EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 48.404/2016

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Declaração parcial de nulidade sem redução de texto do Art. 1º e declaração de inconstitucionalidade da expressão “àqueles ocupantes de cargos em comissão, de livre provimento, e os contratados por prazo determinado” prevista no art. 2°, caput e do Anexo II, todos da Lei n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009. Declaração de inconstitucionalidade do art. 6º, inciso II, art. 10, art. 16, incisos I, II, III  e V e Anexos III e IV, todos da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, ambas do Município de Braúna.1. Sujeição dos cargos de provimento em comissão e dos contratados por prazo determinado ao regime celetista, contrariando a exigência do regime administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (art. 111 da CE/89). 2. Ausência de descrição legal das atribuições de cargos em comissão. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades do cargo público deve estar descrito na lei. Violação do princípio da reserva legal (arts. 24, § 2º, 1, 115, I, II e V, 144, da CE/89). 3. Cargo de provimento em comissão de “Assessor Jurídico”. As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, 144 da CE/89). 4. Expressões “Assessor de Educação”, “Assessor de Gestão Educacional em Creche”, “Assessor de Coordenação Pedagógica”, “Diretor de Escola” e “Diretor do Departamento de Educação”. Cargos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação aos arts. 115, I, II e V, e art. 144 da CE/89. 5. Contratação temporária de professores para ministrar aulas em situações genéricas e que não demonstram emergencialidade, por não consistirem em ocorrências alheias ao controle da Administração Pública, cuja superveniência pode resultar em desaparelhamento transitório do corpo docente. A descrição de hipóteses genéricas e que não denotam transitoriedade burla o sistema de mérito, sendo incompatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência. Violação aos art. 111 e 115, X, CE/89, que reproduz o art. 37, IX, CF/88.

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 48.404/2016, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE visando: a) declaração de nulidade parcial sem redução de texto do art. 1º da Lei n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009 - para o fim de excluir sua aplicação aos servidores comissionados e contratados por prazo determinado - ; b) declaração de inconstitucionalidade da expressão “àqueles ocupantes de cargos em comissão, de livre provimento, e os contratados por prazo determinado”, prevista no artigo 2°, caput, e do Anexo II, da Lei n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009; c) declaração de inconstitucionalidade das expressões “Assessor de Educação”, “Assessor de Gestão Educacional em Creche”, “Assessor de Coordenação Pedagógica”, “Diretor de Escola” e “Diretor do Departamento de Educação” previstas no art. 6°, inciso II; art. 10 e Anexos III e IV, todos da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010 e, d) declaração de inconstitucionalidade do art. 16, incisos I, II, III e V da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, ambas do Município de Braúna, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009, do Município de Braúna, que “reorganiza e reestrutura o quadro de empregados da Municipalidade, segundo os novos princípios constitucionais vigentes, após a Edição das Emendas Constitucionais de números 19/98, 34/01 e 41/03, revogando a Lei n° 1.345/93 e demais disposições em contrário”, possui, no que diz respeito ao objeto desta ação, a seguinte redação, verbis:

“(...)

Art. 1°- A presente Lei regula e institui normas especiais a ser observadas pelos Servidores Públicos Municipais de Braúna, dos poderes Executivos e Legislativo vinculados à Administração direta e indireta que são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei Federal n° 5.452, de 01 de maio de 1943, que é o regime jurídico único adotado no município, complementado com as disposições constantes desta Lei.

Art. 2º- As disposições constantes da presente lei se aplicam aos empregados públicos municipais de provimento efetivo; àqueles ocupantes de cargos em comissão, de livre provimento, e os contratados por prazo determinado.  

(...)

ANEXO II

QUADRO DE PESSOAL DE LIVRE PROVIMENTO

EMPREGOS PÚBLICOS

TOTAL VAGAS

OCUP

REF

EMPREGOS PÚBLICOS

TOTAL DE VAGAS

OCUPA

DAS

REF

 

 

 

 

Assessor de Departamento

7

6

B

Assessor Comunitário

3

2

B

 

 

 

 

Assessor de Cultura

2

2

B

 

 

 

 

Assessor de Transportes

1

1

B

 

 

 

 

Assessor Jurídico

1

1

E

Assessor Jurídico

1

1

G

Coordenador de Compras

1

1

E

Coordenador de Compras

1

1

E

Coordenador de Licitação

1

1

D

Coordenador de Licitação

1

1

D

Coordenador de Saúde

2

2

A

Coordenador de Saúde

2

2

A

Coordenador de Saúde Bucal

1

1

G

Coordenador de Saúde Bucal

1

1

G

 

 

 

 

