Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente
do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado nº 145.952/16
Constitucional.
Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 1º, 2º, 4º, 8º, 9º,
10, e 11, da Emenda n. 35, de 13 de setembro de 2016, à Lei Orgânica do
Município de Leme. Separação de Poderes. Moldura constitucional de observância
compulsória. Supressão da reserva de lei na remuneração dos servidores do Poder
Legislativa. Remoção de óbices à equiparações e vinculações de remuneração e ao
limite remuneratório dos servidores do Poder Legislativo. Supressão da reserva
de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para o regime jurídico
dos servidores públicos municipais.
1. Observância
obrigatória das normas da CF/88 e da CE/89 referentes ao inter-relacionamento e à
harmonia dos Poderes, inerente ao sistema de checks and balances decorrente da divisão funcional, à reserva de
lei, ao processo legislativo, e aos servidores públicos.
2. Emenda n. 35, de 13 de setembro de 2016, à Lei Orgânica do Município de Leme, cujo art. 2º alterou o inciso I do art. 15 da Lei Orgânica do Município de Leme ao substituir-se lei por resolução na fixação da remuneração dos servidores da Câmara Municipal, dispensando tanto a reserva de lei quanto a participação do Chefe do Poder Executivo no respectivo processo legislativo, sendo incompatível com os arts. 5º, 20, III, e 24, § 1º, 1, CE/89.
3. Vício que padecem outras normas da Emenda n. 35/16 conectadas ao art. 2º: (a) o art. 4º que adstringiu a reserva de lei à fixação da remuneração dos servidores do Poder Executivo; (b) o art. 9º que revogou o inciso II do art. 31 da Lei Orgânica do Município suprimindo o limite ao aumento de despesa naos projetos de lei de pessoal do Poder Legislativo; (c) o art. 11 ao alterar o art. 88 da Lei Orgânica permite ao Poder Legislativo fixar a remuneração de seus servidores por resolução.
4. Art. 8º da Emenda n. 35/16 que revogou o art. 85 da Lei Orgânica do Município que limitava a remuneração dos cargos do Poder Legislativo aos do Poder Executivo, é incompatível com o art. 115, XIV, CE/89, por se abster a legislação municipal da observância do limite, e proporcionando aos servidores do Poder Legislativo a possibilidade de remuneração superior a de cargos iguais ou assemelhados do Poder Executivo.
5. Art. 10 da Emenda n. 35/16 que alterou a redação do art. 86 da Lei Orgânica do Município de Leme mantendo a vedação de vinculação ou equiparação de remuneração entre Poderes, com a adição de exceção consistente na equiparação de funções, é preceito que contrasta com o art. 144, CE/89 que remete ao art. 37, XIII, CF/88 na redação dada pela Emenda n. 19/98.
6. Art. 1º da Emenda n. 35/16 à Lei Orgânica do Município de Leme incompatível com o art. 24, § 2º, 4, CE/89, ao alterar o inciso XXII do art. 5º da Lei Orgânica, eliminando a competência municipal para estabelecimento do regime jurídico e dos planos de carreira para os servidores públicos municipais, restringindo-a aos servidores do Poder Executivo, autarquias e fundações públicas.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições
(artigo 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734/93; artigos 125, §2º, e
129, IV, da Constituição Federal; artigos 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado
em epígrafe mencionado, vem perante esse egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, em face dos arts. 1º, 2º, 4º, 8º, 9º, 10 e 11, da
Emenda n. 35, de 13 de setembro de 2016, à Lei Orgânica do Município de Leme,
pelos fundamentos a seguir expostos:
I
- O ato normativo impugnado
Em
13 de setembro de 2016 a Câmara Municipal de Leme promulgou a Emenda n. 35 à
Lei Orgânica do Município de Leme, cuja redação é a seguinte:
Art. 1º - O inciso XXII, do artigo 5º da Lei Orgânica do Município de Leme, passa a vigorar
com a seguinte redação:
“XXII - instituir o regime jurídico único e planos de carreira para os servidores do Poder Executivo, das autarquias e das fundações;”
Art. 2º - O inciso I, do artigo 15 da Lei Orgânica do Município de Leme, passa a vigorar com a seguinte redação:
