

 

            O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido liminar, em face da Lei nº 6.083, de 07 de julho de 2005, do Município de Guarulhos, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

                  A Lei nº 6.083, de 07 de julho de 2005, do Município de Guarulhos, que “Dispõe sobre a prestação de assistência à saúde aos segurados que especifica, acometendo competência ao IPREF para sua gestão e dá outras providências”, assim prevê:

“(...)

Art. 1º - Observada a reestruturação do Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos Municipais de Guarulhos (IPREF) dada pela Lei nº 6.056, de 24 de fevereiro de 2005, a presente Lei define a reestruturação do regime de assistência à saúde dos seus beneficiários, em decorrência da revogação da Lei nº 4.755, de 11 de dezembro de 1995.

Art. 2º - Este regime de saúde complementar à devida pelo SUS - Sistema Único de Saúde, viabilizar-se-á mediante a adesão facultativa dos interessados que integram a Administração Pública do Município de Guarulhos e se encontram, até o dia 25 de maio de 2005, vinculados ao IPREF e fazendo jus aos benefícios de assistência complementar à saúde oferecida pela Autarquia.

§ 1º Será considerado beneficiário titular aquele que contribui com a mensalidade ao IPREF por meio de desconto em folha de pagamento, pagamento direto ou outro meio acordado.

§ 2º Os pensionistas vinculam-se ao regime de saúde complementar previsto no caput do artigo 2º, exclusivamente, na opção individual conforme disposto no artigo 9º desta Lei.

§ 3º Para os atuais beneficiários vinculados ao IPREF na forma prevista no caput não será aplicada qualquer carência, desde que mantidas as atuais condições de filiação.

Art. 3º - As regras de filiação, inscrição, carência e a abrangência quanto aos titulares, dependentes e assistidos serão objeto de normatização constante de regulamento a ser expedido pelo IPREF.

Art. 4º - Para os beneficiários previstos no artigo 2º desta Lei e que estavam abrangidos pelo regime de assistência à saúde vigente até a edição da Lei nº 6.056, de 2005, a manutenção no regime de assistência à saúde instituída por esta Lei é automática.

 

 § 1º Para cancelar a adesão automática basta ao beneficiário titular manifestar formalmente, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da data da publicação desta Lei, seu desejo de exclusão do regime de assistência à saúde perante o IPREF, o que virá a ocasionar também o cancelamento das inscrições de seus dependentes e eventuais assistidos.

§ 2º Em caso de pedido de cancelamento precedido de utilização dos serviços de assistência à saúde previstos nesta Lei, o valor correspondente ao evento será reposto na forma prevista no artigo 117 da Lei nº 1.429, de 19 de novembro de 1968.

Art. 5º - A manutenção da adesão automática ou a formalização de nova inscrição implica a aceitação plena do Regulamento do IPREF válida para os beneficiários.

Art. 6º - O atendimento à saúde previsto nesta Lei será promovido através de rede credenciada e conveniada pelo IPREF, subdividida em rede local com abrangência da cidade de Guarulhos, rede complementar com abrangência da cidade de São Paulo e rede de reciprocidade de autogestão com os Estados e outros Municípios.

§ 1º Contempla a assistência à saúde o conjunto dos segmentos ambulatorial e hospitalar com obstetrícia e com acomodações em nível de enfermaria.

§ 2º No interesse exclusivo dos beneficiários de assistência à saúde de que cuida o artigo 1º desta Lei e desde que por eles custeados, o IPREF poderá firmar convênios de desconto com farmácias e drogarias.

Art. 7º - A Assistência à Saúde objeto da presente Lei constitui-se de modalidades que podem ser realizadas pelo sistema de livre escolha de profissionais e estabelecimentos credenciados na rede local.

§ 1º O acesso à rede complementar se dará mediante autorização prévia do IPREF na forma do regulamento.

2º Nos casos de urgência e emergência onde não houver rede credenciada o atendimento será reembolsado conforme tabelas baixadas pelo regulamento.

