Excelentíssimo Senhor
Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo
Protocolado nº 155.226/16
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Diplomas normativos do Município da Estância Turística de Itu. Criação abusiva e artificial de cargo de Diretor Técnico de Transporte Coletivo de provimento em comissão. Ausência de descrição das atribuições de assessoramento, chefia e direção. É Inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão desprovida da descrição de atribuições de assessoramento, chefia e direção (arts. 111 e 115, II e V, CE/89).
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no
exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual
nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado
de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129,
IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de
Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do
cargo de provimento em comissão de “Diretor Técnico de Transporte Coletivo”,
previsto nos Anexos II e VI da Lei nº 1.291/11, com a redação dada
pela Lei nº 1.809/2016, do Município da Estância
Turística de Itu, pelos fundamentos a
seguir expostos:
I – INTRODUÇÃO
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo já promoveu ação direta de inconstitucionalidade, cujo objeto foi a impugnação a cargos em comissão do Município da Estância Turística de Itu contemplados pelos seguintes diplomas legislativos municipais Lei nº 1.115/09, Lei nº 1.291/11, Lei nº 1.415/11 e Lei nº 1.809/11(Processo digital nº 2038615-69.2016.8.26.0000).
Ao julgar a referida ação, este Órgão Especial do Tribunal de Justiça reputou, todavia, inviável o exame da inconstitucionalidade quanto ao cargo de “Diretor Técnico de Transporte Coletivo”, em razão de ausente impugnação específica na petição inicial.
Diante de tal decisão, é agora promovida a presente ação direta de inconstitucionalidade para impugnar especificamente o cargo comissionado de “Diretor Técnico de Transporte Coletivo”, conforme exposto a seguir.
II - O
Ato Normativo Impugnado
Ao dispor sobre a criação da Agência
Reguladora de Serviços Delegados do Município da Estância Turística de Itu –
AR-ITU, a Lei nº 1.115, de 16 de
dezembro de 2009, do Município da Estância Turística de ITU, prevê no que
interessa para a presente ação e após as modificações introduzidas pela Lei nº
1.809/2016:
“(...)
Art. 15 – A Administração Superior da AR-ITU é composta da seguintes estrutura orgânica básica:
(...)
VII – Diretoria Técnica de Transporte Coletivo.
Art. 16 – Os membros da Administração Superior serão nomeados pelo Prefeito do Município, até o dia 31 de março de cada ano calendário, para o exercício de mandato de 02 (dois) anos, podendo ser reconduzidos por iguais períodos (redação dada pela Lei nº 1809/2016).
(...)
§ 9 – A remuneração dos Diretores e do Ouvidor Geral da AR-Itu pelo exercício do mandato será equivalente ao valor da remuneração fixada para o cargo de Diretor de Departamento da Prefeitura Municipal da Estância Turística de Itu; (redação dada pela Lei nº 1809/2016).
(...)”.
Complementando o referido diploma legal do ano de 2.009, sobreveio a Lei nº 1.291/11, que, ao cuidar posteriormente do quadro de pessoal da Agência Reguladora de Serviços Delegados da Estância Turística de Itu, apresentou anexo que tratou do quadro de cargos comissionados e funções de confiança, dentre os quais foi apresentado o cargo de “Diretor Técnico de Transporte Coletivo” (fls. 252 do protocolado).
Posteriormente, a Lei nº 1.291/11 teve a sua redação alterada pela Lei nº 1.809/16, com a criação de anexos, e o cargo comissionado de “Diretor Técnico de Transporte Coletivo” passou a ser disciplinado pelos Anexos II e VI, que foram introduzidos na legislação de 2011.
Acrescente-se que os Anexos II e VI da Lei nº 1.291/11 tratam do cargo e das suas atribuições, quais sejam:
Em suma, a Lei Municipal nº 1.291/2011, posteriormente modificada, foi o diploma legal que introduziu expressamente o cargo de “Diretor Técnico de Transporte Coletivo” na legislação.
III – O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os
diplomas impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São
Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão
dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os
preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis
aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
As normas contestadas são incompatíveis com os
seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“(...)
Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
(...)”.
Diante do presente panorama
constitucional, depreende-se que os cargos de provimento em comissão devem ser
restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível
superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com
os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação,
supervisão e controle de diretrizes político-governamentais.
Por outras palavras, é inconstitucional
a criação de cargos de provimento em comissão cujas atribuições sejam de
natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não
revelem plexos de assessoramento, chefia e direção e que devam ser, por
conseguinte, desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento
efetivo mediante aprovação em concurso público.
Frise-se que a criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, porém deve se circunscrever aos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição Estadual.
É o que vem reiteradamente reconhecendo o Supremo Tribunal Federal, ao proclamar a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, sem demonstração efetiva de funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008). Neste sentido:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II), 7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do pedido na ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional norma editada durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a alteração da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de cargos na administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna prejudicado o pedido na ação direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público. Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).
“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito administrativo. 3. Criação de cargos em comissão por leis municipais. Declaração de inconstitucionalidade pelo TJRS por violação à disposição da Constituição estadual em simetria com a Constituição Federal. 3. É necessário que a legislação demonstre, de forma efetiva, que as atribuições dos cargos a serem criados se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração. Caráter de direção, chefia e assessoramento. Precedentes do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).
Por isso e diante das
evidentes atribuições burocráticas e profissionais antes referidas, mostra-se
inconstitucional o cargo de provimento em comissão de “Diretor Técnico de Transporte Coletivo” constante dos Anexos II e
VI da Lei nº 1.291/11, do Município da Estância
Turística de Itu.
IV - Pedido liminar
À saciedade demonstrado
o fumus boni iuris, pela
ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos
municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do
Estado de São Paulo é sinal, de per si,
para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se
atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de
difícil reparação, consistente na admissão ilegítima de servidores públicos e
correlata percepção de remuneração à custa do erário.
À luz desta contextura,
requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e
definitivo julgamento desta ação, do cargo de provimento em comissão de “Diretor Técnico de
Transporte Coletivo” constante dos Anexos II e VI da Lei nº 1.291/11, do Município da Estância Turística de Itu.
V – Pedido
Face ao exposto,
requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final,
seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do cargo de provimento em comissão
de “Diretor Técnico de Transporte Coletivo” constante dos Anexos II e VI
da Lei nº 1.291/11, do Município da Estância
Turística de Itu.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal
da Estância Turística de Itu, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São Paulo, 17 de março de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
pss
Protocolado nº 155.226/2016
Interessado: Subprocuradoria-Geral de Justiça Jurídica
Promova-se
a distribuição no egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo desta ação
direta de inconstitucionalidade impugnando do cargo de provimento em comissão
de “Diretor Técnico de Transporte Coletivo” constante dos Anexos II e IV
da Lei nº 1.291/11, do Município da Estância
Turística de Itu,
instruída com o protocolado em epígrafe referido.
São Paulo, 17 de março
de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça