Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado nº 103.828/2016

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos I, II, IV, V, VI e VII do art. 1º da lei nº 1.153, de 09 de janeiro de 1990, com a redação dada pela Lei nº 1.448, de 05 de junho de 1998, do Município de Reginópolis. 1. A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional e indispensável da hipótese de cabimento. 2. A descrição de hipóteses que não denotam transitoriedade burla o sistema de mérito, em afronta aos princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (arts. 111 e 115, X, CE/89).

 

 

 

  

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos incisos I, II, IV, V, VI e VII do art. 1º da Lei nº 1.153, de 09 de janeiro de 1990, com a redação dada pela Lei nº 1.448, de 05 de junho de 1998, (e, por dependência, do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 1.153, de 09 de janeiro de 1990, com a redação dada pela Lei nº 1.448, de 05 de junho de 1998), do Município de Reginópolis, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O art. 1º da Lei nº 1.153, de 09 de janeiro de 1990, do Município de Reginópolis, que “Estabelece normas para a contratação do pessoal por tempo determinado e dá outras providências”, tem a seguinte redação (fl. 62):

Artigo 1º - Da conformidade com o disposto no art. 37, inciso IX, da Constituição Federativa do Brasil, a contratação de pessoal por tempo determinado, não poderá exceder a quatro (4) meses, será realizada nas seguintes hipóteses:

I - Atender a termos de Convênio, Acordo ou Ajustes para execução de obras ou prestação de serviços, durante a vigência do Convênio, Acordo ou Ajustes;

II - Execução de Programas Especiais de trabalho instituídos por Decreto do Prefeito para atender necessidades conjunturais que demandem a atuação da Prefeitura;

III - Calamidade Pública;

IV - Implantação de Serviço urgente e inadiável;

V - Saída voluntária, de dispensa ou de afastamentos transitórios de servidores, cuja ausência venha prejudicar a continuidade dos serviços;

VI - Execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporática; e,

VII - Execução direta de obra determinada.

Parágrafo único - Não se instituirá programa especial de trabalho que se inclua na área de competência dos órgãos existentes na estrutura administrativa da Prefeitura, resalvados os casos de emergências ou de calamidade pública.” (sic - grifo nosso)

Por sua vez, a Lei nº 1.448, de 05 de junho de 1998, de Reginópolis, deu nova redação ao art. 1º supramencionado, modificando essencialmente a duração máxima dos contratos temporários (fl. 56):

“Lei nº 1.448, de 05 de junho de 1998

Altera o prazo do artigo 1º da Lei nº 1.153 de 09 de janeiro de 1990.’

Artigo 1º - O artigo 1º da Lei 1.153 de 09/01/1990, passa ter a seguinte redação:

Artigo 1º - De conformidade com o disposto no Artigo 37, Inciso IV, da Constituição Federativa do Brasil, a contratação de pessoal por tempo determinado, não poderá exceder a doze (12) meses e será realizada nas seguintes hipóteses:

I - Atender a termos de Convênio, Acordo ou Ajustes para execução de obras ou prestação de serviços, durante a vigência do Convênio, Acordo ou Ajustes;

II - Execução de Programas Especiais de trabalho instituídos por Decreto do Prefeito para atender necessidades conjunturais que demandem a atuação da Prefeitura;

III - Calamidade Pública;

IV - Implantação de Serviço urgente e inadiável;

V - Saída voluntária, de dispensa ou de afastamentos transitórios de servidores, cuja ausência venha prejudicar a continuidade dos serviços;

VI - Execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica; e,

VII - Execução direta de obra determinada.

Parágrafo único - Não se instituirá programa especial de trabalho que se inclua na área da Prefeitura, ressalvados os casos de emergências ou de calamidade pública.’ (sic - grifo nosso)

 (...)” (sic - grifo nosso)

II - FUNDAMENTAÇÃO

 Os incisos I, II, IV, V, VI e VII do art. 1º da Lei nº 1.153/90, na redação dada pela Lei nº 1.448/98, do Município do Reginópolis, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

 Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

  A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

         Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contem remissão expressa ao direito estadual.

A lei municipal é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: 

(...)

X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

(...)”.

  Com efeito, inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal), o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho, há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

 A obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na excepcionalidade do interesse público.

         Os dispositivos impugnados nesta oportunidade genericamente instituíram hipóteses de contratações por tempo determinado, à míngua de qualquer característica excepcional.

         Neste sentido, explica a literatura que:

“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

“trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

         A lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas, como se verifica, exemplificando, nos incisos IV e VI do art. 1º da lei em análise (“Implantação de Serviço urgente e inadiável” e “Execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica”).

          Deve empregar, em verdade, conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).

“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).