“I - propor projetos de Resolução dispondo sobre criação ou extinção de cargos da Câmara Municipal e fixando os respectivos vencimentos;”
Art. 3º - O caput do artigo 22 da Lei Orgânica do Município de Leme passa a vigorar
com a seguinte redação:
“Art. 22 Cabe à Câmara de Vereadores, com a sanção do Prefeito, dispensada esta
nos casos do artigo 23, dispor e apreciar sobre todas as matérias de
competência do Município, e especialmente sobre:”
Art. 4º - O inciso IV, do artigo 22 da Lei Orgânica do Município de Leme passa a vigorar com a seguinte redação:
“IV - criação e extinção de cargos públicos e fixação de vencimentos e vantagens do Poder Executivo, Autarquias, Fundações e Empresas Públicas;”
Art. 5º - O inciso III, do artigo 23 da Lei Orgânica do Município de Leme passa a vigorar com a seguinte redação:
“III - organizar sua estrutura e serviços administrativos por meio de Resolução, Atos da Mesa e Portaria;”
Art. 6º - O inciso XIV, do artigo 23 da Lei Orgânica do Município de Leme, passam a vigorar com a seguinte redação:
“XIV - tomar e julgar as contas do Prefeito;”
Art. 7º - O item 9, do parágrafo 1º, do artigo
28 da Lei Orgânica do Município de Leme, passa a vigorar
com a seguinte redação:
“9 - a estrutura administrativa do Poder Executivo, Autarquias, Fundações e
Empresas Públicas;”
Art. 8º - Fica revogado o artigo 85 da Lei Orgânica do Município de Leme.
Art. 9º - Fica revogado o inciso II, do artigo
31 da Lei Orgânica do Município de Leme.
Art. 10 - O artigo 86 da Lei Orgânica do Município de Leme, passa a vigorar
com a seguinte redação:
“Art. 86 - É vedada a vinculação ou equiparação de renumeração entre os
Poderes, ressalvados os casos de equiparação de funções.”
Art. 11 - O artigo 88 da Lei Orgânica do Município de Leme, passa a vigorar
com a seguinte redação:
“Art. 88 - Os cargos, empregos e funções públicos do Poder Executivo serão
criados por lei e do Poder Legislativo serão criados por meio de Resolução, que
fixarão sua denominação, padrão de remuneração e os recursos pelos quais seus ocupantes
serão pagos.”
Art. 12 - Esta Emenda entrará em vigor na data
de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. (fl. 31).
Antes
da promulgação da Emenda n. 35/16, a Lei Orgânica do Município de Leme possuía
a seguinte redação relativamente aos seus arts. 5º, XXII, 15, I, 22, IV, 23,
III, 28, § 1º, 9, 31, II, 85, 86 e 88:
Artigo 5º - Ao Município de Leme compete:
.......................................................................................
XXII - instituir regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas;
.......................................................................................
Artigo 15 - À Mesa, dentre outras atribuições, compete:
I - propor
projetos de lei dispondo sobre criação ou extinção de cargos dos serviços da
Câmara e fixando os respectivos vencimentos;
............................................................................................Artigo 22 - Cabe à Câmara de Vereadores, com a sanção do Prefeito, dispensada esta nos casos do artigo 23, dispor sobre todas as matérias de competência do Município, e especialmente sobre:
.......................................................................................
IV - criação
e extinção de cargos públicos e fixação de vencimentos e vantagens;
............................................................................................
Artigo 31 - Não será admitido aumento da despesa prevista:
I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Prefeito, ressalvado o disposto no artigo 97, §§ 3º e 4º;
II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara de Vereadores.
.........................................................................................
Artigo 85 – As remunerações dos cargos do Poder Legislativo não poderão ser superiores àquelas pagas pelo Poder Executivo.
Artigo 86 - É vedada a vinculação ou equiparação de remuneração, ressalvados os casos de que trata o parágrafo único do artigo.
...........................................................................................
Artigo 88 -
Os cargos, empregos e funções públicos serão criados por lei, que fixará sua
denominação, padrão de remuneração e os recursos pelos quais seus ocupantes
serão pagos.
