Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado n. 117.620/2016

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 4º da Lei n. 4.247, de 31 de março de 2016, e inciso XIX do art. 28 da Lei Orgânica Municipal, na redação dada pela Emenda n. 28/2014, do Município de Tremembé. Inexistência dos direitos à revisão geral anual e à irredutibilidade dos subsídios aos agentes políticos municipais (art. 115, XI e XVII, CE).  Impossibilidade de vinculação da revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos municipais à dos servidores públicos municipais (art. 115, XV, CE). Ofensa ao princípio da moralidade administrativa e às regras da anterioridade da legislatura e da inalterabilidade do subsídio durante esse período (art. 144, CE). 1. Inexistência do direito à revisão geral anual e à irredutibilidade da remuneração dos agentes políticos municipais, porquanto exclusivamente conferidos aos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. 2. Ademais, inadmissível a vinculação dessa revisão à promovida em favor dos servidores públicos municipais, pela adoção de identidade de datas e índices. 3. Violação do princípio da moralidade administrativa (art. 111, Constituição Estadual) que alberga a inalterabilidade do subsídio durante a legislatura municipal. 4. Violação aos arts. 111, 115, XI, XV e XVII, e 144, da CE/89; e aos arts. 29, VI, e 37, X, XIII e XV, da CF/88.

 

 

 

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 4º da Lei Municipal n. 4.247, de 31 de março de 2016, de Tremembé, e da Emenda n. 28/2014 à Lei Orgânica do Município de Tremembé, pelos fundamentos a seguir expostos:

1.     DO Ato Normativo Impugnado.

A Lei n. 4.247, de 31 de março de 2016, do Município de Tremembé, que “Dispõe sobre fixação dos subsídios do Prefeito e do Vice-Prefeito, Secretário Municipal e Vereadores da Estância Turística de Tremembé, para o mandato de 2017-2020”, estabeleceu:

Art. 1º - Os subsídios dos Agentes Políticos Municipais (prefeito, vice-prefeito, secretário municipal e vereadores) ficarão inalterados para o mandato 2017-2020:

I - Os subsídios do prefeito, vice-prefeito, secretário municipal e vereadores para o mandato 2017-2020 serão os valores pagos aos atuais agentes políticos no mês de janeiro de 2016.

Art. 2º - Os Vereadores da Câmara Municipal da Estância Turística de Tremembé que faltarem à Sessão Ordinária terão descontados a importância equivalente a 15% (quinze por cento) do valor do subsídio.

Parágrafo único - Na sessão legislativa extraordinária fica vedado o pagamento de parcela indenizatória, em razão da convocação.

Art. 3º - As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão às expensas de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 4º - Fica assegurada a revisão anual dos subsídios de que trata esta Lei, sempre na mesma data, somente a partir de 1º de maio de 2018, observado o disposto no inciso X do artigo 37 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes o índice equivalente à correção monetária, medida pelo Índice Nacional de Preços ao consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro da Estatística e Geografia, limitada ao valor da revisão dos servidores públicos municipais.

Art. 5º - Ficam revogadas as Leis Municipais 4.235, 4.236 e 4.237, todas de 11 de fevereiro de 2016.

Art. - Esta Lei entrará em vigor a partir de 1º de janeiro de 2017, revogando-se disposições em contrário.” (sic – grifo nosso)

Por sua vez, a Emenda à Lei Orgânica do Município n. 28/2014, de Tremembé, que “Altera a redação do artigo 28 da Lei Orgânica do Município, na forma que especifica”, assim dispôs:

Art. 1º - O inciso IXI do Artigo 28 da Lei Orgânica do Município passa a ter a seguinte redação:

Art. 28 - Compete, privativamente, à Câmara Municipal:

XIX - fixar, observado o que dispõe os Artigos 29, V; 37, XI; 39, § 4º; 150, II; 153, III e 153, § 2º, I, da Constituição Federal, os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais, sobre os quais incidirá o imposto sobre rendas e proventos de qualquer natureza, vedada a redução dos valores vigentes à época da fixação.

Art. 3º - Esta Emenda entrará em vigor na data de sua publicação.” (sic - grifo nosso)

Os dispositivos normativos em destaque padecem de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

A inconstitucionalidade do art. 4º da Lei n. 4.247/16, de Tremembé, reside na previsão segundo a qual fica assegurada a revisão geral anual dos subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários Municipais e Vereadores, daquela localidade, na mesma data e sem distinção de índices em relação aos servidores públicos municipais.

Por sua vez, é incompatível com o ordenamento jurídico o inciso XIX do art. 28 da Lei Orgânica Municipal de Tremembé, na redação dada pela Emenda n. 28/2014, ao assegurar a irredutibilidade de vencimentos do Prefeito, Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais.  

Vejamos as razões pelas quais a inconstitucionalidade se evidencia no caso em exame.

2.     dO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade.

O art. 4º da Lei n. 4.247, de 31 de março de 2016, bem como o inciso XIX do art. 28 da Lei Orgânica Municipal, com a redação dada pela Emenda n. 28/2014, do Município de Tremembé, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

O art. 4º da Lei n. 4.247/16, de Tremembé, autoriza o reajuste dos subsídios mensais do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários Municipais e Vereadores, por meio da revisão geral anual, na mesma data e sem distinção dos índices aplicáveis à remuneração dos servidores públicos municipais.

Ademais, o inciso XIX do art. 28 da Lei Orgânica Municipal de Tremembé, com a redação dada pela Emenda n. 28/2014, estabeleceu a irredutibilidade dos subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais.

Dessa forma, tais normas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144:

Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

XI – a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data e por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso;

(...)

XV – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, observado o disposto na Constituição Federal;

(...)

XVII - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, observado o disposto na Constituição Federal;

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Note-se que o disposto nos arts. 111, 115, XI, XV e XVII, da Constituição Estadual, reproduzem o art. 37, caput e incisos X, XIII e XV, da Constituição Federal.                      

De outra parte, o art. 144 da Constituição Estadual - que determina a observância pelos Municípios, não só dos princípios presentes no bojo da Carta Paulista, mas também dos princípios constantes na Constituição Federal - consiste em “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, conforme averbou o E. Supremo Tribunal Federal, ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade, perante Tribunal de Justiça local, de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

         Disso decorre, também, a possibilidade de contraste de lei ou ato normativo local com o art. 144 da Constituição Estadual por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 29, VI, que assim dispõe:

“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

VI - o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subseqüente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos:

(...)”.

3. DA FUNDAMENTAÇÃO.

         A – Da inexistência do direito à revisão geral anual e à irredutibilidade dos subsídios percebidos por agentes políticos municipais.

Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários Municipais e Vereadores são agentes políticos do Município. Não são servidores públicos comuns, porquanto não têm o status de agentes profissionais, sendo temporariamente investidos em cargos de natureza política, por força de eleição (Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores) e de nomeação à cargo de provimento comissionado (Secretários Municipais).

Bem por isso, os dispositivos legais impugnados - que instituíram e implantaram o direito à revisão geral anual e à irredutibilidade dos subsídios dos agentes políticos municipais, bem como a vinculação a datas e aos índices adotados no reajuste da remuneração dos servidores públicos municipais -, padecem de inconstitucionalidade por contrariedade ao art. 115, XI, XV e XVII, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, X, XIII e XV, da Constituição Federal.

Em primeira análise, não autoriza o ordenamento constitucional vinculação entre os subsídios dos agentes políticos municipais e o dos servidores públicos para fins de revisão geral anual.

         Nesse sentido, observa autorizada doutrina que “as manifestações da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre indicaram a impossibilidade de vinculação entre carreiras diversas, interditando que os estipêndios de uma determinada categoria correspondessem a um percentual de outro e, conseqüentemente, que o aumento concedido a uma fosse estendido à outra, impedindo ‘majorações de vencimentos em cadeia’. Assim, por exemplo, a vinculação, prevista em lei estadual, da alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de fixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofende o inciso XIII do art. 37. O que não se coaduna com a noção proibitiva do art. 37, XIII, é uma vinculação positiva, diferentemente da inserção de um limite, tornando o vencimento ou subsídio de uma carreira dependente de outra” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 133-136 - grifo nosso).

         Esse regime constitucional sinaliza para a impossibilidade de vinculação, para o Prefeito, o Vice-Prefeito, Secretários Municipais e Vereadores, como no caso em análise, relativamente à revisão geral anual concedida ao funcionalismo público comum, nos termos do art. 37, X, da CF, e art. 115, XI, da Constituição Paulista.

