EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 172.608/2016

 

 

Ementa:

1) Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade das expressões que denominam os empregos públicos em comissão e efetivos do Departamento Autônomo de Água e Esgoto de Penápolis - DAEP, indicados nos Anexos III a VI da Lei Municipal nº 1.150, de 14 de outubro de 2003, do Município de Penápolis.

2) É inconstitucional a criação de empregos cujas atribuições não estejam descritas em lei. Inadmissível a descrição de atribuições em Regulamento. Princípio da reserva legal absoluta.

3) É inconstitucional a criação de emprego em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem exercidas por servidores afastados de seu respectivo emprego permanente. Desnecessidade de especial vínculo de confiança e lealdade com as diretrizes políticas da autoridade superior a ensejar a possibilidade de criação de emprego público de provimento em comissão.

4) É inconstitucional a criação de empregos em comissão, isto é, de comissionados regidos pela CLT.  

5) Violação aos artigos 111, 115, incisos II e V, e 144, da Constituição Paulista.

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inc. VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inc. IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inc. VI, e no art. 90, inc. III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 172.608/16, que segue anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face: a) das expressões “Diretor Adm. e Financeiro”, “Diretor de Saneam.C.M.Amb.” e “Diretor de Obras e Redes”, todas constantes do Anexo III; b) da expressão “Tesoureiro”, constante do Anexo III – A; c) das expressões “Chefe do Centro de Processamento de Dados”, “Chefe do Serviço de Recursos Humanos”, “Chefe do Serviço de Compras, Almoxarifado e Patrimônio”, “Chefe do Serviço de Contabilidade”, “Chefe do Serviço de Rendas”, “Chefe do Serviço de Cadastro”, “Chefe do Serviço de Apropriação, Controle e Avaliação de Custos”, “Chefe do Serviço de Tratamento de Água e Esgoto”, “Chefe do Serviço de Resíduos Sólidos”, “Chefe do Serviço de Redes”, “Chefe do Serviço de Obras Civis”, “Chefe do Serviço de Mecânica Auto-Motiva e Industrial” constantes do Anexo IV; d) dos Anexos V e VI; e) da expressão “empregos públicos em comissão” constante do art. 3º, caput; f) dos arts. 4º, 6º e 10, todos dispositivos integrantes do da Lei nº 1.150, de 14 de outubro de 2003, bem como, por arrastamento, da Resolução nº 10/94 do Conselho Deliberativo do DAEP, do Município de Penápolis, pelos fundamentos expostos a seguir:

I – INTRODUÇÃO

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo promoveu ação direta de inconstitucionalidade em face das expressões “Assessor Jurídico” e “Assessor Técnico” previstas no art. 2º, § 1º, e nos Anexos II e III da Lei nº 1.150, de 14 de outubro de 2003, do Município de Penápolis (Processo nº 2198464-14.2015.8.26.0000), perante este Tribunal de Justiça.

A ação foi julgada procedente.

Contudo, outros cargos contemplados na mesma lei municipal também padecem de inconstitucionalidade, razão pela qual é movida a presente ação, conforme melhor exposto a seguir. 

II - DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

         A Lei n° 1.150, de 14 de outubro de 2003, do Município de Penápolis, que “Estabelece a estrutura administrativa e o quadro de pessoal do Departamento Autônomo de Água e Esgoto de Penápolis - DAEP” possui, no que interessa, a seguinte redação:

“(...)

Art. 3º - O quadro de pessoal do DAEP é constituído dos empregos públicos permanentes e dos empregos públicos em comissão, com os vencimentos determinados pelas referências e graus indicados nos anexos desta Lei, obedecendo, na tabela de salários, a grade vigente na estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Penápolis.

Art. 4º - Ficam criados os empregos públicos de preenchimento em comissão correspondentes às atividades que complementam o Gabinete do Diretor Presidente, ou de Diretores e Chefias das Unidades Administrativas nas quantidades e referências especificadas nos Anexos III, III-A e IV.

Art. 5º - O Diretor Presidente do DAEP é nomeado pelo Prefeito Municipal, conforme legislação em vigor.

