EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 86.316/16

 

                                              

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Declaração parcial de nulidade sem redução de texto do art. 2º e declaração de inconstitucionalidade da expressão “sempre sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, destinados à execução de obras certas e determinadas”, contida no art. 4º; do art. 6º, incisos II, VI e VII; da expressão “assessor municipal de negócios jurídicos” contida no Anexo III, todos da Lei Complementar nº 727, de 13 de setembro de 2010 e dos artigos 2º e 7º, item 9 da Lei Complementar nº 905, de 11 de março de 2016; bem como das expressões “diretor de escola”, “vice-diretor de escola” e “coordenador pedagógico” contidas no Anexo I da Lei Complementar nº 592, de 28 de junho de 2005, na redação dada pela Lei Complementar nº 695, de 16 de novembro de 2009, todas do Município de Lagoinha.1. Sujeição dos cargos de provimento em comissão e dos contratados por prazo determinado ao regime celetista, contrariando a exigência do regime administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (art. 111 da CE/89). 2. A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de cabimento. A descrição de hipóteses genéricas e que não denotam excepcionalidade burla o sistema de mérito, sendo incompatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência. Violação aos art. 111 e 115, X, CE/89, que reproduz o art. 37, IX, CF/88. 3. Cargo de provimento em comissão de “Assessor Municipal de Negócios Jurídicos”. As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, 144 da CE/89). 4. Cargos de provimento em comissão de “Diretor de escola”, “Vice-diretor de escola” e “Coordenador Pedagógico”. Ausência de descrição legal das atribuições de cargos em comissão. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades do cargo público deve estar descrito na lei. Violação do princípio da reserva legal (arts. 24, § 2º, 1, 115, II e V, 144, da CE/89).

 

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 86.316/2016, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE visando: a) declaração de nulidade parcial sem redução de texto do art. 2º da Lei Complementar n° 727, de 13 de setembro de 2010 - para o fim de excluir sua aplicação aos servidores comissionados e contratados por prazo determinado; b) declaração de inconstitucionalidade da expressão “sempre sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, destinados à execução de obras certas e determinadas”, contida no art. 4º, do art. 6º, incisos II, VI e VII e da expressão “Assessor municipal de negócios jurídicos” contida no Anexo III, todos da Lei Complementar nº 727, de 13 de setembro de 2010 e dos artigos 2º e 7º, item 9 da Lei Complementar nº 905, de 11 de março de 2016; c) declaração de inconstitucionalidade das expressões “Diretor de escola”, “Vice-diretor de escola” e “Coordenador pedagógico” contidas no Anexo I da Lei Complementar nº 592, de 28 de junho de 2005, na redação dada pela Lei Complementar nº 695, de 16 de novembro de 2009, todas do Município de Lagoinha, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei Complementar n° 727, de 13 de setembro de 2010, do Município de Lagoinha, que “dispõe sobre a organização do Quadro de Pessoal e da Evolução Funcional dos servidores, aprova os valores da Tabela de Vencimentos e Salários da Prefeitura Municipal de Lagoinha, transforma Diretorias em Secretarias Municipais e dá outras providências correlatas”, possui, no que diz respeito ao objeto desta ação, a seguinte redação, verbis:

“(...)

Art. 2°- O regime jurídico único adotado é o da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, conforme determinação emanada da Lei Orgânica Municipal - LOM .

(...)

Art. 4º- Em caso de necessidades decorrentes de situações de emergência e ainda com o objetivo de alcançar melhor rendimento, evitando-se novos encargos de natureza permanente, poderá a Administração Municipal contratar pessoal em caráter temporário, sempre sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, destinados à execução de obras certas e determinadas ou manutenção de serviços essenciais, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal.

(...)

Art. 6º. Considera-se como necessidade temporária e de excepcional interesse público, as contratações que visem a:

I – combate a surtos epidêmicos;

II – atendimento a Convênios com o Estado e a União;

III – atendimento a situações de calamidade pública, estado de emergência, objeto de Decreto do Executivo Municipal.

