Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 139.938/2016
Ementa: Constitucional.
Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 259,
de 31 de março de 2016, do Município de Jales. Transposição de cargos.
Transposição de
cargos ao viabilizar que o titular de um cargo se invista em outro, afrontando
a regra do concurso público (arts. 111 e 115, II, CE/89).
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face da Lei Complementar
n. 259, de 31 de março de 2016, do Município de Jales, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
O protocolado que instrui esta
inicial de ação direta de inconstitucionalidade, e a cujas folhas esta petição
se reportará, foi instaurado a partir de representação do Promotor de Justiça
da Comarca de Jales, postulando o ajuizamento de ação direta de
inconstitucionalidade em face da Lei Complementar n. 259, de 31 de março de
2016, daquela localidade (fls. 02/15).
A Lei Complementar n. 259, de 31 de março
de 2016, do Município de Jales, que “Dispõe
sobre a promoção vertical de servidor público municipal que estiver exercendo
ou tenha exercido cargo ou função pública, em carreira diversa da origem, há
mais de 05 (cinco) anos, com efeitos retroativos à data em que passou a ocupar
o cargo ou função e dá outras providências”, tem a seguinte redação (fl. 05):
“Art. 1º - Para adequar as situações
pré-existentes, o servidor público municipal que estiver exercendo ou tenha
exercido cargo ou função pública, em carreira
diversa da origem há mais de 05 (cinco) anos, será promovido verticalmente ao respectivo cargo, com efeitos
retroativos à data em que passou a ocupar o cargo ou função.
§ 1º - Para ter direito à
promoção referida no caput deste artigo, para cargos de Chefe de Setor e
Diretor de Divisão, o servidor obrigatoriamente deverá contar com no mínimo 10
(dez) e 15 (quinze) anos, respectivamente, de efetivo exercício no serviço
público no Município de Jales.
§ 2º - O Servidor Público
Municipal que estiver exercendo função diversa da sua origem, automaticamente ficará designada para a
mesma, fazendo jus à remuneração da função desempenhada.
Art. 2º - As despesas decorrentes
da aplicação desta Lei Complementar onerarão dotação própria consignada no
orçamento, suplementada se necessário.
Art. 3º - Esta Lei Complementar
entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.
(...)”.
(sic - grifo nosso)
II – O parâmetro da fiscalização
abstrata de constitucionalidade
A Lei
Complementar n. 259, de 31 de março de 2016, do Município de Jales, contraria
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
A norma questionada
viola os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos
Municípios por força de seu art. 144:
“(...)
“Art. 111 – A administração pública
direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Art. 115 – Para a organização da
administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou
mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das
seguintes normas:
(...)
II -
a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas
e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado
em lei, de livre nomeação e exoneração.
(...)”.
(grifo nosso).
III - FUNDAMENTAÇÃO
A Lei
Complementar n. 259/16,
do Município de Jales, respalda a transposição de cargos, pois viabiliza a
investidura de servidores em postos diversos, sem submissão a prévio concurso
público.
Basta, para tanto, que esteja exercendo ou
tenha exercido atribuições em carreira diversa da origem há mais de 5 (cinco)
anos, ou, para a promoção às unidades de “Chefe de Setor” e de “Diretor de
Divisão”, que esteja em efetivo exercício no serviço público municipal por, no
mínimo, 10 (dez) e 15 (quinze) anos, respectivamente.
Ainda, o § 2º do art. 1º da Lei
Complementar n. 259/16, de Jales, expressamente prevê que “o Servidor Público Municipal que estiver exercendo função diversa da
sua origem, automaticamente ficará designado para a mesma, fazendo jus à
remuneração da função desempenhada”.
Em outras palavras, o servidor em
desvio de função será aquinhoado com cargo diverso.
Aliás, expressamente consta do
“caput” do art. 1º da Lei Complementar n. 259/16, do Município de Jales, que o
objetivo de sua edição é “adequar as situações pré-existentes”. Em verdade,
consiste em regulamentar a transposição de cargos, de maneira contrária ao
ordenamento constitucional vigente.
Com efeito, o ato normativo supramencionado dispensou
indevidamente a realização de concurso mediante o simples aproveitamento de
servidores em cargos isolados ou integrantes de carreiras distintas, com
funções diversas, o que ensejou a burla à regra do concurso. Do mesmo modo, criou
óbice à acessibilidade de todos os cidadãos aos cargos públicos previstos em
lei, e, por conseguinte, violou o princípio da isonomia.
O concurso público
resguarda a igualdade e colima a eficiência. Acrescente-se, ademais, que a
existência de formas de provimento derivado “de modo algum significa abertura
para costear-se o sentido próprio do concurso público. Como este é sempre
específico para dado cargo, encartado em carreira certa, quem nele se investiu
não pode depois, sem novo concurso público, ser trasladado para cargo de
natureza diversa ou de outra carreira melhor retribuída ou de encargos mais
nobres e elevados. O nefando expediente a que se alude foi algumas vezes
adotado, no passado, sob a escusa de corrigir desvio de funções ou com arrimo
na nomenclatura esdrúxula de ‘transposição de cargos’. Corresponde a uma
burla manifesta do concurso público. É que permite a candidatos que
ultrapassaram apenas concursos singelos, destinados a cargos de modesta
expressão – e que se qualificaram tão somente para eles – venham a aceder,
depois de aí investidos, a cargos outros, para cujo ingresso se demandaria
sucesso em concursos de dificuldades muito maiores, disputados por concorrentes
de qualificação bem mais elevada” (Celso Antônio Bandeira de Mello. Regime Constitucional dos Servidores da
Administração Direta e Indireta, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.
55).
Não se nega a possibilidade de aprimoramento
na organização administrativa de determinado ente federativo, e tampouco a
reestruturação do respectivo quadro de cargos, empregos e funções. Tal
possibilidade é ínsita à própria autonomia de cada ente federativo, e em
especial dos Municípios. Também não se refuta a possibilidade de enquadramento
de servidores, já integrantes da Administração, nos casos de extinção ou
transformação de cargos, empregos e funções, desde que idênticas as atribuições
do novo cargo, e idênticos os requisitos ou condições exigidos dos candidatos
ao seu provimento. Pois, se a transformação implicar alteração do título e das
atribuições do cargo, configura novo provimento, que exige concurso público.
A hipótese em análise cuida da transposição de
servidores públicos lato sensu
admitidos para um determinado cargo público, isolado, para outro de natureza,
regime e requisitos de investidura diversos, bem como de carreira distinta,
sem submissão à prévia aprovação em concurso público de provas e títulos em
igualdade de condições. Trata-se, portanto, de transposição vedada. Neste
sentido, pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal na ADI 3.857–CE:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO ESTADO DO CEARÁ. PROVIMENTO DERIVADO DECARGOS. INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 37, II, DA CF. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. I - São inconstitucionais os artigos da Lei 13.778/2006, do Estado do Ceará que, a pretexto de reorganizar as carreiras de Auditor Adjunto do Tesouro Nacional, Técnico do Tesouro Estadual e Fiscal do Tesouro Estadual, ensejaram o provimento derivado de cargos. II - Dispositivos legais impugnados que afrontam o comando do art. 37, II, da Constituição Federal, o qual exige a realização de concurso público para provimento de cargos na Administração estatal. III - Embora sob o rótulo de reestruturação da carreira na Secretaria da Fazenda, procedeu-se, na realidade, à instituição de cargos públicos, cujo provimento deve obedecer aos ditames constitucionais. IV - Ação julgada procedente” (DJ 27.02.2009).