II – O PARÂMETRO DA
FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE
A Constituição do Estado de
São Paulo em atenção ao art. 29 da Constituição da República assim dispõe:
Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
Destarte,
as Constituições Federal e Estadual preordenam o exercício da autonomia
municipal.
As
normas impugnadas contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual
está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º,
18, 29 e 31 da Constituição Federal,
Os
arts. 1º, 2º, 4º, 8º, 9º, 10 e 11, da Emenda n. 35, de 13 de setembro de 2016,
à Lei Orgânica do Município de Leme, são incompatíveis com os arts. 5º, 20, III,
24, § 1º, 1, § 2º, 1 e 4, e § 5º, 2, 115, XIV e XV, e 144, da Constituição
Estadual, que assim preceituam:
Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
........................................................................................
Artigo 20 - Compete, exclusivamente, à Assembleia Legislativa:
........................................................................................
III - dispor sobre a organização de sua Secretaria, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços e fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;
..............................................................................................Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º - Compete, exclusivamente, à Assembleia Legislativa a iniciativa das leis que disponham sobre:
1 - criação e extinção de cargos ou funções em sua Secretaria, bem como a fixação da respectiva remuneração;
.........................................................................................
4 - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
........................................................................................
§ 5º - Não será admitido o aumento da despesa prevista:
......................................................................................
2 - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Assembleia Legislativa, do Poder Judiciário e do Ministério Público.
...........................................................................................
Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
...........................................................................................
XIV - os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo;
XV - é vedada a vinculação ou equiparação de vencimentos, para efeito de remuneração de pessoal do serviço público, ressalvado o disposto no inciso anterior e no art. 39, § 1º da Constituição Federal;
......................................................................................
Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
As regras inerentes ao sistema de controle externo
(freios e contrapesos) decorrentes ao princípio da divisão funcional do poder
no aspecto da competência e da iniciativa legislativas constituem normas de
observância obrigatória.
Com
efeito, o princípio da simetria é conducente à observância obrigatória de
normas constitucionais centrais pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos
Municípios no aspecto do inter-relacionamento e da harmonia dos Poderes para
não suprimir a autonomia destes, como destacou a Suprema Corte (STF, AgR-RE
655.647-MA, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, 11-11-2014, v.u., DJe 19-12-2014).
Neste sentido ainda:
“1. A experiência jurisprudencial dessa Suprema Corte consolidou ao longo do tempo o entendimento de que as regras básicas do processo legislativo presentes na Constituição Federal incorporam noções elementares do modelo de separação (e interação) dos poderes públicos constituídos, o que as torna de observância mandatória no âmbito das ordens jurídicas locais, por imposição do art. 25 da CF. 2. Desde que (a) respeitadas as linhas básicas que regem a relação entre poderes na Federação - no que se incluem as regras de reserva de iniciativa - e desde que (b) o parlamento local não suprima do Governador de Estado a possibilidade de exercício de uma opção política legítima dentre aquelas contidas na sua faixa de competências típicas, pode a Constituição Estadual dispor de modo singular a respeito do funcionamento da respectiva Administração Pública” (STF, ADI 232-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, 05-08-2015, m.v., DJe 01-02-2016).
“Segundo jurisprudência assentada no Supremo Tribunal Federal, as regras de atribuição de iniciativa no processo legislativo previstas na Constituição Federal formam cláusulas elementares do arranjo de distribuição de poder no contexto da Federação, razão pela qual devem ser necessariamente reproduzidas no ordenamento constitucional dos Estados-membros” (STF, ADI 2.300-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, 21-08-2014, v.u., DJe 17-09-2014).
Embora
o Município seja dotado de autonomia política e administrativa no sistema
federativo (arts. 1º e 18, Constituição Federal), esta autonomia não tem
caráter absoluto, pois, se limita ao âmbito prefixado pela Constituição
Federal, como diz José Afonso da Silva (Direito
constitucional positivo, 13.ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459), e
deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição
Federal e na Constituição Estadual.
A
Lei Orgânica e a legislação dos Municípios devem observância ao disposto na
Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, notadamente naquilo
que refletir princípios sensíveis, fundamentais, gerais, e ao esquema de separação
de poderes. Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e
estadual só teria, ad argumentandum
tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou
como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa
reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização
municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito constitucional
federal ou estadual.
