EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado
n. 169.001/16
Ementa: Constitucional. Administrativo.
Ação direta de inconstitucionalidade. Leis nº 744, de 03 de maio de 2000 e nº 930,
de 19 de junho de 2006, do Município de Iacanga. Contratação por tempo
determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse
público. Ausência de excepcionalidade. Prazo de duração excessivo.
Inadmissibilidade do regime celetista. 1. A contratação por tempo
determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse
público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da
hipótese de cabimento. 2. Lei local
que genericamente “disciplina as contratações por tempo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” é
incompatível com o art. 115, X, CE/89, que reproduz o art. 37, IX, CF/88. 3. A descrição de hipóteses que não denotam transitoriedade e a possibilidade
de prorrogação contratual burla o sistema de mérito, compatível com os
princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 da CE/89). 4. Tampouco é razoável a duração de
contratos temporários, aí incluída sua prorrogação, por prazo total que exceda
12 (doze) meses. 5. O regime
da contratação estribada no inciso IX do art. 37 da Constituição Federal ou no
inciso X do art. 115 da Constituição Estadual é administrativo-especial, e não
se admite o celetista.
Regime jurídico administrativo-especial da contratação temporária (art. 111 e
115, II, CE/89).
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 2º, incisos II a IX, e dos arts. 3º (na redação dada pela Lei nº 930, de 19 de junho de 2006) e 4º da Lei nº 744, de 03 de maio de 2000, e da Lei nº 930, de 19 de junho de 2006, ambas do Município de Iacanga, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – OS DISPOSITIVOS NORMATIVOS
IMPUGNADOS
A Lei Municipal nº 744, de 03 de maio de 2000, de Iacanga, “Dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso VIII, Artigo 82, da Lei Orgânica do Município de Iacanga e dá outras providências”, da seguinte maneira, no que interessa:
“(...)
Art. 2º Considera-se necessidade temporária e de excepcional interesse público,
as seguintes situações:
I – assistência a situações de calamidade
pública,
II – assistência a
situações de comoção pública ou emergência;
III – combate a
surtos endêmicos;
IV - campanhas de
saúde pública;
V – implantação de
serviço urgente e inadiável;
VI – execução de
serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica;
VII – execução de
obra certa;
VIII – atividades
finalísticas nas áreas da saúde, educação, pesquisa e saneamento;
IX – atendimento de
convênios firmados pela Administração Pública Municipal.
Art. 3º As contratações serão feitas
por tempo determinado de até 06 (seis) meses, podendo ser prorrogadas uma única
vez por igual período, conforme artigo 443, § 1º, da Consolidação das Leis do
Trabalho – C.L.T.
Art. 4º - As contratações de que
trata esta Lei serão obrigatoriamente pelo regime jurídico da Consolidação das
Leis do Trabalho – CLT, sendo garantido ao contratado todos os direitos
trabalhistas decorrentes, sendo-lhe exigido todas as responsabilidades e
deveres.
(...)”
Editada
posteriormente, a Lei nº 930, de 19 de junho de 2006, também de Iacanga, alterou
a Lei nº 744/2000, a fim de majorar o período de duração da contratação
temporária, senão vejamos:
“Art. 1º - O art. 3º da Lei 744 de 03 de maio de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação: ‘As contratações serão feitas por tempo determinado de até 12 (doze) meses, podendo ser prorrogadas por igual período, conforme art. 443, § 1º da Consolidação das Leis o Trabalho – CLT e inciso IX do art. 37 da Constituição Federal.
Art. 2º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”
Os atos normativos transcritos são inconstitucionais por violação dos arts. 111 e 115, X da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os atos normativos impugnados contrariam
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
Os
preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de
seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera
municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da
Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na
medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete
para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo
Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de
lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes,
31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello,
18-10-2010, DJe 26-10-2010).
Daí decorre a
possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição
Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 37, IX, se a
tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 115, II e X da
Constituição Estadual.
A autonomia municipal é condicionada
pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei
Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na
Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido
pelo art. 144 da Constituição do Estado.
Eventual
ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo
que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município,
não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito
aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm
remissão expressa ao direito estadual.
Os
atos normativos em questão são incompatíveis com os seguintes preceitos da
Constituição Estadual:
“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 -
Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as
fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.
A – AS HIPÓTESES DE
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA
Com
efeito, inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos
no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal) o art.
115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição
da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os
casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público, pois, segundo José dos Santos
Carvalho Filho há três elementos que configuram pressupostos na contratação
temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a
excepcionalidade do interesse público (Manual
de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp.
478-479).
A
obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade
da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento
qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na
excepcionalidade do interesse público.
A
lei local impugnada genericamente é instituída para disciplinar as contratações
por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público, à míngua de qualquer característica excepcional.
Neste
sentido, explica a literatura que:
“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
“trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).
A lei específica não poderá
utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar
conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na
excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).
“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).
