EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº
170.750/2016
Ementa:
1)
Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafo
único do art. 3º da Lei nº 6.854, de 18 de outubro de 2.016, do Município de Bauru,
de iniciativa parlamentar, que “Dispõe
sobre a implantação de coleta seletiva de resíduos sólidos em condomínios
horizontais. edifícios verticais residenciais e loteamentos fechados no
Município de Bauru e dá outras providências”.
2) Encontra-se na reserva da Administração e na iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo a instituição de programas, campanhas e serviços administrativos, bem como a organização e regulamentação dos serviços públicos prestados direta ou indiretamente.
3) Violação do princípio da separação de poderes (arts. 5º; 24, § 2º, 2; 47, II, XIV e XIX; 119, 120 e 144, da Constituição do Estado).
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no
art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de
1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso
IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90,
inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 170.750/2016), que segue como anexo),
vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do parágrafo único do art. 3º da Lei nº
6.854, de 18 de outubro de 2.016, do Município de Bauru, pelos seguintes
fundamentos:
1. ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O
protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade
foi instaurado a partir de representação do 3º Promotor de Justiça de Bauru (fls.
02/06).
O
parágrafo único do art. 3º da Lei
nº 6.854, de 18 de outubro de 2.016, do Município de Bauru, de iniciativa
parlamentar, que “Dispõe sobre a
implantação de coleta seletiva de resíduos sólidos em condomínios horizontais.
edifícios verticais residenciais e loteamentos fechados no Município de Bauru e
dá outras providências”, tem a seguinte redação:
“(...)
Art. 3º (...)
Parágrafo único. A SEMMA - Secretaria Municipal do Meio Ambiente poderá credenciar associações, cooperativas, empresas, pública, ou privadas, para o recolhimento dos resíduos secos (recicláveis).
O
dispositivo legal transcrito é verticalmente incompatível com nosso ordenamento
constitucional, como será demonstrado a seguir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
O
ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, viola a iniciativa
reservada ao Chefe do Poder Executivo e, consequentemente, ofende, o princípio
separação de poderes, previsto nos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, 119 e 120
da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da
Carta Paulista:
“(...)
Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
(...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)
XIX - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;
(...)
Artigo 119 - Os serviços concedidos ou permitidos ficarão sempre sujeitos à regulamentação e fiscalização do Poder Público e poderão ser retomados quando não atendam satisfatoriamente aos seus fins ou às condições do contrato.
Parágrafo único - Os serviços de que trata este artigo não serão subsidiados pelo Poder Público, em qualquer medida, quando prestados por particulares.
Artigo 120 - Os serviços públicos serão remunerados por tarifa previamente fixada pelo órgão executivo competente, na forma que a lei estabelecer.
(...)
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
A
matéria disciplinada pelo ato normativo impugnado encontra-se no âmbito da
atividade administrativa do município, cuja organização, funcionamento e
direção superior cabem ao Prefeito Municipal, com auxílio dos Secretários
Municipais.
Importante
ressaltar que a coleta seletiva é instrumento da Política Nacional de Resíduos
Sólidos, estando os Municípios obrigados a implantá-la nos termos do art. 25 da
Lei nº 12.305/2010.
No
entanto, a forma pela qual o Poder Público Municipal se organizará para
proceder a coleta seletiva dos resíduos sólidos consiste em matéria
exclusivamente relacionadas à Administração Pública, a cargo do Chefe do
Executivo, porque disciplina a forma e condições da prestação de serviço
público.
Assim, o dispositivo legal impugnado atribui, ainda que de forma facultativa, competência a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (art. 3º, parágrafo único).
Trata-se
de previsão de atividades nitidamente administrativas, representativas de atos
de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais
coletivas, vinculadas aos direitos fundamentais. Assim, privativas do Poder
Executivo e inseridas na esfera do poder discricionário da administração.
Não
dizem respeito, evidentemente, a atividades que se sujeitam à disciplina
legislativa. Logo, o Poder Legislativo não pode através de lei ocupar-se da
administração, sob pena de se permitir que o legislador administre invadindo
área privativa do Poder Executivo.
Quando
o Poder Legislativo do Município edita lei (ou, como no presente caso, parte
dela) que disciplina a atuação administrativa, invade, indevidamente, esfera
que é própria da atividade do administrador público, violando o princípio da
separação de poderes.
Cabe
essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a
respeito da conveniência e da oportunidade da criação e implantação de
programas e disciplina dos serviços públicos em benefício dos cidadãos.
Trata-se de atuação administrativa, fundada em escolha política de gestão, na
qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.
A
inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de
poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts.
5º, 47, II, XIV e XIX, a, 119, 120 e 144).
É
pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe
primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento,
organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De
outro lado, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar
leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo
pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a
harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º)
extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara,
realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais,
que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também
toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou
do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos
órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado
pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada
por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006,
p. 708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
normas que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.
A
matéria tratada nos dispositivos questionados encontra-se na órbita da chamada
reserva da administração, que reúne as competências próprias de administração e
gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e IX da Constituição
Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144), pois
privativas do Chefe do Poder Executivo.
Ainda
que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria
típica de gestão municipal, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder
Executivo, mesmo quando ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do
art. 47, XIX, da Constituição Estadual.
Assim,
a Lei, ao regulamentar, ainda que parcialmente, um serviço público, de um lado,
viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção
da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria
essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art.
24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.
Criar
programas e disciplinar serviços públicos – precisamente o que se verifica na
hipótese em exame - são matérias exclusivamente relacionadas à Administração
Pública, a cargo do Chefe do Executivo.
3. DO PEDIDO
Diante de
todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade do Parágrafo único do art. 3º da Lei nº 6.854, de 18 de
outubro de 2.016, do Município de Bauru.
Requer-se
ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor
Prefeito Municipal de Bauru, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral
do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos em
que,
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 21 de março de 2015.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca
Protocolado nº
170.750/2016
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face do Parágrafo único do art. 3º da Lei nº 6.854, de 18 de outubro de 2.016, do Município de Bauru.
2. Não se vislumbra inconstitucionalidade da integralidade da Lei nº 6.854/16, uma vez que estabelece regras de proteção ao meio ambiente, cuja iniciativa legislativa está na esfera concorrente do Legislativo e do Executivo. De outro lado, a coleta seletiva, instrumento da Política Nacional de Resíduos Sólidos (art. 8º, III da Lei nº 12.305/2010), é obrigação dos Municípios por serem responsáveis pela efetividade das ações voltadas para assegurar a observância da Política Nacional de Resíduos Sólidos e das diretrizes e demais determinações estabelecidas na Lei nº 12.305/2010 (art. 25).
3. Comunique-se a propositura da ação ao interessado, com cópia da presente manifestação.
4. Cumpra-se.
São Paulo, 28 de março de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca