Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Protocolado nº 176.390/16

 

 

                            Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Administrativo. Constitucional. Cargos de provimento em comissão de “Assessor Estratégico I e II” e “Assessor Especial I, II e III” previstas no Anexo II da Lei Complementar n° 179, de 03 de fevereiro de 2015, do Município de Guarujá, que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança.

2)     Criação abusiva e reiterada de cargos de provimento em comissão no Município de Guarujá. Precedente deste Egrégio Órgão Especial julgando inconstitucional a lei criadora. Edição da lei ora impugnada que busca frustrar a decisão declaratória de inconstitucionalidade. Desvio de poder legislativo.

3)     Constituição Estadual: artigos 111, 115, II e V e 144.

 

 

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face das expressões “Assessor Estratégico I e II” e “Assessor Especial I, II e III” previstas no Anexo II da Lei Complementar n° 179, de 03 de fevereiro de 2015, do Município de Guarujá, pelos fundamentos a seguir expostos:

1.                dOs Atos Normativos Impugnados

         A Lei Complementar n° 179, de 03 de fevereiro de 2015, do Município de Guarujá, que “dispõe sobre a reestruturação do regime próprio de previdência social – RPPS do Município de Guarujá, cria autarquia previdenciária e dá outras providências”, no que interessa ao desfecho desta ação, dispõe:

“(...)

Anexo II

Cargos Comissionados e Funções Gratificadas

CARGO

QTD

EXIGÊNCIA

VENCIMENTO

JORNADA SEMANAL

DIRETOR PRESIDENTE

1

Ensino Superior

14.100,00

40

ASSESSOR ESTRATÉGICO I

1

Ensino Superior

8.050,00

40

ASSESSOR ESTRATÉGICO II

1

Ensino Superior

7.475,00

40

ASSESSOR ESPECIAL I

2

Médio ou Técnico

3.300,00

40

ASSESSOR ESPECIAL II

1

Médio ou Técnico

2.415,00

40

ASSESSOR ESPECIAL III

4

Médio ou Técnico

1.250,00

40

(...)

CARGOS

DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS CARGOS COMISSIONADOS

ASSESSOR ESTRATÉGICO

Prestar assistência e assessoramento direto ao Diretor Presidente no planejamento, Monitoramento, avaliação e tomada de decisões relacionadas com assuntos e atividades estratégicas que permitam o cumprimento das respectivas atribuições e responsabilidades na execução de programas, ações e projetos da Autarquia.

ASSESSOR ESPECIAL

Prestar assistência e assessoramento direto e imediato às Gerências da                                Autarquia na programação, acompanhamento, avaliação e verificação de atividades e tarefas de caráter especial para o cumprimento das                                    respectivas atribuições e dos programas de governo e projetos                              institucionais.

 

(...)” – grifo nosso.

2. DO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

           A lei impugnada contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

           Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

           As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)”.

3.      DA FUNDAMENTAÇÃO

a. Da criação abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão

           Conquanto a lei impugnada tenha descrito as atribuições dos cargos de provimento em comissão de “Assessor Estratégico” e “Assessor Especial”, o fez com elevado grau de generalidade, imprecisão e indeterminação e, ao mesmo tempo, expressou atribuições que, em realidade, são técnicas, profissionais e ordinárias e que, portanto, não revestem a excepcionalidade exigível no nível superior de assessoramento, chefia e direção como funções inerentes aos respectivos cargos de provimento em comissão.

            Como bem pontificado em venerando acórdão desse egrégio Tribunal:

“A criação de tais cargos é exceção a esta regra geral e tem por finalidade de propiciar ao governante o controle de execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes absoluta fidelidade às orientações traçadas.

Em sendo assim, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor.

(...)

Tratando-se de postos comuns – de atribuição de natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por servidores regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI 173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).

Os cargos criados consistem em funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, e, por isso, devem ser exercidas por servidor público investido em cargo de provimento efetivo, recrutado após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos acima transcritos a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivos aos princípios da moralidade e da impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual, os dispositivos legais acima destacados.                     

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, cargos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2ª. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Minº SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.

Pela análise da natureza e atribuições dos cargos impugnados não se identificam os elementos que justificam o provimento em comissão.

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza”(Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

Ademais, o escalonamento entre Assessores Estratégico I e II e Assessores Especiais I, II e III, com diferentes níveis remuneratórios, não é compatível com a natureza comissionada dos cargos, dando ideia típica de cargos de carreira. (Anexo II da Lei em comento).

De efeito, constitui “figura estranha ao Direito Administrativo brasileiro, qual seja, a de carreira formada de cargos em comissão, por natureza, isolados”, porquanto “a própria organização, em carreira, dos cargos em apreço (ressaltada no parecer), pela ideia de permanência que traduz não se mostra compatível com a índole de comissão” (STF, Rp 1.282-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 12-12-1985, v.u., DJ 28-02-1986, p. 2345, RTJ 116/887).

Além disso, proporciona ao administrador público uma grande margem de liberdade, inspirada por motivos secretos, subjetivos e pessoais, na medida em que lhe faculta a escolha casuística do nível do assessor ou assistente (ou durante o exercício do cargo) para efeito remuneratório, distanciando-se dos princípios de moralidade e impessoalidade.

No caso em exame, extrai-se, claramente, da leitura do Anexo II da Lei Complementar nº 179, de 03 de fevereiro de 2015 que os cargos de provimento em comissão de Assessor Estratégico I e II e Assessor Especial I, II e III destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

        É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

 

b. Do desvio de poder legislativo

        No caso trazido a lume, é nítido o desvio de poder radicado nesse ato legislativo que o contamina de maneira a expô-lo ao controle abstrato, concentrado, direto e objetivo de constitucionalidade por vício material de inconstitucionalidade, na medida em que ele encerra, de per si e atento às circunstâncias, ofensa aos princípios da moralidade e impessoalidade, eis que a criação dos aludidos cargos de provimento em comissão foi utilizada para fim distanciado de sua finalidade – exercício de funções de assessoramento, chefia e direção –, visando tão somente favorecimentos indevidos.

        Com efeito, a iniciativa legislativa impugnada se deu após a prolação de decisão por este Colendo Órgão Especial, na ação direta de inconstitucionalidade n° 2128336-66.2015.8.26.000, declarando a inconstitucionalidade dos cargos de “Assessor Estratégico” e “Assessor Especial”, previstos pela Lei n° 4.004, de 28 de fevereiro de 2013, do Município de Guarujá.

        As atribuições dos aludidos cargos declarados inconstitucionais e dos cargos ora impugnados são idênticas, com a única ressalva de que os primeiros possuíam como superior imediato o Chefe do Poder Executivo e seus Secretários, enquanto os últimos possuem como superiores imediatos o Diretor Presidente e os Gerentes da Autarquia previdenciária. 

        Em suma, estão eivados dos mesmos vícios (ADI 2128362-64.2015.8.26.0000; ADI n° 2101546-79.2014.8.26.0000; ADI 2007863-85.2014.8.26.0000; 0053427-39.2013.8.26.0000; 0022965-89.2011.8.26.0000; 0528328-34.2010.8.26.0000; 0224787-03.2009.8.26.0000).

        Nesse sentido, vide recente julgado deste Colendo Órgão Especial, verbis:

“DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE LEI MUNICIPAL Nº 7321, DE 6.11.14, QUE CRIOU CARGOS EM COMISSÃO PARA FUNÇÕES DESTINADAS A PROVIMENTO EFETIVO INCONSTITUCIONALIDADE ANTES JÁ RECONHECIDA EM OUTRA AÇÃO DIRETA, CUJO COMANDO AQUI SE BUSCOU FRUSTRAR INCLUSIVE COM NOMEAÇÕES EM CARÁTER PRECÁRIO, ATÉ O EFETIVO PREENCHIMENTO DOS CARGOS LIMINAR DE INÍCIO CONCEDIDA PELA RELATORIA, QUE ORA SE CONVALIDA, JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO NOS TERMOS DO PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA A MODULAÇÃO ABRANGENDO APENAS O QUANTO PRATICADO ANTERIORMENTE À LIMINAR CONCEDIDO, JÁ QUE SE TRATOU DE DESCUMPRIMENTO INDIRETO DO COMANDO JURISDICIONAL ANTERIOR AÇÃO PROCEDENTE, PARA ESSE FIM.

(...)

Duas ações de inconstitucionalidade foram anteriormente ajuizadas e julgadas procedentes, pelos mesmos fundamentos. Confira-se fl. 5, processos n°s 0528328-34.2010.8.26.0000 e 2007863-85.2014.8.26.0000. Só que, ao invés de cumprir o que se decidiu, com nova roupagem o Município fez baixar lei nova, em essência com as mesmas falhas de origem. Até o cargo de assessor jurídico (de natureza eminentemente técnica) tornando a ser provível em comissão. Assim como toda a “assessoria” mencionada a fl. 1 (de Gabinete, de Imprensa, das Comissões Técnicas Permanentes, etc), que de tal teria apenas nome de batismo. Assessor de Imprensa, por exemplo, exerce funções de caráter nitidamente técnico.” (TJ/SP; ADI 2128362-64.2015.8.26.0000; Des. Rel. Ferraz de Arruda; D.J. 27/01/16). – grifo nosso.

        Cumpre atentar que não é novidade o controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo por desvio de poder. A esse respeito, concessa venia, reporta-se o elucidativo escólio da lavra de Caio Tácito:

“No exercício de suas atribuições e nas matérias a eles afetas, os órgãos legislativos, em princípio, gozam de discricionariedade peculiar à função política que desempenham.

Temos, contudo, sustentado a necessidade de temperamento da latitude discricionária de ato do Poder Legislativo, ainda que fundado em competência constitucional e formalmente válido.

O princípio geral de Direito de que toda e qualquer competência discricionária tem como limite a observância da finalidade que lhe é própria, embora historicamente vinculado à atividade administrativa, também se compadece, a nosso ver, com a legitimidade da ação do legislador.

Tivemos, oportunidade de sustentar, perante o STF, em duas oportunidades, a nulidade de leis estaduais em que, no término de governos vencidos nas urnas, eram criados cargos públicos em número excessivo, não reclamados pela necessidade pública, e comprometendo gravemente as finanças do Estado, tão-somente para o aproveitamento de correligionários ou de seus familiares.

Para o desfazimento dessas leis, que caracterizavam os chamados ‘testamentos políticos’, o STF consagrou a tese da validade de novas leis que, anulando leis inconstitucionais, reconheciam o abuso pelos Poderes Legislativos estaduais da competência, em princípio discricionária, da criação de cargos públicos.

(...)

Em comentário a essa decisão, que firmou precedente memorável, destacávamos a importância da tese por ela abonada:

‘A competência legislativa para criar cargos públicos visa ao interesse coletivo de eficiência e continuidade da administração. Sendo, em sua essência, uma faculdade discricionária, está, no entanto, vinculada à finalidade, que lhe é própria, não podendo ser exercida contra a conveniência geral da coletividade, com o propósito manifesto de favorecer determinado grupo político, ou tornar ingovernável o Estado, cuja administração passa, pelo voto popular, às mãos adversárias.

‘Tal abandono ostensivo do fim a que se destina a atribuição constitucional configura autêntico desvio de poder (détournement de pouvoir), colocando-se a competência legislativa a serviço de interesses partidários, em detrimento do legítimo interesse público’ (RDA 59/347 e 348).

(...)

Entendemos, em suma, que a validade da norma de lei, ato emanado do Legislativo, igualmente se vincula à observância da finalidade contida na norma constitucional que fundamenta o poder de legislar.

O abuso de poder legislativo, quando excepcionalmente caracterizado, pelo exame dos motivos, é vício especial de inconstitucionalidade da lei, pelo divórcio entre o endereço real da norma atributiva da competência e o uso ilícito que a coloca a serviço de interesse incompatível com a sua legitima destinação.

(...)

Canotilho adverte que a lei é vinculada ao fim constitucionalmente fixado e ao princípio de razoabilidade a fundamentar ‘a transferência para os domínios da atividade legislativa da figura do desvio de poder dos atos administrativos’ (Direito Constitucional, 4ª ed., 1986, p. 739).

        E, mais amplamente, o mesmo autor estuda o desvio de poder legislativo diante do princípio de que ‘as leis estão todas positivamente vinculadas quanto a fim pela Constituição’ (Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, p. 259)”. (Caio Tácito. Desvio de Poder no Controle dos Atos Administrativos, Legislativos e Jurisdicionais, in Revista Trimestral de Direito Público, n. 04, São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 33-37).

 

4. DOS PEDIDOS

a. Do pedido liminar

 

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme ao ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, consistente na admissão ilegítima de servidores públicos e correlata percepção de remuneração à custa do erário.

À luz desta contextura, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, das expressões “Assessor Estratégico I e II” e “Assessor Especial I, II e III” previstas no Anexo II da Lei Complementar n° 179, de 03 de fevereiro de 2015, do Município de Guarujá.

b. Do pedido principal

        Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade das expressões “Assessor Estratégico I e II” e “Assessor Especial I, II e III” previstas no Anexo II da Lei Complementar n° 179/2015, do Município de Guarujá.

        Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Guarujá, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                  

                   Termos em que, pede deferimento.

                                

                                São Paulo, 20 de abril de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

aca


 

Protocolado nº 176.390/16

Objeto: cargos de provimento em comissão de “Assessor Estratégico I e II” e “Assessor Especial I, II e III” do Anexo II da Lei Complementar n° 179/2015, do Município de Guarujá.

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face das expressões “Assessor Estratégico I e II” e “Assessor Especial I, II e III” previstas no Anexo II da Lei Complementar n° 179/2015, do Município de Guarujá, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Providenciem-se as anotações e comunicações de praxe.

3.     Cumpra-se.     

 

                            São Paulo, 20 de abril de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca