EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 81.362/2016

                  

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Expressão “Médico” do Anexo I da Lei Complementar nº 29/94, alterada pela Lei Complementar nº 39/94 e expressões “Chefe de Departamento” e “Chefe de Setor” do art. 18 da Lei Complementar nº 163/09, todas do Município de Parisi. Criação de cargos de provimento em comissão sem descrição das respectivas atribuições em lei. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades do cargo público devem estar descritas na lei. Violação do princípio da reserva legal (arts. 111, 115, II e V e 144 da CE/89).

2)     Expressão “Diretor de Escola” do art. 1º da Lei Complementar nº 81/97, alterada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 204/16; expressões “Assessor de Comunicação Interna”, “Chefe do Setor de Compras” e “Diretor do Departamento Social” do art. 1º da Lei Complementar nº 138/06, alterada pela Lei Complementar nº 204/16 e expressão “Diretor Previdenciário” do art. 2º da Lei Complementar nº 200/15, todas do Município de Parisi. Cargos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144).

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art.90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 81.362/16), que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “Médico” do Anexo I da Lei Complementar nº 29/94, alterada pela Lei Complementar nº 39/94; expressões “Chefe de Departamento” e “Chefe de Setor” do art. 18 da Lei Complementar nº 163/09; expressão “Diretor de Escola” do art. 1º da Lei Complementar nº 81/97, alterada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 204/16; expressões “Assessor de Comunicação Interna”, “Chefe do Setor de Compras” e “Diretor do Departamento Social” do art. 1º da Lei Complementar nº 138/06, alterada pela Lei Complementar nº 204/16 e expressão “Diretor Previdenciário”, do art. 2º da Lei Complementar nº 200/15, todas do Município de Parisi, pelos fundamentos expostos a seguir:

I. DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei Complementar nº 29, de 13 de maio de 1994, do Município de Parisi, que “dispõe sobre o Quadro de Pessoal da Prefeitura do Município de Parisi e dá outras providências”, previa em seu Anexo I, diversos cargos comissionados, dentre eles os cargos de “Médico” (fls. 31):

Posteriormente, a Lei Complementar nº 39, de 25 de novembro de 1995, em seu art. 1º alterou o Anexo I da Lei Complementar nº 29/94, (fls. 36/37), mantendo os cargos de “Médico”:

(...)    

Cabe observar que todos os cargos previstos no Anexo I da Lei Complementar nº 29/94, alterada pela Lei Complementar nº 39/94, foram extintos por leis posteriores, como será demonstrado, com exceção do cargo de “Médico”.

Na sequencia, a Lei Complementar nº 81, de 02 de dezembro de 1997, dispôs em seu art. 1º sobre a criação de cargos no Anexo I da Lei Complementar nº 29/94, especialmente o cargo de “Diretor de Escola” (fls. 39), nos seguintes termos:

“(...)

Art. 1º. Criam-se os cargos abaixo relacionados no Anexo I, de que trata o Artigo 2º e 5º da Lei Complementar nº 29 de 13 de maio de 1994:

Anexo I

CARGOS PÚBLICOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

QTDE

DENOMINAÇÃO

REFERÊNCIA

02

Auxiliar de Segurança (Extinto pela LC 98)

3

01

Técnico de inseminação (Extinto pela LC 98)

4

02

Motorista (Extinto pela LC 98)

4

06

Professor (Extinto pela LC 98)

7

01

Diretor de Escola

16

 

(...)”.

         Posteriormente, a Lei Complementar nº 138, de 18 de outubro de 2006, extinguiu alguns cargos comissionados e em seu art. 1º criou os cargos de provimento em comissão de “Assessor de Comunicação Interna”, “Chefe do Setor de Compras” e “Diretor do Departamento Social” (fls. 47):

 “(...)

