EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 173.623/16

 

                                              

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 260, de 8 de outubro de 2003, e Lei Complementar nº 283, de 8 de abril de 2005, ambas do Município de Cabreúva. Declaração parcial de nulidade sem redução de texto do art. 1º da Lei Complementar nº 260/03 e declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Complementar nº 283/05, para excluir servidores temporários e comissionados do regime celetista. Declaração de inconstitucionalidade dos incisos II e III do art. 17 – hipóteses de contratação temporária –, e das expressões contidas no Anexo ii, que denominam cargos em comissão, todos da mesma lei complementar.1. Sujeição dos cargos de provimento em comissão e dos contratados por prazo determinado ao regime celetista, contrariando a exigência do regime administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (art. 111 da CE/89). 2. A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de cabimento. A descrição de hipóteses genéricas e que não denotam excepcionalidade burla o sistema de mérito, sendo incompatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência. Violação aos art. 111 e 115, X, CE/89, que reproduz o art. 37, IX, CF/88. 3. Cargos de provimento em comissão que não refletem funções de direção chefia e assessoramento. 4. Cargos de “Assessor Jurídico” e “Assessor Legislativo”. As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, 144 da CE/89).

 

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 173.623/2016, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE visando: a) declaração de nulidade parcial sem redução de texto do art. 1º da Lei Complementar n° 260, de 08 de outubro de 2003, para o fim de excluir a sua aplicação aos servidores comissionados e aos servidores contratados por prazo determinado; b) declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Complementar nº 283, de 08 de abril de 2005; c) declaração de inconstitucionalidade dos incisos II e III do art. 17 da Lei Complementar nº 260, de 08 de outubro de 2003; d) declaração de inconstitucionalidade das expressões “Assessor Administrativo”, “Assessor de Comunicação Social”, “Assessor de Coordenação Pedagógica”, “Assessor de Gabinete”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Técnico Legislativo”, “Chefe do Gabinete do Prefeito”, “Comandante da Guarda Municipal”, “Coordenador de Programas Especiais”, “Coordenador de Serviço Administrativo”, “Coordenador de Serviço Divisional”, “Coordenador de Serviço Operacional”, “Diretor Divisional”, “Subcomandante da Guarda Municipal”, “Supervisor de Ensino” e “Vice-Diretor de Escola” contidas no Anexo II, da Lei Complementar nº 260, de 08 de outubro de 2003, inclusive das alterações promovidas pela Lei Complementar nº 283, de 08 de abril de 2005, todos os dispositivos do Município de Cabreúva, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei Complementar n° 260, de 08 de outubro de 2003, do Município de Cabreúva, que “dispõe sobre Regime Jurídico dos Servidores Públicos do Município de Cabreúva”, possui, no que diz respeito ao objeto desta ação, a seguinte redação, verbis:

“Art. 1º. O regime jurídico dos servidores públicos do Município de Cabreúva, conforme a Lei Orgânica do Município, é o constante desta lei e denominar-se-á Regime Jurídico Municipal, vinculado a Consolidação das Leis do Trabalho.

(...)

Art. 3º. São partes integrantes desta Lei Complementar os Anexos:

I – Quadro de Empregados de Provimento Permanente;

II – Quadro de Cargos de Provimento em Comissão;

III – Quadro de Padrão de Vencimentos;

IV – Quadro da Função Gratificada;

V – Quadro de Cargos em Extinção.

Parágrafo único. Os empregos e cargos do Quadro Permanente e Quadro em Comissão, são os constantes do Anexo I e II, desta Lei Complementar e serão única e exclusivamente regidos pelo Regime Jurídico Municipal, vinculados ao Sistema de Previdência Geral do INSS.

(...)

Art. 17. A Administração Pública Municipal poderá efetuar contratação temporária de servidores, obedecido primeiramente à ordem cronológica de aprovação em concurso público em vigência e/ou, através de processo seletivo, para atender as situações excepcionais no interesse público, nos seguintes casos:

I – substituição de titular de emprego permanente, nos afastamentos de férias e licenças de quaisquer naturezas, durante o período de afastamento;

II – execução de obra certa, com prazo de execução até 180 (cento e oitenta) dias;

III – prejuízo dos serviços colocados à disposição da população, tais como limpeza, abastecimento, educação, saúde, segurança, saneamento e transportes, com prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias;

IV – ocorrência de fenômenos naturais, de epidemias, de guerra ou grave perturbação da ordem, declarado estado de emergência ou calamidade pública, com prazo máximo de 60 (sessenta) dias, independente de concurso e/ou processo seletivo.

Parágrafo único. Em hipótese alguma a contratação temporária poderá ser desviada da finalidade, nem ser prorrogada, além dos prazos estabelecidos para cada caso”. (g.n.)

E o Anexo II dispôs, na sua redação original:

 

ANEXO II – QUADRO DE CARGOS DE PROVIMENTO E COMISSÃO – QUADRO SINTÉTICO

CARGO

QTDE.

REF.

ASSESSOR ADMINISTRATIVO

30

C-1

ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

1

C-9

ASSESSOR DE COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA

2

C-2

ASSESSOR DE GABINETE

13

C-9

ASSESSOR JURÍDICO

1

C-11

ASSESSOR TÉCNICO LEGISLATIVO

1

C-9

CHEFE DO GABINETE DO PREFEITO

1

C-12

COMANDANTE DA GUARDA MUNICIPAL

1

C-8

COORDENADOR DE PROGRAMAS ESPECIAIS

4

C-2

COORDENADOR DE SERVIÇO ADMINITRATIVO

15

C-5

COORDENADOR DE SERVIÇO DIVISIONAL

10

C-7

COORDENADOR DE SERVIÇO OPERACIONAL

10

C-4

DIRETOR DIVISIONAL

8

C-11

SUBCOMANDANTE DA GUARDA MUNICIPAL

1

C-5

SUPERVISOR DE ENSINO

2

C-10

VICE-DIRETOR DE ESCOLA

5

C-6

 

No tocante às descrições das atribuições dos cargos, o referido Anexo II estabelece, consoante abaixo trasladado:

Posteriormente, sobreveio a Lei Complementar nº 283, de 08 de abril de 2005, que “dispõe sobre a inclusão de cargos de provimento em comissão, constantes do Anexo II da Lei Complementar nº 260, de 08 de outubro de 2003, e dá outras providências”, ampliando o rol de cargos em comissão:

“Art. 1º - Ficam incluídos, pela presente Lei Complementar, os Cargos de Provimento em Comissão, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, com as seguintes denominações:

Emprego

Criados atualmente

Aumento previsto na presente Lei Complementar

Total

Assessor Administrativo

30

15

45

Coordenador de Programas Especiais

04

05

09

Coordenador de Serviço Administrativo

16

03

19

Coordenador de Serviço Divisional

10

02

12

Coordenador de Serviço Operacional

10

05

15

 

Parágrafo único – Fica alterado o Quadro de Cargos de Provimento em Comissão, do Anexo II, da Lei Complementar nº 260, de 08 de outubro de 2003, com as modificações estabelecidas no caput do presente artigo.

(...)”

 

Os dispositivos legais anteriormente descritos são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

O art. 1º, em parte, no que toca aos servidores contratados temporariamente e aos servidores em comissão, o art. 17, incs. II e III, e o Anexo II, da Lei Complementar nº 260/03, com as alterações introduzidas no Anexo II, pela Lei Complementar nº 283/05, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal por força do art. 144 da Carta Paulista.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:

“(...)

Art. 24 – (...)

§ 2° - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1-    Criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

(...)

Art. 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

(...)

Art. 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado: 

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais; 

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

Art. 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva lei orgânica.

Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

(...)

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

(...)

X- a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público;

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)”

3.     DA FUNDAMENTAÇÃO

3.1.         Aplicação da Consolidação das Leis Trabalhistas aos ocupantes de cargos de provimento em comissão e aos contratados temporários para atender à necessidade temporária de excepcional interesse social

Verifica-se que o art. 1º da Lei Complementar n° 260, de 08 de outubro de 2003, do Município de Cabreúva, ao estabelecer que o regime jurídico dos servidores públicos está vinculado à Consolidação da Leis do Trabalho – CLT, acaba por determinar que os servidores contratados de forma temporária e os servidores ocupantes de cargos de provimento em comissão seguem o regime celetista.

No mesmo sentido, veio o art. 1º da Lei Complementar nº 283, de 08 de abril de 2005, que incluiu cargos de provimento em comissão na lei acima referida, afirmando que são “regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – (CLT)”.

Com relação aos cargos comissionados, a sua sujeição ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho é incompossível com a liberdade de provimento e exoneração inerente a esses plexos, sendo incompatível com o art. 115, II e V, da Constituição Estadual.

A adoção do regime celetista limita a liberdade de provimento e exoneração do cargo à dispensa imotivada onerosa porque fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do cargo.

O regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

O desprovimento do cargo comissionado é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público, o que demonstra, ainda, sua incompatibilidade com os princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público insertos no art. 111 da Constituição Estadual.

A jurisprudência respalda a declaração de inconstitucionalidade:

“4. Além dessa inconstitucionalidade formal, ocorre, também, no caso, a material, pois, impondo uma indenização em favor do exonerado, a norma estadual condiciona, ou ao menos restringe, a liberdade de exoneração, a que se refere o inc. II do art. 37 da C.F.” (STF, ADI 182-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 05-11-1997, v.u., DJ 05-12-1997, p. 63.902).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA PAGA PELOS COFRES PÚBLICOS POR OCASIÃO DA EXONERAÇÃO OU DISPENSA DE QUEM, SEM OUTRO VÍNCULO COM O SERVIÇO PÚBLICO, SEJA OCUPANTE DE FUNÇÃO OU CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE EXONERAÇÃO, ART. 287 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A nomeação para os cargos em comissão é feita sob a cláusula expressa de livre exoneração. A disposição que prevê o pagamento pelos cofres públicos de indenização compensatória aos ocupantes de cargos em comissão, sem outro vínculo com o serviço público, por ocasião da exoneração ou dispensa, restringe a possibilidade de livre exoneração, tal como prevista no art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal. 2. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade e a conseqüente ineficácia do art. 287 da Constituição do Estado de São Paulo, desde a sua promulgação” (STF, ADI 326-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, 13-10-1994, m.v., DJ 19-09-1997, p. 45.526).

No tocante aos servidores contratados temporariamente, é dissonante do art. 115, X, da Constituição Estadual, a adoção do regime celetista para contratação temporária de servidores públicos, por se exigir regime administrativo especial.

O regime de vínculo das funções temporárias é administrativo-especial como deliberado pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 207/611), pois, “os servidores temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como explica Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem determinada função, por prazo certo, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso, ‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX, utilizando-se de terminologia distinta’” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008). Neste sentido:

“CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No julgamento da ADI 3.395-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. 2. Contratações temporárias que se deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime jurídico aplicável às partes figurantes do contrato. Caracterização de vínculo jurídico-administrativo entre contratante e contratados. 3. Procedência do pedido. 4. Agravo regimental prejudicado” (RTJ 209/1084).

“Conflito de competência. 2. Reclamação trabalhista contra Município. Procedência dos pedidos em 1a e 2a instâncias. 3. Recurso de Revista provido para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho, sob fundamento no sentido de que, na hipótese, o contrato é de natureza eminentemente administrativa. Lei Municipal no 2378/89. Regime administrativo-especial. 4. Contrato por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Típica demanda trabalhista contra pessoa jurídica de direito público. Competência da Justiça do Trabalho. Art. 114 da Constituição. Precedentes. 5. Conflito de competência procedente” (RTJ 193/543).

No mesmo sentido discorre a doutrina:

“Ora, a Constituição de 1988 apesar de se referir à contratação como forma de vínculo não pretendeu que a função temporária fosse presidida pelo regime jurídico celetista (contratual e bilateral) que domina os empregos públicos.

O art. 37, IX, impõe um regime administrativo especial, próprio para a contratação temporária, e não que esta adote o regime celetista. A forma de vínculo (bilateral) não se confunde com sua natureza (administrativo-especial e que é unilateral legal), estando superada a polêmica que existia no passado sobre admissão de servidor temporário e contratação de prestação de serviços técnicos especializados.

Se ao agente público não se aplica o regime estatutário (dos servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo após aprovação em concurso público), isso não quer dizer que os servidores temporários se sujeitarão ao regime jurídico celetista, que é contido aos empregados públicos – aqueles investidos em empregos públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Se assim fosse, não haveria necessidade de referência à lei específica.

É essa menção à lei específica que fundamenta a derrogação do direito laboral comum e do direito estatutário geral e aponta para a necessidade de um regime jurídico administrativo especial, porque deve ser peculiar para orientação das relações jurídicas daí decorrentes. A contratação é apenas forma prevista para o vínculo, e não a essência ou o conteúdo do regime jurídico. Além disso, como a adoção do regime celetista na Administração Pública é excepcional, mister a existência de expressa permissão constitucional, e cuja ausência implica interpretar-se interditada.

Como a União é detentora exclusiva da competência legislativa em direito trabalhista (art. 22, I, Constituição de 1988), Estados, Distrito Federal e Municípios estariam impedidos da edição de suas respectivas leis específicas para admissão de contratação temporária, o que implicaria perda de suas autonomias constitucionalmente asseguradas, inclusive pelo art. 37, IX, da Carta Magna. Esse preceito não lhes autorizou a apenas definir as hipóteses de contratação temporária, como pode parecer à primeira vista. A norma constitucional lhes franqueia a definição integral e completa da contratação temporária, o que abrange os contornos de seu regime jurídico. A menção à contratação é apenas a impressão de requisito de forma, não de conteúdo, pois, não significa a adoção do regime jurídico trabalhista (contratual ou celetista)” (Wallace Paiva Martins Junior. Contratação por prazo determinado: comentários à Lei nº 8.745/93, São Paulo: Atlas, 2015, p. 55).

Desta forma, é necessária a declaração de nulidade parcial sem redução de texto do art. 1º da Lei Complementar n° 260, de 08 de outubro de 2003, para o fim de excluir sua aplicação aos servidores comissionados e aos servidores contratados por prazo determinado. Também é necessária a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Complementar nº 283, de 08 de abril de 2005, igualmente para afastar o regime celetista para os cargos comissionados lá referidos.

3.2.         Contratação por tempo determinado fora das hipóteses de excepcionalidade, interesse público e temporariedade

Inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal), o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público.

Sendo assim e segundo José dos Santos Carvalho Filho, há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: 1) a determinabilidade temporal; 2) a temporariedade da função; 3) a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

A obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na excepcionalidade do interesse público.

Todavia, a Lei Complementar nº 260/03, no seu art. 17, incs. II e III, contempla hipóteses de contratações por tempo determinado sem respaldo nos parâmetros delineados pela Constituição Federal, quais sejam: 1) execução de obra certa, com prazo de execução até 180 (cento e oitenta) dias; 2) prejuízo dos serviços colocados à disposição da população, tais como limpeza, abastecimento, educação, saúde, segurança, saneamento e transportes, com prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias.

 Com efeito, a literatura esclarece que:

“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

“trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

Ora, a execução de obra certa e o atendimento a prejuízo dos serviços colocados à disposição da população, tais como limpeza, abastecimento, educação, saúde, segurança, saneamento e transportes, não constituem situações temporárias e de excepcional interesse público de sorte a autorizar a contratação temporária.

Os dispositivos aqui impugnados padecem de generalidade manifesta. A abertura desta cláusula permite todo e qualquer preenchimento, o que não se coaduna com o disposto no art. 115, X da Constituição Estadual, porquanto também acaba por delegar ao Administrador a tarefa – específica do legislador – de definir em concreto as situações que legitimam a contratação temporária.

Também nesse sentido:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).

         Além disso, ambas as hipóteses não espelham extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço público, na medida em que traduzem situações da rotina administrativa e cuja execução compete, de ordinário, a servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo.

