EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 134.744/2016

 

                                              

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Expressões “Assessor de Administração I”, “Assessor de Administração II”, “Assessor de Gabinete I”, “Assessor de Gabinete II”, “Assessor de Governo”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Técnico de Planejamento e Obras”, “Assessor Técnico de Saúde”, “Conselheiro Tutelar”, “Coordenador de Programas”, “Coordenador de Saúde”, “Diretor de Departamento”, “Diretor de Gabinete”, “Diretor de Programas e Projetos”, “Gerente de Divisão”, “Gerente de Setor”, “Procurador Jurídico”, “Secretário de Gabinete I”, “Secretario de Gabinete II”, “Diretor Presidente”, “Assessor Técnico”, “Diretor Executivo”, “Diretor Cultural”, “Coordenador de Setor”, “Coordenador Administrativo” constantes nos Anexos III, VI e IX da Lei Complementar n° 02, de 17 de abril de 2009, do Município de Assis. Criação de cargos em comissão na estrutura administrativa do Município de Assis. 1. Ausência de descrição legal das atribuições dos cargos em comissão criados. Violação do princípio da reserva legal. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades do cargo público deve estar descrito na lei. Violação do princípio da reserva legal. Arts. 24, § 2º, 1, 115, I, II e V, 144, da Constituição Paulista. 2. Cargos de provimento em comissão de “Assessor Jurídico” e “Procurador Jurídico” (Anexo III e VI). As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, 144 da CE/89).

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 134.744/2016, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face das expressões “Assessor de Administração I”, “Assessor de Administração II”, “Assessor de Gabinete I”, “Assessor de Gabinete II”, “Assessor de Governo”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Técnico de Planejamento e Obras”, “Assessor Técnico de Saúde”, “Conselheiro Tutelar”, “Coordenador de Programas”, “Coordenador de Saúde”, “Diretor de Departamento”, “Diretor de Gabinete”, “Diretor de Programas e Projetos”, “Gerente de Divisão”, “Gerente de Setor”, “Procurador Jurídico”, “Secretário de Gabinete I”, “Secretário de Gabinete II”, “Diretor Presidente”, “Assessor Técnico”, “Diretor Executivo”, “Diretor Cultural”, “Coordenador de Setor”, “Coordenador Administrativo” constantes nos Anexos III, VI e IX da Lei Complementar n° 02, de 17 de abril de 2009, do Município de Assis, pelos fundamentos expostos a seguir:

 

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei Complementar n° 02, de 17 de abril de 2009, do Município de Assis, que “dispõe sobre a reorganização da estrutura administrativa da Prefeitura do Município de Assis e dá outras providências”, possui, no que diz respeito ao objeto desta ação, a seguinte redação, verbis:

“(...)

ANEXO III

PREFEITURA MUNICIPAL

QUADRO DE PESSOAL EM COMISSÃO

DENOMINAÇÃO CARGOS EM COMISSÃO

PADRÃO DE

VENCIMENTOS

QUANTIDADE DE CARGOS

ANTERIOR

ATUAL

ASSESSOR DE ADMINISTRAÇÃO I

30 B

030

030

ASSESSOR DE ADMINISTRADOR II

20 J

030

030

ASSESSOR DE GABINETE I                    

30 E

008

008

ASSESSOR DE GABIENTE II

40 G

008

008

ASSESSOR DE GOVERNO

40 J

008

008

ASSESSOR JURÍDICO

40 I

006

006

ASSESSOR TÉCNICO DE PLANEJAMENTO DE OBRAS

50 B

004

004

ASSESSOR TÉCNICO DE SAÚDE

40 D

003

003

CONSELHEIRO TUTELAR

40 C

005

005

COORDENADOR DE PROGRAMAS

40 D

002

002

COORDENADOR DE SAÚDE

40 D

025

025

DIRETOR DE DEPARTAMENTO

40 G

015

015

DIRETOR DE GABINETE

50 F

001

001

DIRETOR DE PROGRAMA E PROJETOS

40 D

005

005

GERENTE DE DIVISÃO

40 D

015

015

GERENTE DE SETOR

30 E

026

026

PROCURADOR JURÍDICO

40 K

003

003

SECRETÁRIO DE GABINETE I

30 G

021

021

SECRETÁRIO DE GABINETE II

40 D

013

013

 

(...)

