Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 81.651/2016
Ementa:
1. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.046, de 22 de julho de 2014, do Município de Colina, que “Dispõe sobre a destinação de honorários de sucumbência nas ações judiciais de interesse do Poder Público municipal e dá outras providências”.
2. A expressão “bem como aos advogados contratados, naqueles feitos em que esses atuarem” prevista no art. 1º da Lei nº 3.046/2014, do Município de Colina, não se compatibiliza com a CE/89 (arts. 98 e 100) que, reproduzindo a CF/88 (arts. 131, § 2º, e 131), reservam à advocacia pública aos servidores de carreira investidos em cargos de provimento efetivo mediante prévia aprovação em concurso público e que, por isso, repele a inclusão de advogados contratados.
3. Violação dos princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público (art. 111, CE/89) e do art. 128, CE/89.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no
exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da
Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125,
§ 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com
amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente,
perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com
pedido liminar, em face da expressão “bem como aos advogados contratados,
naqueles feitos em que esses atuarem” contida no art. 1º, da Lei nº 3.046, de
22 de julho de 2014, do Município de Colina, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
A
Lei nº 3.046, de 22 de julho de 2014, do Município de Colina, assim prevê no
que interessa:
“(...)
Art. 1º - Nas causas em que for parte a Administração Pública
Municipal Direta e Indireta, os honorários advocatícios fixados em Juízo, a
título de sucumbência nas demandas judiciais ajuizadas, contestadas ou
embargadas, nos termos dos Artigos 21 e 23, da Lei Federal nº 8.906, de 04 de
julho de 1.994, serão devidos aos servidores públicos municipais, ocupantes do cargo
ou função de advogado, bem como aos
advogados contratados, naqueles feitos em que esses atuarem.” (g.n.)
II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE
CONSTITUCIONALIDADE
Os
dispositivos da lei municipal impugnada contrariam frontalmente a Constituição
do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal
ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos
da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art.
144, que assim estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
A autonomia
municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito
estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao
disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo
reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.
Eventual
ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo
que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município,
não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito
aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles
que contém remissão expressa ao direito estadual.
A expressão
“bem como aos advogados contratados, naqueles feitos em que esses atuarem”
contida no art. 1º, da Lei nº 3.046, de 22 de julho de 2014, do Município de
Colina, é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.
§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal.
§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.
(...)
Artigo 100 - A
direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do
Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição,
ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado,
na forma da respectiva Lei Orgânica.
Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.
(...)
Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço”.
Não bastasse, o art. 144 da Constituição Estadual, que determina
a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual,
dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter
remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia
municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como
averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de
constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel.
Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min.
Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
Daí decorre
a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição
Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seus arts. 37, caput, 131, § 2º, e 132 da Constituição
Federal, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, os preceitos dos
arts. 98, 100, 111, e 128 da Constituição Estadual, lembrando que o art. 98
desta é norma remissiva ao art. 132 da Constituição da República.
Com efeito,
assim dispõe a Constituição Federal:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
(...)
§ 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.
(...)
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do
Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de
concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados
do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a
consultoria jurídica das respectivas unidades federadas”.
Destarte, a expressão
“bem como aos advogados contratados, naqueles feitos em que esses atuarem”
prevista no art. 1º da Lei nº 3.046/2014, do Município de Colina, não se
compatibiliza com os arts. 98 e 100 da Constituição Estadual que, reproduzindo
os arts. 131, § 2º, e 131 da Constituição Federal, reservam a advocacia pública
aos servidores de carreira investidos em cargos de provimento efetivo mediante
prévia aprovação em concurso público e que, por isso, repele a inclusão de
servidores ou empregados comissionados ou de outros que exerçam atividade
típicas de advocacia independentemente da denominação do cargo ou emprego públicos no rateio da verba honorária resultante das atividades da
advocacia pública, ressalvados aqueles que, sendo da carreira da
advocacia pública municipal, exerçam funções de assessoramento, chefia e
direção no órgão.
Sendo uma
vantagem destinada à valorização do trabalho do servidor público profissional,
titular de cargo permanente, sua extensão aos servidores precários e não
profissionais destoa dos princípios de moralidade, impessoalidade,
razoabilidade e do interesse público constantes do art. 111 da Constituição
Estadual que reproduz o art. 37 da Constituição Federal.
Enquanto a razoabilidade
serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos
normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade,
justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações
injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração
da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa-fé,
finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública
pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou
seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência
nos atos normativos.
Por sua vez, a impessoalidade proíbe discriminações e
privilégios destituídos de relação lógica entre o elemento discriminante e a
finalidade da discriminação para além daquelas consignadas na Constituição, se
imbricando ao interesse público (finalidade) de maneira a guiar a Administração
Pública para satisfação do bem comum e não para distribuição de regalias,
privilégios ou mordomias.
Na espécie, infringe a
lei municipal esses os princípios. A verba honorária rateada entre
profissionais da advocacia pública é vantagem pecuniária que não pode ser compartilhada
entre aqueles que não sejam investidos nos cargos ou empregos públicos
respectivos de modo permanente e efetivo.
Não bastasse, essa extensão é
incompatível com o art. 128 da Constituição Estadual que, adornado pelos
princípios constitucionais citados, impede a outorga de vantagens pecuniárias
aos servidores públicos que não atendam as necessidades do serviço além do
interesse público. E não há necessidade do serviço a inspirar àqueles vantagens que, por índole, são instituídas aos
servidores públicos profissionais investidos na advocacia pública.
III – Pedido
liminar
À saciedade
demonstrado o fumus boni iuris, pela
ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do
Município de Colina apontados como violadores de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, de maneira a evitar oneração do erário irreparável ou de difícil
reparação.
À luz deste
perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e
definitivo julgamento desta ação da expressão “bem como aos advogados
contratados, naqueles feitos em que esses atuarem” contida no art. 1º, da Lei
nº 3.046, de 22 de julho de 2014, do Município de Colina.
IV – Pedido
Face ao
exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que,
ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da
expressão “bem como aos advogados contratados, naqueles feitos em que esses
atuarem” contida no art. 1º, da Lei nº 3.046, de 22 de julho de 2014, do
Município de Colina.
Requer-se ainda sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Colina, bem como
citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 13 de fevereiro de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef/dcm
Protocolado
n. 81.651/2016
Assunto: Análise de Constitucionalidade dos artigos 1º e
5º da Lei nº 3046/2014, do Município de Colina
1. Distribua-se
a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade da expressão “bem como
aos advogados contratados, naqueles feitos em que esses atuarem” contida no
art. 1º, da Lei nº 3.046, de 22 de julho de 2014, do Município de Colina junto
ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Arquive-se
no que se refere ao artigo 5º, visto que buscou sanar inconstitucionalidade
passada.
3. Oficie-se
ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição
inicial.
São
Paulo, 13 de fevereiro de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef/dcm