Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente
do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado nº 169.825/16
Constitucional.
Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos III, VI, VII, do
art. 2º, expressão “e entrevista” do § 4º do art. 3º, expressão “exceção feita
somente ao item VII, cujo limite se estenderá ao tempo de duração do convênio,
não podendo, entretanto, ultrapassar à 24 meses” do art. 4º, expressão “ou, não
existindo a semelhança, às condições do mercado de trabalho” do art. 5º, e art.
6º, da Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, Lei n. 2.134, de 25 de julho de
2003, § 5º do art. 3º Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, na redação da Lei
n. 2.260, de 30 de maio de 2005, arts. 3º e 4º da Lei n. 2.762, de 05 de maio
de 2011, do Município de Guararapes. Servidores Públicos. Contratação por tempo
determinado para atendimento de necessária temporária de excepcional interesse
público. Contratação para campanhas de saúde pública, epidemias e surtos, necessidade
de pessoal para reavaliação e recadastramento imobiliário e fiscal, e
necessidade de pessoal em decorrência de convênios celebrados com órgãos
Estadual ou Federal. Inexistência de atendimento de necessidade temporária de
excepcional interesse público. Processo de contratação. Entrevista. Caráter
subjetivo. Discrepância com o princípio de impessoalidade. Prazo. Extensão
vinculada à duração de convênio. Remuneração. Mercado de trabalho. Violação à
reserva de lei e ao princípio da separação de poderes. Regime jurídico.
Consolidação das Leis do Trabalho. Inadmissibilidade. Regime jurídico
administrativo. Redução da limitação temporal à recontratação. Permissão de
contratação temporária durante o prazo de vigência de concurso público. Burla à
regra do concurso público e ofensa aos princípios de razoabilidade, moralidade
e impessoalidade. Inexistência de atendimento de necessidade temporária de
excepcional interesse público.
1. Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, do Município de Guararapes, que arrola como hipóteses de contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público campanhas de saúde pública, epidemias e surtos, reavaliação e recadastramento imobiliário e fiscal, convênios com órgãos estaduais ou federais (art. 2º, III, VI e VII), não atende ao art. 115, X, CE/89, por não haver demonstração de efetiva excepcionalidade determinada e específica.
2. Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, do Município de Guararapes, cuja expressão “e entrevista” do § 4º do art. 3º (inclusive na redação dada pela Lei n. 2.134, de 25 de julho de 2003) é permeável à introdução de elementos subjetivos no processo de contratação, distanciando-se do princípio da impessoalidade (art. 111, CE/89).
3. Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, do Município de Guararapes, cujo caput do art. 4º, in fine, é excessivo ao admitir a duração, na contratação de pessoal temporário em decorrência de convênios com órgãos públicos, a extensão temporal do ajuste, limitada a 24 (vinte e quatro) meses, e não se conforma com a transitoriedade reclamada (art. 115, X, CE/89).
4. Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, do Município de Guararapes, cuja expressão “ou, não existindo a semelhança, às condições do trabalho” do art. 5º possibilita a fixação de remuneração de servidores temporários à margem da reserva de lei, violando a separação de poderes (arts. 5º e 24, § 2º, 1, CE/89).
5. Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, do Município de Guararapes, adotando regime celetista na contratação de pessoal temporário (art. 6º) é incompatível com o regime administrativo especial resultante do art. 115, X, CE/89.
6. Lei n. 2.134, de 25 de julho de 2003, que altera o § 2º do art. 4º da Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, do Município de Guararapes, reduzindo o interstício proibitivo de recontratação de 18 (dezoito) meses para 180 (cento e oitenta) dias, discrepa dos princípios de razoabilidade, moralidade e impessoalidade e da regra do concurso público (arts. 111 e 115, II, CE/89).
7. Lei n. 2.260, de 30 de maio de 2005, que acrescenta o § 5º ao art. 3º da Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, do Município de Guararapes, violando o princípio da razoabilidade (art. 111, CE/89), a regra do concurso público (art. 115, II, CE/89) e a excepcionalidade da contratação de pessoal temporário (art. 115, X, CE/89) ao prever que “existindo concurso público em vigência para a função a ser contratada nos termos desta lei, poderá ser utilizado os candidatos nele habilitados, sem prejuízo de seus direitos quando do preenchimento da vaga do emprego permanente do respectivo concurso”.
8. Lei n. 2.762, de 05 de maio de 2011, que alterando o § 2º do art. 4º da Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, na redação dada pela Lei n. 2.134, de 25 de julho de 2003, do Município de Guararapes, mantém a redução da limitação temporal à recontratação (art. 3º) e ao acrescentar parágrafo único ao art. 6º da Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, preserva o regime celetista (art. 4º), é acoimada de incompatibilidade com os arts. 111 e 115, II e X, CE/89.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições
(artigo 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734/93; artigos 125, §2º, e
129, IV, da Constituição Federal; artigos 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso
Protocolado n. 169.825/16, vem perante esse egrégio Tribunal de Justiça
promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face dos incisos
III, VI, VII, do art. 2º, da expressão “e entrevista” do § 4º do art. 3º, da expressão
“exceção feita somente ao item VII, cujo limite se estenderá ao tempo de
duração do convênio, não podendo, entretanto, ultrapassar à 24 meses” do art.
4º, da expressão “ou, não existindo a semelhança, às condições do mercado de
trabalho” do art. 5º, e do art. 6º, da Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, da
Lei n. 2.134, de 25 de julho de 2003, do § 5º do art. 3º Lei n. 2.063, de 07 de
junho de 2002, na redação da Lei n. 2.260, de 30 de maio de 2005, e dos arts.
3º e 4º da Lei n. 2.762, de 05 de maio de 2011, do Município de Guararapes, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I
- OS atoS normativoS impugnadoS
1. A Lei n. 2.063, de 07
de junho de 2002
A
Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, do Município de Guararapes, foi editada
para disciplinar as contratações por tempo determinado para atendimento de
necessidade temporária de excepcional interesse público.
De
particular interesse para esta ação os seguintes preceitos dessa lei:
Art. 2º As contratações nos termos desta lei somente poderão ocorrer em casos de:
..............................................................................................
III – campanhas de saúde pública, epidemias e surtos;
..............................................................................................
VI – necessidade de pessoal para reavaliação e recadastramento imobiliário e fiscal;
VII – necessidade de pessoal em decorrência de convênios celebrados com órgãos Estadual ou Federal.
Art. 3º .................................................................................
§ 4º A contratação de pessoal, nos casos dos inciso II, IV, V e VI, poderá ser efetivada mediante análise do “curriculum vitae” e entrevista.
Art. 4º As contratações serão feitas pelo tempo estritamente necessário para atender às hipóteses elencadas no artigo anterior, observado o prazo máximo de 180 dias para os itens I a VI, exceção feita somente ao inciso VII, cujo limite se estenderá ao tempo de duração do convênio, não podendo, entretanto, ultrapassar à 24 meses.
..............................................................................................
§ 2º É vedada a contratação da mesma pessoa, ainda que em serviços diferentes, pelo prazo de 18 (dezoito) meses a contar do término do contrato.
.............................................................................................
Art. 5º A remuneração do pessoal contratado nos termos desta Lei será feita em importância não superior ao valor da remuneração constante do quadro de cargos e salários do serviço público Municipal, para servidores que desempenhem função semelhante, ou, não existindo a semelhança, às condições do mercado de trabalho.
.............................................................................................
Art. 6º As contratações serão efetuadas pelo regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho. (sic)
2. A Lei n. 2.134, de 25 de julho de 2003
A Lei n. 2.134, de 25 de julho de
2003, alterou em parte a Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, corrigindo
imprecisão no § 4º do art. 3º com a inclusão da expressão “do artigo 2º”, e
modificou o § 2º do art. 4º reduzindo a proibição de recontratação de 18
(dezoito) meses para 180 (cento e oitenta) dias. Eis sua redação:
Art. 1º O § 4º do artigo 3º e o § 2º do artigo 4º da Lei nº 2.063, de 07 de junho de 2002, que regulamenta a contratação temporária de servidores, nos termos do artigo 37, inciso IX da Constituição Federal, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 3º (...)
§ 4º A contratação de pessoal, nos casos dos
incisos II, IV, V e VI, do artigo 2º poderão ser efetivadas mediante análise do
“curriculum vitae” e “entrevista”.
Art. 4º (...)
§ 2º É vedada a contratação da mesma pessoa, ainda que em serviços diferentes, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar do término do contrato.” (sic)
3. A Lei n. 2.260, de 30 de maio de 2005
A
Lei n. 2.260, de 30 de maio de 2005, incluiu o § 5º ao art. 3º da Lei n. 2.063,
de 07 de junho de 2002, in verbis:
Art. 1º Fica incluído ao artigo 3º da Lei nº 2.063, de 07 de junho de 2002, que regulamenta a contratação temporária de servidores, nos termos do artigo 37, Inciso IX, da Constituição Federal, um § 5º, com a seguinte redação:
“Art. 3º (...)
§ 5º Existindo concurso público em vigência para a função a ser contratada nos termos desta lei, poderá ser utilizado os candidatos nele habilitados, sem prejuízo de seus direitos quando do preenchimento da vaga do emprego permanente do respectivo concurso.” (sic)
4. A Lei n. 2.762, de
05 de maio de 2011
A
Lei n. 2.762, de 05 de maio de 2011, a par de incluir inciso VIII e parágrafo
único ao art. 2º e § 6º ao art. 6º da Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002,
alterou o § 2º do art. 4º dessa lei e deu nova redação ao art. 6º dessa lei em
seus arts. 3º e 4º, in verbis:
Art. 3º O § 2º do artigo 4º da Lei 2.063, de 07 de junho de 2002, a qual regulamenta a contratação temporária de servidores, nos termos do artigo 37, inciso IX da Constituição Federal, com a redação introduzida pela Lei 2.134, de 25 de julho de 2003, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 4º (...)
§ 2º É vedada a contratação da mesma pessoa, ainda que em serviços diferentes, antes de decorrido o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar do término do contrato, exceção às contratações de profissionais da área da educação – docentes, as quais poderão ser repetidas dentro do ano letivo, para as contratações inferiores a 30 (trinta) dias, desde que a somatória dos dias trabalhados no ano letivo não ultrapasse a 180 (cento e oitenta) dias.”
Art. 4º O Artigo 6º da Lei 2.063, de 07 de junho de 2002, a qual regulamenta a contratação temporária de servidores, nos termos do artigo 37, inciso IX da Constituição Federal, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 6º As contratações nos termos desta
Lei, serão efetuadas pelo regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho.
Parágrafo Único – Excetua-se do disposto
neste artigo, as contratações efetuadas com base no inciso VIII do artigo 2º,
quando inferiores a 30 (trinta) dias, hipótese em que serão de natureza
administrativa, ficando assegurado aos contratados os seguintes direitos:
I – jornada de trabalho igual ao do docente
substituído;
II – Vencimento igual ao do padrão básico do
docente substituído; e
III – Inscrição no Regime Geral da
Previdência Social.” (sic)
II – O PARÂMETRO DA
FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE
A
Constituição Federal assegura aos Municípios autonomia, mas, determina-lhes
respeito aos princípios da própria Constituição Federal e da Constituição
Estadual (art. 29). A Constituição do Estado de São Paulo em atenção ao art. 29
da Constituição da República assim dispõe:
Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
Destarte,
as Constituições Federal e Estadual preordenam o exercício da autonomia
municipal.
Os
preceitos e diplomas legais acima destacados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de
São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a
previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal, porque são
incompatíveis com o disposto nos arts. 5º, 24, § 2º, 1, 111 e 115, X, da Constituição
do Estado de São Paulo que assim preceituam:
Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.
§ 2º - O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.
..............................................................................................
Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
............................................................................................
§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;
..............................................................................................
Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
.............................................................................................
Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
..............................................................................................
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
..............................................................................................
X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.
1. As hipóteses de
contratação temporária de pessoal
Os incisos III, VI, VII, do art. 2º da
Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, arrolam hipóteses de contratação por tempo determinado para
atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, que
contrariam o inciso X do art. 115 da Constituição Federal.