Coordenador de Saúde Terapêutica

1

1

G

Coordenador de Serviços Assistenciais

1

1

G

Coordenador de Serviços Assistenciais

1

1

G

Coordenador de Transportes

1

1

E

Coordenador de Transportes

1

1

E

Coordenador(a) de As. Social

1

0

D

Coordenador(a) de As. Social

1

0

D

Diretor de Cultura

1

0

G

Diretor de Cultura

1

0

G

Diretor de Gabinete e Planejamento

1

1

J

Chefe de Gabinete e Planejamento

1

1

J

Diretor do Dep. Agricultura e Meio Ambiente

1

1

G

Diretor do Dep. Agricultura e Meio Ambiente

1

1

G

Diretor do Dep. De Obras e Serv. Públicos

1

1

H

Diretor do Dep. De Obras e Serv. Públicos

1

1

H

Diretor do Dep. de Recursos Humanos

1

1

I

Diretor do Dep. de Recursos Humanos

1

1

I

Diretor de Departamento de Saúde

1

1

I

Diretor de Departamento de Saúde

1

1

I

Engenheiro Químico Chefe

1

0

D

 

 

 

 

Motorista de Gabinete

1

0

D

Motorista de Gabinete

1

0

F

Secretário Executivo

1

1

C

Secretário Executivo

1

1

C

Supervisor de Arrecadação Tributária

1

1

F

Supervisor de Arrecadação Tributária

1

1

F

 

(...)”. (fls. 07/48)

Por seu turno, a Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, do Município de Braúna, que “Reorganiza, Altera e Consolida a Estrutura de cargos e salários, e do Plano de Carreira e Valorização do Magistério Público do Município de Braúna”, possui, no que diz respeito ao objeto desta ação, a seguinte redação:

                            “(...)

Art. 6°- O Quadro do Magistério Público Municipal é constituído das seguintes classes, nos termos do Anexo I que faz parte integrante desta Lei:

II- Empregos das Classes de Suporte Pedagógico:

a)     Assessor de Educação;

b)     Assessor de Gestão Educacional em Creche;

c)      Assessor de Coordenação Pedagógica;

d)     Diretor de Escola;

e)     Diretor do Departamento de Educação;

 (...)

Art. 10 – Os empregos de Assessor de Educação, Assessor de Gestão Educacional em Creche, Assessor de Coordenação Pedagógica, Diretor de Escola e Diretor do Departamento de Educação, serão preenchidos em comissão, mediante livre nomeação do Prefeito Municipal, obedecendo-se aos requisitos previstos no Anexo III desta Lei.

(...)

Art. 16 – Para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, contratar-se-á pessoal para funções docentes, por tempo determinado, nas seguintes hipóteses:

I – para ministrar aulas em classes atribuídas à ocupante de empregos ou funções, afastados ou licenciados a qualquer título;

II – para ministrar aulas cujo número de reduzido de alunos, especificidade ou transitoriedade não justifiquem o provimento de emprego;

III- para ministrar aulas de reforço ou em projetos educacionais desenvolvidos na rede municipal;

IV- para ministrar aulas decorrentes de empregos vagos;

V- para ministrar aulas cujo número seja insuficiente para completar a jornada mínima de trabalho do emprego docente.

(...)

ANEXO III

REQUISITOS PARA PROVIMENTO DAS CLASSES DE DOCENTES, SUPORTE PEDAGÓGICO E POSTOS DE TRABALHO A QUE SE REFERE O ARTIGO 14

 

DENOMINAÇÃO

FORMAS DE

PROVIMENTO

JORNADA

DE

TRABALHO

REQUISITOS

Assessor de Educação

Designação em comissão

40 horas

Nível Superior – Licenciatura de Graduação em Pedagogia ou pós-graduação na área de educação e possuir, no mínimo, 3 (três) ano de experiência docente

Assessor de Gestão Educacional em Creche

Designação em comissão

40 horas

Nível Superior – Licenciatura de Graduação em Pedagogia ou pós-graduação na área de educação e possuir, no mínimo, 3 (três) ano de experiência docente

Assessor de Coordenação Pedagógica

Designação em comissão

40 horas

Nível Superior – Licenciatura de Graduação em Pedagogia ou pós-graduação na área de educação e possuir, no mínimo, 3 (três) ano de experiência docente

Diretor de Escola

Designação em comissão

40 horas

Nível Superior – Licenciatura de Graduação em Pedagogia ou pós-graduação na área de educação e possuir, no mínimo, 3 (três) ano de experiência docente

Diretor do Departamento de Educação

Designação em comissão

40 horas

Nível Superior – Licenciatura de Graduação em Pedagogia ou pós-graduação na área de educação e possuir, no mínimo, 3 (três) ano de experiência docente

(...)

ANEXO IV

CAMPO DE ATUAÇÃO DAS CLASSES DE SUPORTE PEDAGÓGICO A QUE SE REFERE O ARTIGO 8°

DENOMINAÇÃO DA FUNÇÃO

DESCRIÇÃO SUMÁRIA DAS ATIVIDADES

ROL DE ATRIBUIÇÕES

Diretor de Escola

Dirigir todas as atividades pedagógicas e administrativas inerentes à Unidade Escolar

Dirigir toda a política educacional na Unidade Escolar;

Elaborar, com assessoria da Secretaria Municipal de Educação, a Proposta Pedagógica da Escola;

Elaborar e operacionalizar o Plano de Ensino da Unidade Escolar.

Aplicar medidas disciplinares.

Manter todo material da unidade escolar inventariado e em dia.

Dirigir, construir, implementar e participar de todas as atividades pedagógicas da unidades;

Articular ações educacionais desenvolvidas pelos diferentes segmentos da unidade escolar, visando a melhoria da qualidade de ensino.

Estimular a reflexão sobre a prática docente.

Favorecer o intercâmbio de experiências.

Acompanhar e avaliar de forma sistemática os processos de ensino e aprendizagem.

Apontar e priorizar os problemas educacionais a serem tratados.

Propor alternativas para resolver os problemas levantados.

Superviosionar as atividades de recuperação de alunos.

Acompanhar todos os atos administrativos indispensáveis ao bom funcionamento da Unidade Escolar, tais como: livro, ponto, faltas, prontuário, ofícios, etc.

Comunicar ao superior imediato e à Seção de Pessoal da Prefeitura Municipal toda e qualquer ausência da Unidade Escolar.

Criar condições de organização, disciplina e interação interpessoal na Unidade Escolar.

Supervisionar a merenda escolar na Unidade Escolar;

Organizar os eventos cívicos e comemorativos da Unidade Escolar.

Assinar todos os documentos relativos à vida escolar dos alunos, espedidos pela Unidade Escolar;

Responder pelo cumprimento, no âmbito da escola, das leis, regulamentos e determinações, bem como dos prazos para execução dos trabalhos estabelecidos pelas autoridades superiores.

Apurar ou fazer apurar irregularidades de que venha a tomar conhecimento no âmbito da escola e comunicar ao superior imediato.

Responder pelo cumprimento, no âmbito da escola, da legislação em vigor bem como dos regulamentos, diretrizes, normas e determinações emanadas da administração superior.

Avocar para si as atribuições de seus subordinados na ausência dos mesmos.

Assessor de Coordenação Pedagógica

Articular e mobilizar as equipes escolares na construção do projeto pedagógico das escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental.

Assessorar a Direção das Escolas.

Coordenar a elaboração dos projetos pedagógicos.

Subsidiar as equipes escolares com dados de desempenho dos alunos.

Acompanhar e controlar o desenvolvimento dos projetos.

Acompanhar e coordenar as atividades de recuperação dos alunos, bem como sua classificação e reclassificação.

Coordenar as atividades das escolas.

Coordenar as atividades realizadas pelos professores nas horas atividades.

Zelar para que os alunos cumpram a carga horária necessária.

Prestar assistência técnica, propondo técnicas e procedimentos, sugerindo materiais didáticos, organizando as atividades.

Garantir a integração de todos os docentes no desenvolvimento dos projetos pedagógicos.

Coordenar o ensino na zona rural.

Contatar as famílias dos alunos que tenham frequência insuficiente ou apresentem desempenho insatisfatório.

Assessorar a direção das Escolas, especialmente quanto a:

a) agrupamento de alunos;

b) organização de horário de aulas e do calendário escolar;

c) utilização dos recurso didáticos da escola.

Diretor do Departamento de Educação

Compreende as tarefas que se destinam a desenvolver ações pedagógicas na educação formal, dando condições de acesso e permanência dos alunos nas unidades de ensino da rede pública, bem como elaborar e operacionalizar as políticas públicas na área da educação.

Elaborar, orientar e acompanhar a execução do Plano Municipal de Educação;

Coordenar as atividades técnico-pedagógicas desenvolvidas pelo Departamento Municipal de Educação;

Realizar reuniões periódicas com especialistas em educação com a finalidade de orientação e acompanhamento da política educacional vigente;

Organizar, incentivar e avaliar a realização de projetos de Educação continuada com os professores do magistério, promovendo a participação em seminários, cursos, congressos ou outros eventos de aperfeiçoamento;

Definir, Acompanhar e orientar as diretrizes da rede municipal de ensino, centrada nas necessidades educacionais do educando;

Acompanhar a aplicação dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e da Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).

Assessor de Educação

Assessorar nas atividades de planejamento e de administração da Rede Municipal de Ensino

Assessorar na elaboração do plano de trabalho pedagógico e administrativo das unidades escolares;

Assessorar no planejamento global das unidades escolares, visando a perfeita adaptação da criança no processo educacional;

Assessorar as unidades escolares na realização de atividades cívicas, educacionais, pedagógicas e culturais;

Executar outras tarefas e atribuições correlatas, determinadas pelo Departamento Municipal de Educação e/ou Direção da Escola, exercendo atividade de docência com alunos, no sentido de auxiliar o professor titular da sala, através do desenvolvimento de projetos aos alunos com necessidades especiais de aprendizagem e alunos com distorções de idade/séria.

