Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 162.608/16
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Expressão “e do Legislativo a quantidade de 5% (cinco por cento)” contida no art. 20, parágrafo único, da Lei nº 3.718, de 07 de maio de 2014, alterado pela Lei nº 3.764/14, ambas do Município de Poá. Percentual dos cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira. Violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do art. 115, V, da CE/89. Inconstitucionalidade por omissão. 1. Inconstitucional a previsão de percentual diminuto para preenchimento de cargos em comissão na estrutura da Câmara Municipal, no caso 5% (cinco por cento), vez que ao estabelecer em lei um percentual desse jaez o Município torna mera ficção jurídica a exigência plasmada no art. 115, V, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa. 2. Previsão normativa que não se concilia com os arts. 111 e 115, V, CE/89, pois torna sem efeito a intenção do Constituinte em limitar o provimento comissionado na estrutura administrativa. 3. Precedentes do Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 4. Com o acolhimento do pedido, necessária a fixação de prazo para que se proceda à adequação constitucional, bem como a determinação de que, na hipótese de persistência da omissão normativa, como decorrência da eficácia vinculante da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, seja fixado percentual mínimo para os comissionamentos do pessoal com vínculo efetivo com o Poder Legislativo.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no
exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual
n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado
de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129,
IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de
Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face da expressão “e do Legislativo a quantidade de 5% (cinco
por cento)” contida no art. 20, parágrafo único, da Lei nº 3.718, de 07 de
maio de 2014, alterado pela Lei nº 3.764/14, ambas do Município de Poá, cumulada
com AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO em face do
Prefeito Municipal e da Câmara Municipal de Poá, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – DO
Ato Normativo Impugnado
A Lei nº 3.718, de 07 de maio de 2014, com
a alteração promovida pela Lei nº 3.764/14, ambas do Município da Estância
Hidromineral de Poá, estabeleceu em seu art. 20, parágrafo único, percentuais
de cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores efetivos
nos Poderes Executivo e Legislativo, na forma do inciso V, do art. 37, da
Constituição Federal. Vejamos:
“Art. 20. A nomeação será:
I - em caráter efetivo, quando se tratar de cargo de carreira
ou isolado;
II - em comissão, para cargos de livre nomeação e
exoneração.
Parágrafo Único. Para
efeito do inciso II do “caput” deverão ser destinados obrigatoriamente a
servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo do Executivo a quantidade
de 20% (vinte por cento) e do Legislativo a quantidade de 5% (cinco por
cento). (Redação dada pela Lei nº 3764/2014).”
A partir de uma leitura rasa do diploma transcrito, o intérprete tem a
impressão de que a legislação examinada guarda obediência ao comando inscrito
no art. 115, V da Carta Paulista, o qual reclama a edição de lei estipulando
percentual mínimo dos cargos em comissão na estrutura administrativa do ente a
serem ocupados por servidores efetivos.
Todavia, conforme será demonstrado no curso desta vestibular, ao prever percentual diminuto para os cargos
comissionados existentes no âmbito do Poder Legislativo, no caso, 5% (cinco por
cento), o Município torna a exigência plasmada no art. 115, V, mera ficção
jurídica, por evidente esvaziamento de sua ratio
normativa, havendo, portanto, notória violação desta previsão aos arts. 111 e
115, V, da Constituição Estadual.
Deste modo, necessária a declaração de inconstitucionalidade do
percentual diminuo fixado, estabelecendo-se prazo para se proceda à adequação
constitucional, e, persistindo a mora legislativa, seja desde logo estabelecido
percentual dos cargos em comissão que deverão ser preenchidos por servidores
públicos de carreira.
II – DO parâmetro da fiscalização
abstrata de constitucionalidade
A expressão “e do Legislativo a quantidade de 5% (cinco por cento)” contida no art.
20, parágrafo único, da Lei nº 3.718, de 07 de maio de 2014, alterado pela Lei
nº 3.764/14, ambas do Município de Poá, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual
está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º,
18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29
daquela e do art. 144 desta.
A norma contestada é incompatível com os
seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de
qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação,
interesse público e eficiência.
(...)
Artigo
115 - Para a organização da administração pública direta e
indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos
Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
V
- as funções de confiança, exercidas exclusivamente por
servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem
preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais
mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia
e assessoramento;
(...)
Artigo 144 -
Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira
se auto-organizarão por lei
orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
O
art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal,
determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal
e na Constituição Estadual.
O
inciso V do art. 115 da Constituição Estadual, reproduzindo o inciso V do art.
37 da Constituição Federal, determina a reserva de percentual mínimo, adotado
em ato normativo, de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira,
com nítido escopo de estímulo à profissionalização do serviço público (e
consequente valorização do servidor público titular de cargo de provimento
efetivo, isolado ou de carreira), bem como compatibilizar a liberdade de
provimento de cargos comissionados com os princípios que norteiam a atividade
administrativa, previstos no art. 111 da Carta Bandeirante.
É sabido que a nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.
O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.
Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.
Cumpre salientar que o art. 115, V da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos.
A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve-se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimento em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.
De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.
Pois bem.
Quando o dispositivo examinado
estabelece percentual mínimo de 5% (cinco por cento) dos cargos
de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira na
Câmara Municipal, prima facie, poder-se-ia
cogitar sua obediência ao disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual,
porquanto se visualiza no ente em comento previsão tendente a dar cumprimento
ao comando constitucional apontado.
Contudo, a partir de uma interpretação acurada da ratio essendi do art. 115, V, da CE, a
intelecção supramencionada revela-se errônea, pois ao prever percentual assaz
diminuto de postos comissionados a serem preenchidos por servidores de carreira
pertencentes ao Parlamento, no caso apenas 5% (cinco por cento), a expressão
contida no art. 20, parágrafo único, da Lei nº 3.718, que fixa tal percentual
na estrutura da Câmara Municipal da Estância Hidromineral de Poá, na verdade, tornou mera
ficção o dispositivo indicado por representar evidente esvaziamento de seu
comando, havendo, portanto, notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Carta
Paulista, por afronta evidente à razoabilidade, à proporcionalidade, à
moralidade e burla implícita à excepcionalidade do provimento em comissão
quando do preenchimento de postos na estrutura da Administração.
Nesse sentido, aliás, já se manifestou este Órgão
Especial:
“(...)
IV. ATRIBUIÇÃO DE PERCENTUAL MÍNIMO
DE 5% DOS CARGOS EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES OCUPANTES DE
CARGOS DE PROVIMENTO EFETIVO. O ARTIGO 115, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
DEIXA À DISCRICIONARIEDADE
DO LEGISLADOR O ESTABELECIMENTO DO PERCENTUAL DOS CARGOS EM COMISSÃO A SEREM
PREENCHIDOS POR SERVIDORES OCUPANTES DE CARGOS DE PROVIMENTO EFETIVO, SEM
QUALQUER LIMITAÇÃO PRÉVIA. TODAVIA, ESSA DISCRICIONARIEDADE NÃO PODE FRUSTRAR A
EXCEPCIONALIDADE DAS REGRAS PREVISTAS NOS ARTIGOS 111 E 115, V, DA CARTA
BANDEIRANTE. INCONSTITUCIONALIDADE CONFIGURADA. A Constituição Estadual deixou ao critério discricionário do legislador
a fixação de percentual mínimo de cargos em comissão a serem preenchidos por
servidores efetivos, de modo que, em princípio, não será o baixo percentual de
servidores efetivos que atrairá inconstitucionalidade da lei. Mas quando
esse percentual é adotado em uma Cidade do porte de São Sebastião, a reserva de
95% dos cargos comissionados na Câmara Municipal a pessoas estranhas ao quadro
de pessoal, resta configurada a inconstitucionalidade por afronta à
razoabilidade, à proporcionalidade e à moralidade. Por isso, a norma
que o fixa em percentual de 5% na Câmara Municipal de São Sebastião está eivada
de inconstitucionalidade, por afronta aos artigos 111 e 115, V, da Carta
Bandeirante” (ADI nº 2095094-82.2016.8.26.0000, v.u., Rel. Des. Amorim
Cantuária, j. 21.09.2016) (grifo nosso).
Vale a pena a transcrição do entendimento desse
Colendo Órgão Especial a respeito do tema, contido no aresto mencionado:
“(...) Quanto ao disposto no parágrafo 2º, do artigo 21, que estabeleceu
o percentual de, no mínimo, 5% dos cargos de provimento em comissão a serem
preenchidos por servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo da Câmara
Municipal de São Sebastião, em que pese a preocupação do Legislativo local de
disciplinar a matéria, de fato, essa tentativa, a meu sentir, configurou burla ao comando do artigo
115, inciso V, da Constituição do Estado de São Paulo, pois aquele
percentual, em São Sebastião, não revela número razoável de servidores de
carreira para provimento dos cargos em comissão. Tal percentual neste caso não alcança a finalidade da norma, a de
estimular a profissionalização do serviço público, e, por consequência,
estimular o servidor titular de cargos de provimento efetivo.
O artigo 115, inciso V, da Constituição Estadual dispõe a respeito:
“Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e
indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos
Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: (...) V as
funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de
cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de
carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei,
destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
Como se observa, o legislador constitucional embora tenha determinado que
parcela dos cargos em comissão deveriam ser preenchidos por servidores de
carreira, deixou para o legislador local a opção livre de escolher qual o
percentual mínimo de cargos a serem preenchidos de acordo com esses critérios.
Mas, a fixação desse percentual deve
respeitar a razoabilidade, proporcionalidade e proporcionalidade, princípios
que dirigem a atividade administrativa, nos termos do artigo 111 da Constituição
de São Paulo” (grifo nosso).
Do mesmo modo esse
Colendo Órgão Especial decidiu em relação à fixação do mesmo percentual no
Município de Itapevi:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafo 2º do artigo 63, da Lei
2.237, de 28 de fevereiro de 2014. Fixação do percentual mínimo de 5% de cargos
em comissão, na Administração do Município de Itapevi, a ser preenchido por
servidores públicos de carreira. Inadmissibilidade. Eleição de fração
irrisória. Defeito do ato normativo. Reconhecimento. Inobservância dos
critérios da razoabilidade, proporcionalidade e moralidade. (...) Ação julgada
procedente, com modulação” (ADI nº 2036862-77.2016.8.26.0000, Rel. Des. Sergio
Rui, v.u., j. 19.10.2016).
Ante o exposto, o percentual
estabelecido na lei objurgada não se concilia com os arts. 111 e 115, V, da Constituição
Paulista, devendo ser declarada sua inconstitucionalidade por este E. Tribunal
de Justiça.
Por fim, com o esperado acolhimento do pedido de declaração de
inconstitucionalidade da expressão normativa ora impugnada, haverá omissão
inconstitucional lesiva, razão que anima a cumulação com o pedido de ação de
inconstitucionalidade por omissão, de tal sorte que será pertinente a fixação
de prazo para que se promova adequação constitucional do percentual, bem como a
determinação de que, na hipótese de persistência da omissão normativa, como
decorrência da eficácia vinculante da decisão proferida pelo Tribunal de
Justiça, seja fixado percentual mínimo para os comissionamentos do pessoal com
vínculo efetivo com a municipalidade.
Pertinente destacar que assim procedeu esse Colendo Órgão Especial no
julgamento de casos semelhantes (ADI nº 2111921-71.2016.8.26.0000; ADI nº
2036862-77.2016.8.26.0000; ADI nº 2171403-47.2016.8.26.0000; ADI
nº2111908-72.2016.8.26.0000), hipóteses em que determinou-se que persistindo
a mora legislativa, fica desde logo estabelecido que 50% dos cargos em comissão
deverão ser preenchidos por servidores públicos de carreira.
III – DO PEDIDO
Face ao exposto, requerer-se o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade da expressão “e do
Legislativo a quantidade de 5% (cinco por cento)” contida no art. 20, parágrafo
único, da Lei nº 3.718, de 07 de maio de 2014, alterado pela Lei nº 3.764/14,
ambas do Município de Poá, fixando-se prazo para que se proceda à adequação
constitucional, e persistindo a mora legislativa, seja desde logo estabelecido
percentual dos cargos em comissão que deverão ser preenchidos por servidores
públicos de carreira.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações
ao Prefeito Municipal e ao Presidente da
Câmara Municipal de Poá, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados,
protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 21 de fevereiro de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
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Protocolado nº
162.608/16
Interessado:
Associação de Procuradores Públicos da Região Metropolitana do Vale do Paraíba
e Litoral Norte
1. Promova-se a distribuição de ação
direta de inconstitucionalidade cumulada com declaratória de
inconstitucionalidade por omissão, instruída com o protocolado em epígrafe, em
face da expressão “e do Legislativo a
quantidade de 5% (cinco por cento)” contida no art. 20, parágrafo único, da
Lei nº 3.718, de 07 de maio de 2014, alterado pela Lei nº 3.764/14, ambas do
Município de Poá.
2. Ciência ao interessado, remetendo-lhe
cópia da petição inicial e deste despacho.
São Paulo, 21 de fevereiro de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
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