Art. 1º. Ficam criados no quadro de servidores da Prefeitura Municipal, os seguintes cargos de provimento em comissão:

Quantidade

Denominação

Referência

01

Assessor de Comunicação Interna

04

01

Chefe do Setor de Conservação de Estradas Municipais Extinto pela LC 206/16

04

01

Chefe do Setor de Compras

15

01

Chefe do Departamento Jurídico Extinto pela LC 206/16

20

01

Chefe do Departamento de Promoção Social

16

(...)”.

A Lei Complementar nº 163, de 18 de fevereiro de 2009, por sua vez, tratando da nova estrutura administrativa do Município, em seu art. 18 criou cargos comissionados de “Chefe de Departamento” e “Chefe de Setor” (fls. 65):

 (...)”

(...)    

Por fim, a Lei Complementar nº 200, de 09 de abril de 2015 em seu artigo 2º, criou o cargo em comissão de “Diretor Previdenciário” (fls. 73):

“(...)

Art. 2º - Fica criado junto ao Quadro de Servidores da Prefeitura Municipal, o seguinte cargo de provimento em comissão:

(...)

Considerando que parte dos cargos comissionados acima mencionados não possuía atribuições descritas em lei, a Lei Complementar nº 204, de 03 de agosto de 2016, em seus arts. 1º e 3º alterou as Leis Complementares 81/97 e 138/06, para o fim de descrever as atribuições dos cargos de “Diretor de Escola”, “Assessor de Comunicação Interna”, “Chefe do Setor de Compras” e “Diretor do Departamento Social”.

A Lei Complementar 204/16, no que interessa, tem a seguinte redação:

(...)

(...)

(...)

A Prefeitura Municipal encaminhou tabela contendo os cargos em comissão existentes no Município, conforme se extrai de fls. 226/227:

 

II – DO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

Os cargos em comissão supramencionados, editados na estrutura administrativa municipal, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

A incompatibilidade das normas atacadas se visualiza a partir de cotejo com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)”.

III. DA AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO EM LEI DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE “MÉDICO”, “CHEFE DE DEPARTAMENTO” E “CHEFE DE SETOR”

         A expressão “Médico”, contida no Anexo I da Lei Complementar nº 29/94, alterado pelo art. 1º da Lei Complementar nº 39/94 e as expressões “Chefe de Departamento” e “Chefe de Setor”, previstas no art. 18 da Lei Complementar nº 163/09 correspondem a cargos comissionados que não possuem descrição das respectivas atribuições em lei.

Porém, o princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos).

Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as correlatas atribuições.

A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de que lei específica descreva as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição Federal).

Com maior razão a exigência de reserva legal em se tratando de cargos ou empregos de provimento em comissão, posto que serve para mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir atribuições nela descritas desse jaez será legítima e não abusiva nem artificial sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de provimento efetivo a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito aos direitos dos administrados ao delimitar as competências de cada cargo na organização municipal.

Sobre o tema esse Colendo Órgão Especial já se pronunciou, conforme se verifica na seguinte ementa:

“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM N. 113/07do Município de Peruíbe que alterando o quadro geral dos servidores municipais de que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor, assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento, diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da reserva legal.” (ADIN Rel. Des. Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012)

Inconstitucionais, portanto, a expressão Médico” contida no Anexo I da Lei Complementar nº 29/94, alterada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 39/94 e as expressões “Chefe de Departamento” e “Chefe de Setor”, contidas no art. 18 da Lei Complementar nº 163/09.

IV. DA NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DOS CARGOS COMISSIONADOS DE “DIRETOR DE ESCOLA, “ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO INTERNA”, “CHEFE DO SETOR DE COMPRAS, “DIRETOR DO DEPARTAMENTO SOCIAL” E “DIRETOR PREVIDENCIÁRIO”

Por sua vez, as expressões Diretor de Escola”, contida no art. 1º da Lei Complementar nº 81/97, alterada pela Lei Complementar nº 204/16; “Assessor de Comunicação Interna”, “Chefe do Setor de Compras” e “Diretor do Departamento Social”, do art. 1º da Lei Complementar nº 138/06, alterada pela Lei Complementar nº 204/16 e “Diretor Previdenciário”, do art. 2º da Lei Complementar nº 200/15, correspondem a cargos de provimento em comissão que possuem natureza meramente técnica, burocrática, operacional e profissional, conforme se observa pela descrição das funções a eles destinadas.