Não é somente a
temporariedade de uma atividade que justifica a contratação por tempo
determinado, pois ela pode ser desempenhada por recursos humanos constantes do
quadro de pessoal permanente. Para autorizá-la, é mister que a lei precise a
excepcionalidade da medida. O inciso VI do art. 2º possibilita a contratação
temporária para a execução de serviços transitórios, sem contudo precisar a
excepcionalidade da medida. Transitório ou esporádico é o eventual e não significa obrigatoriamente
extraordinário ou excepcional, o que desalinha do art. 115, X, da Constituição
Estadual.
Ademais, as
situações ventiladas nos incisos II a IX do art. 2º não espelham
extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade
da admissão temporária de pessoal no serviço público, na medida em que traduzem
situações concretas ou abstratas, presentes, passadas ou futuras, da rotina
administrativa, e cuja execução compete, de ordinário, a servidores públicos
titulares de cargos de provimento efetivo. Mencionados dispositivos da lei
local – através de expressões abrangentes e genéricas - autorizam a contratação
temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à
Administração Pública, não configurando situação capaz de legitimar a
contratação por tempo determinado.
Apreciados os preceitos dos incisos II a IX do art. 2º – salvo a calamidade pública – não custa encarecer que situação de emergência, e as hipóteses de comoção pública, surtos endêmicos, campanhas de saúde pública, serviços urgentes e inadiáveis, execução de serviços transitórios e esporádicos, execução de obra certa e atendimento a convênios só legitimarão a contratação por tempo determinado quando houver insuficiência no atendimento com os meios próprios ordinários da Administração e o comprometimento imprevisível de serviços inadiáveis que demande soluções transitórias, em que a provisoriedade (do desempenho) e a excepcionalidade (da situação) inspiram o vínculo efêmero.
A hipótese
contida no inciso VIII, “atividades finalísticas nas áreas da saúde, educação, pesquisa
e saneamento”, confirma claramente a inconstitucionalidade da lei objeto de
impugnação, visto que são serviços essenciais que jamais caracterizarão temporariedade
e excepcionalidade.
B – PRAZO DE
DURAÇÃO DAS CONTRATAÇÕES
A primeira parte do artigo 3º
da Lei nº 744/2000, em seu texto original, fixava que as contratações seriam
feitas por tempo determinado de até 06 meses, podendo ser prorrogadas uma única
vez por igual período, período que era razoável e adequado para o atendimento
de demandas emergenciais.
Ocorre que, editada
supervenientemente, a Lei nº 930/2006 alterou
a redação do mencionado dispositivo de modo a majorar o prazo de duração da
contratação para 12 meses, também prorrogável por igual período. As
contratações, portanto, podem perdurar pelo total de 24 meses.
O prazo de 12
meses, prorrogável por igual período, é excessivo, longo, elástico, não
ostenta qualquer razoabilidade, e denota, ademais, nítida intenção de subversão
à regra da investidura permanente e efetiva em cargo ou emprego públicos
mediante aprovação em prévio concurso público.
A lei de regência da
contratação temporária, além de descrever seus pressupostos (as hipóteses
abstratas de seu cabimento) deve conter a fixação do período necessário de vigência
e eficácia da contratação, que deve ser
curto (Odete Medauar. Direito Administrativo
Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 11. ed., p. 270).
A Suprema Corte deliberou que
é razoável prazo de 12 (doze) meses:
“7) A realização de contratação temporária pela
Administração Pública nem sempre é ofensiva à salutar exigência constitucional
do concurso público, máxime porque ela poderá ocorrer em hipóteses em que não
há qualquer vacância de cargo efetivo e com o escopo, verbi gratia, de
atendimento de necessidades temporárias até que o ocupante do cargo efetivo a
ele retorne. Contudo, a contratação
destinada a suprir uma necessidade temporária que exsurge da vacância do cargo
efetivo há de durar apenas o tempo necessário para a realização do próximo
concurso público, ressoando como razoável o prazo de 12 meses” (STF, ADI
3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014
– g.n.).
No mesmo sentido, o Tribunal
Paulista:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis
2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município
de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e
‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de
necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por lapso
temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a partir
de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão
Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u, g.n.)
Ora, admitir a duração máxima
dos contratos por 24 meses (12 meses, prorrogáveis por igual período) foge da
excepcionalidade exigida pelo constituinte, notadamente por se tratar de situações fáticas contingenciais e
imediatas, o que se nota por exemplo ao analisar o inciso I do artigo 2º da
Lei nº 744/2000: as situações de calamidade pública são justamente temporárias
e não são de efeitos prolongados por tempo superior a 12 (doze) meses.
Seria inimaginável uma
hipótese de calamidade pública com duração de 24 meses (prazo máximo total
fixado pela Lei nº 930/2006). Não se poder olvidar que município conta com seu
quadro de cargos efetivos para atender às demandas que sobrevierem e, além do mais,
um ano é período suficiente para a conclusão de concurso público a fim de
prover novos cargos.
Por isso, requer-se o reconhecimento da
inconstitucionalidade do art. 3º (na redação dada pela Lei nº 930, de 19
de junho de 2006) da Lei nº 744, de 03 de maio de 2000, do Município de Iacanga, que fixou prazo exacerbado
de duração máxima das contratações (total de 24 meses), mantendo-se vigente,
portanto, a redação original do artigo 3º da Lei nº 744/2000 (total de 12
meses).
