Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 135.783/2016

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo.  Ação direta de inconstitucionalidade. Dispositivos da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pelas leis nº 7.518/2011, nº 7.867/2013 e Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011, todas do Município de Araraquara, Violação aos arts. 99 a 101 e 111 da Constituição Estadual. Procuradoria do Município e Procurador Chefe. Função essencial à atividade jurisdicional. 1. Inconstitucionalidade das expressões: a) “subordinada à Secretaria dos Negócios Jurídicos”, inserta no art. 1º, caput; b) “submetidos à direta, pessoal e imediata supervisão do Coordenador de Negócios Jurídicos e Secretário Municipal de Negócios Jurídicos”, contida no §1º , do art. 4º, alínea “s” do art. 5º; c) “exceto a do Procurador Chefe que será fiscalizado pelo Coordenador Executivo dos Negócios Jurídicos”, prevista no art. 16, caput; d) “ou por determinação do Secretário de Negócios Jurídicos”, inserta na alínea b, do art. 16, arts. 17, 19 e 20 da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011; dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII, do art. 23 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.518/2011; e) da expressão “1.1. Procuradoria Geral do Município”, prevista no art. 24 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013; f) da expressão “3.1. Procuradoria de Assuntos Tributários”, contida no art. 28 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013; art. 13 e, seu §1º, da Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013, todas do Município de Araraquara; 2. A advocacia pública é instituição estatal predicada como permanente e essencial à administração da Justiça e à Administração Pública, responsável pelo assessoramento, consultoria e representação judicial do poder público; 3. Dispositivos que impõem submissão do órgão da Procuradoria Geral do Município à Secretaria dos Negócios Jurídicos e da Procuradoria de Assuntos Tributários à Secretaria Municipal da Fazenda, violam o art. 98 da Constituição Estadual; 4. Preceitos que determinam subordinação hierárquica do Procurador Chefe em relação ao Coordenador de Negócios Jurídicos e Secretário dos Negócios Jurídicos ou Secretário Municipal da Fazenda, afrontam o art. 98 da Carta Bandeirante; 5. As atividades de Advocacia Pública não podem ser desempenhadas em órgão estranho à Procuradoria Jurídica, devidamente instituída para este fim; 6. O cometimento de competências inerentes à Advocacia Pública à Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos e à Coordenadoria Executiva de Assuntos Fazendários e Execução Fiscal, viola o art. 98 da Constituição Estadual; 7. Incompetência da advocacia pública municipal para defesa de interesses pessoais de agentes públicos em face de demandas versando sua responsabilidade pessoal no exercício de função pública, por ser vocacionada exclusivamente à tutela dos interesses do poder público como pessoa jurídica sujeito de direitos. 8. Afronta aos princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público na atribuição da tarefa de representação judicial de Prefeito, Secretários Municipais e demais servidores públicos, pelo Procurador Chefe, integrante da advocacia pública municipal, por atos praticados no exercício da respectiva função e que proporcionem sua responsabilidade pessoal. 9. Incidência dos arts. 98 a 101 e 111, da Constituição Paulista, aos Municípios, por força de seu art. 144.

 

 

                   O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição da República, e nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado em epígrafe referido, vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face das expressões “subordinada à Secretaria dos Negócios Jurídicos”, inserta no art. 1º, caput, “submetidos à direta, pessoal e imediata supervisão do Coordenador de Negócios Jurídicos e Secretário Municipal de Negócios Jurídicos”, contida no §1º , do art. 4º, alínea “s” do art. 5º, da expressão “exceto a do Procurador Chefe que será fiscalizado pelo Coordenador Executivo dos Negócios Jurídicos”, prevista no art. 16, caput, “ou por determinação do Secretário de Negócios Jurídicos”, inserta na alínea b, do art. 16, arts. 17, 19 e 20 da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011; dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII, do art. 23 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.518/2011; da expressão “1.1. Procuradoria Geral do Município”, prevista no art. 24 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013, da expressão “3.1. Procuradoria de Assuntos Tributários”, contida no art. 28 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013; art. 13 e, seu §1º, da Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013, todas do Município de Araraquara, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

         I - ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

         A Lei nº 7.583, de 01 de dezembro de 2011, do Município de Araraquara, que “Altera a Lei Orgânica da Procuradoria do Município de Araraquara, unificando as Procuradoria Geral e a Procuradoria da Fazenda e dá outras providências”, no que interessa, tem a seguinte disposição (fls. 34/43 e 139/152):

“(...)

TÍTULO I

DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS E DA COMPOSIÇÃO

Art. 1º - A Procuradoria do Município é a instituição que representa o Município de Araraquara judicial e extrajudicialmente, subordinada à Secretaria dos Negócios Jurídicos, competindo a consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, inclusive na cobrança de dívida tributária ou de qualquer outra natureza, vinculada aos tributos, multas e seus acessórios legais.

(...)

TÍTULO II

DOS ÓRGÃOS DA PROCURADORIA DO MUNICÍPIO

CAPÍTULO I

Do Procurador Chefe

Art. 4º - O Procurador Chefe ocupa função de confiança, de livre nomeação e exoneração pelo Prefeito Municipal, obrigatoriamente escolhido dentre os procuradores de carreira, consoante o disposto no art. 19 da Lei Municipal nº 6.251, de 19 de abril de 2005.

§1º - O Procurador Chefe assessora o Poder Executivo, submetido à direta, pessoal e imediata supervisão do Coordenador de Negócios Jurídicos e Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos.

Art. 5º - São atribuições do Procurador Chefe:

(...)

s) Representar o Prefeito, Secretários Municipais e deais servidores públicos junto ao Poder Judiciário Federal, Estadual, de qualquer instância, Tribunais de contas e quaisquer órgãos governamentais que analisem, discutam ou julguem interesses desses agentes públicos, desde que a causa detenha direta correlação com o exercício funcional de suas atribuições e não conflite, direta ou indiretamente, com os interesses do Município, bem como, que ainda estejam ocupando o cargo, emprego ou função pública na Administração Direta Municipal;

(...)

Seção III

Das Correições

Art. 16 – A atividade funcional dos membros da Procuradoria do Município, exceto a do Procurador Chefe que será fiscalizado pelo Coordenador Executivo dos Negócios Jurídicos, está sujeita a:

a. Correição ordinária, realizada anualmente;

b.   Correição extraordinária, realizada de ofício, a qualquer tempo ou por determinação do Secretário dos Negócios Jurídicos.

Parágrafo único. Concluída a correição, será emitido um relatório ao Secretário dos Negócios Jurídicos, propondo-lhes as medidas e providências cabíveis.

Art. 17 – A atividade funcional do Procurador Chefe será fiscalizada pelo Secretário dos Negócios Jurídicos, a qualquer tempo.

(...)

TÍTULO IV

Dos pareceres e da Súmula da Procuradoria do Município

Art. 19 – É privativo do Prefeito Municipal ou Secretário dos Negócios Jurídicos submeter assuntos ao exame do Procurador Chefe, inclusive para seu parecer.

Art. 20 – Os pareceres do Procurador Chefe são por este submetidos à aprovação preliminar do Secretário Municipal de Negócios Jurídicos e posterior referendo do Prefeito Municipal.

(...)” g.n

A Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, do Município de Araraquara, que “Dispõe sobre a organização da estrutura administrativa do Poder Executivo Municipal e dá outras providências” (fls. 13/33 e 280/ 316), teve sua redação alterada por diversas leis, dentre elas a de nº 7.518/2011, que dispôs assim no art. 23 (fls. 13/33 e 280/316):

“(...)

Seção IV

Da Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos

Art. 23 – À Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos, por meio do Secretário Municipal, do Coordenador Executivo e dos Procuradores Municipais:

I – prestar assistência jurídica ao Prefeito Municipal e aos titulares das secretarias Municipais;

II – representar o Município, por delegação, em qualquer foro ou instância, nos feitos em que seja autor, réu, assistente ou oponente, no sentido resguardar seus interesses;

III – redigir projetos de leis, jusitifcativas de vetos, decretos, regulamentos, contratos e outros documentos de natureza jurídica;

IV – elaborar estudos e pareceres de natureza jurídico-administrativa;

V- proceder a inquéritos e sindicâncias;

VI – promover a cobrança judicial ou extrajudicial da dívida ativa do Município ou de quaisquer outras que não foremliquidadas no prazo legal;

VII – prestar assessoramento jurídico aos Conselhos Municipais, analisando as questões formuladas e orientando quanto aos procedimentos legais.

(...)”

Posteriormente, a Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, do Município de Araraquara, teve sua redação alterada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013, do Município de Araraquara, que “Dispõe sobre alterações na Estrutura Administrativa e no Plano de Carreira, Cargos e Vencimentos da Prefeitura do Município de Araraquara e dá outras providências”, no que interessa, assim dispõe (fls. 13/33 e 353/365):

“(...)

Art. 12. O artigo 28 a Lei Municipal nº 6.250, de 19 de abril de 2005, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 28 – A Secretaria Municipal da Fazenda apresenta a seguinte estrutura hierárquica e organizacional:

(...)

3. Coordenadoria Executiva de Assuntos Fazendários e Execução Fiscal

3.1 Procuradoria de Assuntos Tributários.

(...)

Art. 14 – O artigo 24 da Lei Municipal nº 6.250, de 19 de abril de 2005, passa a ter a seguinte redação:

I – Gabinete do Secretário

1.      Coordenadoria Executiva dos Negócios Jurídicos

1.1. Procuradoria Geral do Município.

(...)” g.n

O art. 13 e, seu §1º da Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013, do Município de Araraquara, tem a seguinte redação (fls. 353/365):

“(...)

Art. 13 – Fica transferida à Coordenadoria Executiva de Assuntos Fazendários e Execução Fiscal a competência de cobrança de dívida ativa tributária e ou de qualquer outra natureza, vinculada aos tributos, multas e seus acessórios legais, conforme previsto no art. 1º da Lei nº 7.583/11, contando com o suporte da Procuradoria de Assuntos Tributários e da Gerência de Administração da Dívida Ativa.

§1º - Os Procuradores Municipais designados para a Procuradoria Chefe de Assuntos Tributários serão lotados e subordinados à Secretaria Municipal da Fazenda.

(...)”

         Os atos normativos transcritos, no que diz respeito à organização da Procuradoria do Município e de seus agentes, são inconstitucionais por violação aos arts. 98 a 101, 111 e 144 da Constituição Estadual, conforme será exposto.     

         II - PARÂMETRO DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

         Os dispositivos impunados nos atos normativos citados acima, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal por força do art. 144 da Carta Paulista.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:

Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos artigos 132 e 135 da Constituição Federal.

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do "caput" deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

III - representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas;

IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;

V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;

VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;

VII - propor ação civil pública representando o Estado;

VIII - prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei;

IX - realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;

X - exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei.

Art. 100 - A direção superior da Procuradoria Geral do Estado compete ao Procurador-Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria-Geral do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica.

Parágrafo único - O Procurador-Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

Art. 101 - Vinculam-se à Procuradoria Geral do Estado, para fins de atuação uniforme e coordenada, os órgãos jurídicos das universidades públicas estaduais, das empresas públicas, das sociedades de economia mista sob controle do Estado, pela sua Administração centralizada ou descentralizada, e das fundações por ele instituídas ou mantidas.

(...)

Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)”

III – INCONSTITUCIONALIDADE DO MODELO IMPOSTO PARA ORGANIZAÇÃO DA PROCURADORIA DO MUNICÍPIO DE ARARAQUARA E DA ATUAÇÃO DE SEUS AGENTES

Segundo se infere das expressões “subordinada à Secretaria dos Negócios Jurídicos” (art. 1º da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011); “submetido à direta, pessoal e imediata supervisão do Coordenador de Negócios Jurídicos e Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos” (§1º do art. 4º da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011); “exceto a do Procurador Chefe que será fiscalizado pelo Coordenador Executivo dos Negócios Jurídicos” (art. 16, caput, da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011); “ou por determinação do Secretário dos Negócios Jurídicos” (alínea b do art. 16 da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011); dos arts. 17, 19 e 20 da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011; da expressão “1.1 Procuradoria Geral do Município.” (art. 24 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013); “3.1 Procuradoria de Assuntos Tributários.” (art. 28 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013) e §1º do art. 13 da Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013, todas do Município de Araraquara, ora subordinam o órgão da Procuradoria Geral do Município à Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos, ora submete a Procuradoria de Assuntos Tributários à Secretaria Municipal da Fazenda, bem como impõe ao Procurador Chefe subordinação hierárquica ao Coordenador de Negócios Jurídicos e ao Secretário dos Negócios Jurídicos, o que afronta os arts. 98 e 99 da Constituição do Estado.

Na presente situação, além das disposições legais expressas de referida subordinação – vide art. 1º, caput, §1º do art. 4º, art. 16, caput, da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011; art. 24 e art. 28 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013 e §1º do art. 13 da Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013 - , do Município de Araraquara – houve preceitos que tolheram ainda mais a independência tanto do órgão da Procuradoria do Município como de seus agentes.

Com efeito, a alínea b, do art. 16 da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011, impôs que a atividade funcional dos membros da Procuradoria do Município está sujeita a correição extraordinária por determinação do Secretário dos Negócios Jurídicos e concluída a mesma será emitido um relatório a este (art. 16 e, seu parágrafo único, da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011, do Município de Araraquara), o que contraria o diposto no art. 98 da CE.

A ausência de vinculação direta do Procurador Chefe com o Prefeito Municipal também se verifica no art. 17 da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011, que determina seja fiscalizado pelo Secretário dos Negócios Jurídicos, a qualquer tempo, e também pelo fato dos pareceres elaborados pelo Procurador Chefe serem submetidos preliminarmente à aprovação do Secretário Municipal de Negócios Jurídicos, nos termos do art. 20 da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011, do Município de Araraquara.

Além disso, o art. 19 da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011, do Município de Araraquara, limitou a provocação da Procuradoria do Município apenas ao Prefeito ou Secretário, o que contraria à idéia de advocacia pública, destinada a todos os órgãos municipais.

Não bastasse, houve delegação de atribuições importantíssimas, exclusiva da Procuradoria do Município, nos termos do art. 99 da Constituição do Estado, à Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos, como, por exemplo, prestar assistência jurídica ao Prefeito Municipal e aos titulares das Secretarias Municipais; representar o Município, por delegação, em qualquer foro ou instância, nos feitos em que seja autor, réu, assistente ou oponente, no sentido de resguardar seus interesses; redigir projetos de leis, justificativas de vetos, decretos, regulamentos, contratos e outros documentos de natureza jurídica; elaborar estudos e pareceres de natureza jurídico-administrativa; proceder a inquéritos e sindicâncias; promover a cobrança judicial ou extrajudicial da dívida ativa do Município ou de quaisquer outras dívidas que não forem liquidadas no prazo legal; prestar assessoramento jurídico aos Conselhos Municipais, analisando as questões formuladas e orientando quanto aos procedimentos cabíveis (incisos I, II, III, IV, V, VI e VII, do art. 23, da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.518/2011, do Município de Araraqura).

Carreou-se, ainda, a competência de cobrança de dívida ativa tributária ou de qualquer outra natureza, vinculada aos tributos, multas e seus acessórios legais à Coordenadoria Executiva de Assuntos Fazendários e Execução Fiscal (art. 13 da Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013, daquela localidade).

Convêm adicionar que as atividades de Advocacia Pública não poderiam ser desempenhadas em órgão estranho à Procuradoria Jurídica, devidamente instituída para este fim, como se evidencia na presente situação.

Por fim, houve previsão de atribuição alheia às funções do Procurador Chefe consistente na defesa pessoal do “Prefeito, Secretários Municipais e demais servidores públicos junto ao Poder Judiciário Federal, Estadual, de qualquer instância, Tribunais de Contas e quaisquer órgãos governamentais que analisem, discutam ou julguem interesses desses agentes públicos” (alínea s, do art. 5º da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011, do Município de Araraquara), em afronta ao art. 99 e seus incisos, bem como os princípios da impessoalidade e moralidade, previstos no artigo 111 da Constituição Estadual.

          Desta forma, os dispositivos anteriormente destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com os arts. 98, 99, 100, 111 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

         O art. 144 da Constituição Estadual reproduz o quanto disposto no caput do art. 29 da Constituição Federal que limita e condiciona a autonomia municipal.

 Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa no sistema federativo (arts. 1º e 18, Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito prefixado pela Constituição Federal (José Afonso da Silva. Direito constitucional positivo, 13.ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459) e deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual.

A Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual.

         Ademais, eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.

         E assim preceitua a Constituição do Estado de São Paulo ao inserir a Procuradoria do Estado entre os órgãos que executam funções essenciais à Justiça:

Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos artigos 132 e 135 da Constituição Federal.

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do "caput" deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

(...)

IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;

V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;

VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;

(...)

IX - realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;

(...)

Art. 100 - A direção superior da Procuradoria Geral do Estado compete ao Procurador-Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria-Geral do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica.

Parágrafo único - O Procurador-Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

         Esse traçado, aliás, se amolda ao que consta na Constituição Federal em relação à Advocacia Pública, também qualificada função essencial à Justiça nos arts. 131 e 132, não sendo ocioso registrar que a Constituição do Estado de São Paulo dedica-lhe expressivos preceitos como as reservas de lei complementar para sua instituição (art. 23, parágrafo único, 3) e de correlata iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (art. 24, § 2º, 3).

E embora os preceitos dos arts. 98, 99 e 100 da Carta Política bandeirante se refiram à Procuradoria-Geral do Estado, eles balizam a atividade normativa municipal em virtude do art. 29 da Constituição da República e do art. 144 da Constituição do Estado relativamente ao perfil do órgão local de Advocacia Pública.

         Trata-se de modelo de observância obrigatória para os Estados e os Municípios. E, como julgado, “a autonomia conferida aos Estados pelo art. 25, caput da Constituição Federal não tem o condão de afastar as normas constitucionais de observância obrigatória” (STF, ADI 291-MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 07-04-2010, m.v., DJe 10-09-2010).

         Ora, se a Constituição Federal e a Constituição Estadual elegem a Advocacia Pública como função essencial à Justiça, essa prescrição é vinculante para os Municípios na medida em que também eles carecem de organismo de representação, consultoria e assessoramento das pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública na defesa de seus direitos e interesses.

É importante gizar que a latere do Ministério Público e da Defensoria Pública, a Advocacia Pública é um dos atores que compõem as funções essenciais à Justiça.

         Trata-se de um concerto de instituições de cuja iniciativa depende o regular funcionamento da atividade jurisdicional do Estado e, em coordenadas mais amplas, das atividades inerentes ao sistema de justiça, “participando ativamente de sua distribuição, em juízo ou fora dele” (Carlos Henrique Maciel. Curso Objetivo de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2014, p. 495).

         É o que chama atenção Diogo de Figueiredo Moreira Neto ao versar sobre as funções estatais de zeladoria, provocação e defesa identificando na Constituição de 1988 “um bloco de funções públicas autônomas, independentes e destacadas das estruturas dos três Poderes do Estado, que são aquelas denominadas, funções essenciais à justiça” e dentre elas a Advocacia de Estado. Segundo explica:

“Esta essencialidade à justiça deve ser entendida no sentido mais amplo que se possa atribuir à expressão e não limitado, como poderia parecer à primeira vista, à justiça formal, entendida como aquela prestada pelo Poder Judiciário, estando compreendidas, assim, no conceito de essencialidade, todas as atividades de orientação, de fiscalização, de promoção e de representação judicial necessárias à zeladoria, provocação e defesa de todas as categorias de interesses protegidos pelo ordenamento jurídico” (Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 14ª ed., p. 31).

         Discorrendo a respeito do art. 132 da Constituição Federal, José Afonso da Silva aponta a “institucionalização dos órgãos estaduais de representação e consultoria dos Estados” adicionando que:

“são, pois, vedadas a admissão ou a contratação de advogados para o exercício das funções de representação judicial (salvo, evidentemente, impedimento de todos os procuradores) e de consultoria daquelas unidades federadas (salvo eventual contratação de pareceres jurídicos)” (Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2012, 8ª ed., p. 625).

         Ou seja, as normas constitucionais institutivas da Advocacia Pública obrigam os Municípios a criarem e organizarem tais organismos para o exercício de suas funções institucionais – consideradas essenciais à Justiça – e, ao mesmo tempo, impedem que outros órgãos ou agentes que não os integram desempenham essas missões, pois lhes foram expressamente reservadas em favor de maior profissionalização na cura dos direitos e interesses do Estado, através da representação judicial e extrajudicial, do assessoramento e da consultoria, como sujeito de direitos e obrigações.

         Bem por isso, a jurisprudência refuta o exercício de funções reservadas à Advocacia Pública por elementos estranhos à instituição, como se verifica dos seguintes arestos:

 “AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ARTS. 35 E 36 E ANEXO III DA LEI 1.751/91 E ART. 3º DA LEI 1.982/95, AMBAS DO MUNICÍPIO DE ELIAS FAUSTO – INADMISSIBILIDADE DE PREVISÃO DE EMPREGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO SEM DESCRIÇÃO DAS RESPECTIVAS ATRIBUIÇÕES – CARGO DE “CONSULTOR JURÍDICO” QUE DEVE SER PROVIDO NA FORMA DE SISTEMA DE MÉRITO, POR SE TRATAR DE ADVOCACIA PÚBLICA – PREVISÃO DE GRATIFICAÇÃO DE ATÉ 100% DE ACRÉSCIMO SALARIAL QUE CONFIGURA AUMENTO INDIRETO E DISSIMULADO DE REMUNERAÇÃO – VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, 98, 99, 100, 115, 128 E 144 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE PELO MÉRITO COM MODULAÇÃO DE EFEITOS”. (TJSP, II nº 2145442-41.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. João Negrini Filho, julgado em 27 de janeiro de 2016, v.u)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Arts. 1º, §1º, II e III, e 8º, da Lei nº 1.585/2009, e art. 1º, parágrafo único, II, da Lei nº 1.568/2009, todas do município de Salesópolis – Criação dos cargos de “Diretor técnico Jurídico do departamento de Contenciosos Judiciais e Execução Fiscal” e “Diretor Técnico Jurídico do departamento de Assuntos Administrativos, Licitações, Contratos e Convênios” e “Advogado” – Descrição que caracteriza atividade exclusiva funcional dos integrantes da Advocacia Pública, cuja investidura no cargo depende de prévia aprovação em concurso público – Violação dos artigos 98 a 100, da Constituição Paulista – Ação procedente, modulados os efeitos desta decisão para terem início em cento e vinte dias contados a partir deste julgamento”. (TJSP, ADI nº 2163849-95.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Luiz Antonio de Godoy, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u)   

“Ação direta de inconstitucionalidade. Cargo de Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Novo Horizonte. Cargo em comissão. Hipótese de que não configura função de chefia, assessoramento e direção. Função técnica. Atividade de advocacia pública. Inobservância aos arts. 98 a 100, 111, 115, incisos I, II e V, e 144, todos da Constituição Estadual. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial do Tribunal de Justiça. Ação procedente.” (TJSP, ADI nº 2114733-23.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Márcio Bartoli, julgado em 9 de dezembro de 2015, v.u)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Questionamento do artigo 11 da Lei nº 10, de 26 de março de 2014, do município de Palestina, na parte em que criou o cargo de provimento em comissão de “Assessor Jurídico”. Alegação de inconstitucionalidade. Reconhecimento. Cargo que – a par de não corresponder a funções de direção, chefia e assessoramento superior – tem as mesmas atribuições da Advocacia Pública e, pela ausência de situação de emergência e excepcionalidade, deve ser reservado a profissional recrutado por sistema de mérito e aprovação em certame público, nos termos do art. 98 a 100, da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade manifesta. Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI nº 2155538-52.2014.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Ferreira Rodrigues, julgado em 13 de maio de 2015, v.u)

         Curiosamente, como se relata da exposição acima empreendida acerca do ambiente normativo de Araraquara, a submissão da Procuradoria do Municipio à Secretaria dos Negócios Jurídicos ou a Procuradoria de Assuntos Tributários à Secretaria Municipal da Fazenda, sendo o Procurador Chefe subordinado hierarquicamente ao Coordenador de Negócios Jurídicos e Secretário dos Negócios Jurídicos ou Secretário Municipal da Fazenda, com subtração de inúmeras atribuições importantes da Procuradoria do Município e a imposição de que defendam interesses do Prefeito, Secretários Municipais e demais servidores públicos, desfigura o modelo constitucional estadual imposto nos arts. 99 a 100.

Vale frisar que a organização e estrutura imposta ao órgão da Procuradoria do Município de Araraquara, com a subtração de competências importantes e subordinação hierárquica do Procurador Chefe acabaram por tolher a independência e autonomia que deve ter referido órgão e seus agentes.

         Por fim, nem se alegue que o Município não estaria vinculado ao referido modelo constitucional e, com base no interesse local (artigo 30 da CF), poderia tolher a autonomia e independência da Procuradoria do Município e de seus agentes, pois se admitir tal postura seria aceitar que a advocacia pública municipal pudesse ter menos autonomia ou independência se comparada aos demais entes federativos, o que, em última análise, arrefeceria a tutela da moralidade administrativa na esfera municipal, além de obstar a plena aplicação do princípio da eficiência.

IV – DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE, MORALIDADE, RAZOABILIDADE E INTERESSE PÚBLICO, INSERTOS NO ART. 111 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL

O presente tópico tem por objetivo demonstrar as inconstitucionalidades que tisnam a alínea “s”, do art. 5º da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011, do Município de Araraquara, cuja redação é a seguinte:

“(...)

Art. 5º - São atribuições do Procurador Chefe:

s) Representar o Prefeito, Secretários Municipais e deais servidores públicos junto ao Poder Judiciário Federal, Estadual, de qualquer instância, Tribunais de contas e quaisquer órgãos governamentais que analisem, discutam ou julguem interesses desses agentes públicos, desde que a causa detenha direta correlação com o exercício funcional de suas atribuições e não conflite, direta ou indiretamente, com os interesses do Município, bem como, que ainda estejam ocupando o cargo, emprego ou função pública na Administração Direta Municipal;

(...)”

O contraste do dispositivo impugnado acima com os arts. 98, 99 e 101 da Constituição do Estado de São Paulo demonstra sua plena incompatibilidade.

O órgão de Advocacia Pública é “responsável pela advocacia do Estado” (art. 98, caput) e seus membros “exercerão a representação judicial e a consultoria” para esse específico fim (art. 98, § 2º).

Não bastasse, o art. 99 ao traçar suas funções institucionais não enumera a representação judicial de agentes públicos, mencionando, isto sim, e de maneira explícita, dentre suas tarefas, verbi gratia, “representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais” (art. 99, I), “exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas” (art. 99, II), “representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas” (art. 99, III), “propor ação civil pública representando o Estado” (art. 99, VII), “prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei” (art. 99, VIII).

Em comum todas elas verbalizam atuação em prol do Estado como pessoa jurídica e não de seus agentes, sendo extensível às entidades da Administração Pública descentralizada (art. 101).

Nem se diga que o “assessoramento jurídico e técnico-legislativo” ao Chefe do Poder Executivo (art. 99, V) forneceria constitucionalidade a alínea “s”, do art. 5º da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011, do Município de Araraquara. O parâmetro menciona exclusivamente o assessoramento, e não inclui a representação judicial e, ademais, não se estende aos demais agentes públicos. Tampouco se alegue a cláusula de encerramento do inciso X do art. 99 confortaria o preceito normativo municipal. O órgão de Advocacia Pública pode ter a seu cargo o exercício de “outras funções que lhe forem conferidas por lei”, mas, elas devem compatibilidade com os seus fins institucionais, dentre os quais não se alinha a representação judicial do Prefeito, Secretários Municipais e demais servidores públicos.

A amplitude do dispositivo impressiona porque ainda permite que o Procurador Chefe represente o Prefeito, Secretários Municipais e demais servidores públicos junto ao Poder Judiciário Federal, Estadual, de qualquer instância, Tribunais de Contas e quaisquer órgãos governamentais que analisem, discutam ou julguem interesses desses agentes públicos, o que abrange qualquer demanda que empenhe a responsabilidade pessoal civil, eleitoral ou penal, como ação civil pública, ação civil pública por ato de improbidade administrativa, ação popular, ação penal pública etc.

Quando, por exemplo, a Lei n. 8.429/92 (art. 17) e a Lei n. 4.717/65 (art. 6º) preveem a participação processual do ente público lesado na ação civil pública por ato de improbidade administrativa e na ação popular, fornecem-lhe a possibilidade de defesa do ato (se assim aprouver ao interesse público), e não do agente público.

Para além do evidente desvio à finalidade institucional do Procurador Chefe, caracteriza-se a violação aos princípios da moralidade, da impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, inscritos no art. 111 da Constituição do Estado.

O princípio da impessoalidade é conducente da proibição ao patrimonialismo e ao personalismo na administração pública envolvendo a imputabilidade dos atos da Administração a ela e não a seus agentes (e a consequente responsabilidade estatal), vedando favoritismos e preterições e indicando como norte da ação administrativa o interesse público e não o de seus agentes.

Não tem harmonia com esse princípio a representação judicial de agentes públicos – no caso, Prefeito, Secretários Municipais e demais servidores públicos - em face da perspectiva de sua responsabilidade pessoal (civil, eleitoral e penal) ainda que por atos praticados no exercício regular de suas atribuições. Para tanto, o agente público deve buscar o patrocínio no ministério privado da advocacia, não na advocacia pública, porque nela não se está tutelando o interesse do Estado como pessoa jurídica sujeito de direitos, mas, o de seu agente, e que com ele não se confunde.

Isso, aliás, ofende o princípio da moralidade na medida em que não significa o balizamento do exercício de função pública segundo os cânones da ética, da lealdade e da vocação institucional da Administração Pública. Configura-se, aí, o uso e a apropriação de recursos públicos (humanos e materiais) para defesa de interesse pessoal dos agentes públicos na medida em que abrange atos em que o poder público é vítima, lesado ou prejudicado, e que nem sempre se afinam ao interesse público e estão distanciados da defesa do interesse estatal como pessoa jurídica sujeito de direitos.

Tampouco se associa o dispositivo impugnado aos princípios de razoabilidade e de interesse público. Não é racional, lógico ou razoável que norma legal desvie a finalidade de defesa judicial e assistência jurídica da Prefeitura e de outros órgãos do Poder Executivo, para a defesa de interesses pessoais do Prefeito, Secretários Municipais e demais servidores públicos, onerando o erário com o dispêndio respectivo no emprego dos recursos humanos e materiais. Perece o interesse público primário quando essa mesma norma aparelha a tutela dos interesses de seus agentes, chamados à responsabilidade pessoal, pela consideração da prática de atos regulares segundo a conveniência subjetiva da própria Administração Pública e que podem não ser assim estimados pelos órgãos de controle externo.

Não só por isso será afastada a casuística para permissão ou negação da representação judicial dos agentes públicos citados por Advogado Público – qual seja, o Procurador Chefe, mas também porque mesmo que não sejam contrapostos o interesse público e o interesse do agente a ser representado pelo Procurador Chefe, é inconcebível que um agente acusado de agir contra a lei e violar o interesse público seja defendido pela Advocacia Pública, cuja missão é defender o Estado.

Não se trata, vale ressalvar, de presunção de que o agente público tenha agido com dolo para prejudicar terceiros, pois, independente da conclusão pela decisão judicial, o Procurador Chefe deve ter suas funções restritas à defesa da administração direta e indireta municipal.

Assim sendo, indiferente saber se os interesses (do agente público a ser defendido e o interesse público) são contrapostos ou se são convergentes. Tal representação judicial não pode ser permitida por ser violadora de princípios constitucionais.

Ao Procurador Chefe cabe a representação judicial da administração direta e indireta, e não de seu Prefeito, Secretários Municipais e demais servidores públicos porque não se autorizou na Constituição a defesa dos interesses destes.

A jurisprudência já teve a oportunidade de aquilatar atos similares:

“(...) 2. Na espécie, não há como reconhecer a preponderância do interesse público quando um agente político se defende em uma ação de investigação judicial, cuja consequência visa atender interesse essencialmente seu, privado, qual seja, a manutenção da elegibilidade do candidato. Por outro lado, revela-se contraditória a afirmação de que havia interesse secundário do Município a ensejar a defesa por sua Procuradoria, na medida em que a anulação de um ato administrativo lesivo, ao invés de lhe imputar ônus, apenas lhe daria benefícios econômico-financeiros. (...)” (STJ, REsp 908.790-RN, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 20-10-2009, m.v., DJe 02-02-2010).

“(...) 3. Entretanto, quando se tratar de defesa de um ato pessoal do agente político, voltado contra o órgão público, não se pode admitir que, por conta do órgão público, corram as despesas com a contratação de advogado. Seria mais que uma demasia, constituindo-se em ato imoral e arbitrário. (...)” (STJ, AgRg-REsp 681.571-GO, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, 06-06-2006, v.u., DJ 29-06-2006).

“(...) 1. O Tribunal a quo condenou o ora recorrente pela prática de improbidade administrativa, por ter, na condição de prefeito, utilizado o serviço da procuradoria municipal para promover sua defesa jurídica pessoal em Ação Popular na qual o cidadão autor deduzira a nulidade de atos abusivos praticados no exercício do mandato, a saber, a substituição do brasão oficial por outro semelhante ao do seu partido político e promoção pessoal irregular em anúncios de serviços e obras públicas.

(...)

5. O STJ possui orientação firmada no sentido de que a defesa particular do agente por procurador público configura improbidade administrativa, salvo se houver interesse convergente da Administração. (...)” (STJ, REsp .1.229.779-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, 16-08-2011, v.u., DJe 05-09-2011).

“(...) 1. Considerando que o Município contratou advogado exclusivamente para defender interesses da Administração, caracteriza ato de improbidade administrativa a autorização do Prefeito aos seus subalternos, permitindo-lhes a utilização dos serviços jurídicos do causídico para duvidosa finalidade pública - defesa em relação à acusação penal e com denúncia recebida por prática de crime de falsificação de documento público, dispensa irregular de licitação, contratação e designação irregular de servidores, desvio e emprego ilegal de verbas públicas e formação de quadrilha -, evidenciando forte indício de conflito de interesses público e privado.

2. Nos termos da jurisprudência do STJ, ‘quando se tratar da defesa de um ato pessoal do agente político, voltado contra o órgão público, não se pode admitir que, por conta do órgão público, corram as despesas com a contratação de advogado’ (AgRg no REsp 681.571/GO, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 29.6.2006).

3. Mais grave ainda a violação dos princípios da moralidade administrativa e da boa-fé objetiva quando a defesa de atos pessoais, tidos por criminosos, dos servidores é disfarçada como serviços ‘gratuitos’ do advogado contratado às expensas do contribuinte. (...)” (STJ, REsp 490.259-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, 02-02-2010, v.u., DJe 04-02-2011).

Converge a esse entendimento o parecer da Procuradoria-Geral da República lançado em ação direta de inconstitucionalidade que analisou o art. 45 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul e a alínea a do Anexo II da Lei Complementar n. 10.194/94 daquela unidade federativa (que asseguravam a assistência judiciária do Estado ao servidor público processado civil ou criminalmente), acolhido pelo Relator Ministro Joaquim Barbosa, e que assim expressa:

“(...) se o servidor comprovar suas dificuldades e seu grau de necessidade, tem ele o amparo da Defensoria Pública, na medida em que o próprio texto constitucional determina que o Estado prestará assistência judiciária e integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Dessa forma, não há necessidade de lei que privilegie indistintamente todos os servidores estaduais, no exercício de suas atribuições (...)

Entretanto, o dispositivo da Constituição Estadual, desvirtuado ainda mais pela lei supracitada, estabelece injustificável privilégio àqueles que praticarem crimes contra o Estado, atos de improbidade e lesões ao seu patrimônio, os quais serão beneficiados, necessitem ou não, do patrocínio estatal de sua causa. Ora, se o agente for hipossuficiente, terá direito à assistência jurídica estatal. Mas se não a necessitar deverá promover sua defesa com recursos próprios, sem o patrocínio estatal, já que a defesa do Estado, na maioria dos casos, não se confunde com a do servidor e deve ser promovida pelo competente corpo de Procuradores do Estado.

Portanto, a norma desigualada não é necessária nem adequada. Tampouco proporcional, eis que significará, na maioria das vezes, no patrocínio, pelo Estado, da conduta de ímprobos, corruptos, servidores faltosos (...)” (STF, ADI 3.022-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 02-08-2004, v.u., DJ 04-03-2005).

Trata-se de desigualdade desarrazoada e afrontosa à moralidade, à impessoalidade e ao interesse público, razão pela qual é de rigor a declaração de inconstitucionalidade da alínea ‘s”, do art. 5º da lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011, do Município de Araraquara.

 V – PEDIDO LIMINAR

         À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura das normas municipais apontadas como violadoras de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico e geradora de lesão irreparável ou de difícil reparação à boa organização dos serviços públicos locais de advocacia pública.

         À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação das expressões “subordinada à Secretaria dos Negócios Jurídicos”, inserta no art. 1º, caput, “submetidos à direta, pessoal e imediata supervisão do Coordenador de Negócios Jurídicos e Secretário Municipal de Negócios Jurídicos”, contida no §1º , do art. 4º, alínea “s” do art. 5º, da expressão “exceto a do Procurador Chefe que será fiscalizado pelo Coordenador Executivo dos Negócios Jurídicos”, prevista no art. 16, caput, “ou por determinação do Secretário de Negócios Jurídicos”, inserta na alínea b, do art. 16, arts. 17, 19 e 20 da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011; dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII, do art. 23 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.518/2011; da expressão “1.1. Procuradoria Geral do Município”, prevista no art. 24 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013, da expressão “3.1. Procuradoria de Assuntos Tributários”, contida no art. 28 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013; art. 13 e, seu §1º, da Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013, todas do Município de Araraquara.

VI - PEDIDO

         Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade das expressões “subordinada à Secretaria dos Negócios Jurídicos”, inserta no art. 1º, caput, “submetidos à direta, pessoal e imediata supervisão do Coordenador de Negócios Jurídicos e Secretário Municipal de Negócios Jurídicos”, contida no §1º , do art. 4º, alínea “s” do art. 5º, da expressão “exceto a do Procurador Chefe que será fiscalizado pelo Coordenador Executivo dos Negócios Jurídicos”, prevista no art. 16, caput, “ou por determinação do Secretário de Negócios Jurídicos”, inserta na alínea b, do art. 16, arts. 17, 19 e 20 da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011; dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII, do art. 23 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.518/2011; da expressão “1.1. Procuradoria Geral do Município”, prevista no art. 24 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013, da expressão “3.1. Procuradoria de Assuntos Tributários”, contida no art. 28 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013; art. 13 e, seu §1º, da Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013, todas do Município de Araraquara

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Araraquara, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 01 de fevereiro de 2017.

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado n. 135.783/2016

Interessado: Dr. Raul de Mello Franco Jr – Promotor de Justiça da Comarca de Araraquara

 

 

 

 

 

1.  Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em face das expressões “subordinada à Secretaria dos Negócios Jurídicos”, inserta no art. 1º, caput, “submetidos à direta, pessoal e imediata supervisão do Coordenador de Negócios Jurídicos e Secretário Municipal de Negócios Jurídicos”, contida no §1º , do art. 4º, alínea “s” do art. 5º, da expressão “exceto a do Procurador Chefe que será fiscalizado pelo Coordenador Executivo dos Negócios Jurídicos”, prevista no art. 16, caput, “ou por determinação do Secretário de Negócios Jurídicos”, inserta na alínea b, do art. 16, arts. 17, 19 e 20 da Lei nº 7.583, de 1º de dezembro de 2011; dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII, do art. 23 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.518/2011; da expressão “1.1. Procuradoria Geral do Município”, prevista no art. 24 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013, da expressão “3.1. Procuradoria de Assuntos Tributários”, contida no art. 28 da Lei nº 6.250, de 19 de abril de 2005, na redação dada pela Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013; art. 13 e, seu §1º, da Lei nº 7.867, de 25 de janeiro de 2013, todas do Município de Araraquara.

2.                Providenciem-se as anotações e comunicações de praxe ao interessado e à douta Promotoria de Justiça de Araraquara.

3.     Cumpra-se.

São Paulo, 01 de fevereiro de 2017.

 

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

aaamj/mi