Art. 6º - Os empregos públicos em comissão do DAEP são de livre escolha e dispensa pelo Diretor Presidente.

§ 1º - O servidor do DAEP que vier a ocupar emprego público de preenchimento em comissão ficará afastado de seu respectivo emprego permanente, ressalvando-se o direito de retornar ao emprego de origem, quando desligado do emprego em comissão.

§ 2º - A remuneração do servidor do DAEP que vier a ocupar emprego público em comissão será paga, na seguinte forma:

a)     no caso do anexo III, a diferença salarial existente entre os seus vencimentos e os do emprego público em comissão mais a gratificação correspondente especificada no Anexo II.

b)     No caso do Anexo IV, será acrescida em seus vencimentos a gratificação correspondente, especificada no anexo II.

§ 3º - Fica estabelecido como piso salarial mínimo para a função da Chefia a ref. 2 – G.9.

§ 4º - A gratificação atribuía ao servidor que ocupar função de chefia não se incorporará a seu salário para nenhum efeito legal.

§ 5º - 80% (oitenta por cento) das chefias constantes do anexo IV serão obrigatoriamente preenchidas por servidores do quadro de pessoal do DAEP”.

§ 6º - Os servidores que forem conduzido à função de Diretoria – Nível II ou Chefia – Nível III deverão perceber função gratificada proporcional à carga horária efetivamente cumprida.

(...)

Art. 10 - As competências e atribuições do Gabinete do Diretor, das Assessorias, Serviços e Encarregaturas, bem como dos empregos públicos em comissão e dos empregos públicos permanentes serão definidos através do Regimento Interno a ser aprovado pelo Conselho Deliberativo do DAEP."

        

ANEXO III

QUADRO DE PESSOAL DOS CARGOS EM COMISSÃO DE LIVRE NOMEAÇÃO

Nº de vagas

Denominação do emprego

Ref./Grau

Carga Horária

Forma de nomeação

Requisitos

01

Assessor Jurídico

10-1

Disponível

Livre provimento

Advogado inscrito na OAB / art. 20 da Lei Federal nº 8906/94

01

Assessor Técnico

10-1

Disponível

Livre provimento

Engenheiro Civil, inscrito no CREA

01

Diretor Adm. E Financeiro

09-1

Disponível

Livre provimento

 

01

Diretor de Saneam.C.M.Amb.

09-1

Disponível

Livre provimento

 

01

Diretor de Obras e Redes

09-1

Disponível

Livre provimento

 

 

ANEXO III - A

QUADRO DE PESSOAL DOS CARGOS EM COMISSÃO LIVRE NOMEAÇÃO

Nº de vagas

Denominação do emprego

Ref./Grau

Carga Horária

Forma de nomeação

Requisitos

01

Tesoureiro

09-1

40 horas

Livre provimento

 

 

ANEXO IV

QUADRO DE PESSOAL DAS FUNÇÕES DE CHEFIA

 

Nº de vagas

Denominação das funções gerenciais

Carga horária

Forma de Preenchimento

01

Chefe do Centro de Processamento de Dados

40 horas

 

 

 

 

Livre nomeação do Diretor Presidente devendo 80 (oitenta por cento) dos empregos em comissão, serem preenchidos por funcionário do quadro do DAEP

01

Chefe do Serviço de Recursos Humanos

40 horas

01

Chefe do Serviço de Compras, Almoxarifado e Patrimônio

40 horas

01

Chefe do Serviço de Contabilidade

40 horas

01

Chefe do Serviço de Rendas

40 horas

01

Chefe do Serviço de Cadastro

40 horas

01

Chefe do Serviço de Apropriação, Controle e Avaliação de Custos

40 horas

01

Chefe do Serviço de Tratamento de Água e Esgoto

40 horas

01

Chefe do Serviço de Resíduos Sólidos

40 horas

01

Chefe do Serviço de Redes

40 horas

01

Chefe do Serviço de Obras Civis

40 horas

01

Chefe do Serviço de Mecânica Auto-Motiva e Industrial

40 horas

 

Para completar, o Anexo V abaixo colacionado trouxe a relação de empregos públicos registrados pela CLT, que são providos por concurso público:

 

 

 

E foi completado pelo Anexo VI, que trouxe o plano de carreira do grupo ocupacional administrativo:

Por fim, a Resolução nº 10/94 estabeleceu o Regimento Interno do Departamento Autônomo de Água e Esgoto de Penápolis e cuidou das competências dos Diretores e dos Chefes de Serviço, sendo relevante, em especial, trazer a colação, nesta peça, as atribuições então conferidas aos Diretores:

 

 

III - O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

Os dispositivos legais impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo.