Por outras palavras, os citados dispositivos da lei local autorizam a contratação temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à Administração Pública, não configurando situação capaz de legitimar a contratação por tempo determinado.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Art. 2º, incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X e parágrafo único; art. 3º, caput e art. 4º e incisos, da Lei nº 3.155, de 03 de dezembro de 2014, de Itaquaquecetuba, Contratação, por tempo determinado, para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Natureza dos serviços a prestar. Inadmissível quando não se apresentam imprevisíveis ou extraordinários. Prazo máximo de contratação razoável. Próximo do admitido em precedentes do STF. Inconstitucionalidade (art. 111 e art. 115, II e X, CE). Modulação. (art. 27 da Lei nº 9.868/99). Procedente, em parte, a ação, com modulação”. (TJSP, ADI nº 2210.892-28.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Evaristo dos Santos, julgado em 27 de janeiro de 2016, v.u)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u)

Por fim, consigne-se que o tema foi objeto de Repercussão Geral no Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 658.026-MG (Tema nº 612), oportunidade em que se estabeleceu que “nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração”.

A ementa do julgamento tem o seguinte conteúdo:

Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos.

1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, da constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”.

2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente.

3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.

4. É inconstitucional a lei municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a Constituição Federal.” (REX n. 658.026-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, dje 31/10/2014).   

Desse modo, necessária a declaração de inconstitucionalidade das mencionadas hipóteses de contratação temporária.

3.3.         Dos cargos públicos em comissão que não expressam funções de chefia, direção e assessoramento, nos termos das Constituições Estadual e Federal

Consoante se infere da apreciação das atribuições dos cargos públicos em comissão ora impugnados (“Assessor Administrativo”, “Assessor de Comunicação Social”, “Assessor de Coordenação Pedagógica”, “Assessor de Gabinete”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Técnico Legislativo”, “Chefe do Gabinete do Prefeito”, “Comandante da Guarda Municipal”, “Coordenador de Programas Especiais”, “Coordenador de Serviço Administrativo”, “Coordenador de Serviço Divisional”, “Coordenador de Serviço Operacional”, “Diretor Divisional”, “Subcomandante da Guarda Municipal”, “Supervisor de Ensino” e “Vice-Diretor de Escola”), os referidos cargos apresentam natureza meramente técnica, burocrática, operacional e profissional, que exigem somente o dever comum de lealdade às instituições públicas necessárias a todo e qualquer servidor.

Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos acima transcritos a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a serem desempenhados por quem detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivos aos princípios da moralidade e da impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V, do art. 115, da Constituição Estadual.

Nesse sentido, é inconstitucional a criação de cargos ou empregos públicos de provimento em comissão cujas atribuições sejam de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores efetivos mediante aprovação em concurso público.

A jurisprudência proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008).

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de natureza técnica ou burocrática.

Há, com efeito, implícitos limites à sua criação, porquanto, se assim não fosse, estaria aniquilada na prática a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Prelecionando na vigência da ordem constitucional anterior, mas em magistério plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

Cumpre observar que os cargos públicos mencionados não refletem a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior.

Como bem pontificado em venerando acórdão desse Egrégio Tribunal, verbis:

“A criação de tais cargos [em comissão] é exceção a esta regra geral e tem por finalidade propiciar ao governante o controle de execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta fidelidade às orientações traçadas.

Em sendo assim, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor.

(...)

Tratando-se de postos comuns – de atribuição de natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por servidores regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI 173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).

Em suma, a análise das atribuições evidencia que as competências exigidas são eminentemente técnicas e burocráticas, não envolvendo qualquer relação de especial confiança com o Chefe do Poder e alinhamento às suas diretrizes políticas.

Aliás, o número total de cargos comissionados criados pela lei, na maior parte dos casos impugnados, constitui mais outro fator a evidenciar a ausência da necessidade de peculiar relação de confiança exigida de seu ocupante. Lembre-se que foram criados: 1) 45 cargos de Assessor Administrativo; 2) 19 cargos de Coordenador de Serviço Administrativo; 3) 15 cargos de Coordenador de Serviço Operacional; 4) 13 cargos de Assessor de Gabinete; 5) 12 cargos de Coordenador de Serviço Divisional; 6) 9 cargos de Coordenador de Programas Especiais; 7) 8 cargos de Diretor Divisional.  

Em suma, é de rigor o reconhecimento da inconstitucionalidade dos cargos referidos.