Campanhas de
saúde pública, epidemias e surtos, reavaliação e recadastramento imobiliário e
fiscal, convênios com órgãos estaduais ou federais, não têm ontologicamente os
requisitos de transitoriedade e excepcionalidade e constituem expressões
amplas, genéricas e indeterminadas que não demonstram efetiva excepcionalidade
determinada e específica, como exige o parâmetro constitucional.
A
contratação por tempo determinado, para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público se destina ao
suprimento de necessidade administrativa em face de “circunstâncias que compelem a Administração
Pública a adotar medidas de caráter emergencial para atender a necessidades
urgentes e temporárias e que desobrigam, por permissivo constitucional, o
administrador público de realizar um concurso público para a contratação
temporária” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014), sendo, portanto, exigível, para além de outros
requisitos, que a contratação tenha como meta o atendimento de necessidade
temporária e que esta se qualifique por excepcional interesse público.
Tampouco é possível afirmar
aprioristicamente que as contratações por tempo determinado para campanhas de
saúde pública, epidemias e surtos sejam hábeis para atendimento de necessidade
de excepcional interesse público.
Campanhas de saúde pública, como as de vacinação em prol de grupos
vulneráveis (sarampo, gripe etc.) são episódicas, porém não são excepcionais,
incomuns ou extraordinárias. Surtos e epidemias podem ocorrer, porém, não são
suficientes por si próprios para indicar a excepcionalidade da medida se não
for agregada à insuficiência de recursos humanos no quadro de pessoal da
entidade ou do órgão da Administração Pública.
A amplitude, a indeterminação,
e a vagueza das expressões permitem aninhar em seu pressuposto qualquer
campanha de saúde pública, surto e epidemia sem indicação de seu caráter
transitório e extraordinário e da impossibilidade de sua consecução pelo emprego
dos recursos humanos ordinários dos quadros da Administração. Tem-se que é “inconstitucional
a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de
educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância
e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária
subjacente” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).
Idêntica premissa se estende à reavaliação
e recadastramento imobiliário e fiscal, e aos convênios com órgãos estaduais ou
federais. A revisão de dados para efeito do lançamento de tributos é atividade
periódica, porém, ordinária da Administração Pública, a ser desempenhada pela
mão-de-obra investida em cargos ou empregos públicos de seu quadro de pessoal.
A execução de convênios celebrados com outras esferas públicas não introduz
excepcionalidade ou transitoriedade porque a cooperação governamental é comum e
a sua celebração implica apoio para desempenho de atividades públicas próprias
e permanentes do Município ou que a ele foram delegadas. Acórdão deste colendo
Órgão Especial afirma que não anima a contratação temporária o genérico
atendimento a objetivos resultantes de quaisquer convênios ou consórcios porque
não se presta ao serviço de atividades administrativas permanentes:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PERMITIDA GENERICAMENTE, PARA
CONVÊNIOS CELEBRADOS ENTRE O MUNICÍPIO E A UNIÃO OU MUNICÍPIO E ESTADO. MEDIDA
EXCEPCIONAL INAPLICÁVEL A FUNÇÕES DE NATUREZA PERMANENTE. MOLÉSTIA AO PRECEITO
DO INCISO X DO ARTIGO 115 DA CONSTITUIÇÃO PAULISTA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA. AÇÃO PROCEDENTE” (TJSP, ADI 990.10.196095-8, Órgão Especial, Rel.
Des. Renato Nalini, v.u., 17-11-2010).
Regra
constitucional é a admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração
Pública mediante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e
títulos, como estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o
art. 37, II, da Constituição Federal. Ressalvada a investidura em cargos de
provimento em comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa
regra.
A
Constituição Estadual no art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37,
IX, da Constituição da República, possibilitando limitada, residual e
excepcionalmente a admissão de pessoal por tempo determinado em razão de
necessidade administrativa transitória de excepcional interesse público. Não é
qualquer interesse público que autoriza a contratação temporária – que
constitui outra exceção à regra do concurso público – somente aquele que
veicula uma necessidade do aparelho administrativo na prestação de seus
serviços, devendo, ademais, concorrer a excepcionalidade desse interesse
público, a temporariedade da contratação e a submissão à previsão legal,
notadamente pela imprevisibilidade e extraordinariedade da situação e a
impossibilidade de a Administração Pública acorrê-lo com meios próprios e
ordinários de seu quadro de recursos humanos.
A
admissão de pessoal a termo, portanto, deve objetivar situações anormais,
urgentes, incomuns e extraordinárias que molestem as necessidades
administrativas, não se admitindo dissimulação na investidura em cargos ou
empregos públicos à margem do concurso público e para além das ressalvas constitucionais,
pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três elementos que configuram
pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a
temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
A
lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e
indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja
possível conceber na excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).
“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).
“É
inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação
temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema
penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja
demonstração da necessidade temporária subjacente” (STF, ADI
3.469-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe
30-10-2014).
Em
outras palavras, “empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse
público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas
comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores” (José dos Santos
Carvalho Filho. Manual de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
A
admissibilidade da contratação por tempo determinado visa ao “suprimento de
pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e
presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo
atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto,
com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria
atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é
temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo
quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária,
mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento
temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por
não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem
insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira
de Mello. Curso de Direito Administrativo,
São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).
Em
síntese, como deliberou o Supremo Tribunal Federal:
“3. À luz do
conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição da República e da
jurisprudência firmada por esta Suprema Corte em sede de Repercussão Geral (RE
658.026, Relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 31.10.2014),
a contratação temporária reclama os seguintes requisitos para sua
validade: (i) os casos excepcionais devem estar previstos em lei; (ii)
o prazo de contratação precisa ser predeterminado; (iii) a
necessidade deve ser temporária; (iv) o interesse público deve ser
excepcional; (iv) a necessidade de contratação há de ser
indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários
permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências
normais da Administração, mormente na ausência de uma necessidade temporária”
(STF, ADI 5.163-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux. 08-04-2015, v.u., DJe
18-05-2015).
2. Entrevista no
processo de contratação
A
expressão “e entrevista” do § 4º do art. 3º da Lei n. 2.063, de 07 de junho de
2002 (inclusive na redação dada pela Lei n. 2.134, de 25 de julho de 2003), é
permeável à introdução de elementos subjetivos no processo de contratação,
distanciando-se do princípio da impessoalidade, constante do art. 111 da
Constituição Estadual.
Embora
no contexto da lei impugnada ela se refira à dispensa do processo seletivo previsto
no § 3º do art. 3º, a entrevista introduz na seleção ingrediente de alta dose
de subjetividade, permissivo de escolhas arbitrárias, abusivas e
desigualitárias pela Administração Pública, movidas por interesses pessoais,
partidários, filosóficos, religiosos etc. de seus agentes.
3. Duração da
contratação em decorrência de convênios
Se
a primeira parte do caput do art. 4º
da Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, estabelece como regra a duração da
contratação de pessoal temporário por 180 (cento e oitenta) dias, a segunda
parte institui exceção relativamente a convênios com órgãos públicos estadual e
federal de maneira a estender sua vigência à duração do ajuste, embora limitada
a 24 (vinte e quatro) meses.
A
norma do caput do art. 4º, in fine, é excessiva e não se conforma
com a transitoriedade elementar à contratação por tempo determinado para
atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público e,
portanto, contrasta com o inciso X do art. 115 da Constituição do Estado de São
Paulo.
Com
efeito, “para que se efetue a contratação temporária, é necessário
que não apenas seja estipulado o prazo de contratação em lei,
mas, principalmente, que o serviço a ser prestado revista-se do caráter da
temporariedade” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).
Ora,
cuida-se de largo interstício e não é devida a vinculação do prazo do ajuste à
duração do pessoal destinado à sua execução.
4. Remuneração à margem
da reserva de lei
Se
a primeira parte do art. 5º da Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, estabelece
a identidade da remuneração do servidor temporário com a do cargo ou emprego
semelhantes na Administração Pública, a expressão in fine “ou, não existindo a semelhança, às condições do trabalho”,
é incompatível com os princípios de separação dos poderes e da reserva absoluta
de lei da remuneração dos servidores públicos latu sensu.