 Não é somente a temporariedade de uma atividade que justifica a contratação por tempo determinado, pois ela pode ser desempenhada por recursos humanos constantes do quadro de pessoal permanente. Para autorizá-la, é mister que a lei precise a excepcionalidade da medida.

Notadamente, entretanto, os incisos impugnados não consubstanciam a necessidade excepcional imprescindível à validade da contratação temporária. Senão vejamos.

         O inciso I do art. 1º da Lei nº 1.153/90, com a redação dada pela Lei nº 1.448/98, de Reginópolis, indica a seguinte hipótese rotineira da administração para justificar a contratação temporária: “Atender a termos de Convênio, Acordo ou Ajustes para execução de obras ou prestação de serviços, durante vigência do Convênio, Acordo ou Ajustes”.

         Por sua vez, o inciso II da lei supramencionada estabelece como tal a “Execução de Programas Especiais de trabalho instituídos por Decreto do Prefeito para atender necessidades conjunturais que demandem a atuação da Prefeitura”, sem que tenha explicado no que consiste uma necessidade conjuntural.

Os incisos IV e VI do ato normativo em exame trouxeram como pressupostos para a contratação temporária, singelamente, a “Implantação de Serviço urgente e inadiável” e a “Execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica”, respectivamente.

A seu turno, o inciso V trouxe como exceção a “Saída voluntária, de dispensa ou de afastamentos transitórios de servidores, cuja ausência venha prejudicar a continuidade dos serviços”.

O inciso VII da Lei nº 1.153/90, com a redação dada pela Lei nº 1.148/98, de Reginópolis, previu tão somente a “Execução direta de obra determinada”, como justificativa para a contratação temporária.

Todas as possibilidades elencadas confirmam claramente a inconstitucionalidade dos incisos objeto de impugnação.

         Ainda, a existência de cargo vago ou o afastamento provisório do posto não justifica a contratação temporária, pois a existência de vaga não pode ser suprimida senão por concurso público para provimento efetivo ou por servidores efetivos aptos a exercerem as funções daquele afastado temporariamente.

         Não é o fato de haver cargo vago na estrutura administrativa que torna possível recorrer à contratação temporária, mesmo porque as situações aventadas são previsíveis e devem ser antecipadas pelo poder público, para que não tenha que se valer da excepcional possibilidade de contratação temporária, que só deverá ocorrer em caso de imprescindibilidade na continuidade do serviço e insuficiência dos meios ordinários para enfrentá-la.

         Com efeito, as situações ventiladas nos incisos I, II, IV, V, VI e VII da Lei nº 1.153/90, com a redação dada pela Lei nº 1.448/98, de Reginópolis, não espelham extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço público, na medida em que traduzem situações concretas ou abstratas, presentes, passadas ou futuras, da rotina administrativa, e cuja execução compete, de ordinário, a servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. Mencionados dispositivos da lei local - através de expressões abrangentes e genéricas - autorizam a contratação temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à Administração Pública, não configurando situação capaz de legitimar a contratação por tempo determinado.

         Portanto, os incisos I, II, IV, V, VI e VII do art. 1º da Lei nº 1.153/90, na redação dada pela Lei nº 1.448/98, do Município de Reginópolis, são incompatíveis com os arts. 111 e 115, X, da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por obra do art. 144 da mesma Carta.

Por conseguinte, justificável que se reconheça, igualmente, a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 1.153, de 09 de janeiro de 1990, com a redação dada pela Lei nº 1.448, de 05 de junho de 1998, do Município de Reginópolis, acima transcrito, pois, em decorrência da inconstitucionalidade do incisos II do art. 1º da referida lei municipal, estará este, também, despido de qualquer eficácia, posto que há entre esses preceitos relação de dependência.

III – Pedido

         Em face do exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade em face dos incisos I, II, IV, V, VI e VII do art. 1º da Lei nº 1.153, de 09 de janeiro de 1990, com a redação dada pela Lei nº 1.448, de 05 de junho de 1998 (e, por dependência, do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 1.153, de 09 de janeiro de 1990, com a redação dada pela Lei nº 1.448, de 05 de junho de 1998), do Município de Reginópolis.

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Reginópolis, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

 

São Paulo, 17 de fevereiro de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

ef/mjap

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 103.828/2016

Interessado: Superior Tribunal de Justiça

Assunto: representação para propositura de ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 1.448, de 05 de junho de 1998, do Município de Reginópolis.

 

 

 

         Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face dos incisos dos incisos I, II, IV, V, VI e VII do art. 1º da Lei nº 1.153, de 09 de janeiro de 1990, com a redação dada pela Lei nº 1.448, de 05 de junho de 1998 (e, por dependência, do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 1.153, de 09 de janeiro de 1990, com a redação dada pela Lei nº 1.448, de 05 de junho de 1998), do Município de Reginópolis.

         Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                            São Paulo, 17 de fevereiro de 2017.

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

ef/mjap