A transposição é estimada ilícita e
inconstitucional pelo ordenamento jurídico vigente, tanto que o Supremo
Tribunal Federal já editou, a propósito, a Súmula
Vinculante 43, cujo teor expressa que:
“É inconstitucional toda
modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia
aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não
integra a carreira na qual anteriormente investido”.
Neste sentido,
o colendo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
já declarou a inconstitucionalidade de norma similar, como se constata da
ementa do venerando acórdão adiante transcrita:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Intervenção de terceiros interessados. Impossibilidade. Art. 7º, caput, da Lei 9.868/90. Inciso I, do art. 18, da Lei 2.116, de 04 de março de 2008, e Portaria 7.050, de 04 de março de 2008, do Município de Tambaú. Transposição de cargos. Ocorrência. Inobservância dos arts. 111 e 115, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo. Súmula 685 do STF. Precedentes do Órgão Especial. Inconstitucionalidade, por arrastamento, da Portaria 7.104, de 01 de abril de 2008, do Município de Tambaú, de conteúdo idêntico à portaria impugnada. Ação procedente. Modulação dos efeitos da declaração” (ADI 2028164-53.2014.8.26.0000, Rel. Des. Márcio Bartoli, v.u., 02-07-2014).
A lei local permitiu aos ocupantes de cargos efetivos
o enquadramento em unidades integrantes de carreiras diversas, apenas para
consolidar o desvio de função existente nos quadros da administração municipal,
conforme depreende-se dos documentos acostados ao protocolado que acompanha a
presente ação.
Estabeleceu como requisito, apenas, o exercício da
função pelo servidor por mais de cinco anos e, especialmente para a promoção
aos cargos de “Chefe de Setor” e “Diretor de Divisão”, o exercício mínimo de
dez e quinze anos, respectivamente, no serviço público municipal.
A espécie exibe ofensa ao princípio de moralidade
administrativa que preordena a exigência constitucional de provimento
originário de cargos ou empregos públicos isolados ou de carreira mediante
prévia aprovação em concurso público e que, de outra parte, recebe o influxo do
princípio da impessoalidade administrativa ao interditar toda a sorte de
favorecimentos e privilégios na investidura no serviço público e nas funções
públicas correlatas. Portanto, caracterizada a incompatibilidade vertical com
os arts. 111 e 115, II, da Constituição Estadual.
À saciedade demonstrado o
fumus boni iuris, pela
ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito normativo
municipal apontado como violador de princípios e regras da Constituição do
Estado de São Paulo é sinal, de per si,
para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se
atuação desconforme com o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável
ou de difícil reparação, consistente na admissão ilegítima de servidores
públicos e correlata percepção de remuneração à custa do erário bem como na oneração
excessiva das finanças públicas pelo pagamento de subsídios e remunerações além
do limite municipal.
À luz desta contextura,
requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e
definitivo julgamento desta ação, da Lei Complementar n. 259, de 31 de março de
2016, do Município de Jales.
IV – Pedido
Face ao
exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que,
ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei
Complementar n. 259, de 31 de março de 2016, do Município de Jales.
Requer-se, ainda, sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Jales,
bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar
sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente,
para manifestação final.
Termos em que,
pede deferimento.
São
Paulo, 10 de fevereiro de 2017.
Gianpaolo Poggio
Smanio
Procurador-Geral
de Justiça
ms/mjap
Protocolado n. 139.938/16
Interessado: Dr. Horival Marques de Freitas Junior – Promotor de Justiça da
Comarca de Jales
Objeto: representação para controle de constitucionalidade da Lei Complementar n. 259, de 31 de março de 2016, do Município de Jales
1. Promova-se a distribuição no egrégio Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo da ação direta de inconstitucionalidade em
face da Lei Complementar n. 259, de 31 de março de 2016, do Município de Jales, instruída com o protocolado em
epígrafe referido.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a
propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 10 de fevereiro de 2016.
Gianpaolo Poggio
Smanio
Procurador-Geral
de Justiça
ef/mjap