         Ademais, fértil é a jurisprudência ao censurar a vinculação do reajuste ou revisão dos subsídios de agentes políticos municipais à dos servidores públicos municipais:

                            “(...)

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 4º DA LEI Nº 11.894, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2003. - A Lei Maior impôs tratamento jurídico diferenciado entre a classe dos servidores públicos em geral e o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais. Estes agentes públicos, que se situam no topo da estrutura funcional de cada poder orgânico da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, são remunerados exclusivamente por subsídios, cuja fixação ou alteração é matéria reservada à lei específica, observada, em cada caso, a respectiva iniciativa (incisos X e XI do art. 37 da CF/88). - O dispositivo legal impugnado, ao vincular a alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de refixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofendeu o inciso XIII do art. 37 e o inciso VIII do art. 49 da Constituição Federal de 1988. Sobremais, desconsiderou que todos os dispositivos constitucionais versantes do tema do reajuste estipendiário dos agentes públicos são manifestação do magno princípio da Separação de Poderes. Ação direta de inconstitucionalidade procedente” (STF, ADI 3.491-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 27-09-2006, v.u., DJ 23-03-2007, p. 71, RTJ 201/530).

(...)”

“Ação direta de inconstitucionalidade - sustentada inconstitucionalidade dos artigos 4º e 5º, caput, §§ 1º, 4º e 5º, da Lei nº 11.600, de 09 de abril de 2008, em sua redação original e na que foi dada pelo artigo 1º, I e II, da Lei nº 11.622, de 05 de maio de 2008, do Município de Ribeirão Preto, que ‘Fixa os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários e Vereadores para a legislatura a iniciar-se em 1º de janeiro de 2009 e dá outras providências’, e ‘Dá nova redação ao parágrafo 4º e acrescenta o parágrafo 5º ao artigo 5º da Lei n° 11.600, de 09/04/08’, respectivamente - vedada é a vinculação do reajuste dos subsídios do Chefe do Poder Executivo, do Vice, e de seus auxiliares diretos à revisão geral anual do funcionalismo público municipal - é vedada a fixação dos subsídios dos Vereadores em percentual dos subsídios dos Deputados Estaduais - é vedada, ainda, a vinculação do reajuste dos subsídios dos Vereadores à revisão geral anual do funcionalismo público municipal ou à alteração dos subsídios dos Deputados Estaduais, eis que inalterável o valor daqueles durante a legislatura, por força da reintrodução pela EC 23/2000, da chamada ‘regra da legislatura’ aos parlamentares municipais - vedada é a instituição de décimo terceiro subsídio a quem tem vínculo não profissional com a Administração Pública - é vedada a expansão do subsídio como parcela única concebido, para abranger valores excedentes à remuneração do mandato parlamentar estadual (ajuda de custo, jeton, verba de gabinete e outras) violação dos artigos 1º, 111, 115, XI, XII e XV, 124, § 2º, 144 e 297, da CE - ação procedente, assentando-se, ademais, a fim de que os Vereadores da atual Legislatura de Ribeirão Preto não fiquem sem remuneração, que, a este título, na corrente receberão o subsídio que vigorou na Legislatura anterior, obviamente que sem a revisão anual e observados os limites estabelecidos no inciso VI, do art. 29 da Constituição Federal” (TJSP, ADI 994.09.002644-6, Órgão Especial, Rel. Des. Palma Bisson, 10-02-2010, v.u.).

“O Colendo Supremo Tribunal Federal já assentou ser inconstitucional dispositivo de lei estadual vinculando a alteração do subsídio do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado ao reajuste dos vencimentos dos servidores públicos. (...)

Mutatis mutantis’ a situação é a mesma em se tratando de lei municipal que vincula a alteração do subsídio de vereador ao reajuste do funcionário público municipal. Evidente a inconstitucionalidade de dispositivo que prevê tal vinculação para o reajuste dos vereadores, porquanto também nessa hipótese ocorre violação à ‘regra da legislatura’, estatuída no artigo 29, VI, da Constituição da República. É o caso dos autos, em que a edição de lei atrelando a revisão do subsídio dos vereadores ao reajuste dos servidores municipais, ensejou alteração daquele na mesma legislatura, pelos próprios parlamentares, que assim acabaram por legislar em causa própria, em clara e inequívoca transgressão ao princípio da moralidade administrativa, que a Constituição Federal consagra (artigo 37) e protege (art. 5º, LXXIII).