Assessor de Gestão Educacional em Creche

Assessorar nas atividades pedagógicas e administrativas de creche

Assessorar a elaboração do plano de trabalho da creche, bem como realizar o acompanhamento de sua aplicação, sugerindo adequações e alterações;

Realizar treinamento em serviços e orientar os profissionais que atuam em creche no desenvolvimento de ações pedagógicas adequadas e inovadoras;

Levantar as necessidades da Unidade Escolar quanto a materiais e equipamentos necessários para o bom desenvolvimento do ensino, encaminhando as solicitações;

Executar outras tarefas e atribuições correlatas, determinadas pelos superiores hierárquicos.

 

(...)”. (fls. 155/199).

Os dispositivos legais anteriormente descritos são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

O art. 1º e a expressão “àqueles ocupantes de cargos em comissão, de livre provimento, e os contratados por prazo determinado” prevista no art. 2°, caput - ao possibilitar a aplicação do regime celetista aos ocupantes de funções temporários e cargos de provimento em comissão – e o Anexo II - ao criar cargos de provimento em comissão sem a descrição de suas atribuições e prever o cargo de “Assessor Jurídico” -, todos da Lei n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009, do Município de Braúna, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal por força do art. 144 da Carta Paulista.

Outrossim, as expressões “Assessor de Educação”, “Assessor de Gestão Educacional em Creche”, “Assessor de Coordenação Pedagógica”, “Diretor de Escola” e “Diretor do Departamento de Educação” constantes nos arts. 6°, II, 10 e nos Anexos III e IV – ao preverem cargos em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas e operacionais- e o art. 16, incisos I, II, III e V – ao criar hipóteses de contratação temporária genérica (inciso I) e em situações que não demonstram emergencialidade (incisos II, III e V), por não consistirem em ocorrências alheias ao controle da Administração Pública, cuja superveniência pode resultar em desaparelhamento transitório do corpo docente –, todos da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, do Município de Braúna, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal por força do art. 144 da Carta Paulista.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:

“(...)

Art. 24 – (...)

§ 2° - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1-    Criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

(...)

Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

(...)

Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado: 

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais; 

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

Art. 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva lei orgânica.

Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

(...)

X- a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público;

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

3.     DA FUNDAMENTAÇÃO

3.1.         Aplicação da Consolidação das Leis Trabalhistas aos ocupantes de cargos de provimento em comissão e aos contratados temporários para atender à necessidade temporária de excepcional interesse social

Verifica-se que o art. 1º da Lei n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009, do Município de Braúna estabelece que os servidores públicos municipais de Braúna serão regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e a expressão “àqueles ocupantes de cargos em comissão, de livre provimento, e os contratados por prazo determinado” constante do art. 2°, caput, da Lei n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009, do Município de Braúna, permite que se aplica à contratação temporária para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público e aos ocupantes de cargos de provimento em comissão as disposições da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e demais disposições da lei.

Ocorre que o provimento em comissão e a contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, são incompatíveis com o regime celetista na Administração Pública, porquanto a dispensa imotivada onerosa prevista pela Consolidação das Leis do Trabalho impõe limite à liberdade de exoneração dos ocupantes do cargo público comissionado e à transitoriedade inerente à contratação temporária (art. 115, II, V e X, Constituição Estadual).

Com efeito, a inserção do emprego comissionado no regime celetista é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do cargo, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

O desprovimento do cargo comissionado é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e conveniência da Administração Pública, de sorte que sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

No que tange aos contratados temporários, é sabido que a contratação por tempo determinado inserta no art. 443, § 1º da Consolidação dos Trabalho excepciona o pagamento de aviso prévio, multa de 40% (quarenta por cento) do FGTS e seguro desemprego. No entanto, possibilita indenização para o caso de rescisão antecipada.

Desta forma, a sujeição dos ocupantes de funções temporárias para atender à necessidade transitória de excepcional interesse público à CLT não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, os contratos temporários são inconciliáveis com qualquer regime previsto na Consolidação das Leis do Trabalho que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.

A contratação por tempo determinado serve à necessidade temporária de excepcional interesse público, devendo durar enquanto as circunstâncias que o justificaram persistir.

De fato, o desprovimento da função temporária é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e de conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista, ainda que por meio de contratação temporária previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

Assim, a redação do art. 1º, que permite intepretação de aplicabilidade a servidores comissionados e contratados por tempo determinado, assim como a expressão prevista no art. 2º importam em franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.

Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc, interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa-fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos atos normativos.

Na espécie, há violação a ambos os princípios. Como a contratação para serviços temporários e para cargos de provimento em comissão constitui exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por outros critérios, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória. Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica precária e instável.

O padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de emprego temporário, à luz da conformação constitucional que realça a natureza excepcional e temporária de seu provimento - orientada por força de ingredientes puramente excepcionais de necessidade e interesse público.

Desta forma, necessária a declaração de nulidade parcial sem redução de texto do art. 1º da Lei n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009, para o fim de excluir sua aplicação aos servidores comissionados e contratados por prazo determinado, bem como a declaração de inconstitucionalidade da expressão “àqueles ocupantes de cargos em comissão, de livre provimento, e os contratados por prazo determinado” contida no art. 2°, caput, da Lei n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009, do Município de Braúna.

3.2.         Ausência de descrição legal das atribuições dos cargos de provimento em comissão - Anexo II da Lei Municipal n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009, de Braúna

É inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão cujas atribuições sejam de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, I, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais, às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo público, mas somente daqueles que demandem relação de confiança, devido ao exercício de atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção.

É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não se coadunam com a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – atribuições profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.

Destarte, é absolutamente imprescindível que a lei descreva as efetivas atribuições dos cargos de provimento em comissão, para se aquilatar se realmente se amoldam às funções de assessoramento, chefia e direção.

Ademais, referida exigência se amolda ao próprio princípio da legalidade, o qual se desdobra na reserva legal, a exigir lei em sentido formal para criação e disciplina de cargos públicos, como adverte a doutrina, verbis:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para criação e disciplina de cargo público, compreendido este como o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um servidor, criado por lei, em número certo, com denominação própria, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, para o exercício de uma função pública específica (cf. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 16 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012- p. 298).

Desse modo, ponto elementar relacionado à criação de cargos públicos é a exigência de que lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, como ato normativo produzido pelo Poder Legislativo, mediante o competente e respectivo processo - descreva as correlatas atribuições.

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício das funções públicas pelo agente público.

Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, daqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que, ainda, permite a aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público- a qual deve ser guiada pela legalidade, moralidade, impessoalidade e razoabilidade.

Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos cargos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal.

Isso porque, “a nossa ordem constitucional não se compadece com as autorizações legislativas puras ou incondicionadas, de nítido e inconfundível conteúdo renunciativo. Tais medidas representam inequívoca deserção do compromisso de deliberar politicamente, configurando manifesta fraude ao princípio da reserva legal e à vedação à delegação de poderes.” (cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4 ed.. São Paulo: Saraiva, 2009- pp. 960).

Ademais, a possibilidade de regulamento autônomo, para disciplina da organização e funcionamento da administração (art. 47, XIX, a, da Constituição Paulista), não se confunde com a delegação de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público, sob pena de violação ao art. 24, § 2º, 1, da Carta Paulista, que exige, para tanto, lei em sentido formal.

Com efeito, o regulamento autônomo (ou de organização) deve conter normas sobre a organização administrativa, isto é, sobre a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos- podendo tão-somente extingui-los, quando vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição).

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, o “decreto autônomo” previsto no art. 84, VI, a, da Constituição, representa:

“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).

Neste sentido, em casos análogos a este, pronunciou o E. Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade de leis que delegam ao Poder Executivo a fixação da descrição das atribuições de cargos de provimento em comissão, in verbis:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009).

“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008).

Em suma, no presente caso, a Lei n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009, do Município de Braúna, criou cargos em comissão (Anexo II) sem a discriminação de suas atribuições, em afronta à nossa ordem constitucional (arts. 24, § 2º, 1, 155, I, II e V, e 144, da Carta Paulista).

3.3.         Cargo em comissão de “Assessor Jurídico”

Não bastasse a ausência de descrição legal dos cargos em comissão criados, em violação ao princípio da reserva legal, o cargo em comissão criado de “Assessor Jurídico” (Anexo II) não se harmoniza com os arts. 98 a 100, da Constituição Paulista- que se reportam ao modelo traçado no art. 132, da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual-, de observância obrigatória pelos Municípios, por força do art. 144, da Constituição Estadual.

Com efeito, as atividades de advocacia pública, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais investidos em cargos públicos, mediante prévia aprovação em concurso público.

Nesse sentido, decidiu o E. Supremo Tribunal Federal, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

3.4.         Inconstitucionalidade das expressões “Assessor de Educação”, “Assessor de Gestão Educacional em Creche”, “Assessor de Coordenação Pedagógica”, “Diretor de Escola” e “Diretor do Departamento de Educação” constantes nos artigos 6°, II, 10, e Anexos III e IV, da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, do Município de Braúna

Ainda que descritas em lei, as atribuições dos aludidos cargos em comissão não evidenciam funções de assessoramento, chefia e direção, mas sim funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidor público investido em cargo de provimento efetivo (art. 115, incisos I, II e V, da Constituição Estadual).

A título exemplificativo, nos termos do Anexo IV da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, do Município de Braúna, compete ao Assessor de Coordenação Pedagógica, dentre outras atribuições, “acompanhar e coordenar as atividades de recuperação dos alunos, bem como sua classificação e reclassificação”, “zelar para que os alunos cumpram a carga horária necessária”, “prestar assistência técnica, propondo técnicas e procedimentos, sugerindo materiais didáticos, organizando as atividades” e “contatar as famílias dos alunos que tenham frequência insuficiente ou apresentem desempenho insatisfatório”- configurando, pois, atividades técnicas e burocráticas, distantes dos encargos de comando superior no qual se exige especial confiança (Anexo IV- fl. 198).

A unidade Diretor de Escola, por sua vez, tem como incumbência “elaborar e operacionalizar o Plano de Ensino da Unidade Escolar” e “Dirigir, construir, implementar e participar de todas as atividades pedagógicas da escola” (Anexo IV- fl. 197).

Também de natureza técnica são as atividades relativas ao cargo de Diretor do Departamento de Educação, de “realizar reuniões periódicas com especialistas em educação com a finalidade de orientação e acompanhamento da política educacional vigente” e “organizar, incentivar e avaliar a realização de projetos de Educação continuada com os profissionais do magistério, promovendo a participação em seminários, cursos, congressos ou outros eventos de aperfeiçoamento pedagógico” (Anexo IV- fl. 198).

Por seu turno, compete ao Assessor de Educação “assessorar no planejamento global das unidades escolares, visando a perfeita adaptação da criança no processo educacional” e “assessorar as unidades escolares na realização de atividades cívicas, educacionais pedagógicas e culturais”, atribuições estas nitidamente técnicas e operacionais (Anexo IV- fl. 199).

Para finalizar, igualmente técnicas e operacionais as atribuições do Assessor de Gestão Educacional de Creche de “realizar treinamento em serviços e orientar os profissionais que atuam em creche no desenvolvimento de ações pedagógicas adequadas e inovadoras” e “levantar as necessidades da Unidade Escolar quanto a materiais e equipamentos necessários para o bom desenvolvimento do ensino, encaminhando as solicitações” (Anexo IV- fl. 199).

A análise das características destacadas indica que as unidades impugnadas essencialmente são destinadas a atender necessidades executórias ou a dar suporte subalterno a decisões e execução.

Por outras palavras, os cargos de provimento comissionado destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial, com o art. 115, incisos I, II e V, e art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao ingresso no serviço público sem concurso.

Embora o município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. Ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de natureza técnica, burocrática, operacional e profissional.

A criação de cargos de provimento em comissão ou funções de confiança deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse, estaria aniquilada na prática a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos deste jaez – cuja qualificação é matéria de reserva legal absoluta – com funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas e rotineiras.

A propósito, anota José Afonso da Silva que “Prevê-se, agora, por força da EC – 19/98, que as funções de confiança serão exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em confiança serão preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei (art. 37, V). Ambos se destinam, como vimos, às atribuições de direção, chefia e assessoramento.” (Curso de Direito Constitucional positivo, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2011, p. 681).

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Podem ser criados cargos de provimento comissionado, quando a natureza das atividades desempenhadas exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, exigível de todo e qualquer servidor.

Observa-se que as unidades mencionadas não refletem a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior.

No caso, não há, evidentemente, nenhum componente nos postos impugnados a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivos aos princípios de moralidade e impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual) que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.

A propósito do tema, esse Colendo Órgão Superior decidiu recentemente que:

 “No que se refere aos cargos de Diretor de Escola, Vice-Diretor de Escola, Coordenador Pedagógico e Professor Coordenador, notoriamente, os ocupantes desses cargos desempenham atividades técnico-profissionais, porquanto vinculados e sujeitos às normas do sistema nacional de educação. Por conta disso, suas funções são técnicas, burocráticas e operacionais, não demandando especial relação de confiança.” (ADI nº 2088000-54.2014.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mortari, j. 17 de setembro de 2014).

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

Por conseguinte, justificável que se reconheça a inconstitucionalidade das expressões “Assessor de Educação”, “Assessor de Gestão Educacional em Creche”, “Assessor de Coordenação Pedagógica”, “Diretor de Escola” e “Diretor do Departamento de Educação” previstas nos artigos 6°, II, 10 e Anexos III e IV, da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, do Município de Braúna.

3.5.         Contratação temporária em hipóteses que não denotam  excepcionalidade, interesse público e temporariedade - art. 16, incisos I, II, III e V da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, do Município de Braúna

Inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal) o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho, há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

A obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na excepcionalidade do interesse público.

O artigo 16, incisos I, II, III e V da Lei nº 1700/10 disciplina as contratações por tempo determinado de docentes para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, mediante generalidade manifesta (inciso I) e à míngua de qualquer característica excepcional (incisos II, III e V).

 Neste sentido, explica a literatura que:

“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

“trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

         o inciso I do art. 16 enseja a contratação temporária de docente para “ministrar aulas em casses atribuídas à ocupante de empregos ou funções, afastados ou licenciados a qualquer título”.

Ora, a lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Ao contrário, deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade. Neste sentido, recentemente o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 3.721-CE, estabeleceu:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI COMPLEMENTAR 22/2000, DO ESTADO DO CEARÁ. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES DO ENSINO BÁSICO. CASOS DE LICENÇA. TRANSITORIEDADE DEMONSTRADA. CONFORMAÇÃO LEGAL IDÔNEA, SALVO QUANTO A DUAS HIPÓTESES: EM QUAISQUER CASOS DE AFASTAMENTO TEMPORÁRIO (ALÍNEA “F” DO ART. 3º). PRECEITO GENÉRICO. IMPLEMENTAÇÃO DE PROJETOS DE ERRADICAÇÃO DO ANALFABETISMO E OUTROS (§ ÚNICO DO ART. 3º). METAS CONTINUAMENTE EXIGÍVEIS.

1. O artigo 37, IX, da Constituição exige complementação normativa criteriosa quanto aos casos de “necessidade temporária de excepcional interesse público” que ensejam contratações sem concurso. Embora recrutamentos dessa espécie sejam admissíveis, em tese, mesmo para atividades permanentes da Administração, fica o legislador sujeito ao ônus de especificar, em cada caso, os traços de emergencialidade que justificam a medida atípica.

2. A Lei Complementar 22/2000, do Estado do Ceará, autorizou a contratação temporária de professores nas situações de “a) licença para tratamento de saúde; b) licença gestante; c) licença por motivo de doença de pessoa da família; d) licença para trato de interesses particulares; e ) cursos de capacitação; e f) e outros afastamentos que repercutam em carência de natureza temporária”; e para “fins de implementação de projetos educacionais, com vistas à erradicação do analfabetismo, correção do fluxo escolar e qualificação da população cearense” (art. 3º, § único). 3. As hipóteses descritas entre as alíneas “a” e “e” indicam ocorrências alheias ao controle da Administração Pública cuja superveniência pode resultar em desaparelhamento transitório do corpo docente, permitindo reconhecer que a emergencialidade está suficientemente demonstrada. O mesmo não se pode dizer, contudo, da hipótese prevista na alínea “f” do art. 3º da lei atacada, que padece de generalidade manifesta, e cuja declaração de inconstitucionalidade se impõe.

4. Os projetos educacionais previstos no § único do artigo 3º da LC 22/00 correspondem a objetivos corriqueiros das políticas públicas de educação praticadas no território nacional. Diante da continuada imprescindibilidade de ações desse tipo, não podem elas ficar à mercê de projetos de governo casuísticos, implementados por meio de contratos episódicos, sobretudo quando a lei não tratou de designar qualquer contingência especial a ser atendida.

5. Ação julgada parcialmente procedente para declarar inconstitucionais a alínea “f” e o § único do art. 3º da Lei Complementar 22/00, do Estado do Ceará, com efeitos modulados para surtir um ano após a data da publicação da ata de julgamento. (ADI nº 3.271-CE, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 09.06.16)

Desse modo, o dispositivo padece de generalidade manifesta ao consentir sejam as contratações temporárias utilizadas para remediar situações que se enquadrem no fluído título de “ministrar aulas em classes atribuídas a ocupante de empregos ou funções, afastados ou licenciados a qualquer título”. A abertura desta cláusula permite todo e qualquer preenchimento, o que não se coaduna com o disposto no art. 115, X da Constituição estadual, porquanto também acaba por delegar ao Administrador a tarefa – específica do legislador – de definir em concreto situações que legitimam a contratação temporária.

Também nesse sentido:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).

         De outro lado, não é somente a temporariedade de uma atividade que justifica a contratação por tempo determinado, pois ela pode ser desempenhada por recursos humanos constantes do quadro de pessoal permanente. Para autorizá-la, é mister que a lei precise a excepcionalidade da medida.

         As hipóteses contidas nos incisos II, III e V do art. 16, quais sejam “para ministrar aulas cujo número reduzido de alunos, especificidade ou transitoriedade não justifiquem o provimento do emprego”; “para ministrar aulas de reforço ou em projetos educacionais desenvolvidos na rede municipal” e “para ministrar aulas cujo número seja insuficiente para insuficiente para completar a jornada mínima de trabalho do emprego docente” não evidenciam a excepcionalidade da medida.

           Com efeito, referidas hipóteses não espelham extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço público, na medida em que traduzem situações concretas ou abstratas, presentes, passadas ou futuras, da rotina administrativa, e cuja execução compete, de ordinário, a servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. Mencionados dispositivos da lei local autorizam a contratação temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à Administração Pública, não configurando situação capaz de legitimar a contratação por tempo determinado.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Dispositivos da Lei nº 3.581, de 20 de novembro de 2013, que disciplina as contratações por tempo determinado no Município de Adamantina. Ausência do requisito de necessidade temporária de excepcional interesse público, reportando-se a norma a atividades regulares e corriqueiras. Repercussão geral reconhecida no STF (Tema nº 612). Inconstitucionalidade reconhecida. Ação procedente, com modulação”. (TJSP, ADI nº 2069047-08.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Tristão Ribeiro, julgado em 26 de agosto de 2015, v.u)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Dispositivos da Lei nº 214/2000 do Município de Itajobi, que instituiu o Programa de Saúde da Família, e alterações posteriores – Contratações por tempo determinado – Necessidade de observância da regra de prestação de concurso público, com interpretação restritiva às hipóteses que a excepcionam – Para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável – Requisitos não preenchidos no caso – Desrespeito aos artigos 111, 115, incisos II e X, e 144 da Constituição Estadual – Inconstitucionalidade configurada – Ação julgada procedente, com modulação dos efeitos”.  (TJSP, ADI nº 2225484-77.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Moacir Peres, julgado em 16 de março de 2016, v.u)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Art. 2º, incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X e parágrafo único; art. 3º, caput e art. 4º e incisos, da Lei nº 3.155, de 03 de dezembro de 2014, de Itaquaquecetuba, Contratação, por tempo determinado, para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Natureza dos serviços a prestar. Inadmissível quando não se apresentam imprevisíveis ou extraordinários. Prazo máximo de contratação razoável. Próximo do admitido em precedentes do STF. Inconstitucionalidade (art. 111 e art. 115, II e X, CE). Modulação. (art. 27 da Lei nº 9.868/99). Procedente, em parte, a ação, com modulação”. (TJSP, ADI nº 2210.892-28.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Evaristo dos Santos, julgado em 27 de janeiro de 2016, v.u)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u)