Com efeito, as normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Paulista, in verbis:

“(...)

Art. 5º. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º. É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

(...)

Art. 24.

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1)     Criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração.

(...)

Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

Art. 144- Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”.

III - DOS EMPREGOS PÚBLICOS DO DEPARTAMENTO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO DE PENÁPOLIS

Todos os empregos impugnados – efetivos e em comissão – são inconstitucionais, porque as atribuições não estão definidas em lei, mas em Regimento Interno aprovado pelo Conselho Deliberativo do DAEP.

Com relação aos empregos públicos de preenchimento em comissão, também há outras inconstitucionalidades, pelos seguintes fundamentos: a) pelo que se infere do próprio nome de cada um dos empregos públicos em comissão, as atribuições não expressam funções de chefia, direção ou assessoramento, mas sim funções técnicas, burocráticas, profissionais e ordinárias; b) tais os empregos públicos em comissão estão sujeitos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, a evidenciar a dispensabilidade da relação de confiança.

III - A - DA AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO EM LEI DAS ATRIBUIÇÕES DE TODOS OS EMPREGOS PÚBLICOS

         Nenhum dos empregos públicos permanentes e em comissão contemplados pelos Anexos III, III A, IV, V e VI da Lei nº 1.150/03 possui descrição das respectivas atribuições em lei.

         Ao contrário, a própria lei, em seu art. 10, dispôs que as competências e atribuições dos empregos públicos em comissão e dos empregos públicos permanentes serão definidas por Regimento Interno a ser aprovado pelo Conselho Deliberativo do DAEP.  

Porém, o princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos).

Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor.

Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as correlatas atribuições.

A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Neste sentido, para a criação de cargos ou empregos públicos, é imprescindível lei específica que descreva as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público.

Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal.

A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento.

A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição Federal).

Com maior razão a exigência de reserva legal em se tratando de cargos ou empregos de provimento em comissão, uma vez que serve para mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir atribuições nela descritas desse jaez será legítima e não abusiva nem artificial sua criação e sua forma de provimento.

Quanto aos cargos de provimento efetivo a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito aos direitos dos administrados ao delimitar as competências de cada cargo na organização municipal.

Sobre o tema esse Colendo Órgão Especial já se pronunciou, conforme se verifica na seguinte ementa:

“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM N. 113/07do Município de Peruíbe que alterando o quadro geral dos servidores municipais de que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor, assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento, diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da reserva legal.” (ADIN Rel. Des. Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012)

Inconstitucionais, por conseguinte, os arts. 4º, 6º e 10 e os Anexos III, III - A, IV, V e VI, que cuidaram dos empregos sem, contudo, descrever as respectivas atribuições, por violação aos arts. 5º, 24, § 2º, I, 111 e 115, II e V, da Constituição Estadual, assim como, por arrastamento, a Resolução nº 10/94 do Conselho Deliberativo do DAEP.

III – B - DOS EMPREGOS PÚBLICOS EM COMISSÃO QUE NÃO EXPRESSAM FUNÇÕES DE CHEFIA, DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO

Consoante se infere da leitura dos próprios nomes atribuídos aos empregos públicos em comissão ora impugnados (“Direto Adm. e Financeiro”, “Diretor de Saneam.C.M.Amb.”, “Diretor de Obras e Redes”, “Tesoureiro”, “Chefe do Centro de Processamento de Dados”, “Chefe do Serviço de Recursos Humanos”, “Chefe do Serviço de Compras, Almoxarifado e Patrimônio”, “Chefe do Serviço de Contabilidade”, “Chefe do Serviço de Rendas”, “Chefe do Serviço de Cadastro”, “Chefe do Serviço de Apropriação, Controle e Avaliação de Custos”, “Chefe do Serviço de Tratamento de Água e Esgoto”, “Chefe do Serviço de Resíduos Sólidos”, “Chefe do Serviço de Redes”, “Chefe do Serviço de Obras Civis”, e “Chefe do Serviço de Mecânica Auto-Motiva e Industrial”), assim como da descrição das respectivas atribuições constante do Regimento Interno do Departamento de Água e Esgoto de Penápolis, veiculado por meio de Resolução do Conselho Deliberativo, os referidos empregos apresentam natureza meramente técnica, burocrática, operacional e profissional, que exigem somente o dever comum de lealdade às instituições públicas necessárias a todo e qualquer servidor.

Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos acima transcritos a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a serem desempenhados por quem detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivos aos princípios da moralidade e da impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V, do art. 115, da Constituição Estadual.

Nesse sentido, é inconstitucional a criação de cargos ou empregos públicos de provimento em comissão cujas atribuições sejam de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores efetivos mediante aprovação em concurso público.

A jurisprudência proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008).

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de natureza técnica ou burocrática.

Há, com efeito, implícitos limites à sua criação, porquanto, se assim não fosse, estaria aniquilada na prática a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Prelecionando na vigência da ordem constitucional anterior, mas em magistério plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

Cumpre observar que os empregos públicos mencionados não refletem a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior.

Como bem pontificado em venerando acórdão desse Egrégio Tribunal, verbis:

“A criação de tais cargos [em comissão] é exceção a esta regra geral e tem por finalidade propiciar ao governante o controle de execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta fidelidade às orientações traçadas.

Em sendo assim, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor.

(...)

Tratando-se de postos comuns – de atribuição de natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por servidores regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI 173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).

Os “empregos públicos” criados pelos dispositivos legais ora contestados consubstanciam funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, e, por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos investidos em cargo de provimento efetivo, recrutados após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

No caso em tela, a leitura das atribuições contempladas equivocadamente no Regimento Interno para os empregos de Diretores transcritas nesta peça evidencia que as suas atribuições são eminentemente técnicas e burocráticas, não envolvendo qualquer relação de especial confiança com o Chefe do Poder e alinhamento às suas diretrizes políticas. No mesmo sentido e com maior gravidade, infere-se com relação aos empregos de tesoureiro e chefes de serviço também impugnados, até porque estão, no organograma da autarquia, em posição hierárquica inferior.

III – C – INADMISSIBILIDADE DA ADOÇÃO DO REGIME CELETISTA PARA EMPREGOS COMISSIONADOS.

O provimento em comissão previsto na expressão “empregos públicos em comissão” do art. 3º da Lei Complementar nº 1.150/03 é incompatível com o regime celetista na Administração Pública, porque configura limite à liberdade de provimento e exoneração do cargo a dispensa imotivada onerosa (art. 115, II e V, Constituição Estadual).

O emprego comissionado, isto é, sujeito ao regime celetista é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional, porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade inadmissível, considerando-se a natureza do posto, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

O desprovimento do emprego comissionado é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

A jurisprudência respalda a declaração de inconstitucionalidade:

“4. Além dessa inconstitucionalidade formal, ocorre, também, no caso, a material, pois, impondo uma indenização em favor do exonerado, a norma estadual condiciona, ou ao menos restringe, a liberdade de exoneração, a que se refere o inc. II do art. 37 da C.F.” (STF, ADI 182-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 05-11-1997, v.u., DJ 05-12-1997, p. 63.902).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA PAGA PELOS COFRES PÚBLICOS POR OCASIÃO DA EXONERAÇÃO OU DISPENSA DE QUEM, SEM OUTRO VÍNCULO COM O SERVIÇO PÚBLICO, SEJA OCUPANTE DE FUNÇÃO OU CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE EXONERAÇÃO, ART. 287 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A nomeação para os cargos em comissão é feita sob a cláusula expressa de livre exoneração. A disposição que prevê o pagamento pelos cofres públicos de indenização compensatória aos ocupantes de cargos em comissão, sem outro vínculo com o serviço público, por ocasião da exoneração ou dispensa, restringe a possibilidade de livre exoneração, tal como prevista no art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal. 2. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade e a conseqüente ineficácia do art. 287 da Constituição do Estado de São Paulo, desde a sua promulgação” (STF, ADI 326-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, 13-10-1994, m.v., DJ 19-09-1997, p. 45.526).

Inegável, pois, a violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade (art. 111, Constituição Estadual) e à regra da liberdade de exoneração que domina o provimento em comissão (art. 115, II e V, Constituição Estadual), no tocante apenas aos servidores públicos de provimento comissionado, referidos nos arts. 3º, 4º, 6º e 10 da Lei nº 1.150/2003, de Penápolis.

IV – PEDIDO

Ante o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação direta, a fim de que seja, ao final, julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade: a) das expressões “Diretor Adm. e Financeiro”, “Diretor de Saneam.C.M.Amb.” e “Diretor de Obras e Redes”, todas constantes do Anexo III; b) da expressão “Tesoureiro”, constante do Anexo III – A; c) das expressões “Chefe do Centro de Processamento de Dados”, “Chefe do Serviço de Recursos Humanos”, “Chefe do Serviço de Compras, Almoxarifado e Patrimônio”, “Chefe do Serviço de Contabilidade”, “Chefe do Serviço de Rendas”, “Chefe do Serviço de Cadastro”, “Chefe do Serviço de Apropriação, Controle e Avaliação de Custos”, “Chefe do Serviço de Tratamento de Água e Esgoto”, “Chefe do Serviço de Resíduos Sólidos”, “Chefe do Serviço de Redes”, “Chefe do Serviço de Obras Civis”, “Chefe do Serviço de Mecânica Auto-Motiva e Industrial” constantes do Anexo IV; d) dos Anexos V e VI; e) da expressão “empregos públicos em comissão” constante do art. 3º, caput; f) dos arts. 4º, 6º e 10, todos dispositivos integrantes do da Lei nº 1.150, de 14 de outubro de 2003, do Município de Penápolis, bem como, por arrastamento, da Resolução nº 10/94 do Conselho Deliberativo do DAEP, do Município de Penápolis.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Penápolis, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado, para manifestar-se sobre os atos normativos impugnados.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 Termos em que,

 Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 27 de março de 2017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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Protocolado nº 172.608/16

Interessado: Promotoria de Justiça de Penápolis

Assunto: declaração de inconstitucionalidade de empregos públicos relacionados nos Anexos III a V da Lei nº 1.150, de 14 de outubro de 2003, do Município de Penápolis.

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face: a) das expressões “Diretor Adm. e Financeiro”, “Diretor de Saneam.C.M.Amb.” e “Diretor de Obras e Redes”, todas constantes do Anexo III; b) da expressão “Tesoureiro”, constante do Anexo III – A; c) das expressões “Chefe do Centro de Processamento de Dados”, “Chefe do Serviço de Recursos Humanos”, “Chefe do Serviço de Compras, Almoxarifado e Patrimônio”, “Chefe do Serviço de Contabilidade”, “Chefe do Serviço de Rendas”, “Chefe do Serviço de Cadastro”, “Chefe do Serviço de Apropriação, Controle e Avaliação de Custos”, “Chefe do Serviço de Tratamento de Água e Esgoto”, “Chefe do Serviço de Resíduos Sólidos”, “Chefe do Serviço de Redes”, “Chefe do Serviço de Obras Civis”, “Chefe do Serviço de Mecânica Auto-Motiva e Industrial” constantes do Anexo IV; d) dos Anexos V e VI; e) da expressão “empregos públicos em comissão” constante do art. 3º, caput; f) dos arts. 4º, 6º e 10, todos dispositivos integrantes do da Lei nº 1.150, de 14 de outubro de 2003, do Município de Penápolis, bem como, por arrastamento, da Resolução nº 10/94 do Conselho Deliberativo do DAEP, igualmente do Município de Penápolis, instruída com o protocolado em epígrafe referido.

2.      Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 27 de março de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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