Em suma, como bem anotou o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, ‘Sendo que a remuneração deve ser fixada em cada legislatura para a subsequente, não é tolerável a 'revisão anual dos subsídios',’ mesmo porque ‘Não faria sentido que, de um lado, a Carta Magna condicionasse a fixação dos subsídios dos Vereadores a legislatura e, de outro lado, mantivesse para os parlamentares, sem mais, a aplicação da regra geral do art. 37, X’ (fl. 501).

Por derradeiro, é oportuna trazer à baila vetusta decisão da Suprema Corte, da lavra do Ministro Mário Guimarães, ao julgar o RE nº 25.793/SP, em 1º de agosto de 1955, quando se decidiu que ‘Não podem as Câmaras Municipais alterar durante o período do mandato, o subsídio de seus vereadores (...), colhendo-se desse venerando acórdão citação sobre a matéria, que nos dias atuais tem inteira aplicabilidade e está assim redigida: ‘João Barbalho, comentando o art. 46, da Constituição de 91, achava que deveria a fixação do subsidio ser antes da eleição, de modo que se não soubesse quem queria o beneficiado - cautela que hoje consta da Constituição de 46, e terminava suas considerações com a citação destas palavras de Aristóteles, sempre oportuna entre nós - 'Combinai de tal forma vossas leis e vossas instituições, que os empregos não possam ser objeto de um cálculo interessado’ (V. Comentários à Constituição Federal Brasileira, pg. 235)’ (...)” (TJSP, II 161.056-0/0-00, Órgão Especial, Rel. Des. Mário Devienne Ferraz, 13-08-2008, v.u.).

(...)”

Aliás, o art. 115, XI e XVII, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, X e XV, da Constituição Federal, não ampara aos agentes políticos municipais a revisão geral anual nem a irredutibilidade dos subsídios.

Embora não estejam necessariamente atreladas revisão geral anual e irredutibilidade remuneratória, resulta do ordenamento jurídico positivo que tais direitos são circunscritos aos servidores públicos e agentes políticos vitalícios que ocupam cargos profissionais, cujo regime jurídico é marcadamente distinto daqueles que transitoriamente são investidos em cargos públicos de natureza política.

A solução dada ao tema pelos dispositivos impugnados - adite-se – vulnera, ainda, a legalidade e a moralidade administrativa (art. 111, Constituição Estadual).

Os agentes políticos não são servidores profissionais e a eles não se dirigem as garantias da revisão geral anual e da irredutibilidade dos subsídios que, como se infere do art. 115, XI e XVII, da Constituição Estadual, violado pela norma questionada (reprodução do art. 37, X e XV, da Constituição Federal), é direito subjetivo exclusivo dos servidores públicos e dos agentes políticos expressamente indicados na Constituição da República, ou seja, magistrados e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas, em virtude do caráter profissional de seu vínculo à função pública.

Nesse sentido, colaciona-se julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negando aos agentes políticos temporários a revisão geral anual:

“Razoável é a interpretação segundo a qual a Constituição Federal, ao assegurar a revisão geral anual ‘sempre na mesma data e sem distinção de índices’ (inc. X do art. 37), assim determinou para o sistema de remuneração dos servidores públicos e de subsídio dos agentes políticos sem mandato eletivo (referidos no § 4° do art. 39 da CF), não abrangendo o subsídio de agentes políticos detentores de mandato eletivo (Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores), que está sujeito a regime próprio.

Invocando doutrina de JOSÉ AFONSO DA SILVA (‘in’ ‘Curso de Direito Constitucional Positivo’, ed. Malheiros, 22ª ed., 2003, pág. 663), acrescenta o culto Procurador de Justiça: ‘Caso assim não se entenda haveria um evidente choque de Poderes, mormente em relação àquele que primeiro fixasse o índice. Suponha-se, assim, que a Câmara Municipal, no exercício da competência estabelecida no art. 29, inciso VI, da Constituição Federal, fixasse em 1% o índice para a revisão anual. É certo que a este não ficaria vinculado o chefe do Poder Executivo, que tem a competência constitucional para alterar a remuneração dos seus servidores (art. 61, § 1°, II, ‘a’)’ (fls. 283/284)” (TJSP, AI 356.170-5/5-00, São Paulo, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Gonzaga Franceschini, v.u., 25-08-2004).

