EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado n. 114.337/16
Constitucional. Administrativo.
Ação direta de inconstitucionalidade. Inciso XV, do art. 9º, da Lei Orgânica do
Município de Pindamonhangaba. Leis nºs 5948, de 20 de julho de 2016, 5940, de
01 de julho de 2016, 5906, de 28 de abril de 2016 e 5893, de 21 de março de
2016, todas do Município de Pindamonhangaba.
Denominação de logradouros e próprios públicos. Iniciativa parlamentar. Reserva
da Administração. Separação de Poderes. 1. A denominação de bens,
prédios, logradouros e vias do patrimônio público é ato privativo da gestão
administrativa reservada ao Chefe do Poder Executivo. 2. Inciso XV, do art. 9º, da Lei Orgânica do Município de Pindamonhangaba
e Leis Municipais que usurpam a reserva da Administração, com ofensa ao
princípio da separação dos poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da
Constituição do Estado).
O PROCURADOR-GERAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no
art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de
1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso
IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90,
inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 114.337/16), vem perante esse Egrégio
Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do inciso XV, do art. 9º, da Lei
Orgânica do Município de Pindamonhangaba e das Leis nºs 5948, de 20 de julho de
2016, 5940, de 01 de julho de 2016, 5906, de 28 de abril de 2016 e 5893, de 21
de março de 2016, todas do Município de Pindamonhangaba, pelos fundamentos
expostos a seguir.
I.
DOS
ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
O
inciso XV, do art. 9º, da Lei Orgânica do Município de Pindamonhangaba, tem a
seguinte redação (fls.69/70):
“(...)
Art.
9º – Cabe à Câmara de Vereadores, dispor, na forma da lei sobre as matérias de
competência do Município e especialmente: (...)
XV
– denominar vias, logradouros e próprios públicos, mediante lei;
(...)”
A
Lei nº 5948, de 20 de julho de 2016, dispõe (fls. 03):
“(...)
Art.
1° O art. 1° da Lei n° 5.772, de 11 de maio de 2015 passa a vigorar com a
seguinte redação: “Art. 1° Fica denominado de PAI – Dr. ENRICO KANZÔ TUTIHASHI
o Pronto Atendimento Infantil, localizado na Vila Bourguese (antigo prédio do
Pronto Atendimento da Unimed).
Art.
2° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições
em contrário.
(...)”
Por sua vez, a Lei nº 5940, de 01 de
julho de 2016, preceitua (fls. 04):
“(...)
Art.
1° Fica denominada de ARLINDO PAIM e ANITA PAIM, a Farmácia Central, o
Almoxarifado e a Ouvidoria, localizados na Avenida Albuquerque Lins.
Art.
2° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições
em contrário.
(...)”
A
Lei nº 5906, de 28 de abril de 2016, estabelece (fls.06):
“(...)
Art.
1° Fica denominado de PARQUE LINEAR JURACY BERNARDO DA SILVA – VIZINHO, o
Parque Linear localizado no bairro Terra dos Ipês II.
Art.
2° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições
em contrário.
(...)”
E
a Lei nº 5893, de 21 de março de 2016, prevê (fls. 07):
“(...)
Art.
1° Fica denominada de ESTER MARIA RIBEIRO a praça do Bairro das Campinas,
localizada na rua José Benedito Quirino, próximo à quadra de esportes.
Art.
2° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
(...)”.
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os
atos normativos supramencionados contrariam
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
Os
preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de
seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo 144 - Os
Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição”.
Os dispositivos impugnados são incompatíveis com os
seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 5º - São
Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
§ 1º - É vedado
a qualquer dos Poderes delegar atribuições.
§ 2º - O
cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro,
salvo as exceções previstas nesta Constituição.
(...)
Artigo 47 -
Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas
nesta Constituição:
(...)
II - exercer,
com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração
estadual;
(...)
XIV - praticar
os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)”
III - DA INCONSTITUCIONALIDADE
DA USURPAÇÃO DA RESERVA DA
ADMINISTRAÇÃO E VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES
A atual redação do inciso XV,
do art. 9º, da Lei Orgânica do Município de Pindamonhangaba exige a edição de
lei para a denominação de ruas, próprios e logradouros públicos, sendo certo
que as leis municipais 5948/16, 5940/16, 5906/16 e 5893/16 atribuem nomes a
referidos lugares.
Indubitavelmente, trata-se de matéria de interesse local (CF, art. 30, I), dispondo, assim, os Municípios de ampla competência para regulamentá-la, pois foram dotados de autonomia administrativa e legislativa. E, vale acrescentar, não há na Constituição em vigor reserva dessa matéria em favor de qualquer dos Poderes, donde se conclui que a iniciativa das leis que dela se ocupem só pode ser geral ou concorrente.
Contudo, afigura-se necessário distinguir as seguintes
situações:
(a) a edição de regras que disponham genérica e abstratamente sobre a denominação de
logradouros e de próprios públicos, caso em que a iniciativa é concorrente;
(b) o ato de atribuir nomes a logradouros e próprios públicos, segundo as
regras legais que disciplinam essa atividade, que é da competência privativa do Executivo.
No Município, à Câmara Municipal incumbem as funções legislativas e ao Prefeito as executivas. Entre esses Poderes locais não existe subordinação administrativa ou política, mas simples entrosamento de funções e de atividades político-administrativas. “Nessa sinergia de funções é que residem a independência e a harmonia dos poderes, princípio constitucional extensivo ao governo municipal.” (Cf. HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros, São Paulo, 8.ª ed., pp. 427 e 508.)
Em sua função normal compete à Casa de Leis Municipal
elaborar normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua
atribuição específica, bem diferente daquela outorgada ao Poder Executivo, que
consiste na prática de atos concretos de administração.
Assim, no exercício de sua função normativa, a Câmara
está habilitada a editar normas gerais, abstratas e coativas a serem observadas
pelo Prefeito, para a denominação das vias, logradouros e prédios públicos,
como, por exemplo: proibir que se atribua o nome de pessoa viva, determinar que
nenhum nome poderá ser composto por mais de três palavras, exigir o uso de
vocábulos da língua portuguesa, etc. (Cf. ADILSON DE ABREU DALLARI,
“Boletim do Interior”, Secretaria do Interior do Governo do Estado de São
Paulo, 2/103).
Ressalte-se que a nomenclatura de logradouros públicos,
que constitui elemento de sinalização
urbana, tem por finalidade precípua a orientação da população (Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito
Urbanístico Brasileiro”, Malheiros, São Paulo, 2.ª ed., p. 285).
Definidas essas premissas básicas, entretanto, é imperativo
o reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados nesta
inicial.
Leis que conferem nomes a bens integrantes do
patrimônio público municipal não encerram o conteúdo de normas abstratas ou
teóricas, instituídas em caráter permanente e de generalidade.
Ou seja, a Câmara não pode, em nosso regime
constitucional, invadir a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder
Executivo, atribuindo, especificamente e de modo individualizado, a
determinados bens, prédios, logradouros e vias do patrimônio público integrantes do Município,
denominação concreta.
Os dispositivos impugnados não se mostram regras
jurídicas, mas simples atos
administrativos do Poder Legislativo, que invadem a esfera de competência
constitucional do Poder Executivo.
Na ordem constitucional vigente, que incorporou o
postulado da separação de funções, a fim de limitar o poder estatal, na
consagrada fórmula de Montesquieu, não existe a menor possibilidade de a
Administração municipal ser exercida pela Câmara, por meio de leis (Estado
legal), pois a Constituição é clara ao atribuir ao Prefeito a competência
privativa para exercer, com o auxílio dos Secretários Municipais, a direção
superior da administração municipal (CE, art. 47, II) e praticar os atos de
administração, nos limites de sua competência (CE, art. 47, XIV).
Bem por isso, aliás, ELIVAL DA SILVA RAMOS
adverte que:
“(...)
Sob a vigência
de Constituições que agasalham o princípio da separação de Poderes (...) não é
lícito ao Parlamento editar, ao seu bel-prazer, leis de conteúdo concreto e
individualizante. A regra é a de que as leis devem corresponder ao exercício da
função legislativa. A edição de leis meramente formais, ou seja, ‘aquelas que,
embora fluindo das fontes legiferantes normais, não apresentam os caracteres de
generalidade e abstração, fixando, ao revés, uma regra dirigida, de forma
direta, a uma ou várias pessoas ou a determinada circunstância’, apresenta
caráter excepcional. Destarte, deve vir expressamente autorizada no Texto
Constitucional, sob pena de inconstitucionalidade substancial. (“A
Inconstitucionalidade das Leis - Vício e Sanção”, Saraiva, 1994, p. 194.)
(...)”
Nesse contexto, a aprovação de lei que atribui nome a logradouro ou prédio público só pode ser interpretada como atentatória ao postulado constitucional da independência e harmonia entre os poderes (CE, art. 5.º).
Ao examinar assunto correlato, no julgamento da Repr.
n.º 1.117-SP, o insigne Ministro FRANCISCO REZEK consignou no seu
respeitável voto que:
“(...)
No contexto dos
debates que esta matéria provocou na origem, e que envolveram os três poderes
do Estado, vez por outra afloram equívocos conceituais de certa monta, qual o
entendimento da prerrogativa de dar nome à sede forense como atributo da
propriedade imobiliária, ou a visão do Poder Executivo como titular do domínio
dos bens públicos afetos a seus próprios serviços, tanto quanto aos da
Legislatura e aos da Justiça.
Tudo isso posto
de lado, porque desnecessário ao completo esquema da questão de inconstitucionalidade
que aqui se discute, reponta claro o argumento do Presidente da Assembleia
Legislativa de São Paulo: parece-lhe que a competência para dar nome a
logradouros públicos, porque não disciplinada na lei fundamental, há de sê-lo
em lei ordinária; e que entre aqueles não há por que distinguir os de uso
especial da Justiça dos vinculados aos demais poderes, ou entregues ao uso
comum do povo. Aquela primeira ideia se viu desenvolver com esmero pelos
fundadores da federação norte-americana, e, dessa e de outras fontes, foi
sabidamente assimilada pelo direito público brasileiro: tudo quanto a Carta não
diz por si mesma, di-lo-á não o Governo, nem tampouco a Justiça, mas o
Congresso, compositor, por excelência, da ordem jurídica que a lei fundamental encabeça,
sem poder exaurir.
Essa regra
eminente traz, porém, consigo, duas presunções tácitas, a ditar-lhe o exato
contorno. A primeira é a de que esse espaço a ser preenchido pela produção
congressional reclame substância normativa, vestida da abstração e da
generalidade que lhe são próprias. A segunda, indissociável da precedente, é a
de que o vasto domínio dos poderes implícitos do Congresso não pretenda
estender-se sobre área reservada pela lei fundamental às prerrogativas do
Executivo e do Judiciário, com todos os desdobramentos necessários a que se não
lhes afronta a independência.
(...)”
Em suma, a concessão de denominação a determinado bem municipal é ato concreto de administração, parte integrante do serviço público de sinalização urbana, cujo único responsável é o Prefeito.
Não há como aceitar a interpretação que inclui no rol
dos poderes implícitos da Câmara a competência para editar leis formais,
desvestidas dos atributos de generalidade e abstração, tampouco estender esses
poderes sobre área de atuação exclusiva do Poder Executivo, a quem compete
administrar os bens públicos e prestar os serviços públicos municipais. O ato
de atribuir nomes a logradouros ou prédios públicos é mero corolário do poder
de administrar.
Bem a propósito, ao examinar leis de conteúdo
semelhante, esse egrégio Tribunal de Justiça decidiu que:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS Nº 10.222/2012, 10.296/2012 E 10.367/2012, DE
INICIATIVA PARLAMENTAR, QUE ATRIBUEM NOME A LOGRADOUROS E ESCOLA DO MUNICÍPIO
DE SOROCABA. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA AÇÃO PARA CONTROLE CONCENTRADO DE
NORMA DE CARÁTER CONCRETO. AÇÃO ADEQUADA. POSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO DE NORMAS
SEM CARÁTER DE GENERALIDADE A CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ATOS EDITADOS
SOB A FORMA DE LEI. AUSÊNCIA DE DISTINÇÃO PELO CONSTITUINTE ENTRE LEIS DOTADAS
DE GENERALIDADE E AQUELOUTRAS, CONFIRMADAS SEM O ATRIBUTO DA GENERALIDADE E
ABSTRAÇÃO. INADMISSIBILIDADE DA ISENÇÃO DE ATOS APROVADOS SOB A FORMA DE LEI DO
CONTROLE ABSTRATO DE NORMAS. PRECEDENTES DA CORTE SUPREMA. PRELIMINAR AFASTADA.
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS Nº 10.222/2012, 10.296/2012 E 10.367/2012, DE
INICIATIVA PARLAMENTAR, QUE ATRIBUEM NOME A LOGRADOUROS E ESCOLA DO MUNICÍPIO
DE SOROCABA. VÍCIO DE INICIATIVA. AFRONTA AO PRINCIPIO DA SEPARAÇÃO DOS
PODERES. ATRIBUIÇÃO DE NOMES AOS BENS, PRÉDIOS, LOGRADOUROS E VIAS QUE É ATO DE
ORGANIZAÇÃO DE SINALIZAÇÃO MUNICIPAL, DE INICIATIVA EXCLUSIVA DO CHEFE DO
EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, 47, II E XIV E 144 DA CARTA BANDEIRANTE. AÇÃO
PROCEDENTE.” (ADI nº 2032984-81.2015.8.26.0000, Rel. Des. Xavier de Aquino, j.
em 29/07/2015, v.u).
Em suma, a Câmara não pode arrogar a si a competência para autorizar a prática de atos concretos de administração. E a nomenclatura de logradouros e próprios públicos - que constitui atividade relacionada ao serviço público municipal de sinalização e identificação - enquadra-se exatamente nessa hipótese, resultando, daí, a conclusão inafastável de que os dispositivos em epígrafe são manifestamente incompatíveis com o princípio da separação dos poderes.
Estas são as razões para o
reconhecimento da inconstitucionalidade
formal dos dispositivos impugnados, por afronta aos arts. 5º e 47, II e XIV, da
Constituição Paulista, cuja observância é obrigatória pelos municípios por força do art. 144 do mesmo diploma.
IV) CONCLUSÃO
E PEDIDO
Diante
de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade do inciso XV, do art. 9º, da Lei Orgânica do Município de
Pindamonhangaba, bem como das Leis nºs 5948, de 20 de julho de
2016, 5940, de 01 de julho de 2016, 5906, de 28 de abril de 2016 e 5893, de 21
de março de 2016, todas do Município de Pindamonhangaba, por ofensa aos
arts. 5º, 47, II e XIV e 144 da Constituição Paulista.
Requer-se, ainda, que sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Pindamonhangaba,
bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se
sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para
fins de manifestação final.
Termos
em que,
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 11 de janeiro de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/sh
Protocolado nº 114.337/16
1.
Distribua-se a inicial da ação direta de
inconstitucionalidade.
2.
Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias,
comunicando-se a propositura da ação.
3.
Cumpra-se.
São Paulo, 11 de janeiro de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/sh