Por fim, consigne-se que o tema foi objeto de Repercussão Geral no Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 658.026-MG (Tema nº 612), oportunidade em que se estabeleceu que “nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração”.

A ementa do julgamento tem o seguinte conteúdo:

 Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos.

1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, da constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”.

2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente.

3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.

4. É inconstitucional a lei municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a Constituição Federal.” (REX n. 658.026-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, dje 31/10/2014)    

4.     DO PEDIDO LIMINAR

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Braúna apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação: a) do art. 1º da Lei nº 1.609, de 16 de dezembro de 2009, do Município de Braúna, para o fim de excluir sua aplicação aos servidores comissionados e contratados por prazo determinado; b) da expressão “àqueles ocupantes de cargos em comissão, de livre provimento, e os contratados por prazo determinado” prevista no artigo 2° e do Anexo II, todos da Lei n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009, do Município de Braúna; c) das expressões “Assessor de Educação”, “Assessor de Gestão Educacional em Creche”, “Assessor de Coordenação Pedagógica”, “Diretor de Escola” e “Diretor do Departamento de Educação” previstas nos artigos 6°, II, 10 e Anexos III e IV, todos da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, do Município de Braúna e d) do artigo 16, incisos I, II, III e V da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, do Município de Braúna.

5.                DO PEDIDO

Diante do exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação direta, a fim de que seja, ao final, julgada procedente, com:

a)                A declaração de nulidade parcial sem redução de texto do art. 1º da Lei nº 1.609, de 16 de dezembro de 2009, do Município de Braúna, para o fim de excluir sua aplicação aos servidores comissionados e contratados por prazo determinado;

b)                A declaração de inconstitucionalidade da expressão “àqueles ocupantes de cargos em comissão, de livre provimento, e os contratados por prazo determinado” prevista no artigo 2° e do Anexo II, todos da Lei n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009, do Município de Braúna;

c)                  A declaração de inconstitucionalidade das expressões “Assessor de Educação”, “Assessor de Gestão Educacional em Creche”, “Assessor de Coordenação Pedagógica”, “Diretor de Escola” e “Diretor do Departamento de Educação” previstas nos artigos 6°, II, 10 e Anexos III e IV, todos da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, do Município de Braúna;

d)                A declaração de inconstitucionalidade do artigo 16, incisos I, II, III e V da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, do Município de Braúna.

 Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Braúna, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre os atos normativos impugnados.

 Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 Termos em que,

 Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 22 de fevereiro de 2017.

 

    Gianpaolo Poggio Smanio

     Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado n. 48.404/2016

Interessado: Promotoria de Justiça de Penápolis

Objeto: representação para controle de constitucionalidade da criação de cargos de provimento em comissão e da autorização para contratação temporária pelas Leis n. 1.609/2009 e 1.700/2010, ambas do Município de Braúna.  

 

 

1. Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, visando: a) a declaração de nulidade parcial sem redução de texto do art. 1º da Lei nº 1.609, de 16 de dezembro de 2009, do Município de Braúna, para o fim de excluir sua aplicação aos servidores comissionados e contratados por prazo determinado; b) a declaração de inconstitucionalidade da expressão “àqueles ocupantes de cargos em comissão, de livre provimento, e os contratados por prazo determinado” prevista no artigo 2° e do Anexo II, todos da Lei n° 1.609, de 16 de dezembro de 2009, do Município de Braúna; c) a declaração de inconstitucionalidade das expressões “Assessor de Educação”, “Assessor de Gestão Educacional em Creche”, “Assessor de Coordenação Pedagógica”, “Diretor de Escola” e “Diretor do Departamento de Educação” previstas nos artigos 6°, II, 10 e Anexos III e IV, todos da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, do Município de Braúna e d) a declaração de inconstitucionalidade do artigo 16, incisos I, II, III e V da Lei n° 1.700, de 17 de dezembro de 2010, do Município de Braúna.

2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 22 de fevereiro de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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