EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 137.278/2016

 

 

Ementa:

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 4.380, de 19 de junho de 2012, e Lei nº 4.657, de 22 de julho de 2016, ambas do Município de Guaratinguetá.

2.      Ausência de participação popular e de planejamento técnico na produção das leis mencionadas. Inconstitucionalidade por violação dos arts. 180, I, II e V, 181 e 191, da Constituição Estadual.

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 4.380, de 19 de junho de 2012, e da Lei nº 4.657, de 22 de julho de 2016, ambas do Município de Guaratinguetá, pelos seguintes fundamentos:

1. DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei nº 4.380, de 19 de junho de 2012, do Município de Guaratinguetá, que “Altera a redação do quadro II, da Lei Municipal n° 1.925, de 22 de outubro de 1986, que estabelece as diretrizes básicas para o uso e a ocupação do solo no Município de Guaratinguetá”, tem a seguinte redação (fls. 76/77):

“(...)

Artigo 1º O quadro II anexo a Lei Municipal nº 1.925, de 22 de outubro de 1986, que estabelece as diretrizes básicas para o uso e a ocupação do solo do Município de Guaratinguetá, instituído no art. 13, alterado pela Lei Municipal nº 4.259, de 23 de novembro de 2010, passa a vigorar em conformidade com o Quadro II anexo e integrante desta Lei.

 Artigo 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

QUADRO II

CATEGORIAS

TIPO DE ESTABELECIMENTO

ÁREA MÍNIMA PARA AUTOMÓVEIS

PÁTIO PARA CARGA E DESCARGA

R 1

02 Habitações geminadas e iguais

12,00m² por unidade residencial

 

R 2

Habitações agrupadas horizontalmente

12,00m² por unidade residencial

 

Habitações agrupadas verticalmente

12,00m² por unidade residencial

 

R 3

 

12,00m² por unidade residencial

 

CS 1

 

1 vaga para cada 50,00m² de área edificada

 

Hotéis / Motéis

12,00m² para cada quarto

 

Estabelecimentos de Ensino / Bancos / Restaurantes / Choperias / Churrascarias e Pizzarias / Clubes / Buffet

1,00m² para cada 10,00 m² de área construída

 

Supermercados

1,00m² para cada 10,00 m² de área construída

Obrigatório com área construída superior a 1.000,00m²

CS 2

 

1 vaga para cada 10,00m² de área edificada

Obrigatório com área construída superior a 1.000,00m²

Pronto-Socorro, Ambulatórios com área construída superior a 300,00m²

1,00m² para cada 17,00m² de área construída

Obrigatório com área construída superior a 1.000,00m²

Lojas de departamentos, supermercados ou centros de compras com área construída superior a 1.000,00m²

1,00m² para cada 2,00m² de área construída

Obrigatório com área construída superior a 1.000,00m²

Hospitais

1,00m² para cada 10,00m² de área construída

Obrigatório com área construída superior a 1.000,00m²

CS 3

 

1 vaga para cada 50,00m² de área construída

 

CS 4 / CS 5

 

1 vaga para cada 100,00m² de área construída

Obrigatório com área construída superior a 1.000,00m²

INS

 

1 vaga para cada 500,00m² de área edificada

 

Templos Religiosos

1 vaga para cada 700.00m² de área construída

 

I 1

 

1 vaga para cada 100.00m² de área construída ou fração

Obrigatório com área construída superior a 1.000,00m²

I 2, I 3, I 4, I5

 

1 vaga para cada 100.00m² de área construída ou fração

Obrigatório com área construída superior a 1.000,00m²

 

(...)

Por seu turno, a Lei nº 4.657, de 25 de julho de 2016, do Município de Guaratinguetá, que “Altera dispositivos da Lei Municipal n° 1.925, de 22 de outubro, que estabelece as diretrizes básicas para o uso e a ocupação do solo no Município de Guaratinguetá, e dá outras providências”, tem a seguinte redação (fls. 47/57):

“(...)

Art. 1º O art. 6º, inciso XII-1, Corredores Comerciais, Corredor Tipo E, da Lei Municipal nº 1.925, de 22 de outubro de 1986, passa a vigorar com a seguinte redação:

 “Art.6º...............................................................

 XII........................................................................................

 XII1 ....................................................................................

CORREDOR TIPO E

 - Rua Cândido Dinamarco

- Rua Maria Benedita Gobo – Village Mantiqueira

- Avenida Alberto Barbeta (entre o limite norte do LotVillage Mantiqueira e limite norte do Lot. Jardim do Vale)

- Avenida Carlos Rebello Júnior

- Avenida Ministro Urbano Marcondes (entre a Av. João Alves Motta e Rua Oswaldo Dixon)

- Avenida Monte Castello

- Avenida Pedro de Toledo (entre a Av. Ministro Urbano Marcondes e Av. Carlos Rebello Júnior)

- Avenida Presidente Vargas (lado ímpar)

- Rua José Záccaro Neto

Avenida Brasília”

 Art. 2º O inciso XI, do art. 9º, da Lei Municipal nº 1.925, de 1986, acrescentado pela Lei Municipal nº 4.032, de 24 de abril de 2008, passa a vigorar com a seguinte redação:

 “Art.9º  .............................................................................

XI – INSTITUCIONAL – INS – Compreendem:

 Áreas de uso público destinadas à instalação de equipamentos urbanos e comunitários tais como asilos, orfanatos, albergues e estabelecimentos congêneres, mantidos pelo poder púbico ou por entidades civis, sem fins lucrativos.”

 Art. 3º O artigo 9º da Lei Municipal nº 1.925, de 1986, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XII:

 “Art. 9º ............................................................

 XII – INSTITUCIONAL – RELIGIOSO – compreendem:

 Áreas de uso público destinadas à instalação de equipamentos urbanos e comunitários tais como igrejas e demais templos religiosos.”

 Art. 4º Quadro I, de que trata o art. 10, da Lei Municipal nº. 1.925, de 1986, alterado pela Lei Municipal nº 4.259, de 14 de fevereiro de 2011, passa a vigorar com a redação dada pelo Quadro I, anexo e integrante desta Lei.

 Art. 5º Quadro III, de que trata o art. 15, da Lei Municipal nº. 1.925, de 1986, passa a vigorar com a redação dada pelo Quadro III, anexo e integrante desta Lei.

 Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

(...)

QUADRO I

ITENS

ZONA

USOS PERMITIDOS

ÁREA

MÍNIMA(m²)

FRENTE

MÍNIMA(m)

RECUO MÍNIMO(m)

TAXA DE

OCUP. %

COF DE

APROV

Nº DE

PAV

FRENTE

FUNDOS

LATERAL

I

Centro Principal

R1a, CS1, CS3, I1, R2

125,00

5,00

2,00

( * )

( * )

0,80

2,00

0

INS

250,00

10,00

4,00

2,00

2,00

0,70

4,00

3

R1a, CS1, CS3, I1, R2

250,00

10,00

4,00

( * )

( * )

0,70

3,00

0

R1a

500,00

15,00

4,00

( * )

( * )

0,70

4,00

0

CS4 (*10)

500,00

15,00

4,00

2,00

2,00

0,70

4,00

0

CS1, CS2, CS3, I1, R2

500,00

15,00

4,00

2,00

2,00

0,70

6,00

20

R3

5.000,00

15,00

4,00

( * )

( * )

0,70

2,00

2

INS – RLG (*12)

125,00

5,00

4,00

2,00

2,00

0,70

6,00

5

 

II

Residencial de alta densidade (*6)

R1a, CS3, I1, CS1

125,00

5,00

4,00

( * )

( * )

0,70

2,00

0

CS4 (*10)

250,00

10,00

4,00

2,00

2,00

0,70

2,00

2

R2

250,00

10,00

4,00

( * )

( * )

0,70

2,00

0

R2, CS2

500,00

15,00

4,00

2,00

2,00

0,70

6,00

20

R3

5.000,00

15,00

4,00

( * )

( * )

0,70

2,00

2

INS

250,00

10,00

4,00

2,00

2,00

0,70

2,00

3

INS – RLG (*12)

125,00

5,00

4,00

2,00

2,00

0,70

2,00

3

 

III

Residencial de média densidade (*6)

R1a, R1b, I1, CS1

250,00

10,00

4,00

( * )

( * )

0,70

2,00

0

R2

 

 (...)”.

