EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº
172.736/2016
Ementa: Ação
direta de inconstitucionalidade. Art. 155, Incisos II, III, V e VI, e expressão
“efetuadas pelo Regime da Consolidação das Leis do Trabalho- C.L.T.” constante
no art. 158, ambos da Lei Complementar n° 140, de 04 de abril de 2008, do
Município de Tupã. Incisos II, III e IV do Art. 40 da Lei Complementar n° 202,
de 21 de junho de 2011, do Município de Tupã. Contratação por tempo determinado
para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público.
Ausência de excepcionalidade. Inadmissibilidade do regime celetista. 1. Sujeição dos contratados por prazo
determinado ao regime celetista, contrariando a exigência do regime
administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (art.
111 e 115, II, da CE/89). 2. A
contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de
excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o
caráter excepcional da hipótese de cabimento. 3. Lei local que genericamente disciplina as contratações por
tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional
interesse público é incompatível com o art. 115, X, CE/89, que reproduz o art.
37, IX, CF/88. 4. A descrição de
hipóteses que não denotam transitoriedade burla o sistema de mérito, sendo,
pois, incompatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e
eficiência (art. 11 da CE/89). 5.
Contratação temporária de professores para ministrar aulas em situações
genéricas e que não demonstram emergencialidade, por não consistirem em
ocorrências alheias ao controle da Administração Pública, cuja superveniência
pode resultar em desaparelhamento transitório do corpo docente. A descrição de
hipóteses genéricas e que não denotam transitoriedade burla o sistema de
mérito, sendo incompatível com os princípios da isonomia, moralidade,
impessoalidade e eficiência. Violação aos art. 111 e 115, X, CE/89, que reproduz
o art. 37, IX, CF/88.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da
atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº
734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, §
2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74,
inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo,
com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº
172.736/2016, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE visando a
declaração de inconstitucionalidade dos incisos II, III, V e VI do art. 155 e
da expressão “efetuadas pelo Regime da
Consolidação das Leis do Trabalho – C.L.T.” constante no art. 158 da Lei
Complementar n° 140, de 04 de abril de 2008, e dos incisos II, III e IV do art.
40 da Lei Complementar n° 202, de 21 de junho de 2011, ambas do Município de
Tupã, pelos fundamentos expostos a seguir:
1.
DOS ATOS NORMATIVOS
IMPUGNADOS
A Lei Complementar n° 140, de 04 de abril de 2008, do Município de Tupã, que “Disciplina o Regime Jurídico Estatutário, Quadro de Pessoal e o novo Sistema Remuneratório para os servidores e dá outras providências”, possui, no que diz respeito ao objeto desta ação, a seguinte redação, verbis:
“(...)
TÍTULO V
Da Contratação Temporária de Mão de
Obra
Art. 155. As contratações somente poderão ocorrer nos casos
de:
(...)
II- campanhas de saúde pública;
III- implantação de serviço urgente e inadiável;
(...)
V- execução de serviços absolutamente transitórios e de
necessidade esporádica;
VI- execução direta de obra determinada.
(...)
Art. 158. As contratações de que trata este título,
obrigatoriamente, serão efetuados pelo
Regime da Consolidação das Leis do Trabalho – C.L.T., vinculados ao Regime
Geral de Previdência Social.
(...)”. (fl. 22) – grifo nosso.
Por seu turno, a Lei
Complementar n° 202, de 21 de junho de 2011, do Município de Tupã, que “Dispõe sobre o Quadro de Pessoal, Estatuto
e Plano de Carreira do Magistério Público Municipal e dá outras providências”, possui,
no que diz respeito ao objeto desta ação, a seguinte redação:
“(...)
CAPÍTULO X
Da Função Docente Temporária
Art. 40. As
designações para função docente temporária serão realizadas por tempo
determinado para exercer as atribuições dos cargos de docentes, e serão
precedidas de justificativas, devendo ser realizadas:
(...)
II – para ministrar
aulas quando seu número reduzido não justifique a criação de cargos;
III – para
reger classes, bem como ministrar aulas provenientes de cargos vagos ou que
ainda não tenham sido criados;
IV – para ministrar aulas de reforço escolar ou adequação curricular.
(...)”. (fl.
72).
Os dispositivos legais anteriormente descritos são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.
2. O parâmetro da fiscalização abstrata de
constitucionalidade
A expressão “efetuadas pelo Regime da Consolidação das Leis do Trabalho – C.L.T.” constante no art. 158 da Lei Complementar n° 140/2008 – ao possibilitar a aplicação do regime celetista aos ocupantes de funções temporários – os incisos II, III, V e VI do art. 155 da Lei Complementar n° 140/2011, e os incisos II, III e IV do art. 40 da Lei Complementar n° 202/2011, ambas do Município de Tupã, ao possibilitar a contratação temporária para hipóteses genéricas, sem demonstrar o traço de emergência que a justificam, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal por força do art. 144 da Carta Paulista.
As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, verbis:
“(...)
Artigo 111 - A administração
pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado,
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e
eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da
administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou
mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das
seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou
de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado
em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
X- a lei
estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender à
necessidade temporária de excepcional interesse público;
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)”
3.
DA FUNDAMENTAÇÃO
3.1.
Aplicação da Consolidação
das Leis Trabalhistas aos contratados temporários para atender à necessidade
temporária de excepcional interesse social
Verifica-se que a expressão “efetuadas pelo Regime da Consolidação das
Leis do Trabalho- C.L.T.” constante no art. 158 da Lei Complementar n° 140,
de 04 de abril de 2008, do Município de Tupã, prevê a aplicação da Consolidação
das Leis Trabalhistas (CLT) à contratação temporária para atender à necessidade
temporária de excepcional interesse público.
Ocorre que a sujeição dos ocupantes de funções temporárias ao regime celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, os contratos temporários são inconciliáveis com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.
Com efeito, a contratação por tempo determinado serve à necessidade temporária de excepcional interesse público, devendo durar enquanto as circunstâncias que o justificaram persistirem.
A inserção dessas funções no regime celetista, portanto, é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompatível com a natureza do serviço, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).
De fato, o desprovimento da função temporária é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e de conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.
A subordinação dos servidores públicos temporários ao
regime celetista importa em franca violação aos princípios jurídicos da
moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e
no art. 111 da Constituição Estadual.
Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle
da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade
aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc.,
interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a
moralidade se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores
superiores (ética, boa-fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação
da Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse
público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a
potencialidade de incidência nos atos normativos.
Na espécie, a lei municipal infringe ambos os princípios.
Como a contratação para serviços temporários constitui exceção à regra
constitucional do acesso à função pública (lato
sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por outros
critérios, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como
elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de
prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta
que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória (e
outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente
imprópria a uma relação jurídica precária e instável.
O padrão ordinário, normal e regular, advindo da
Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da
exoneração de emprego temporário, à luz da conformação constitucional que
realça a natureza excepcional e temporária de seu provimento - orientada por
força de ingredientes puramente excepcionais de necessidade e interesse
público. Em suma, a sujeição dos servidores temporários ao regime celetista implica
intolerável outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio
inadmissível à vista da natureza da contratação cuja marca eloquente é a
instabilidade e a temporariedade ditada por necessidade e interesse público.
Todavia,
a contratação de natureza administrativa, cujo regime jurídico é próprio e
diferenciado, não garante aos servidores temporários os direitos delineados
pela Consolidação das Leis do Trabalho. Do mesmo modo, os servidores
temporários não estão sujeitos ao regime jurídico dos servidores públicos
efetivos, contratados por meio de concurso público e detentores de
estabilidade.
O
regime da contratação estribada no inciso IX do art. 37 da Constituição Federal
ou no inciso X do art. 115 da Constituição Estadual, é administrativo-especial,
e não se admite o celetista, porque não há possibilidade, na relação jurídica
entre o servidor e o poder público, permanente ou temporária, de regência senão
pela legislação administrativa. Neste sentido:
“Os servidores temporários não
estão vinculados a um cargo ou emprego público, como explica Maria Sylvia
Zanella di Pietro, mas exercem determinada função,
por prazo certo, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho
administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso,
‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de
emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX,
utilizando-se de terminologia distinta” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-
“Constitucional. Reclamação. Ação civil pública.
Servidores públicos. Regime temporário. Justiça do Trabalho. Incompetência. 1.
No julgamento da ADI nº 3.395/DF-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e
qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da Constituição Federal (na
redação da EC nº 45/04) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a
apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele
vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter
jurídico-administrativo. 2. As contratações temporárias para suprir os serviços
públicos estão no âmbito de relação jurídico-administrativa, sendo competente
para dirimir os conflitos a Justiça comum e não a Justiça especializada. 3.