IV – substituição de empregados públicos cujos serviços não possam sofrer solução de continuidade e não existam outros trabalhadores habilitados a substituí-los;

V – atendimento de situação que possa causar prejuízo às pessoas, obras, bens ou equipamentos;

VI – execução de serviços caracterizados como sazonais, de duração certa, cujo volume não recomenda a contratação em caráter permanente;

VII – execução de obras públicas, pelo prazo de sua execução.

(...)”

A Lei Complementar n° 905, de 11 de março de 2016, do Município de Lagoinha, que “Dispõe sobre a consolidação, alteração e rerratificação do quadro de pessoal do município de Lagoinha e dá outras providências”, alterou o Anexo III da Lei Complementar nº 727, de 13 de setembro de 2010 e criou o cargo de “Assessor Municipal de Negócios Jurídicos”, nos seguintes termos:

“(...)

Art. 2º. Fica criada na Estrutura Administrativa estabelecida no Capítulo X da Lei Complementar Municipal nº 727, de 13 de setembro de 2010, o cargo Municipal de Assessor Municipal de Negócios Jurídicos, de provimento em comissão, com remuneração equivalente ao padrão 26-A, para o qual é necessário formação acadêmica em curso superior de Direito e registro na Ordem dos Advogados do Brasil, com atribuições dispostas nesta Lei.

(...)

Art. 4º. Em razão do disposto nos artigos anteriores, fica alterado e consolidado o Anexo III – Cargos de Provimento em Comissão – da Lei Complementar Municipal nº 727, de 13 de setembro de 2010, com a criação e extinção de cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, conforme artigo 37, II da Constituição Federal:

ANEXO III

CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

Nome do Cargo

Carga horária semanal

  de vagas

Padrão

Secretário Municipal de Finanças

40

01

31-A

Secretário Municipal de Planejamento e Obras

40

01

31-A

Secretário Municipal de Administração

40

01

31-A

Secretário Municipal de Serviços Urbanos e Rurais

40

01

31-A

Secretário Municipal de Saúde e Saneamento

40

01

31-A

Secretário Municipal de Educação, Cultura e Turismo

40

01

31-A

Secretário Municipal de Agricultura, Pecuária e Meio Ambiente

40

01

31-A

Secretário Municipal de Desenvolvimento e Assistência Social

40

01

31-A

Assessor Municipal de Negócios Jurídicos

40

01

31-A

Secretário Municipal da Fazenda

40

01

31-A

Secretário Municipal de Governo

40

01

31-A

 

(...)

Art. 7º. Os cargos comissionados previstos nesta Lei Complementar Municipal tem as seguintes atribuições:

(...)

9) Assessor Municipal de Negócios Jurídicos: Prestar assessoramento jurídico ao Prefeito; Emitir parecer sobre matéria jurídica, cujo exame tenha sido solicitado pelos titulares dos órgãos da Prefeitura e prestar esclarecimentos sobre consultas pelos mesmos formuladas; Assessorar o contencioso administrativo e judicial; Colaborar, em articulação com os demais órgãos integrantes da Prefeitura, na elaboração de instrumentos legais; manter atualizada a legislação e a jurisprudência necessárias à defesa dos interesses municipais; Elaborar e rever as minutas de contratos, convênios e obrigações a serem firmadas pelo Município; Preparar informações em mandados de segurança impetrados contra atos emanados dos órgãos municipais; preparar ou examinar minutas de convênios, contratos ou ajustes em que a Prefeitura seja integrante.

(...)”

Por fim, a Lei Complementar n° 592, de 28 de junho de 2005, alterada pela Lei Complementar nº 695, de 16 de novembro de 2009, ambas do Município de Lagoinha, prevê em seu Anexo I os seguintes cargos de provimento em comissão:

“(....)

Anexo I

(...)

Suporte Pedagógico

Denominação

Provimento

Número de vagas

Faixa salarial

Requisitos

Diretor de Escola

Cargo em comissão

02

3

Licenciatura Plena em pedagogia ou pós graduação na área de Educação com habilitação em Administração Escolar/Gestão Escolar. Experiência mínima de 3 (três) anos

Vice-Diretor de Escola

  Cargo em comissão

02

Artigo 5º § 1º

Licenciatura plena em pedagogia ou pós-graduação na área de Educação. Experiência docente mínima de 3 (três) anos.

Coordenador Pedagógico

Cargo em comissão

05

Artigo 5º §2º

Licenciatura plena em pedagogia ou pós-graduação na área de Educação. Experiência docente mínima de 3 (três) anos.

 

Os dispositivos legais anteriormente descritos são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

O art. 2º e a expressão “sempre sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, destinados à execução de obras certas e determinadas”, contida no art. 4º” - ao possibilitar a aplicação do regime celetista aos ocupantes de funções temporários e cargos de provimento em comissão – e o art. 6º, incisos II, VI e VII – ao criar hipóteses de contratação temporária em situações que não demonstram emergencialidade, todos da Lei Complementar nº 727, de 13 de setembro de 2010, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal por força do art. 144 da Carta Paulista.

O mesmo ocorre com o cargo de Assessor municipal de negócios jurídicos”, previsto no Anexo III da Lei Complementar nº 727, de 13 de setembro de 2010 e criado pelos artigos 2º e 7º, item 9 da Lei Complementar nº 905, de 11 de março de 2016.

Do mesmo modo, as expressões “Diretor de Escola”, “Vice-diretor de escola” e “Coordenador pedagógico” constantes do Anexo I da Lei Complementar nº 592, de 28 de junho de 2005, na redação dada pela Lei Complementar nº 695, de 16 de novembro de 2009, ambas do Município de Lagoinha, ao estabelecerem cargos em comissão sem descrição das respectivas atribuições, também contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal por força do art. 144 da Carta Paulista.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:

“(...)

Art. 24 – (...)

§ 2° - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1-    Criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

(...)

Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

(...)

Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado: 

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais; 

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

Art. 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva lei orgânica.

Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

(...)

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

(...)

X- a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público;

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

3.     DA FUNDAMENTAÇÃO

3.1.         Aplicação da Consolidação das Leis Trabalhistas aos ocupantes de cargos de provimento em comissão e aos contratados temporários para atender à necessidade temporária de excepcional interesse social

Verifica-se que o art. 2º da Lei Complementar n° 727, de 13 de setembro de 2010, do Município de Lagoinha, ao estabelecer que o regime jurídico único adotado é o da Consolidação da Leis do Trabalho – CLT, acaba por determinar as disposições do regime celetista aos servidores de cargos de provimento em comissão e também aos contratados por prazo determinado.

Do mesmo modo, o artigo 4º do ato normativo mencionado prevê expressamente que a contratação de pessoal em caráter temporário se fará sempre sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT”.

Ocorre que o provimento em comissão e a contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, são incompatíveis com o regime celetista na Administração Pública, porquanto a dispensa imotivada onerosa prevista pela Consolidação das Leis do Trabalho impõe limite à liberdade de exoneração dos ocupantes do cargo público comissionado e à transitoriedade inerente à contratação temporária (art. 115, II, V e X, Constituição Estadual).

Com efeito, a inserção do emprego comissionado no regime celetista é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do cargo, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

O desprovimento do cargo comissionado é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e conveniência da Administração Pública, de sorte que sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

No que tange aos contratados temporários, é sabido que a contratação por tempo determinado inserta no art. 443, § 1º da Consolidação das Leis do Trabalho excepciona o pagamento de aviso prévio, multa de 40% (quarenta por cento) do FGTS e seguro desemprego. No entanto, possibilita indenização para o caso de rescisão antecipada.

Desta forma, a sujeição dos ocupantes de funções temporárias para atender à necessidade transitória de excepcional interesse público à CLT não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, os contratos temporários são inconciliáveis com qualquer regime previsto na Consolidação das Leis do Trabalho que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.

A contratação por tempo determinado serve à necessidade temporária de excepcional interesse público, devendo durar enquanto as circunstâncias que o justificaram persistir.

De fato, o desprovimento da função temporária é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e de conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista, ainda que por meio de contratação temporária previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

Assim, a redação do art. 2º, que permite intepretação de aplicabilidade a servidores comissionados, assim como a expressão prevista no art. 4º importam em franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.

Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc, interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa-fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos atos normativos.

Na espécie, há violação a ambos os princípios. Como a contratação para serviços temporários e para cargos de provimento em comissão constitui exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por outros critérios, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória. Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica precária e instável.

O padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de emprego temporário, à luz da conformação constitucional que realça a natureza excepcional e temporária de seu provimento - orientada por força de ingredientes puramente excepcionais de necessidade e interesse público.

Desta forma, necessária a declaração de nulidade parcial sem redução de texto do art. 2º da Lei Complementar n° 727, de 13 de setembro de 2010, para o fim de excluir sua aplicação aos servidores comissionados e aos contratados por prazo determinado, bem como a declaração de inconstitucionalidade da expressão “sempre sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT”, contida no art. 4° do citado ato normativo, do Município de Lagoinha.

3.2.         Contratação por tempo determinado fora das hipóteses de excepcionalidade, interesse público e temporariedade

Inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal) o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho, há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

A obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na excepcionalidade do interesse público.

O artigo 4º, por meio da expressão “destinados à execução de obras certas e determinadas” e o art. 6º, incisos II, VI e VII da Lei Complementar nº 727, de 13 de setembro de 2010, disciplinam as contratações por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, à míngua de qualquer característica excepcional e mediante generalidade manifesta.

 Neste sentido, explica a literatura que:

“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

“trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

         o inciso VI do art. 6º enseja a contratação temporária para “execução de serviços caracterizados como sazonais, de duração certa, cujo volume não recomenda a contratação em caráter permanente”.

Ora, a lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Ao contrário, deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade.

O dispositivo padece de generalidade manifesta ao consentir sejam as contratações temporárias utilizadas para remediar situações que se enquadrem no fluído título de “serviços caracterizados como sazonais”. A abertura desta cláusula permite todo e qualquer preenchimento, o que não se coaduna com o disposto no art. 115, X da Constituição estadual, porquanto também acaba por delegar ao Administrador a tarefa – específica do legislador – de definir em concreto situações que legitimam a contratação temporária.

Também nesse sentido:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).

         De outro lado, é mister que a lei precise a excepcionalidade da medida.

         As hipóteses contidas no caput do art. 4º (“execução de obras certas e determinadas) e as hipóteses previstas nos incisos II e VI do art. 6º da Lei Complementar nº 727,  de 13 de setembro de 2010, quais sejam “atendimento a Convênios com o Estado e a União” e “execução de obras públicas, pelo prazo de sua execução”, não evidenciam a excepcionalidade da medida.

Com efeito, referidas hipóteses não espelham extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço público, na medida em que traduzem situações concretas ou abstratas, presentes, passadas ou futuras, da rotina administrativa, e cuja execução compete, de ordinário, a servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo.

Mencionados dispositivos da lei local autorizam a contratação temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à Administração Pública, não configurando situação capaz de legitimar a contratação por tempo determinado.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Dispositivos da Lei nº 3.581, de 20 de novembro de 2013, que disciplina as contratações por tempo determinado no Município de Adamantina. Ausência do requisito de necessidade temporária de excepcional interesse público, reportando-se a norma a atividades regulares e corriqueiras. Repercussão geral reconhecida no STF (Tema nº 612). Inconstitucionalidade reconhecida. Ação procedente, com modulação”. (TJSP, ADI nº 2069047-08.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Tristão Ribeiro, julgado em 26 de agosto de 2015, v.u)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Dispositivos da Lei nº 214/2000 do Município de Itajobi, que instituiu o Programa de Saúde da Família, e alterações posteriores – Contratações por tempo determinado – Necessidade de observância da regra de prestação de concurso público, com interpretação restritiva às hipóteses que a excepcionam – Para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável – Requisitos não preenchidos no caso – Desrespeito aos artigos 111, 115, incisos II e X, e 144 da Constituição Estadual – Inconstitucionalidade configurada – Ação julgada procedente, com modulação dos efeitos”.  (TJSP, ADI nº 2225484-77.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Moacir Peres, julgado em 16 de março de 2016, v.u)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Art. 2º, incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X e parágrafo único; art. 3º, caput e art. 4º e incisos, da Lei nº 3.155, de 03 de dezembro de 2014, de Itaquaquecetuba, Contratação, por tempo determinado, para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Natureza dos serviços a prestar. Inadmissível quando não se apresentam imprevisíveis ou extraordinários. Prazo máximo de contratação razoável. Próximo do admitido em precedentes do STF. Inconstitucionalidade (art. 111 e art. 115, II e X, CE). Modulação. (art. 27 da Lei nº 9.868/99). Procedente, em parte, a ação, com modulação”. (TJSP, ADI nº 2210.892-28.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Evaristo dos Santos, julgado em 27 de janeiro de 2016, v.u)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u)

Por fim, consigne-se que o tema foi objeto de Repercussão Geral no Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 658.026-MG (Tema nº 612), oportunidade em que se estabeleceu que “nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração”.