É
da reserva absoluta de lei a fixação da remuneração devida aos ocupantes de
cargos, funções e empregos públicos - aí se incluindo os servidores contratados
por tempo determinado porque investidos em função pública temporária - não
podendo ser livre, flexível e variável às condições do mercado.
Além
disso, ao se exigir a reserva de lei o parâmetro constitucional aponta como
sede escorreita e exclusiva para tanto o Poder Legislativo – ainda que a
respectiva iniciativa legislativa pertença ao Chefe do Poder Executivo. Ora, a
fórmula legal municipal implica, na prática, a delegação para o Chefe do Poder
Executivo fixar, à míngua de lei e por ato próprio, o valor da remuneração, o
que tampouco se compatibiliza com a divisão funcional do poder.
Portanto,
a expressão “ou, não existindo a semelhança, às condições do trabalho” do art.
5º da Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, é incompatível com os arts. 5º e
24, § 2º, 1, da Constituição Estadual.
5. Adoção do regime celetista
O
art. 6º da Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, em sua redação original e na
que foi incluída pelo art. 4º da Lei n. 2.762, de 05 de maio de 2011, adota
regime celetista na contratação de pessoal temporário, o que é incompatível com
o regime administrativo especial resultante do art. 115, X, da Constituição Estadual.
O
regime de vínculo das funções temporárias é administrativo-especial como
deliberado pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 207/611), pois, “os servidores
temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como explica
Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem determinada função, por prazo
certo, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.
O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho administrativo,
quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso, ‘não seria de
boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de emprego no
art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX, utilizando-se de
terminologia distinta’” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008). Neste sentido:
“CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR NA ADI
3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO
TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No julgamento da ADI 3.395-MC, este Supremo
Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da
CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do
Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus
servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de
caráter jurídico-administrativo. 2. Contratações temporárias que se
deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime
jurídico aplicável às partes figurantes do contrato. Caracterização de vínculo
jurídico-administrativo entre contratante e contratados. 3. Procedência do
pedido. 4. Agravo regimental prejudicado” (RTJ 209/1084).
“Conflito de competência. 2. Reclamação trabalhista contra Município. Procedência dos pedidos em 1a e 2a instâncias. 3. Recurso de Revista provido para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho, sob fundamento no sentido de que, na hipótese, o contrato é de natureza eminentemente administrativa. Lei Municipal no 2378/89. Regime administrativo-especial. 4. Contrato por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Típica demanda trabalhista contra pessoa jurídica de direito público. Competência da Justiça do Trabalho. Art. 114 da Constituição. Precedentes. 5. Conflito de competência procedente” (RTJ 193/543).
No mesmo sentido discorre a doutrina:
“Ora, a Constituição de 1988 apesar de se referir à contratação como forma de vínculo não pretendeu que a função temporária fosse presidida pelo regime jurídico celetista (contratual e bilateral) que domina os empregos públicos.
O art. 37, IX, impõe um regime administrativo especial, próprio para a contratação temporária, e não que esta adote o regime celetista. A forma de vínculo (bilateral) não se confunde com sua natureza (administrativo-especial e que é unilateral legal), estando superada a polêmica que existia no passado sobre admissão de servidor temporário e contratação de prestação de serviços técnicos especializados.
Se ao agente público não se aplica o regime estatutário (dos servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo após aprovação em concurso público), isso não quer dizer que os servidores temporários se sujeitarão ao regime jurídico celetista, que é contido aos empregados públicos – aqueles investidos em empregos públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Se assim fosse, não haveria necessidade de referência à lei específica.
É essa menção à lei específica que fundamenta a derrogação do direito laboral comum e do direito estatutário geral e aponta para a necessidade de um regime jurídico administrativo especial, porque deve ser peculiar para orientação das relações jurídicas daí decorrentes. A contratação é apenas forma prevista para o vínculo, e não a essência ou o conteúdo do regime jurídico. Além disso, como a adoção do regime celetista na Administração Pública é excepcional, mister a existência de expressa permissão constitucional, e cuja ausência implica interpretar-se interditada.
Como a União
é detentora exclusiva da competência legislativa em direito trabalhista (art.