A- Fixação da remuneração dos
servidores do Poder Legislativo
A
obra normativa da Câmara Municipal de Leme violou o princípio da separação de
poderes – constante do art. 5º da Constituição Federal – ao suprimir a
observância da reserva legal absoluta (reserva de lei formal, legalidade
estrita) e a participação do Chefe do Poder Executivo na fixação da remuneração
dos servidores do Poder Legislativo, no tocante às suas prerrogativas de sanção
e veto do correlato projeto lei.
Com
efeito, o núcleo da mudança normativa operada se encontra no art. 2º da Emenda
n. 35/16 que alterou o inciso I do art. 15 da Lei Orgânica do Município de Leme
ao substituir-se lei por resolução. Com isso, a fixação da remuneração dos
servidores da Câmara Municipal dispensou tanto a reserva de lei quanto a
participação do Chefe do Poder Executivo no respectivo processo legislativo.
Segundo
os parâmetros constitucionais violados – arts. 5º, 20, III, e 24, § 1º, 1, da
Constituição Estadual – a fixação da remuneração dos servidores do Poder
Legislativo (e, pela simetria das formas, a alteração) está sujeita à lei de
iniciativa do Poder Legislativo cujo processo legislativo deve contar com a
participação, na sanção, do Chefe do Poder Executivo.
A
Suprema Corte brasileira já definiu que em tema de remuneração dos servidores
públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei, de tal sorte
que nada será feito senão mediante lei, lei específica (STF, ADI 3.369, Rel. Min. Carlos Velloso,
“A Emenda Constitucional 19/98, com a alteração feita
no art. 37, X, da Constituição, instituiu a reserva legal para a fixação da
remuneração dos servidores públicos. Exige-se, portanto, lei formal e
específica. A Casa Legislativa fica apenas com a iniciativa de lei.
Precedentes: ADI-MC 3.369/DF, Relator Min. Carlos Velloso, DJ 02.02.05; ADI-MC
2.075, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27.06.2003. As resoluções da Câmara
Distrital não constituem lei em sentido formal, de modo que vão de encontro ao
disposto no texto constitucional, padecendo, pois, de patente
inconstitucionalidade, por violação aos artigos 37, X; 51, IV; e 52, XIII, da
Constituição Federal” (STF, ADI 3.306-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar
Mendes, 17-03-2011, m.v., DJe 07-06-2011).
“A EC 19/98 deixou intocada na Constituição originária a reserva à iniciativa dos Tribunais dos projetos de lei de fixação da remuneração dos magistrados e servidores do Poder Judiciário (art. 96, II, b); e, no tocante às Assembleias Legislativas, apenas reduziu a antiga competência de fazê-lo por resolução ao poder de iniciativa dos respectivos projetos de lei (art. 27, § 2º)” (STF, ADI –MC 2.087-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 03-11-1999, m.v., DJ 19-03-2003, p. 15).
Conectam-se
a art. 2º da Emenda n. 35/16: (a) o art. 4º que adstringiu a reserva de lei à
fixação da remuneração dos servidores do Poder Executivo; (b) o art. 9º que
revogou o inciso II do art. 31 da Lei Orgânica do Município suprimindo o limite
ao aumento de despesa naos projetos de lei de pessoal do Poder Legislativo; (c)
o art. 11 que reformou o art. 88 da Lei Orgânica igualmente permite ao Poder
Legislativo fixar a remuneração de seus servidores por resolução.
B – Limite da remuneração dos
servidores do Poder Legislativo e proibição de vinculações e equiparações
remuneratórias
O
art. 8º da Emenda n. 35/16 revogou o art. 85 da Lei Orgânica do Município que
limitava a remuneração dos cargos do Poder Legislativo aos do Poder Executivo.
A
inovação é incompatível com o art. 115, XIV, da Constituição Estadual.
Segundo a exposição do
Ministro Eros Grau em voto proferido no julgamento de ação direta de
inconstitucionalidade:
“O que o
inciso XII, art. 37, da Constituição, cria é um limite, não uma relação de
igualdade. Ora, esse limite reclama, para implementar-se, intervenção
legislativa uma vez que já não havendo paridade, antes do advento da
Constituição, nem estando, desse modo, contidos os vencimentos, somente mediante
redução dos que são superiores aos pagos pelo Executivo, seria alcançável a
parificação prescrita” (RTJ 201/831).
Como
sintetiza Carlos Henrique Maciel:
“A disposição acima não garante uma relação de igualdade remuneratória; impõe, apenas, um limite máximo quanto ao valor da remuneração. Em realidade, os titulares de cargos administrativos do Legislativo e do Judiciário poderão receber vencimentos inferiores ou idênticos àqueles que têm direito os servidores do Executivo com atribuições iguais ou assemelhadas; porém, nunca em valores superiores” (Curso Objetivo de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2014, p. 214).
Com
a revogação do art. 85 da Lei Orgânica do Município de Leme pelo art. 8º da
Emenda n. 35/16 a legislação municipal se abstém da observância do limite e
proporciona aos servidores do Poder Legislativo a possibilidade de remuneração
superior a de cargos iguais ou assemelhados do Poder Executivo.
Por sua vez, o art. 10 da
Emenda n. 35/16 alterou a redação do art. 86 da Lei Orgânica do Município de
Leme.
Em
sua redação original estava prevista a vedação de “vinculação ou equiparação de remuneração,
ressalvados os casos de que trata o parágrafo único do artigo”.
Com
a nova fórmula permite-se vinculação ou equiparação de remuneração entre os
Poderes se houver equiparação de funções.
O
preceito não se compatibiliza com o art. 144 da Constituição Estadual que
remete ao art. 37, XIII, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda
n. 19/98, e que assim dispõe:
XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público;
Cumpre
assinalar, inicialmente, que o Supremo Tribunal Federal fixou em sede de
repercussão geral que os “Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de
constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da
Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória
pelos Estados” (Tese 484), perfilhando a tendência inaugurada outrora em leading case assim ementado:
“Reclamação com fundamento na preservação da competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados. Eficácia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-membros. - Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente” (RTJ 147/404).
É
inegável o caráter de norma de reprodução obrigatória do que se contém no art.
37, XIII, da Constituição Federal, merecendo, ademais, o art. 115, XV, da
Constituição Estadual, interpretação a ele adequada, até porque ela
explicitamente menciona como seus destinatários a Administração Pública
federal, estadual, distrital e municipal.
Destarte,
é plenamente admissível o contraste da norma local a partir da norma remissiva
à Constituição Federal contida no art. 144 da Constituição Estadual e que
determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição
Estadual, dos princípios da Constituição Federal, como averbou o Supremo
Tribunal Federal (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe
06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe
26-10-2010).
A
Constituição Federal de 1988 continha em sua redação primitiva fórmula normativa
similar – “é vedada a vinculação ou equiparação de vencimentos, para o efeito de
remuneração de pessoal do serviço público, ressalvado o disposto no inciso
anterior e no art. 39, § 1º” – cuja ressalva cedeu ao advento da Emenda n.
19/98.
Proíbe-se
tanto a equiparação
(equiparação é a comparação de cargos de denominação e atribuições diferentes,
ou seja, de cargos desiguais, com o propósito de lhes serem conferidos
vencimentos iguais) quanto a vinculação (subordinação de um cargo a outro ou a
qualquer outro fator que funcione como índice de reajuste automático, como o
salário mínimo ou a arrecadação tributária para fins de remuneração), como
articulam Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo: Saraiva, 1992,
vol. III, tomo III, p. 199). Ou seja, se a vinculação é relação de comparação
vertical, a equiparação é horizontal (Pinto Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1990,
vol. II, p. 377).
C
– Regime jurídico dos servidores públicos
O
art. 1º da Emenda n. 35/16 à Lei Orgânica do Município de Leme é incompatível
com o art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual. A regra alterou o inciso XXII
do art. 5º da Lei Orgânica, eliminando a competência municipal para
estabelecimento do regime jurídico e dos planos de carreira para os servidores
públicos municipais, restringindo-a aos servidores do Poder Executivo,
autarquias e fundações públicas, em detrimento de sua redação original.