Os atos normativos impugnados padecem de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

2. DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

O processo legislativo dos referidos diplomas legais contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força do seguinte preceito, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal:

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

As leis locais impugnadas contrastam os seguintes preceitos da Constituição Paulista:

“(...)

Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;

II - a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;

(...)

Art. 181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

(...)

Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.”

3. DA Violação Ao princípio do planejamento

Os atos normativos impugnados - que promoveram significativas alterações na Lei de Diretrizes Básicas para o uso e a ocupação do solo no Município de Guaratinguetá - desrespeitaram a necessidade de planejamento, princípio que deve ser observado na edição de leis relacionadas ao uso do solo.

Nos termos dos art. 180, II e 181, § 1º, da Constituição Estadual, pode-se extrair que planejamento é indispensável à validade e legitimidade constitucional da legislação relacionada o uso do solo.

Todo e qualquer regramento relativo ao uso e ocupação do solo seja ele geral ou individualizado (autorização para construção em determinado imóvel, alteração do uso do solo para determinada via, área ou bairro, etc.) deve levar em consideração a cidade em sua dimensão integral, dentro de um sistema de ordenamento urbanístico, razão pela qual a exigência de planejamento e estudos técnicos.

O art. 182, caput, da Constituição Federal disciplina que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

O inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê ainda a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”.

Em decorrência dos dispositivos acima apontados pode-se concluir que: (a) a adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei; (c) as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a legislação específica sobre uso e ocupação do solo deve pautar-se por adequado planejamento e participação popular.

A norma urbanística é, por sua natureza, uma disciplina, um modo, um método de transformação da realidade, de superposição daquilo que será a realidade do futuro àquilo que é a realidade atual.

Para que a norma urbanística tenha legitimidade e validade deve decorrer de um planejamento que é um processo técnico instrumentalizado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos. Não pode decorrer da simples vontade do administrador, mas de estudos técnicos que visem assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitar, trabalhar, circular e recrear) e garantir o bem- estar de seus habitantes.

O planejamento não é mais um processo discricionário e dependente da mera vontade dos administradores. É uma previsão e exigência constitucional (Art. 48, IV, 182, da CF e art.180, II, da CE). Tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos, estudos quando se trate da elaboração normativa relativa ao estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano.

O planejamento urbanístico não é um simples fenômeno técnico, mas um verdadeiro processo de criação de normas jurídicas, que ocorre em duas fases: uma preparatória, que se manifesta em planos gerais normativos, e outra vinculante, que se realiza mediante planos de atuação concreta, de natureza executiva.

Discorrendo a respeito do tema Joseff Woff consigna que o plano urbanístico não constitui simples conjunto de relatórios, mapas e plantas técnicas, configurando um acontecer unicamente técnico. Compenetrando-se da realidade a ser transformada e das operações de transformação que consubstanciam o processo de planejamento, sob pena de ser mera abstração sem sentido, o plano urbanístico adquire, ele próprio, por contaminação necessariamente dialética, as características de um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo, no sentido de que os anteprojetos elaborados por técnicos e especialistas adquirem a categoria de diretrizes para a política do solo e sua edificação, ao mesmo temo que, em seus desdobramentos, se manifesta como conjunto de atos e fundamentos para a produção de atos de atuação urbanística concreta. (El Planeamiento Urbanístico del Território y lãs Normas que Garantizan su Efectividad, conforme a la Ley Federal de Ordenación Urbana, em La Ley Federal Alemana de Ordenación Urbanística y los Municípios, p. 28, apud José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A propósito do tema, José Afonso da Silva chega a observar que:

“Muitos fatores contribuem para dificultar a implantação desse processo, tais como carência de meios técnicos de sustentação, de recursos financeiros e de recursos humanos, bem assim certo temor do Prefeito e da Câmara de que o processo de planejamento substitua sua capacidade de decisão política e de comando administrativo.” (Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A ordenação do uso e ocupação do solo é um dos aspectos substanciais do planejamento urbanístico. Preconiza uma estrutura orgânica para a cidade, mediante aplicação de instrumentos legais como o do zoneamento e de outras restrições urbanísticas que, como manifestação concreta do planejamento urbanístico, tem por objetivo regular o uso da propriedade do solo e dos edifícios em áreas homogêneas no interesse do bem-estar da população, conformando-os ao princípio da função social.

Para que o ordenamento urbanístico seja legítimo, há de ter objetivos públicos, voltados para a realização da qualidade de vida dos habitantes da cidade e de quem por ela circule.

Qualquer atividade urbanística busca a transformação e orientação da realidade das cidades, dando uma sistematização senão a ideal, pelo menos, a possível e mais adequada. Por esse motivo é que novo traçado viário, desafetação de áreas públicas com definição dos usos e restrições urbanísticas, dependem de um estudo que deve levar em conta a situação existente e os objetivos do poder público com respeito às características a dar a cidade, segundo as possibilidades atuais e futuras do seu desenvolvimento, tal como precisa ser com qualquer tipo de planejamento.

A sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso do solo - evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível.

O ato normativo que altera sensivelmente as condições, limites e possibilidades do uso do solo urbano, sem realização de qualquer planejamento ou estudo específico, viola diretamente a sistemática constitucional na matéria.

Não se admite, nesse quadro, modificações individualizadas, pontuais, casuísticas e dissociadas da estrutura sistêmica da utilização de todo o solo urbano estampadas nas leis de uso e ocupação do solo urbano. Caso contrário, tornaria inócuo e sem qualquer validade todo o planejamento e estudos realizados pelo Poder Executivo, por ocasião da propositura e aprovação da lei complementar que instituiu o Plano Diretor Participativo e o Sistema de Planejamento Integrado e Gestão Participativa do Município.

Acerca da importância do planejamento urbanístico que deve preceder a toda e qualquer legislação elaborada nesta matéria, discorre Toshio Mukai que:

“(...) a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 29).

Da análise dos processos legislativos que redundaram nas leis impugnadas (fls. 142/150 e 152/179), verificou-se que não ocorreram estudos técnicos para verificação da viabilidade das propostas. As modificações legislativas não estão fundadas por planejamento urbanístico que busca o crescimento ordenado da cidade e a melhoria das condições de vida dos cidadãos.

As leis impugnadas comprometem o crescimento organizado da cidade e a ocupação ordenada de seus espaços.

Deste modo, patente a inconstitucionalidade dos atos normativos que, sem qualquer estudo prévio consistente, e de forma casuística e pontual, alteraram os usos permitidos e outros parâmetros urbanísticos, por ferir frontalmente o disposto nos artigos 180, caput e inciso II, e 181, caput e § 1º, da Constituição Estadual, bem como, por força do artigo 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos artigos 182, caput e § 1º, e 30, inciso VIII, da Constituição Federal.

4. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

 A transformação da realidade urbana interfere amplamente na propriedade privada urbana, impondo limites e condicionamentos ao seu uso.

A validade e legitimidade da norma urbanística, em virtude dos condicionamentos e limitações que impõe à atividade e aos bens dos particulares e de seu objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes, pressupõe participação comunitária em todas as fases de sua produção.

Os planos e normas urbanísticas devem levar em conta o bem estar do povo. Cumprem esta premissa quando são sensíveis às necessidades e aspirações da comunidade. Esta sensibilidade, porém, há de ser captada por via democrática e não idealizada autoritariamente. O planejamento urbanístico democrático pressupõe possibilidade e efetiva participação do povo na sua elaboração.

Sendo democrático, ele se coloca contra pressões ilegítimas ou equivocadas em relação ao crescimento e ordenamento da cidade, busca contê-la e orientá-las adequadamente.

O princípio da participação comunitária no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano é uma exigência da Constituição Estadual (art. 180, II e 191).

O entendimento jurisprudencial sufraga a necessidade não só de prévio estudo técnico e planejamento como da participação comunitária na produção de normas de ordenamento urbanístico. Neste sentido, convém transcrever as seguintes ementas:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (ADI 163.559-0/0-00).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Ribeirão Preto. Lei Complementar n° 1.973, de 03 de março de 2006, de iniciativa de Vereador, dispondo sobre matéria urbanística, exigente de prévio planejamento. Caracterizada interferência na competência legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo local. Procedência da ação.” (ADI 134.169-0/3-00, rel. des. Oliveira Santos, j. 19.12.2007, v.u.).

Imperioso ainda destacar o entendimento inserto na ementa que se segue, no sentido da necessidade da participação popular, também na fase de discussão do projeto de lei, diante de eventuais emendas substitutivas:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI COMPLEMENTAR DISCIPLINANDO O USO E OCUPAÇÃO DO SOLO - PROCESSO LEGISLATIVO SUBMETIDO A PARTICIPAÇÃO POPULAR - VOTAÇÃO, CONTUDO, DE PROJETO SUBSTITUTIVO QUE, A DESPEITO DE ALTERAÇÕES SIGNIFICATIVAS DO PROJETO INICIAL, NÃO FOI LEVADO AO CONHECIMENTO DOS MUNÍCIPES – VÍCIO INSANÁVEL - inconstitucionalidade declarada. "O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhes expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta" (ADI 994.09.224728-0)

Da análise dos Projetos de Lei que foram convertidos nas Leis nn. 4.380, de 19 de junho de 2012, e Lei nº 4.657, de 22 de julho de 2016, do Município de Guaratinguetá, não se conferiu possibilidade da participação comunitária na produção normativa.

Seria imprescindível a participação da comunidade para discutir a área mínima para automóveis conforme tipo de estabelecimento (Lei n° 4.380/2012) e alteração de parâmetros urbanísticos, como recuo mínimo do imóvel, taxa de ocupação e coeficiente de aproveitamento (Lei n° 4.657/2016).

Deste modo, padecem de inconstitucionalidade a Lei nº 4.380, de 19 de junho de 2012, e a Lei nº 4.657, de 22 de julho de 2016, ambas do Município de Guaratinguetá, por subtraírem a possibilidade de participação popular, ferindo frontalmente o disposto no art.180 caput e inciso II, no art.181 caput e §1º e no art.191, da Constituição Estadual; bem como, por força do art. 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos art.182 caput e § 1º, e o art. 30 e inciso VIII, da Constituição Federal.

5. DO PEDIDO LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia dos atos normativos impugnados.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que as leis impugnadas padecem de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos preceitos questionados, subsistirá a sua aplicação, com um crescimento desordenado da cidade, com comprometimento ao planejamento urbanístico, ao bem estar da população, à qualidade de vida e ao desenvolvimento sustentável da comuna, que dificilmente poderão ser sanados, na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que a ocupação do solo, com base nas alterações das normas de uso do solo promovidas, poderá levar a situações urbanisticamente não desejáveis que poderá gerar conflitos e intranquilidade na comunidade.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, dificilmente será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já eventualmente já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

No contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia das Leis nº 4.380, de 19 de junho de 2012, e nº 4.657, de 22 de julho de 2016, todas do Município de Guaratinguetá.

6. DO PEDIDO PRINCIPAL.

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade das Leis nº 4.380, de 19 de junho de 2012, e nº 4.657, de 22 de julho de 2016, todas do Município de Guaratinguetá.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Guaratinguetá, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 13 de janeiro de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aca/ts

Protocolado nº 137.278/2016

Interessado: Dr. Gilberto Cabett Júnior- 5° Promotor de Justiça de Guaratinguetá

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face das Leis nº 4.380, de 19 de junho de 2012, e nº 4.657, de 22 de julho de 2016, todas do Município de Guaratinguetá, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

3.     Cumpra-se.

 

                  São Paulo, 13 de janeiro de 2017.

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

aca