ANEXO VI

AUTARQUIA MUNICIPAL DE ESPORTES DE ASSIS

QUADRO DE PESSOAL EM COMISSÃO

DENOMINAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO

PADRÃO DE VENCIMENTOS

QUANTIDADE DE CARGOS

ANTERIOR

ATUAL

DIRETOR PRESIDENTE

50 K

01

01

DIRETOR DE DEPARTAMENTO

40 G

01

01

PROCURADOR JURÍDICO

40 G

01

01

GERENTE DE DIVISÃO

40 D

02

02

GERENTE DE SETOR

30 E

02

02

ASSESSOR TÉCNICO

30 B

20

20

 

(...)

ANEXO IX

FUNDAÇÃO ASSISENSE DE CULTURA - FAC

QUADRO DE PESSOAL EM COMISSÃO

DENOMINAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO

PADRÃO DE VENCIMENTOS

QUANTIDADE DE CARGOS

ANTERIOR

ATUAL

DIRETOR EXECUTIVO

         40 G

01

01

DIRETOR CULTURAL

40 G

01

01

COORDENADOR DE SETOR

30 E

07

07

COORDENADOR ADMINISTRATIVO

30 E

01

01

 

(...)”.

Os dispositivos legais anteriormente descritos são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

Os Anexos III, VI e IX, da Lei Complementar n° 02, de 17 de abril de 2009, do Município de Assis - ao criarem cargos em comissão sem a descrição de suas atribuições e, ademais, ao preverem os cargos em comissão de “Assessor Jurídico” e “Procurador Jurídico” - contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal por força do art. 144 da Carta Paulista.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:

“(...)

Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

(...)

Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado: 

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais; 

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

Art. 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva lei orgânica.

Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

3.     DA FUNDAMENTAÇÃO

3.1.         Da ausência de descrição legal das atribuições dos cargos de provimento em comissão criados

Cumpre esclarecer que é inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão cujas atribuições sejam de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, I, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais, às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo público, mas somente daqueles que demandem relação de confiança, devido ao exercício de atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção.

É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não se coadunam com a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – atribuições profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.

Destarte, é absolutamente imprescindível que a lei descreva as efetivas atribuições dos cargos de provimento em comissão, para se aquilatar se realmente se amoldam às funções de assessoramento, chefia e direção.

Ademais, referida exigência se amolda ao próprio princípio da legalidade, o qual se desdobra na reserva legal, a exigir lei em sentido formal para criação e disciplina de cargos públicos, como adverte a doutrina, verbis:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para criação e disciplina de cargo público, compreendido este como o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um servidor, criado por lei, em número certo, com denominação própria, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, para o exercício de uma função pública específica (cf. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 16 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012- p. 298).

Desse modo, ponto elementar relacionado à criação de cargos públicos é a exigência de que lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, como ato normativo produzido pelo Poder Legislativo, mediante o competente e respectivo processo - descreva as correlatas atribuições.

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício das funções públicas pelo agente público.

Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, daqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que, ainda, permite a aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público- a qual deve ser guiada pela legalidade, moralidade, impessoalidade e razoabilidade.

Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos cargos públicos, nos termos do art. 6º da Lei impugnada, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal.

Isso porque, “a nossa ordem constitucional não se compadece com as autorizações legislativas puras ou incondicionadas, de nítido e inconfundível conteúdo renunciativo. Tais medidas representam inequívoca deserção do compromisso de deliberar politicamente, configurando manifesta fraude ao princípio da reserva legal e à vedação à delegação de poderes.” (cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4 ed.. São Paulo: Saraiva, 2009- pp. 960).

Ademais, a possibilidade de regulamento autônomo, para disciplina da organização e funcionamento da administração (art. 47, XIX, a, da Constituição Paulista), não se confunde com a delegação de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público, sob pena de violação ao art. 24, § 2º, 1, da Carta Paulista, que exige, para tanto, lei em sentido formal.

Com efeito, o regulamento autônomo (ou de organização) deve conter normas sobre a organização administrativa, isto é, sobre a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos- podendo tão-somente extingui-los, quando vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição).

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, o “decreto autônomo” previsto no art. 84, VI, a, da Constituição, representa:

“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).

Neste sentido, em casos análogos a este, pronunciou o E. Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade de leis que delegam ao Poder Executivo a fixação da descrição das atribuições de cargos de provimento em comissão, in verbis:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009).

“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008).

Em suma, na presente situação, a Lei Complementar n° 02, de 17 de abril de 2009, do Município de Assis, criou cargos em comissão (Anexos III, VI e IX), sem a discriminação das atribuições dos cargos criados, em afronta à nossa ordem constitucional (arts. 24, § 2º, 1, 155, I, II e V, e 144, da Carta Paulista).

3.2.         Dos cargos de “Assessor Jurídico” e “Procurador Jurídico”

Não bastasse a ausência de descrição legal dos cargos em comissão criados, em violação ao princípio da reserva legal, os cargos em comissão criados de “Assessor Jurídico” e “Procurador Jurídico” (Anexos III e VI) não se harmonizam com os arts. 98 a 100, da Constituição Paulista- que se reportam ao modelo traçado no art. 132, da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual-, de observância obrigatória pelos Municípios, por força do art. 144, da Constituição Estadual.

Com efeito, as atividades de advocacia pública, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais investidos em cargos públicos, mediante prévia aprovação em concurso público.

Nesse sentido, decidiu o E. Supremo Tribunal Federal, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

4.     DO PEDIDO LIMINAR

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Assis apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, das expressões “Assessor de Administração I”, “Assessor de Administração II”, “Assessor de Gabinete I”, “Assessor de Gabinete II”, “Assessor de Governo”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Técnico de Planejamento e Obras”, “Assessor Técnico de Saúde”, “Conselheiro Tutelar”, “Coordenador de Programas”, “Coordenador de Saúde”, “Diretor de Departamento”, “Diretor de Gabinete”, “Diretor de Programas e Projetos”, “Gerente de Divisão”, “Gerente de Setor”, “Procurador Jurídico”, “Secretário de Gabinete I”, “Secretário de Gabinete II”, “Diretor Presidente”, “Assessor Técnico”, “Diretor Executivo”, “Diretor Cultural”, “Coordenador de Setor”, “Coordenador Administrativo” constantes nos Anexos III, VI e IX da Lei Complementar n° 02, de 17 de abril de 2009, do Município de Assis.

5.     DO PEDIDO

Diante do exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação direta, a fim de que seja, ao final, julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade das expressões “Assessor de Administração I”, “Assessor de Administração II”, “Assessor de Gabinete I”, “Assessor de Gabinete II”, “Assessor de Governo”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Técnico de Planejamento e Obras”, “Assessor Técnico de Saúde”, “Conselheiro Tutelar”, “Coordenador de Programas”, “Coordenador de Saúde”, “Diretor de Departamento”, “Diretor de Gabinete”, “Diretor de Programas e Projetos”, “Gerente de Divisão”, “Gerente de Setor”, “Procurador Jurídico”, “Secretário de Gabinete I”, “Secretário de Gabinete II”, “Diretor Presidente”, “Assessor Técnico”, “Diretor Executivo”, “Diretor Cultural”, “Coordenador de Setor”, “Coordenador Administrativo” constantes nos Anexos III, VI e IX da Lei Complementar n° 02, de 17 de abril de 2009, do Município de Assis.

 Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Assis, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre os atos normativos impugnados.

 Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 Termos em que,

 Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 31 de janeiro de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

efsj

 


 

Protocolado n. 134.744/2016

Interessado: Promotoria de Justiça de Assis

Objeto: representação para controle de constitucionalidade da criação de cargos de provimento em comissão previstos nos Anexos III, VI e IX, da Lei Complementar nº 02, de 17 de abril de 2009, do Município de Assis.

 

1.     Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em face das expressões “Assessor de Administração I”, “Assessor de Administração II”, “Assessor de Gabinete I”, “Assessor de Gabinete II”, “Assessor de Governo”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Técnico de Planejamento e Obras”, “Assessor Técnico de Saúde”, “Conselheiro Tutelar”, “Coordenador de Programas”, “Coordenador de Saúde”, “Diretor de Departamento”, “Diretor de Gabinete”, “Diretor de Programas e Projetos”, “Gerente de Divisão”, “Gerente de Setor”, “Procurador Jurídico”, “Secretário de Gabinete I”, “Secretário de Gabinete II”, “Diretor Presidente”, “Assessor Técnico”, “Diretor Executivo”, “Diretor Cultural”, “Coordenador de Setor”, “Coordenador Administrativo” constantes nos Anexos III, VI e IX da Lei Complementar n° 02, de 17 de abril de 2009, do Município de Assis.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 31 de janeiro de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

efsj