Reclamação julgada procedente” (RTJ 207/611).
Desse modo, requer-se a declaração de inconstitucionalidade da expressão “efetuadas pelo Regime da Consolidação das Leis do Trabalho- C.L.T.” constante no art. 158 da Lei Complementar n° 140, de 04 de abril de 2008, do Município de Tupã, por violação aos artigos 111 e 115, X, da Constituição Paulista.
3.2.
Contratação
temporária em hipóteses que não denotam excepcionalidade, interesse público e
temporariedade – incisos II, III, V e VI do art. 155 da Lei Complementar n°
140, de 04 de abril de 2.008 e incisos II, III e IV do art. 40 da Lei
Complementar n° 202, de 21 de junho de 2.011, ambas do Município de Tupã.
Inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal) o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho, há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
A obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na excepcionalidade do interesse público.
Neste sentido, explica a literatura que:
“(...)
empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado,
a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem
ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a
excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio
regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
“trata-se,
aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da
normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas
em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e
temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...)
situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por
razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a
criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público),
ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda
que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido,
‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso,
sem que suas delongas deixem insuprido o interesse
incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São
Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).
Não é somente a temporariedade de uma atividade que
justifica a contratação por tempo determinado, pois ela pode ser desempenhada
por agentes públicos constantes do quadro de pessoal permanente. Para
autorizá-la, é mister que a lei precise a excepcionalidade da medida.
Os incisos II e VI do art. 155 possibilitam a
contratação temporária nos casos de “campanhas de saúde pública” e “execução
direta de obra determinada”, vale dizer, para a execução de serviços
transitórios, sem contudo, precisar a excepcionalidade da medida.
Transitório ou esporádico é o eventual e não significa obrigatoriamente
extraordinário ou excepcional, o que desalinha do art. 115, X, da Constituição
Estadual.
Isto
é, não espelham extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência a fundamentar
a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço público, na medida
em que traduzem situações concretas ou abstratas, presentes, passadas ou
futuras, da rotina administrativa, e cuja execução compete, de ordinário, a
servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. Mencionados
dispositivos da lei local – através de expressões abrangentes e genéricas -
autorizam a contratação temporária para a prestação de serviços públicos que
tipicamente incumbem à Administração Pública, não configurando situação capaz
de legitimar a contratação por tempo determinado.
Não custa ressaltar que situação de emergência, e as hipóteses de comoção pública, surtos endêmicos, campanhas de saúde pública, serviços urgentes e inadiáveis, execução de serviços transitórios e esporádicos, execução de obra certa e atendimento a convênios só legitimarão a contratação por tempo determinado quando houver insuficiência no atendimento com os meios próprios ordinários da Administração e o comprometimento imprevisível de serviços inadiáveis que demande soluções transitórias, em que a provisoriedade (do desempenho) e a excepcionalidade (da situação) inspiram o vínculo efêmero.
As hipóteses previstas nos incisos III e V do art. 155 da LC
140/2008 – “implantação de serviço
urgente e inadiável” e “execução de
serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica” –
confirmam claramente a inconstitucionalidade da lei objeto de impugnação, visto
que são hipóteses extremamente genéricas.
Ora, a lei específica não poderá utilizar de cláusulas
amplas, genéricas e indeterminadas. Ao contrário, deve empregar conceitos que
consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade. Neste
sentido, recentemente o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº
3.721-CE, estabeleceu:
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
LEI COMPLEMENTAR 22/2000, DO ESTADO DO CEARÁ. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE
PROFESSORES DO ENSINO BÁSICO. CASOS DE LICENÇA. TRANSITORIEDADE DEMONSTRADA.
CONFORMAÇÃO LEGAL IDÔNEA, SALVO QUANTO A DUAS HIPÓTESES: EM QUAISQUER CASOS DE AFASTAMENTO TEMPORÁRIO (ALÍNEA “F” DO ART.
3º). PRECEITO GENÉRICO. IMPLEMENTAÇÃO DE PROJETOS DE ERRADICAÇÃO DO
ANALFABETISMO E OUTROS (§ ÚNICO DO ART. 3º). METAS CONTINUAMENTE EXIGÍVEIS.
1. O artigo 37, IX, da Constituição exige complementação
normativa criteriosa quanto aos casos de “necessidade temporária de excepcional
interesse público” que ensejam contratações sem concurso. Embora recrutamentos
dessa espécie sejam admissíveis, em tese, mesmo para atividades permanentes da
Administração, fica o legislador sujeito ao ônus de especificar, em cada caso,
os traços de emergencialidade que justificam a medida atípica.
2. A Lei Complementar 22/2000, do Estado do Ceará, autorizou
a contratação temporária de professores nas situações de “a) licença para
tratamento de saúde; b) licença gestante; c) licença por motivo de doença de
pessoa da família; d) licença para trato de interesses particulares; e ) cursos
de capacitação; e f) e outros afastamentos que repercutam em carência de
natureza temporária”; e para “fins de implementação de projetos educacionais,
com vistas à erradicação do analfabetismo, correção do fluxo escolar e
qualificação da população cearense” (art. 3º, § único). 3. As hipóteses
descritas entre as alíneas “a” e “e” indicam ocorrências alheias ao controle da
Administração Pública cuja superveniência pode resultar em desaparelhamento
transitório do corpo docente, permitindo reconhecer que a emergencialidade está
suficientemente demonstrada. O mesmo não se pode dizer, contudo, da hipótese
prevista na alínea “f” do art. 3º da lei atacada, que padece de generalidade
manifesta, e cuja declaração de inconstitucionalidade se impõe.
4. Os projetos educacionais previstos no § único do artigo 3º
da LC 22/00 correspondem a objetivos corriqueiros das políticas públicas de
educação praticadas no território nacional. Diante da continuada
imprescindibilidade de ações desse tipo, não podem elas ficar à mercê de
projetos de governo casuísticos, implementados por meio de contratos
episódicos, sobretudo quando a lei não tratou de designar qualquer contingência
especial a ser atendida.
5. Ação
julgada parcialmente procedente para declarar inconstitucionais a alínea “f” e
o § único do art. 3º da Lei Complementar 22/00, do Estado do Ceará, com efeitos
modulados para surtir um ano após a data da publicação da ata de julgamento.
(ADI nº 3.271-CE, Rel. Min. Teori Zavascki, j.
09.06.16)
O mesmo se pode dizer quanto
às hipóteses de contratação temporária de docentes inscritas nos incisos II,
III e IV do art. 40 da Lei Complementar n° 202, de 21 de junho de 2.011 – “para ministrar aulas quando seu número
reduzido não justifique a criação de cargos”, “para reger classes, bem como
ministrar aulas provenientes de cargos vagos ou que ainda não tenham sido
criados” e “para ministrar aulas de
reforço escolar ou adequação curricular”. A abertura destas cláusulas
permitem todo e qualquer preenchimento, o que não se coaduna com o disposto no
art. 115, X da Constituição estadual, porquanto também acaba por delegar ao
Administrador a tarefa – específica do legislador – de definir em concreto
situações que legitimam a contratação temporária.
Também nesse sentido:
“CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX.
Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida
no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação
temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e
genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática
que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder
interessado na contratação estabelecer os casos de contratação:
inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada
procedente” (RTJ 192/884).
É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em
julgados desse E. Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Dispositivos da Lei nº 3.581,
de 20 de novembro de 2013, que disciplina as contratações por tempo determinado
no Município de Adamantina. Ausência do requisito de necessidade temporária de
excepcional interesse público, reportando-se a norma a atividades regulares e
corriqueiras. Repercussão geral reconhecida no STF (Tema nº 612).
Inconstitucionalidade reconhecida. Ação procedente, com modulação”. (TJSP, ADI nº
2069047-08.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Tristão Ribeiro, julgado em 26
de agosto de 2015, v.u)
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Dispositivos da Lei nº 214/2000
do Município de Itajobi, que instituiu o Programa de Saúde da Família, e
alterações posteriores – Contratações por tempo determinado – Necessidade de
observância da regra de prestação de concurso público, com interpretação
restritiva às hipóteses que a excepcionam – Para que se considere válida a
contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam
previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a
necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a
necessidade de contratação seja indispensável – Requisitos não preenchidos no
caso – Desrespeito aos artigos 111, 115, incisos II e X, e 144 da Constituição
Estadual – Inconstitucionalidade configurada – Ação julgada procedente, com
modulação dos efeitos”. (TJSP, ADI nº
2225484-77.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Moacir Peres, julgado em 16 de
março de 2016, v.u)
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Art. 2º, incisos III, IV, V, VI,
VII, VIII, IX, X e parágrafo único; art. 3º, caput e art. 4º e incisos, da Lei
nº 3.155, de 03 de dezembro de 2014, de Itaquaquecetuba, Contratação, por tempo
determinado, para atendimento de necessidade temporária de excepcional
interesse público. Natureza dos serviços a prestar. Inadmissível quando não se
apresentam imprevisíveis ou extraordinários. Prazo máximo de contratação
razoável. Próximo do admitido em precedentes do STF. Inconstitucionalidade
(art. 111 e art. 115, II e X, CE). Modulação. (art. 27 da Lei nº 9.868/99).
Procedente, em parte, a ação, com modulação”. (TJSP, ADI nº 2210.892-28.2015.8.26.0000,
Órgão Especial, Rel. Evaristo dos Santos, julgado em 27 de janeiro de 2016,
v.u)
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e
do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei
1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação
temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’.
Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de
excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização
para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação
procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº
2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09
de dezembro de 2015, v.u)
Por fim,
consigne-se que o tema foi objeto de Repercussão
Geral no Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso
Extraordinário nº 658.026-MG (Tema nº 612), oportunidade em que se estabeleceu
que “nos termos do art. 37, IX,
da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária
de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam
previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a
necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a
contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários
permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da
Administração”.
A ementa do julgamento tem o seguinte conteúdo:
“Recurso
extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de
inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do
Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso
processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por
tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional
interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e
regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da
Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso
provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos
efeitos.
1. O assunto corresponde ao
Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na
internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição
Federal, da constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses
de contratação temporária de servidores públicos”.
2. Prevalência da regra da
obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que
restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição
Federal e devem ser interpretadas restritivamente.
3. O conteúdo jurídico do
art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se,
dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere
válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais
estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a
necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a
necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para
os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro
das contingências normais da Administração.
4. É inconstitucional a lei
municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A
imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e
tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais,
dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como
em outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da
inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao que
dispõe a Constituição Federal.” (REX n. 658.026-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, dje 31/10/2014)
4.
DO PEDIDO LIMINAR
À saciedade demonstrado o fumus
boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos
preceitos legais do Município de Tupã apontados como violadores de princípios e
regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a consequente
oneração financeira do erário.
À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da
eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, dos incisos II, III, V e VI do
art. 155 e da expressão “efetuadas pelo
Regime da Consolidação das Leis do Trabalho – C.L.T.” constante no art. 158
da Lei Complementar n° 140, de 04 de abril de 2008, e dos incisos II, III e IV
do art. 40 da Lei Complementar n° 202, de 21 de junho de 2011, ambas do
Município de Tupã.
5.
DO PEDIDO
Diante do exposto,
aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação direta, a fim de que
seja, ao final, julgada procedente, com a declaração de inconstitucionalidade
dos incisos II, III, V e VI do art. 155 e da expressão “efetuadas pelo Regime da Consolidação das Leis do Trabalho – C.L.T.”
constante no art. 158 da Lei Complementar n° 140, de 04 de abril de 2008, e dos
incisos II, III e IV do art. 40 da Lei Complementar n° 202, de 21 de junho de
2011, ambas do Município de Tupã.
Requer-se, ainda, que sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Tupã,
bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se
sobre os atos normativos impugnados.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se deferimento.
São Paulo, 03 de abril de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca
Protocolado n. 172.736/2016
Interessado: Promotoria de Justiça de Tupã
Objeto: representação para controle de
constitucionalidade da autorização para contratação temporária pelas Leis
Complementares n. 140/2008 e 202/2011, ambas do Município de Tupã.
1. Promova-se a distribuição de ação
direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, visando a
declaração da inconstitucionalidade dos incisos II, III, V e VI do art. 155 e
da expressão “efetuadas pelo Regime da Consolidação das Leis do Trabalho –
C.L.T.” constante no art. 158 da Lei Complementar n° 140, de 04 de abril de
2008, e dos incisos II, III e IV do art. 40 da Lei Complementar n° 202, de 21
de junho de 2011, ambas do Município de Tupã.
2. Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 03 de abril de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aca