Neste
sentido enuncia a Suprema Corte:
“As Cartas de 1969 e de 1988 não conferiram poder
normativo ao Senado Federal que o legitimasse a adotar estatuto próprio,
veiculado por meio de resolução, para disciplinar o regime jurídico de seus
servidores, achando-se os funcionários civis dos três poderes da República
submetidos a regime funcional único instituído por lei que era, ao tempo da
edição da referida Resolução, e continua sendo, de iniciativa privativa do
Presidente da República (art. 57, V, da EC 01/69 e art. 61, § 1º, II, c, da
CF/88)” (STF, MS 22.644-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 01-09-1999,
m.v., DJ 19-11-1999, p. 56).
“É obrigatória a observância pelos entes federativos do modelo de separação de Poderes adotado pela Constituição Federal de 1988, o que inclui os preceitos concernentes ao processo legislativo. Reiterados são os pronunciamentos do Supremo – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 243/RJ, de minha relatoria, acórdão publicado no Diário da Justiça de 29 de novembro de 2002, e Ação Originária nº 284/SC, relator ministro Ilmar Galvão, acórdão publicado no Diário da Justiça de 25 de agosto de 1995. Logo, incumbia à Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso ter presente o disposto no artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘f’, da Carta Federal, no que restringe a iniciativa de projetos de lei sobre regime jurídico dos servidores públicos” (STF, ADI 3.920-MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 05-02-2015, v.u., DJe 16-03-2015).
III – Pedido
liminar
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora. A atual tessitura da legislação contestada, apontada como
violadora da Constituição do Estado de São Paulo, é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia
até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme com o
ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação em
face de gastos públicos com remuneração de pessoal ilegitimamente fixadas e de
restrições ao princípio da separação de poderes.
À luz desta contextura,
requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e
definitivo julgamento desta ação, dos arts. 1º, 2º, 4º, 8º, 9º, 10 e 11, da
Emenda n. 35, de 13 de setembro de 2016, à Lei Orgânica do Município de Leme.
IV – PEDIDO
Face
ao exposto, requer-se o recebimento e processamento da presente ação, para que
ao final seja julgada procedente, declarando a inconstitucionalidade dos arts.
1º, 2º, 4º, 8º, 9º, 10 e 11, da Emenda n. 35, de 13 de setembro de 2016, à Lei
Orgânica do Município de Leme.
Requer-se, ainda, sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal de Leme, bem como, em seguida,
citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo
impugnado, e, posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 13 de fevereiro
de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
wpmj
Protocolado
nº 145.952/16
Interessado: Doutor Alexandre de Andrade Pereira – 1º Promotor
de Justiça de Leme
Objeto:
representação para controle de
constitucionalidade da Emenda n. 35, de 13 de setembro de 2016, à Lei Orgânica
do Município de Leme
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade impugnando os arts. 1º, 2º, 4º, 8º, 9º, 10 e 11, da Emenda n. 35, de 13 de setembro de 2016, à Lei Orgânica do Município de Leme, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, instruída com o protocolado em epígrafe referido.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial e deste despacho.
3. Observo, por fim, e data venia, que arquivo em parte a representação no tocante ao inciso XIV do art. 23 da Lei Orgânica do Município de Leme na redação dada pelo art. 6º da Emenda n. 35/16, por não apresentar inconstitucionalidade. Com efeito, a norma em sua redação original previa competência (privativa) da Câmara Municipal para “tomar e julgar as contas do Prefeito e da Mesa”. A nova redação suprimiu exatamente a expressão “e da Mesa”. E o faz de acordo com a jurisprudência da Suprema Corte ao decidir que “a Constituição Federal foi assente em definir o papel específico do legislativo municipal para julgar, após parecer prévio do tribunal de contas, as contas anuais elaboradas pelo chefe do poder executivo local, sem abrir margem para a ampliação para outros agentes ou órgãos públicos. O art. 29, § 2º, da Constituição do Estado do Espírito Santo, ao alargar a competência de controle externo exercida pelas câmaras municipais para alcançar, além do prefeito, o presidente da câmara municipal, alterou o modelo previsto na Constituição Federal” (STF, ADI 1.964-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, 04-09-2014, v.u., DJe 09-10-2014).
São Paulo, 13 de fevereiro de
2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
wpmj