22, I, Constituição de 1988), Estados, Distrito Federal e Municípios estariam
impedidos da edição de suas respectivas leis específicas para admissão de
contratação temporária, o que implicaria perda de suas autonomias
constitucionalmente asseguradas, inclusive pelo art. 37, IX, da Carta Magna.
Esse preceito não lhes autorizou a apenas definir as hipóteses de contratação
temporária, como pode parecer à primeira vista. A norma constitucional lhes
franqueia a definição integral e completa da contratação temporária, o que
abrange os contornos de seu regime jurídico. A menção à contratação é apenas a
impressão de requisito de forma, não de conteúdo, pois, não significa a adoção
do regime jurídico trabalhista (contratual ou celetista)” (Wallace Paiva
Martins Junior. Contratação por prazo
determinado: comentários à Lei nº 8.745/93, São Paulo: Atlas, 2015, p. 55).
6. Redução do limite
temporal da proibição de recontratação
A
Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, previa no § 2º de seu art. 4º que:
É vedada a contratação da mesma pessoa, ainda que para serviços diferentes, pelo prazo de 18 (dezoito) meses a contar do término do contrato.
A
Lei n. 2.134, de 25 de julho de 2003, alterou o § 2º do art. 4º da Lei n.
2.063, de 07 de junho de 2002, reduzindo o interstício proibitivo de
recontratação de 18 (dezoito) meses para 180 (cento e oitenta) dias.
E
o art. 3º da Lei n. 2.762, de 05 de maio de 2011, alterando a regra manteve o
prazo.
A
redução do prazo – que, por exemplo, nem encontra paralelo no inciso III do
art. 9º da Lei n. 8.745/93, cujo prazo é de 24 (vinte e quatro) meses –
contraria os princípios de razoabilidade, moralidade e impessoalidade e da
regra do concurso público, inscritos nos arts. 111 e 115, II, da Constituição
do Estado de São Paulo.
Ela
permite a recontratação de pessoas recrutadas para serviços de prazo
determinado vencido diminuto interstício, possibilitando que em 06 (seis) meses
sejam contratados novamente sem critério objetivo e razoável algum, baseados na
escolha amplamente discricionária dos dirigentes e gestores públicos, abrindo
oportunidades a toda sorte de mazelas como o apadrinhamento, o filhotismo, o
amiguismo etc. em detrimento da ética que deve presidir os negócios públicos, e
por fim, facilita a permanência – ainda que descontínua – de pessoas no
exercício de função pública investidas à margem do sistema de mérito albergado
na regra do provimento de cargos ou empregos públicos permanentes mediante
aprovação em concurso público.
Trata-se
de medida que não apresenta adequação, necessidade e proporcionalidade ao
interesse público, sendo salutar exatamente o contrário – a instituição de
interstício de maior dimensão para evitar recontratações. A norma contém excesso
e contraria cânones como bom senso, lógica e racionalidade, o que a torna
incompatível com o princípio de razoabilidade previsto no art. 111 da
Constituição Paulista.
7. Burla à regra do
concurso público
O
sistema de mérito orienta a investidura de pessoas físicas em cargos ou
empregos públicos permanentes mediante aprovação em concurso público. Esta é a
regra e as exceções correm por conta dos cargos de provimento em comissão e das
contratações por tempo determinado.
A
Lei n. 2.260, de 30 de maio de 2005, acrescenta o § 5º ao art. 3º da Lei n.
2.063, de 07 de junho de 2002, prevendo que “existindo concurso público em
vigência para a função a ser contratada nos termos desta lei, poderá ser
utilizado os candidatos nele habilitados, sem prejuízo de seus direitos quando
do preenchimento da vaga do emprego permanente do respectivo concurso”.
O
preceito viola a regra do concurso público, contida no art. 115, II, da
Constituição Estadual, exatamente porque desprestigia a aprovação no concurso
público para provimento de cargos ou empregos públicos ao permitir que, durante
o prazo de validade do certame, os candidatos habilitados sejam aproveitados
mediante contratação por tempo determinado.
Se
a Administração Pública instaurou o concurso público e obteve seu resultado é
porque tem necessidade do provimento de vagas, não sendo razoável que o
postergue ad libitum et infinitum a
investidura mantendo contratações por tempo determinado para atendimento de
necessidade temporária de excepcional interesse público, coarctando o
provimento definitivo das vagas.
Não
se pode obnubilar que a jurisprudência da Suprema Corte assenta, no ponto, a
existência de direito subjetivo à nomeação e posse em cargo ou emprego público
decorrente de aprovação em concurso público se a Administração Pública insiste
na manutenção de contratação temporária de pessoal, como se verifica da ementa
do julgado abaixo transcrita:
“AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL E
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. 1. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE
VAGAS: DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. 2. CONTRATAÇÃO
TEMPORÁRIA. PRETERIÇÃO DE CANDIDATO. BURLA AO PRINCÍPIO DO CONCURSO
PÚBLICO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. O candidato aprovado
dentro do número de vagas previsto no Edital de concurso público tem direito
subjetivo à nomeação durante o prazo de validade do concurso. Tema
cuja repercussão geral foi reconhecida. Precedente. 2. A contratação
temporária de pessoal, no período de validade do concurso público,
configura preterição do candidato aprovado e intolerável burla ao princípio do
concurso público” (STF, AgR-ARE 816.455-RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia,
05-08-2014, v.u., DJe 18-08-2014).
Verifica-se,
ainda, a desconformidade com o princípio da razoabilidade, constante do art.
111 da Constituição Estadual. A medida não se apresenta adequada, necessária e
proporcional ao interesse público, configurando excesso repugnante ao bom
senso, à lógica, à racionalidade.
Além
disso, a hipótese não se ajusta à excepcionalidade e à transitoriedade da
contratação de pessoal temporário, vulnerando o inciso X do art. 115 da
Constituição Paulista. Ora, como assentado na jurisprudência, “para que se
efetue a contratação temporária, é necessário que não apenas seja
estipulado o prazo de contratação em lei, mas, principalmente,
que o serviço a ser prestado revista-se do caráter da temporariedade” (STF, ADI
3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe
23-10-2009), característica não vislumbrada na norma impugnada.
III – PEDIDO
Face ao exposto, requer-se o
recebimento e processamento da presente ação, para que ao final seja julgada
procedente, declarando a inconstitucionalidade dos incisos III, VI, VII, do art. 2º, da expressão “e entrevista”
do § 4º do art. 3º, da expressão “exceção feita somente ao item VII, cujo
limite se estenderá ao tempo de duração do convênio, não podendo, entretanto,
ultrapassar à 24 meses” do art. 4º, da expressão “ou, não existindo a
semelhança, às condições do mercado de trabalho” do art. 5º, e do art. 6º, da
Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, da Lei n. 2.134, de 25 de julho de 2003, do
§ 5º do art. 3º Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, na redação da Lei n.
2.260, de 30 de maio de 2005, e dos arts. 3º e 4º da Lei n. 2.762, de 05 de
maio de 2011, do Município de Guararapes.
Requer-se, ainda, sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal e à Prefeitura Municipal de
Guararapes, bem como, em seguida, citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se
sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente, aguarda-se vista para fins
de manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 31 de março
de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
wpmj
Protocolado nº 169.825/16
Interessado: 1º Promotor de Justiça de
Guararapes
Objeto: representação para controle de
constitucionalidade de leis do Município de Guararapes
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade impugnando os incisos III, VI, VII, do art. 2º, a expressão “e entrevista” do § 4º do art. 3º, a expressão “exceção feita somente ao item VII, cujo limite se estenderá ao tempo de duração do convênio, não podendo, entretanto, ultrapassar à 24 meses” do art. 4º, a expressão “ou, não existindo a semelhança, às condições do mercado de trabalho” do art. 5º, e o art. 6º, da Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, a Lei n. 2.134, de 25 de julho de 2003, o § 5º do art. 3º Lei n. 2.063, de 07 de junho de 2002, na redação da Lei n. 2.260, de 30 de maio de 2005, e os arts. 3º e 4º da Lei n. 2.762, de 05 de maio de 2011, do Município de Guararapes, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 31 de março de
2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
wpmj