Os cargos impugnados desempenham funções de natureza puramente profissional, técnica, burocrática ou operacional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior, exigindo-se tão somente o dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

Com efeito, em relação ao cargo de “Diretor de Escola”, é certo que as funções a ele inerentes são eminentemente profissionais, estando ausente o elemento fiduciário a justificar seu provimento em comissão.

Nesse sentido já decidiu esse Egrégio Órgão Especial:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Leis nºs 3.182 e 3.183, ambas de 01 de agosto de 2014, do Município de Viradouro, que criam, respectivamente, as funções em confiança de “Vice-Diretor de Escola” e “Diretor de Escola”. Ausência do elemento “fidúcia”. Atribuições de ambos os cargos que são técnicas, operacionais, profissionais. Violação ao artigo 115, I, II e V da Constituição do Estado de São Paulo, aplicável aos Municípios por força do artigo 144 da citada Carta. Ação procedente”. (TJSP, ADI nº 2076550-80.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Xavier de Aquino, julgado em 12 de agosto 2015, v.u) (grifo nosso)

No que tange ao cargo de “Assessor de Comunicação Interna”, as atribuições de promover comunicação entre integrantes dos setores da Administração, buscar informações, pormenorizar vantagens, evitar improvisações, dentre outras semelhantes, não demonstram a necessidade de que seu exercício se faça por pessoa estranha à Administração, porquanto igualmente não se vislumbra o elemento “confiança” a justificar o provimento comissionado puro.

Do mesmo modo, o cargo de “Chefe do Setor de Compras” tem atribuições eminentemente burocráticas e técnicas, como “exercer planejamento, organização e controle”; “supervisionar atividades”, “coordenar procedimentos de compras”, etc.

O mesmo se diga em relação aos cargos de “Diretor do Departamento Social” e “Diretor Previdenciário”.

 Dessa forma, os cargos comissionados em questão são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com os arts. 111, 115  incisos I, II e V, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Destaque-se que essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão. A atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.

Pela análise da natureza e atribuições dos cargos impugnados, não se identificam os elementos que justificam o provimento em comissão.

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza”(Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão, antes referidos, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

V. DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da expressão “Médico” do Anexo I da Lei Complementar nº 29/94, alterada pela Lei Complementar nº 39/94; expressões “Chefe de Departamento” e “Chefe de Setor” do art. 18 da Lei Complementar nº 163/09; expressão “Diretor de Escola” do art. 1º da Lei Complementar nº 81/97, alterada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 204/16; expressões “Assessor de Comunicação Interna”, “Chefe do Setor de Compras” e “Diretor do Departamento Social” do art. 1º da Lei Complementar nº 138/06, alterada pela Lei Complementar nº 204/16 e expressão “Diretor Previdenciário”, do art. 2º da Lei Complementar nº 200/15, todas do Município de Parisi.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Parisi, bem como posteriormente citado o Procurador Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que, aguarda-se deferimento.

São Paulo, 07 de fevereiro de 2.017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº. 81.362/2016

 

 

 

 

 

 1.  Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face expressão “Médico” do Anexo I da Lei Complementar nº 29/94, alterada pela Lei Complementar nº 39/94; expressões “Chefe de Departamento” e “Chefe de Setor” do art. 18 da Lei Complementar nº 163/09; expressão “Diretor de Escola” do art. 1º da Lei Complementar nº 81/97, alterada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 204/16; expressões “Assessor de Comunicação Interna”, “Chefe do Setor de Compras” e “Diretor do Departamento Social” do art. 1º da Lei Complementar nº 138/06, alterada pela Lei Complementar nº 204/16 e expressão “Diretor Previdenciário”, do art. 2º da Lei Complementar nº 200/15, todas do Município de Parisi, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2. Oficie-se ao representante, informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 07 de fevereiro de 2.017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

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