3.4.         Cargos em comissão de “Assessor Jurídico” e “Assessor Técnico Legislativo”

Os cargos em comissão de “Assessor Jurídico” e “Assessor Técnico Legislativo”, para completar, não se harmonizam com os arts. 98 a 100, da Constituição Paulista - que se reportam ao modelo traçado no art. 132, da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual -, de observância obrigatória pelos Municípios, por força do art. 144, da Constituição Estadual.

Com efeito, as atividades de advocacia pública e suas respectivas chefias são reservadas a profissionais investidos em cargos públicos, mediante prévia aprovação em concurso público.

Nesse sentido, decidiu o E. Supremo Tribunal Federal, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

4.                DO PEDIDO

Diante do exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação direta, a fim de que seja, ao final, julgada procedente, com:

a) declaração de nulidade parcial sem redução de texto do art. 1º da Lei Complementar n° 260, de 08 de outubro de 2003, para o fim de excluir a sua aplicação aos servidores comissionados e aos servidores contratados por prazo determinado;

b) declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Complementar nº 283, de 08 de abril de 2005;

c) declaração de inconstitucionalidade dos incisos II e III do art. 17 da Lei Complementar nº 260, de 08 de outubro de 2003;

d) declaração de inconstitucionalidade das expressões “Assessor Administrativo”, “Assessor de Comunicação Social”, “Assessor de Coordenação Pedagógica”, “Assessor de Gabinete”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Técnico Legislativo”, “Chefe do Gabinete do Prefeito”, “Comandante da Guarda Municipal”, “Coordenador de Programas Especiais”, “Coordenador de Serviço Administrativo”, “Coordenador de Serviço Divisional”, “Coordenador de Serviço Operacional”, “Diretor Divisional”, “Subcomandante da Guarda Municipal”, “Supervisor de Ensino” e “Vice-Diretor de Escola” contidas no Anexo II, da Lei Complementar nº 260, de 08 de outubro de 2003, inclusive das alterações promovidas pela Lei Complementar nº 283, de 08 de abril de 2005, todos os dispositivos do Município de Cabreúva.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Cabreúva, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre os atos normativos impugnados.

 Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 27 de março de 2017.

 

    Gianpaolo Poggio Smanio

     Procurador-Geral de Justiça

pss


Protocolado nº 173.623/16

Interessado: Município de Cabreúva

Objeto: representação para controle de constitucionalidade na legislação que rege os cargos em comissão e a contratação temporária do Poder Executivo de Cabreúva

 

 

1. Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, visando: a) declaração de nulidade parcial sem redução de texto do art. 1º da Lei Complementar n° 260, de 08 de outubro de 2003, para o fim de excluir a sua aplicação aos servidores comissionados e aos servidores contratados por prazo determinado; b) declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Complementar nº 283, de 08 de abril de 2005; c) declaração de inconstitucionalidade dos incisos II e III do art. 17 da Lei Complementar nº 260, de 08 de outubro de 2003; d) declaração de inconstitucionalidade das expressões “Assessor Administrativo”, “Assessor de Comunicação Social”, “Assessor de Coordenação Pedagógica”, “Assessor de Gabinete”, “Assessor Jurídico”, “Assessor Técnico Legislativo”, “Chefe do Gabinete do Prefeito”, “Comandante da Guarda Municipal”, “Coordenador de Programas Especiais”, “Coordenador de Serviço Administrativo”, “Coordenador de Serviço Divisional”, “Coordenador de Serviço Operacional”, “Diretor Divisional”, “Subcomandante da Guarda Municipal”, “Supervisor de Ensino” e “Vice-Diretor de Escola” contidas no Anexo II, da Lei Complementar nº 260, de 08 de outubro de 2003, inclusive das alterações promovidas pela Lei Complementar nº 283, de 08 de abril de 2005, todos os dispositivos do Município de Cabreúva, a ser instruída com cópia do presente protocolado.

2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

3. Oficie-se, ainda, à Câmara Municipal de Cabreúva solicitando-se: a) a remessa do texto e de cópia de seu processo legislativo da Lei Complementar nº 298, de 31 de maio de 2007 e de demais diplomas legislativos a ela relacionados, que digam respeito a cargos e comissão; b) informações sobre sua vigência e eventuais alterações.

 

São Paulo, 27 de março de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

pss