Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado
nº 129.899/2016
Ementa: Constitucional. Administrativo. Urbanístico.
Ação Direta de Inconstitucionalidade. Alteração
da destinação de áreas institucionais. Inconstitucionalidade da Lei n. 4.532,
de 30 de junho de 2016, pois: a) não veicula qualquer
das exceções admissíveis à regra da inalterabilidade da destinação original de
áreas institucionais, exceções estas expressamente
consentidas no art. 180, VII, da Constituição Estadual; b) viola o princípio da isonomia, ante a ausência da exigência de
certame licitatório (art. 117, CE/89).
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição
Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de
São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem,
respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n. 4.532, de 30 de junho de
2016, do Município de Jales, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – Ato Normativo Impugnado
O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de
inconstitucionalidade, e a cujas folhas esta petição se reportará, foi
instaurado a partir de representação do Promotor de Justiça da Comarca de
Jales, postulando o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade em face
da Lei n. 4.532, de 30 de junho de 2016, daquela localidade (fls. 02/09 e
13/31).
A Lei n. 4.532, de 30 de junho de 2016, do Município de Jales, “Que desafetas áreas de terras objeto das
matrículas nº 15.079; 24.910; 24.909; 28.996; 36.918; 37.008; 37.226; 32.926;
37.009; 37.454 e 41.281, todas do Serviço de Registro de Imóveis e Anexos da
Cidade e Comarca de Jales/SP e dá outras providências” (fls. 22/25), tem a
seguinte redação, conforme documento extraído do sítio eletrônico da Câmara
Municipal de Jales:
II – parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
A Lei n. 4.532, de 30 de junho de 2016,
do Município de Jales, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São
Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão
dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os
preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis
aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.
A legislação
impugnada é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“(...)
Art. 117
- Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública
que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da
proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de
qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações.
(...)
Art. 144 -
Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira
se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)
Art. 180
- No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento
urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:
(...)
VII - as áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originariamente alterados, exceto quando a alteração da destinação tiver como finalidade a regularização de:
a) loteamentos, cujas áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social destinados à população de baixa renda, e cuja situação esteja consolidada ou seja de difícil reversão;
b) equipamentos públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e objetivos originariamente previstos quando da aprovação do loteamento;
c) imóveis ocupados por organizações religiosas para suas atividades finalísticas.
§1º - As exceções contempladas nas alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso VII deste artigo serão admitidas desde que a situação das áreas objeto de regularização esteja consolidada até dezembro de 2004, e mediante a realização de compensação, que se dará com a disponibilização de outras áreas livres ou que contenham equipamentos públicos já implantados nas proximidades das áreas objeto de compensação.
§2º - A compensação de que trata o parágrafo anterior poderá ser dispensada, por ato fundamentado da autoridade municipal competente, desde que nas proximidades da área pública cuja destinação será alterada existam outras áreas públicas que atendam as necessidades da população.
§3º - A exceção contemplada na alínea ‘c’ do inciso VII deste artigo será permitida desde que a situação das áreas públicas objeto de alteração da destinação esteja consolidada até dezembro de 2004, e mediante a devida compensação ao Poder Executivo Municipal, conforme diretrizes estabelecidas em lei municipal específica.
(...)”.
III - FUNDAMENTAÇÃO
A Lei n. 4.532, de 30 de junho de 2016,
do Município de Jales, contraria o art. 180, VII, da Constituição Estadual,
pois não veicula qualquer das exceções admissíveis à regra da inalterabilidade
da destinação original das áreas definidas como áreas institucionais.
As vias públicas, as praças e todo o
espaço público de loteamento destinado ao sistema de circulação e de espaços
livres de uso público compõem o que se denomina de área institucional.
Predica a Constituição Estadual, no
tocante ao desenvolvimento urbano, o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes. A dotação de áreas
verdes ou institucionais no parcelamento do solo objetiva exatamente atender
essa diretriz normativa, sendo reforçada, ademais, com a exigência de criação e
manutenção de áreas de especial interesse urbanístico e ambiental.
Não bastasse, quando a Constituição Estadual
excepcionalmente dispensa a alteração de áreas verdes ou institucionais,
subordina-a às situações taxativamente descritas nas alíneas do inciso VII do
art. 180, e nenhuma delas se encontra presente nas disposições da Lei n. 4.532,
de 30 de junho de 2016, do Município de Jales.
Incide, ainda, outro vício de
constitucionalidade na lei ora atacada, uma vez que para a alienação dos imóveis
desafetados não foi exigida a licitação.
O parágrafo único do art. 1º do diploma
normativo examinado apenas estabeleceu que os recursos arrecadados em virtude
da alienação dos imóveis desafetados serão incorporados ao orçamento e o
equivalente em dinheiro destinado à construção ou aquisição de moradias
populares, ou aquisição de área para implementação de programas habitacionais
no âmbito municipal.
Nesse sentido, a licitação “é um
procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo
princípio da isonomia. Seu fundamento, bem assim o dos concursos públicos,
encontra-se no princípio republicano. Dele decorre, na abolição de quaisquer
privilégios, a garantia formal da igualdade de oportunidade de acesso de todos,
não só às contratações que pretenda a Administração avençar, mas também aos
cargos e funções públicas. Daí porque a escolha do licitante com o qual a
Administração há de contratar deve ser, na República, a melhor escolha ou a
escolha do melhor contratante.” (Cf. Eros Roberto Grau, “A Ordem Econômica na
Constituição de 1988”, Malheiros, São Paulo, 1998, 4.ª edição, p. 135)
Não é por outro motivo, aliás, que a
Lei n.º 8.666/96, no seu art. 3.º, “caput”, prevê que “a licitação destina-se a
garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a
proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em
estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento
objetivo e dos que lhes são correlatos”.
Em
simetria com a Lei Maior e o Estatuto Federal de Licitações, a Constituição do
Estado, no seu art. 117, “caput”, também resguarda no processo de licitação
pública a igualdade de condições a
todos os concorrentes.
Assim, ao assegurar que ficam
desafetadas para a classe de bens dominicais do município as áreas de lazer
especificadas no art. 1º, possibilitando sua alienação, como corrobora o
parágrafo único, da Lei combatida, desarrazoadamente afrontou o princípio da
isonomia que deve pautar os processos licitatórios.
Por todas essas razões, revela-se
cristalina a inconstitucionalidade da Lei n. 4.532, de 30 de junho de 2016, do
Município de Jales.
III –
Pedido
Face ao exposto, requerendo o
recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 4.532, de 30 de junho de 2016, do Município de Jales.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações
ao Prefeito e ao Presidente da Câmara Municipal de Jales, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os
atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São Paulo, 10 de fevereiro de
2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de
Justiça
ms/mjap
Protocolado n. 129.899/2016
Interessado: Dr. Wellington Luiz Villar - Promotor de
Justiça de Jales
1.
Distribua-se a
petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei n. 4.532, de 30 de junho de 2016, do
Município de Jales, junto ao Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2.
Oficie-se ao
interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição
inicial.
São Paulo, 10 de fevereiro de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de
Justiça
ms/mjap