§ 3º As definições de cobertura, procedimentos administrativos e operacionais e detalhes sobre os produtos da assistência à saúde objeto da presente Lei serão estabelecidas no regulamento desta Lei, e devem embasar-se em estudos técnicos que assegurem, permanentemente, o equilíbrio entre as prestações assumidas e as fontes de custeio estabelecidas.

§ 4º As guias para exames complementares serão expedidas mediante solicitação dos médicos credenciados pelo IPREF ou por médico particular de livre escolha do beneficiário, observadas as condições previstas no Regulamento da Assistência à Saúde. (NR - LEI Nº 6.305, DE 09/11/2007)

Art. 8º - O custeio do Regime de Assistência à Saúde, gerenciado pelo IPREF, será atendido por:

I - mensalidades dos beneficiários titulares ou de pensionistas, de que trata o art. 2º desta Lei;

II - co-participação financeira de todos os beneficiários quando da utilização dos serviços e procedimentos definidos no regulamento;

III - aporte financeiro de até 5% (cinco por cento) da receita arrecadada com mensalidades dos beneficiários titulares da Prefeitura, do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), da Câmara Municipal e do IPREF, proporcionalmente à participação de seus servidores e beneficiários no regime de assistência à saúde;

IV - fundo de reserva;

V - eventuais recursos suplementares da Prefeitura, do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), da Câmara Municipal e do IPREF, proporcionalmente à participação de seus servidores e beneficiários no regime de assistência à saúde.

Parágrafo único. A co-participação financeira prevista no inciso II do caput deste artigo, terá valor máximo de 38 UFGs (trinta e oito Unidades Fiscais de Guarulhos).

Art. 9º - As mensalidades para o Regime de Assistência à Saúde poderão ser feitas na forma de opção individual, familiar ou assistido.

§ 1º As mensalidades relativas à opção individual, familiar ou assistido serão estabelecidas em Tabelas de Mensalidade estruturadas por estudos técnicos e publicadas pelo IPREF.

§ 2º As regras de enquadramento nos casos descritos no parágrafo anterior serão estabelecidas no regulamento desta Lei.

§ 3º Em ocorrendo a hipótese de dois servidores públicos titulares pertencentes ao mesmo núcleo familiar, em que um deles vier a se desfiliar para reingressar como dependente do outro, fica estabelecido que a mensalidade familiar devida será fixada com base na maior remuneração.

§ 4º Havendo inadimplência dos beneficiários titulares e pensionistas, será suspensa a prestação do serviço de assistência à saúde na forma disciplinada em regulamento.

Art. 10 - Havendo desequilíbrio financeiro do Plano, as tabelas de mensalidade individual, mensalidade familiar, mensalidade para assistidos e teto máximo de co-participação acumulativo mensal por beneficiário, poderão sofrer alterações nos valores e nas faixas salariais, mediante indicação de estudos técnicos e avaliações promovidas sobre os doze meses anteriores ao mês da avaliação.

Parágrafo único. Independente do disposto no caput será alterado o valor da mensalidade do beneficiário que vier a ser enquadrado em nova faixa etária, para as opções individual e assistido, e será alterado o valor da mensalidade quando da mudança da faixa de remuneração para a opção familiar.

Art. 11 - O Fundo de Reserva será formado por recursos da co-participação e eventuais sobras de arrecadação das mensalidades, e submeter-se-á a regime de acumulação com acompanhamento contábil.

Art. 12 - Dentre os valores arrecadados junto aos beneficiários para o custeio do Regime de Assistência à Saúde, o montante correspondente a até 10% (dez por cento) será destinado ao ressarcimento dos custos administrativos do IPREF.

Art. 13 - Durante a vigência do Regime de Assistência à Saúde, a Prefeitura Municipal, a Câmara Municipal, o SAAE e o IPREF, suprirão, por meio de recursos suplementares de seus orçamentos, eventual déficit financeiro, apresentado quando a Arrecadação de Mensalidades e o Fundo de Reserva não forem suficientes para cobrir as despesas no mês, proporcionalmente a participação relativa no regime dos beneficiários de cada uma das instituições citadas.

Art. 14 - Os saldos atuais da assistência financeira concedida com base na Lei nº 4.755, de 1995, serão amortizados e liquidados nas formas e condições nela previstas.