         No mesmo sentido, é a manifestação doutrinária:

“A garantia da irredutibilidade não se estende aos agentes políticos investidos em mandatos e que não integram carreiras. Com efeito, diferentemente dos servidores públicos, esses agentes políticos não gozam da garantia, uma vez que a fixação de seus subsídios situa-se no plano das conveniências políticas. Tampouco há legitimidade na vinculação da revisão geral do funcionalismo público para fins da concessão de reajuste dos agentes políticos. A fixação dos subsídios dessa espécie de agentes políticos atende ao seu específico regime jurídico, incomparável com os demais, denotando-se limites e parâmetros diferenciados, razão pela qual não se inserem na revisão geral prevista no art. 37, X, da Constituição.

(...)

Há outros argumentos. A irredutibilidade dos vencimentos foi sensível conquista dos servidores públicos na Constituição de 1988, denotando a proteção dedicada a cargos isolados ou de carreiras, inclusive as de natureza profissional ou técnico-científica, de provimento efetivo ou vitalício, e aqueles que, mercê do caráter político lato sensu (magistrados e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas), tem essa feição distanciada da transitoriedade elementar à investidura. Ela, em suma, assume o contorno de garantia (pro societatis) de desempenho imparcial. Para além, quando a Constituição Federal, desde 1891 até a atual de 1988, quis assegurar a irredutibilidade, o fez de modo expresso, ainda que por remissões ou enumerações. No estatuto constitucional dos agentes políticos investidos em mandatos temporários não há qualquer remissão à norma que garanta a irredutibilidade.

(...)

É importante ressaltar que a evolução histórico-constitucional brasileira da irredutibilidade ressalta aspectos subjetivos (de exceção passou a regra) e objetivos (enumeração taxativa da limitação de seu alcance e de sua extensão, ainda que, atualmente, pela adoção da técnica normativa da remissão a preceitos constitucionais). Se ela não é absoluta, como revelam as remissões normativas daquilo que pode decrescer a remuneração (arts. 37, XI, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I), constata-se que, a par da irredutibilidade em favor dos vencimentos dos servidores públicos estar ligada indissociavelmente ao direito de revisão geral anual (art. 37, X e XV) - porque esta poderia implicar aumento ou diminuição conforme a valorização ou não da moeda, e tendo a remuneração natureza de dívida de valor, se impede a redução - quando a Constituição Federal quis estabelecer irredutibilidade de subsídio e direito à revisão geral anual a outras espécies de agentes públicos políticos o fez expressamente, como se percebe dos citados arts. 95, III, e 128, § 5º, I, c.

Poder-se-ia afirmar que essa impressão é falsa porque nos art. 37, X e XV, há remissão explícita ao subsídio e aos vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos, mormente porque se referem ao art. 39, § 4º, cuja redação daria a impressão de abranger os agentes políticos no raio de ação do direito à revisão geral anual contido no art. 37, X. Entretanto, tal argumento despreza a obviedade: o regime remuneratório (por subsídio) de agentes políticos temporariamente investidos em mandato eletivo ou na administração superior (Ministros de Estado e Secretários de Estados e Municípios) é diferenciado do regime daqueles vitalícios em cargos isolados ou de carreira técnico-científica, e que possuem com explícita referência à irredutibilidade e a revisão geral anual (arts. 95, III, e 128, § 5º, I, c). Além disso, se essa fosse a concepção constituinte, haveria previsão expressa, nesse sentido, nos arts. 27, § 1º, 28, § 2º, 29, V e VI, 49, VII e VIII, e que, se houvesse, seria absolutamente contraditória à regra da anterioridade da legislatura (art. 29, VI), pela qual durante esse período os subsídios são inalteráveis” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 166-167, 222-224).

Desse modo, mostra-se indevida, por vicio de inconstitucionalidade, a previsão do art. 4º da Lei n. 4.247/16, de Tremembé, que implanta a revisão geral anual do subsídio dos agentes políticos municipais, vinculando-a, ainda, à mesma data e sem distinção de índices à dos servidores públicos municipais, bem como a do inciso XIX do art. 28 da Lei Orgânica Municipal, na redação dada pela Emenda n. 28/2014, daquela localidade, responsável por estabelecer a irredutibilidade de subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários Municipais.

         B – Da violação à regra da legislatura.