C – REGIME CELETISTA
Por fim,
verifica-se que a segunda parte do
artigo 3º e o artigo 4º
sujeitaram todos os empregados contratados para o exercício da função
temporária ao regime celetista.
Ocorre que a sujeição dos ocupantes de funções temporárias ao regime celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, os contratos temporários são inconciliáveis com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.
Com efeito, a contratação por tempo determinado serve a necessidade temporária de excepcional interesse público, devendo durar enquanto as circunstâncias que o justificaram persistir.
A inserção dessas funções no regime celetista, portanto, é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do serviço, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).
De fato, o desprovimento da função temporária é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e de conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.
A
subordinação dos servidores públicos temporários ao regime celetista importa em
franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade,
previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição
Estadual.
Enquanto
a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial
dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de
racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando
discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se
presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores
(ética, boa fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da
Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse
público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a
potencialidade de incidência nos atos normativos.
Na
espécie, a lei municipal infringe ambos os princípios. Como a contratação para
serviços temporários constitui exceção à regra constitucional do acesso à
função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura
por outros critérios, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do
vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a
outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo
em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória
(e outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente
imprópria a uma relação jurídica precária e instável.
O
padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a
oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de emprego
temporário, à luz da conformação constitucional que realça a natureza
excepcional e temporária de seu provimento - orientada por força de
ingredientes puramente excepcional de necessidade e interesse público. Em suma,
a sujeição dos servidores temporários ao regime celetista implica intolerável
outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio inadmissível à
vista da natureza da contratação cuja marca eloquente é a instabilidade e
temporariedade ditada por necessidade e interesse público.
Todavia, a contratação de natureza administrativa, cujo regime jurídico é
próprio e diferenciado, não garante aos servidores temporários os direitos
delineados pela Consolidação das Leis do Trabalho. Do mesmo modo, os servidores
temporários não estão sujeitos ao regime jurídico dos servidores públicos
efetivos, contratados por meio de concurso público e detentores de
estabilidade.
O regime da contratação estribada no inciso IX
do art. 37 da Constituição Federal ou no inciso X do art. 115 da Constituição
Estadual, é administrativo-especial, e não se admite o celetista, porque não há
possibilidade, na relação jurídica entre o servidor e o poder público,
permanente ou temporária, de regência senão pela legislação administrativa.
Neste sentido:
“Os servidores temporários não estão
vinculados a um cargo ou emprego público, como explica Maria Sylvia Zanella di
Pietro, mas exercem determinada função, por prazo certo, para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público. O seu vínculo com o Estado
reveste-se, pois, de nítido cunho administrativo, quando mais não seja porque,
como observa Luís Roberto Barroso, ‘não seria de boa lógica que o constituinte
de 1988, ao contemplar a relação de emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a
mesma hipótese no inciso IX, utilizando-se de terminologia distinta” (STF, RE
573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-
“Constitucional. Reclamação. Ação
civil pública. Servidores públicos. Regime temporário. Justiça do Trabalho.
Incompetência. 1. No julgamento da ADI nº 3.395/DF-MC, este Supremo Tribunal
suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da
Constituição Federal (na redação da EC nº 45/04) que inserisse, na competência
da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder
Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem
estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. 2. As contratações
temporárias para suprir os serviços públicos estão no âmbito de relação
jurídico-administrativa, sendo competente para dirimir os conflitos a Justiça
comum e não a Justiça especializada. 3. Reclamação julgada procedente” (RTJ
207/611).
III – Pedido
Face
ao exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que,
ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do
art. 2º, incisos II a IX, e dos arts. 3º (na redação dada pela Lei nº 930, de
19 de junho de 2006) e 4º da Lei nº 744, de 03 de maio de 2000, e da Lei nº
930, de 19 de junho de 2006, ambas do Município de Iacanga.
Requer ainda sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Iacanga, bem como posteriormente citado o douto Procurador-Geral
do Estado para se manifestar sobre os dispositivos normativos impugnados,
protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede
deferimento.
São Paulo, 15 de março de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef/mam
Protocolado n. 169.001/2016
Interessado: Promotoria de
Justiça de Iacanga
Assunto: Inconstitucionalidade do art. 2º, incisos II a IX, e
dos arts. 3º (na redação dada pela Lei nº 930, de 19 de junho de 2006) e 4º da
Lei nº 744, de 03 de maio de 2000, e da Lei nº 930, de 19 de junho de 2006,
ambas do Município de Iacanga.
1. Distribua-se
a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art.
2º, incisos II a IX, e dos arts. 3º (na redação dada pela Lei nº 930, de 19 de
junho de 2006) e 4º da Lei nº 744, de 03 de maio de 2000, e da Lei nº 930, de
19 de junho de 2006, ambas do Município de Iacanga, junto ao Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São
Paulo, 15 de março de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef/mam