Art. 15 - A assistência à saúde será gerida pelo IPREF, ficando assegurada, entretanto, a contabilização e a utilização absolutamente segregada dos recursos destinados à previdência.

§ 1º Ao Presidente do IPREF é acometida a administração executiva do regime de assistência à saúde aos beneficiários previstos nesta Lei.

§ 2º Fica delegado aos Conselhos Administrativo e Fiscal do IPREF o exercício do controle e da fiscalização do cumprimento desta Lei, os quais serão detalhados em regulamento.

Art. 16 - Fica o IPREF encarregado de acompanhar os estudos necessários à proposição de regime de assistência à saúde para a totalidade dos servidores municipais, estatutários ativos ou inativos, e celetistas, no sentido de viabilizar um regime de assistência à saúde extensivo aos integrantes da Administração Pública Municipal de Guarulhos, calcado no princípio de sustentabilidade econômico-financeira.

Art. 17 - Esta Lei será regulamentada por Decreto do Poder Executivo.

Art. 18 - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, e seus efeitos produzir-se-ão a contar de 26 de maio de 2005, revogadas todas as disposições em contrário, em especial a Lei nº 4.755, de 11 de dezembro de 1995.

(...)”           

II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

A Lei nº 6.083, de 07 de julho de 2005, do Município de Guarulhos, que dispõe, em síntese, sobre a criação da Assistência à Saúde do Servidor Público Municipal de Guarulhos, abrangendo servidores públicos e agentes políticos ativos e inativos e seus dependentes, é inconstitucional por ferir os arts. 111, 144, 218, 219, parágrafo único n. 2, 222, IV e V, e 223, I, da Constituição do Estado de São Paulo e art. 5º, caput, 23, II, 30, VII, 37, 194, 195, 198, II, § 1º, e 202, § 4º, da Constituição da República. 

Assim dispõem as referidas normas constitucionais:

“Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do estado, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)

Art. 218 – O Estado garantirá, em seu território, o planejamento e desenvolvimento de ações que viabilizem, no âmbito de sua competência, os princípios de seguridade social previstos nos artigos 194 e 195 da Constituição Federal.

Art. 219 – A saúde é direito de todos e dever do Estado:

Parágrafo único- O Poder Público Estadual e Municipal garantirão o direito à saúde mediante:

(...)

2- acesso universal e igualitário às ações e ao serviço de saúde, em todos os níveis.

(...)

Art. 222- As ações e os serviços de saúde executados e desenvolvidos pelos órgãos e instituições públicas estaduais e municipais, da administração direta, indireta e fundacional, constituem o sistema único de saúde, nos termos da constituição federal, que se organizará ao nível do estado, de acordo com as seguintes diretrizes e bases:

(...)

IV – universalização da assistência de igual qualidade com instalação e acesso a todos os níveis, dos serviços de saúde à população urbana e rural;

V – gratuidade dos serviços prestados, vedada a cobrança de despesas e taxas sob qualquer título.

(...)

Art. 223 – Compete ao sistema único de saúde, nos termos da lei, além de outras atribuições:

I – assistência integral à saúde, respeitadas as necessidades específicas de todos os segmentos da população”.

Não bastasse a expressa remissão contida no art. 218 da Constituição Estadual, não é vedado o exame da incompatibilidade da lei local contestada com a Constituição Federal, em virtude de ofensa ao art. 144 da Constituição do Estado, norma remissiva que incorpora à Constituição Estadual os princípios da Constituição Federal, como mencionado anteriormente.

           Possível, portanto, o contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e aos dispositivos da Constituição Federal que gravitam em torno do assunto.

Os parâmetros da Constituição da República referidos pela Constituição do Estado são os seguintes:

“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem a distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito á vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

Art. 23 – É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II- cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.

Art. 30- Compete aos Municípios:

(...)

VII- prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população.

(...)

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

§ 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União.

§ 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos.

§ 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, ‘b’.

§ 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.

§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-deobra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.

§ 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos.

§ 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar.

§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. § 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento.

(...)

Art. 198- As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado com as seguintes diretrizes:

(...)

II- atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

(...)

§ 1º - O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

(...)

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

(...)

§ 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada”.

         No Município de Guarulhos os servidores públicos e agentes políticos municipais (ativos e inativos) e seus dependentes, além do regular atendimento público de saúde pela rede do Sistema Único de Saúde (SUS) disponibilizado para toda população, desfrutam de uma assistência à saúde exclusiva, porém, custeada (ainda que em parte) pelos cofres municipais, com recursos oriundos da tributação arcada pelos demais munícipes.

Daí exsurge a incompatibilidade com o princípio da igualdade que não bastasse governar toda e qualquer atividade administrativa é impositivo especificamente para os serviços públicos de saúde de qualquer esfera ou nível (arts. 5º, 30, VII, 37, 194, parágrafo único, I, e 198, II, Constituição Federal; arts. 111, 218, 219, parágrafo único, 2, 222, IV, e 223, I, Constituição Estadual).

Viola o princípio da igualdade tanto o tratamento desigual para situações idênticas, como o tratamento idêntico para situações que são diferenciadas.

Como anota Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. E, por fim, consoante averbado insistentemente, cumpre ademais que a diferença do regime legal esteja correlacionada com a diferença que se tomou em conta” (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, São Paulo: Malheiros, 2004, 3ª ed., 12ª tir., p. 35).

Esse é o sentido do princípio da isonomia, salientado por José Afonso da Silva, ao afirmar que “a realização da igualdade perante a justiça, assim, exige a busca da igualização de condições dos desiguais” (Curso de direito constitucional positivo, São Paulo: Malheiros, 13ª ed., 1997, p. 215).            

A diferenciação feita pelo legislador é possível quando, objetivamente, constatar-se um fator de discrímen que dê razoabilidade à diferenciação de tratamento contida na lei, pois a igualdade pressupõe um juízo de valor e um critério justo de valoração, proibindo o arbítrio, que ocorrerá “quando a disciplina legal não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável” (J. J. Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra: Almedina, 3ª ed., 1998, pp. 400-401).

Além disso, no constitucionalismo moderno “a função de impulso e a natureza dirigente do princípio da igualdade aponta para as leis como um meio de aperfeiçoamento da igualdade através da eliminação das desigualdades fácticas” (J. J. Gomes Canotilho. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, Coimbra: 2ª ed., Coimbra Editora, 2001, p. 383).

O que o princípio em verdade veda é que a lei vincule uma “consequência a um fato que não justifica tal ligação”, pois, o vício de inconstitucionalidade por violação da isonomia deve incidir quando a norma que promove diferenciações sem que haja “tratamento razoável, equitativo, aos sujeitos envolvidos” (Celso Ribeiro Bastos. Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 18ª ed. São Paulo, 1997, pp. 181-182).

A valoração daquilo que constitui o conteúdo jurídico do princípio constitucional da igualdade, ou seja, a vedação de uma “regulação desigual de fatos iguais” (Konrad Hesse. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1998, p. 330, tradução de Luís Afonso Heck,), deve ser realizada caso a caso, com base na razoabilidade e proporcionalidade na análise dos valores envolvidos, pois “não há uma resposta de uma vez para sempre estabelecida” (ob. cit., p. 331).

Em outras palavras, além do aspecto negativo do princípio, como vedação de tratamento desigual a situações e pessoas em condição similar, traz conotação positiva, para conceder ao legislador a missão de, pela elaboração normativa, com parâmetro nos obstáculos e desigualdades reais, equiparar, ou equilibrar situações, materializando efetivamente o conteúdo concreto da isonomia. Pela elaboração normativa, o legislador poderá afastar óbices de qualquer ordem que limitem a aproximação efetiva daqueles que se encontram sob a égide do ordenamento jurídico (Paolo Biscaretti Di Ruffia. Diritto constituzionale, Napoli: Jovene, 15ª ed., 1989, p. 832).

No caso em exame, o que se verifica é a inexistência de qualquer fundamento concreto e razoável que justifique a prestação de serviços de saúde pelo poder público municipal em favor exclusivamente de seus servidores municipais e agentes políticos (ativos e inativos) e pensionistas.

Correto concluir, assim, que tendo o legislador tratado de forma diversa os servidores públicos municipais ativos e inativos e pensionistas que estão em idêntica situação que os demais munícipes, violou o princípio da isonomia, editando normas inconstitucionais.

A Constituição Federal elevou o Sistema Único de Saúde – SUS à condição institucional, albergando em um só conjunto os serviços de saúde federal, estadual e municipal, sem, contudo, eliminar as atuações isoladas dos três entes federativos.

Ao Município cabe, em cooperação com a União e o Estado, cuidar da saúde e da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência (art. 23, II, Constituição Federal), e prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população (art. 30, VII, Constituição Federal).

Esse é um ponto muito importante que, não bastasse reforçar o atentado à isonomia acima exposto, denota a inconstitucionalidade da própria instituição de serviço público de saúde cuja fruição, à margem da unicidade do Sistema Único de Saúde, deve ser gratuita.

Com efeito, segundo as regras acima invocadas da Constituição Federal e da Constituição Estadual, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estão integrados em uma rede única de prestação do serviço público de saúde.

Daí decorre a vedação da instituição pelos Municípios de serviço público de saúde à margem dessa rede ou de serviço privado de saúde com contribuições obrigatórias ou facultativas de seus segurados além do financiamento oriundo do próprio erário. Em outras palavras, não há direito à secessão.

Nisso se patenteia violação ao art. 198, caput, da Constituição Federal e ao art. 222, caput, da Constituição Estadual, e que é, aliás, corroborada pelo art. 202, § 4º, da Constituição Federal, que ao assegurar o poder público copatrocinar entidades privadas de previdência complementar não o autoriza a tanto em favor de entidades ou órgãos públicos de prestação dos serviços de saúde em favor de agentes públicos.

O art. 30, VII, da Constituição Federal, igualmente violado, alicerça estas premissas, pois, é dever municipal prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população, e não somente a seus agentes públicos.

Ademais, a inconstitucionalidade se robustece quando se constata que o serviço público de saúde dos agentes públicos municipais é financiado tanto por recursos do erário quanto destes últimos na condição de segurados.

Pois, para além da compulsoriedade ou não da contribuição dos segurados, a regra, no direito brasileiro vigente, é a gratuidade dos serviços de saúde prestados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, como se infere do art. 198, § 1º, da Constituição Federal e do art. 222, V, da Constituição Estadual.

Para além, denota-se ofensa ao princípio da razoabilidade (art. 37, Constituição Federal; art. 111, Constituição Estadual).

O Sistema Único de Saúde é financiado pela União, pelo Estado e pelo Município (art. 198, parágrafo único, Constituição Federal). Esses recursos devem reverter em prol da população e não de uma parcela, de maneira que é vedado ao Município na prestação dos serviços de saúde atender exclusivamente seus agentes públicos.

Isso fere o princípio da razoabilidade e contraria o interesse público posto que se já existe o Sistema Único de Saúde à disposição de todos os munícipes, não é razoável que o Poder Público custeie em grande parte a citada assistência médica própria e, ainda, a garanta em caso de insuficiência financeira.

Outra incompatibilidade com a Constituição Federal e a Constituição Estadual se constata na extensão da condição de segurado aos agentes políticos e servidores públicos ocupantes exclusivamente de cargos de provimento em comissão (ativos ou inativos) e respectivos dependentes.

Essa extensão não se coaduna com o princípio da moralidade administrativa constante tanto do art. 37 da Constituição da República quanto do art. 111 da Constituição do Estado, pois, a eles sequer foi contemplada a sujeição ao regime próprio de previdência dos servidores públicos (art. 40, § 13, Constituição Federal), sendo, ademais, inconciliável com a natureza provisória e não profissional do exercício de suas funções a possibilidade de filiação a serviço público de saúde destinado a agentes públicos profissionais e abastecido com recursos públicos. O que se verifica na espécie é um expediente revelador de mordomia, corolário de visão patrimonialista da res publica.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que dependeria de lei complementar federal a inclusão de agentes políticos na seguridade social:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PREVIDÊNCIA SOCIAL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL: PARLAMENTAR: EXERCENTE DE MANDATO ELETIVO FEDERAL, ESTADUAL ou MUNICIPAL. Lei 9.506, de 30.10.97. Lei 8.212, de 24.7.91. C.F., art. 195, II, sem a EC 20/98; art. 195, § 4º; art. 154, I. I. - A Lei 9.506/97, § 1º do art. 13, acrescentou a alínea h ao inc. I do art. 12 da Lei 8.212/91, tornando segurado obrigatório do regime geral de previdência social o exercente de mandato eletivo, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social. II. - Todavia, não poderia a lei criar figura nova de segurado obrigatório da previdência social, tendo em vista o disposto no art. 195, II, C.F.. Ademais, a Lei 9.506/97, § 1º do art. 13, ao criar figura nova de segurado obrigatório, instituiu fonte nova de custeio da seguridade social, instituindo contribuição social sobre o subsídio de agente político. A instituição dessa nova contribuição, que não estaria incidindo sobre ‘a folha de salários, o faturamento e os lucros’ (C.F., art. 195, I, sem a EC 20/98), exigiria a técnica da competência residual da União, art. 154, I, ex vi do disposto no art. 195, § 4º, ambos da C.F. É dizer, somente por lei complementar poderia ser instituída citada contribuição. III. - Inconstitucionalidade da alínea h do inc. I do art. 12 da Lei 8.212/91, introduzida pela Lei 9.506/97, § 1º do art. 13. IV. - R.E. conhecido e provido” (STF, RE 351.717-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 08-10-2003, v.u., DJ 21-11-2003, p. 10).

E também considerou que benefícios dessa ordem outorgados a agentes políticos desafiam princípios como o de moralidade administrativa:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 35, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2006, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. ACRÉSCIMO DO ART. 29-A, CAPUT e §§ 1º, 2º E 3º, DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS GERAIS E TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO SUL-MATO-GROSSENSE. INSTITUIÇÃO DE SUBSÍDIO MENSAL E VITALÍCIO AOS EX-GOVERNADORES DAQUELE ESTADO, DE NATUREZA IDÊNTICA AO PERCEBIDO PELO ATUAL CHEFE DO PODER EXECUTIVO ESTADUAL. GARANTIA DE PENSÃO AO CÔNJUGE SUPÉRSTITE, NA METADE DO VALOR PERCEBIDO EM VIDA PELO TITULAR. 1. Segundo a nova redação acrescentada ao Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição de Mato Grosso do Sul, introduzida pela Emenda Constitucional n. 35/2006, os ex-Governadores sul-mato-grossenses que exerceram mandato integral, em 'caráter permanente', receberiam subsídio mensal e vitalício, igual ao percebido pelo Governador do Estado. Previsão de que esse benefício seria transferido ao cônjuge supérstite, reduzido à metade do valor devido ao titular. 2. No vigente ordenamento republicano e democrático brasileiro, os cargos políticos de chefia do Poder Executivo não são exercidos nem ocupados 'em caráter permanente', por serem os mandatos temporários e seus ocupantes, transitórios. 3. Conquanto a norma faça menção ao termo 'benefício', não se tem configurado esse instituto de direito administrativo e previdenciário, que requer atual e presente desempenho de cargo público. 4. Afronta o equilíbrio federativo e os princípios da igualdade, da impessoalidade, da moralidade pública e da responsabilidade dos gastos públicos (arts. 1º, 5º, caput, 25, § 1º, 37, caput e inc. XIII, 169, § 1º, inc. I e II, e 195, § 5º, da Constituição da República). 5. Precedentes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 29-A e seus parágrafos do Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul” (RTJ 203/139).

III – Pedido

         Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 6.083, de 07 de julho de 2005, do Município de Guarulhos.

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Guarulhos, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

Termos em que, pede deferimento.

 

São Paulo, 12 de dezembro de 2016.

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

ef/dcm

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 93.153/2016

Assunto: Análise de constitucionalidade da Lei nº 6.083/2005, do Município de Guarulhos

 

 

 

 

1.                Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 6.083, de 07 de julho de 2005, do Município de Guarulhos junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.                Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 12 de dezembro de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

ef/dcm