A ementa do julgamento tem o seguinte conteúdo:

Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos.

1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, da constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”.

2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente.

3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.

4. É inconstitucional a lei municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a Constituição Federal.” (REX n. 658.026-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, dje 31/10/2014).   

Desse modo, necessária a declaração de inconstitucionalidade das mencionadas hipóteses de contratação temporária.

3.3.         Cargo em comissão de “Assessor municipal de negócios jurídicos”

O cargo em comissão de “Assessor municipal de negócios jurídicos”, criado pelo art. 2º, com atribuições descritas no art. 7º, item 9 da Lei Complementar nº 905, de 11 de março de 2016 e inserido no Anexo III da Lei Complementar nº 727, de 13 de setembro de 2010, ambas do Município de Lagoinha, não se harmoniza com os arts. 98 a 100, da Constituição Paulista - que se reportam ao modelo traçado no art. 132, da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual -, de observância obrigatória pelos Municípios, por força do art. 144, da Constituição Estadual.

Com efeito, as atividades de advocacia pública, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais investidos em cargos públicos, mediante prévia aprovação em concurso público.

Nesse sentido, decidiu o E. Supremo Tribunal Federal, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

3.4.         Ausência de descrição legal das atribuições dos cargos de provimento em comissão de “Diretor de escola”, “Vice-diretor de escola” e “Coordenador Pedagógico”

É sabido ser inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão cujas atribuições sejam de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais, às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo público, mas somente daqueles que demandem relação de confiança, devido ao exercício de atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção.

É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não se coadunam com a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – atribuições profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.

Destarte, é absolutamente imprescindível que a lei descreva as efetivas atribuições dos cargos de provimento em comissão, para se aquilatar se realmente se amoldam às funções de assessoramento, chefia e direção.

Ademais, referida exigência se amolda ao próprio princípio da legalidade, o qual se desdobra na reserva legal, a exigir lei em sentido formal para criação e disciplina de cargos públicos, como adverte a doutrina, verbis:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para criação e disciplina de cargo público, compreendido este como o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um servidor, criado por lei, em número certo, com denominação própria, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, para o exercício de uma função pública específica (cf. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 16 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012- p. 298).

Desse modo, ponto elementar relacionado à criação de cargos públicos é a exigência de que lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, como ato normativo produzido pelo Poder Legislativo, mediante o competente e respectivo processo - descreva as correlatas atribuições.

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício das funções públicas pelo agente público.

Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, daqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que, ainda, permite a aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público, a qual deve ser guiada pela legalidade, moralidade, impessoalidade e razoabilidade.

Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos cargos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal.

Isso porque, “a nossa ordem constitucional não se compadece com as autorizações legislativas puras ou incondicionadas, de nítido e inconfundível conteúdo renunciativo. Tais medidas representam inequívoca deserção do compromisso de deliberar politicamente, configurando manifesta fraude ao princípio da reserva legal e à vedação à delegação de poderes.” (cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4 ed.. São Paulo: Saraiva, 2009- pp. 960).

Ademais, a possibilidade de regulamento autônomo, para disciplina da organização e funcionamento da administração (art. 47, XIX, a, da Constituição Paulista), não se confunde com a delegação de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público, sob pena de violação ao art. 24, § 2º, 1, da Carta Paulista, que exige, para tanto, lei em sentido formal.

Com efeito, o regulamento autônomo (ou de organização) deve conter normas sobre a organização administrativa, isto é, sobre a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos- podendo tão-somente extingui-los, quando vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição).

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, o “decreto autônomo” previsto no art. 84, VI, a, da Constituição, representa:

“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).

Neste sentido, em casos análogos a este, pronunciou o E. Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade de leis que delegam ao Poder Executivo a fixação da descrição das atribuições de cargos de provimento em comissão, in verbis:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009).

“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008).

Em suma, no presente caso, a previsão dos cargos em comissão de “Diretor de escola”, “Vice-diretor de escola” e “Coordenador Pedagógico” no Anexo I da Lei Complementar nº 592/05, na redação dada pela Lei Complementar nº 695/09, sem a discriminação de suas atribuições, em afronta à nossa ordem constitucional (arts. 24, § 2º, 1, 115, II e V, e 144, da Carta Paulista).

4.     DO PEDIDO LIMINAR

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Lagoinha apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação: a) do art. 2º da Lei Complementar n° 727, de 13 de setembro de 2010, para o fim de excluir sua aplicação aos servidores comissionados e contratados por prazo determinado; b) da expressão “sempre sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, destinados à execução de obras certas e determinadas”, contida no art. 4º; do art. 6º, incisos II, VI e VII e da expressão “Assessor municipal de negócios jurídicos” contida no Anexo III, todos da Lei Complementar nº 727, de 13 de setembro de 2010 e nos artigos 2º e 7º, item 9 da Lei Complementar nº 905, de 11 de março de 2016; e c) das expressões “Diretor de escola”, “Vice-diretor de escola” e “Coordenador pedagógico” contidas no Anexo I da Lei Complementar nº 592, de 28 de junho de 2005, na redação dada pela Lei Complementar nº 695, de 16 de novembro de 2009, todas do Município de Lagoinha.

5.                DO PEDIDO

Diante do exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação direta, a fim de que seja, ao final, julgada procedente, com:

a) a declaração de nulidade parcial sem redução de texto do art. 2º da Lei Complementar n° 727, de 13 de setembro de 2010 do Município de Lagoinha - para o fim de excluir sua aplicação aos servidores comissionados e contratados por prazo determinado;

b) a declaração de inconstitucionalidade da expressão “sempre sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, destinados à execução de obras certas e determinadas”, contida no art. 4º; do art. 6º, incisos II, VI e VII e da expressão “Assessor municipal de negócios jurídicos” contida no Anexo III, todos da Lei Complementar nº 727, de 13 de setembro de 2010 e dos artigos 2º e 7º, item 9 da Lei Complementar nº 905, de 11 de março de 2016, todas do Município de Lagoinha; e

c) a declaração de inconstitucionalidade das expressões “Diretor de escola”, “Vice-diretor de escola” e “Coordenador pedagógico” contidas no Anexo I da Lei Complementar nº 592, de 28 de junho de 2005, na redação dada pela Lei Complementar nº 695, de 16 de novembro de 2009, todas do Município de Lagoinha.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Lagoinha, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre os atos normativos impugnados.

 Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 09 de março de 2017.

 

    Gianpaolo Poggio Smanio

     Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado n. 86.316/16

Interessado: Promotoria de Justiça de Lagoinha

Objeto: representação para controle de constitucionalidade na legislação que rege os cargos em comissão na estrutura administrativa do Poder Executivo de Lagoinha

 

 

1. Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, visando: a) a declaração de nulidade parcial sem redução de texto do art. 2º da Lei Complementar n° 727, de 13 de setembro de 2010 do Município de Lagoinha - para o fim de excluir sua aplicação aos servidores comissionados e contratados por prazo determinado; b) a declaração de inconstitucionalidade da expressão “sempre sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, destinados à execução de obras certas e determinadas”, contida no art. 4º; do art. 6º, incisos II, VI e VII e da expressão “Assessor municipal de negócios jurídicos” contida no Anexo III, todos da Lei Complementar nº 727, de 13 de setembro de 2010 e dos artigos 2º e 7º, item 9 da Lei Complementar nº 905, de 11 de março de 2016, todas do Município de Lagoinha; e c) a declaração de inconstitucionalidade das expressões “Diretor de escola”, “Vice-diretor de escola” e “Coordenador pedagógico” contidas no Anexo I da Lei Complementar nº 592, de 28 de junho de 2005, na redação dada pela Lei Complementar nº 695, de 16 de novembro de 2009, todas do Município de Lagoinha.

2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 09 de março de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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