Não é só. Especialmente com relação aos Vereadores, o art. 29, VI, da Constituição Federal, estabelece as regras da anterioridade da legislatura para fixação do subsídio dos agentes políticos parlamentares municipais e da inalterabilidade do subsídio durante tal período, que decorrem do princípio da moralidade administrativa agasalhado tanto no art. 111 da Constituição Estadual quanto no art. 37 da Constituição Federal.

O preceito inibe a fixação ou alteração da remuneração dos Vereadores durante a legislatura, consoante doutrina (Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1983, 3ª ed., pp. 203, 252; Pedro Calmon. Curso de Direito Constitucional Brasileiro, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954, 3ª ed., p. 125; Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 211-212) e jurisprudência (STF, RE 206.889-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, 25-03-1997, v.u., DJ 13-06-1997, p. 26.718; STF, AI 720.929-RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29-09-2008, DJe 10-10-2008; STF, AgR-AI 776.230-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 09-11-2010, v.u., DJe 26-11-2010).

Neste sentido, proclama-se que “é da competência privativa da Câmara Municipal fixar, até o final da legislatura, para vigorar na subseqüente, a remuneração dos vereadores” (STF, RE 122.521-MA, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, 19-11-1991, v.u., DJ 06-12-1991, p 17.827, RTJ 140/269).

Este egrégio Tribunal abona essa orientação:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Art. 3°da Resolução n° 02, de 08 de maio de 2012 - Previsão de revisão geral anual do subsídios dos Vereadores - Impossibilidade - "Regra da legislatura" que exige que o subsídio seja estabelecido pelo corpo de Edis da legislatura anterior, a fim de manter incólume os princípios da moralidade e impessoalidade, vedando-se, inclusive, oscilações no valor do subsídio durante a legislatura seguinte. Logo, não está acorde à "regra da legislatura" a previsão de revisão geral anual. Precedente. ACÂO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. (TJSP. ADIn nº 0047613-65.2013.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, julgada 12 de junho de 2013)

 Em face do disposto no inciso VI do artigo 29 da Constituição da República, com a redação que lhe deu a Emenda constitucional nº. 25, dos 14 de fevereiro de 2000, não poderiam os senhores vereadores da Câmara Municipal de Piracicaba, na própria legislatura, atualizar seus subsídios, ainda que com invocação do inciso XV do caput do artigo 37 da Constituição da República.

Sobre esse último dispositivo, de caráter geral, prevalece aquele, específico para o subsídio dos vereadores.

Certo que reajuste não é aumento, mas manutenção do poder de compra dos subsídios. Todavia, o inciso VI do artigo 29 da Constituição da República não proíbe aumento de subsídio durante a legislatura, quando então poder-se-ia dizer possível o reajuste ou atualização, mas determina que o subsídio seja fixado para a legislatura subseqüente, com observância dos critérios previstos na própria Constituição da República e na respectiva Lei Orgânica. O que é fixo não permite, salvo expressa previsão, alterações a título de atualização” (TJSP, II 990.10.096557-0, Rel. Des. Barreto Fonseca, 05-05-2010, v.u.).

4. DOS PEDIDOS.

 

a. Do pedido liminar.

Diante do exposto, evidencia-se a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, determinantes da concessão da liminar para a suspensão da eficácia dos preceitos impugnados nesta ação direta.

O fumus boni iuris está amplamente demonstrado na fundamentação da presente petição inicial, a revelar a indisfarçável inconstitucionalidade dos dispositivos antes apontados.

O periculum in mora reside no fato de que, mantida a eficácia das normas questionadas, despesas serão realizadas pelo Poder Público Municipal, as quais dificilmente serão revertidas aos cofres públicos, em função da alegação de boa-fé ou mesmo pelo caráter alimentar dos valores pagos.

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 4º da Lei Municipal n. 4.247, de 31 de março de 2016, de Tremembé, e da Emenda n. 28/2014 à Lei Orgânica do Município de Tremembé.

B. Do pedido principal. 

Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 4º da Lei Municipal n. 4.247, de 31 de março de 2016, de Tremembé, e da Emenda n. 28/2014 à Lei Orgânica do Município de Tremembé.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Tremembé, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

                            São Paulo, 31 de janeiro de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

efsj/mjap

 

 

 

 

 

Protocolado n. 117.620/2016

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 31 de janeiro de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça