EXCELENTÍSSIMO SENHOR
DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº
163.034/16
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade.
Expressão “ou de comoção interna”
constante no inciso I; incisos II a VII e § 3º do art. 2º, bem como do art. 4º
da Lei nº 3.182, de 02 de agosto de 2001, do Município de Orlândia. Contratação
por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional
interesse público. Ausência de excepcionalidade.
Inadmissibilidade do regime
celetista. Prazo de duração excessivo. 1. A contratação por tempo determinado
para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só
se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de
cabimento. 2. Lei local que
disciplina as contratações por tempo determinado para atender execução de
serviços absolutamente transitórios, bem como para execução de serviços de
natureza ordinária, é incompatível com o art. 115, II e X, CE/89, que reproduz
o art. 37, IX, CF/88. 3. O regime
da contratação estribada no inciso IX do art. 37 da Constituição Federal ou no
inciso X do art. 115 da Constituição Estadual é administrativo-especial, e não
se admite o celetista. 4. Tampouco é razoável a prorrogação dos
contratos por prazo excessivo ou elástico.
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, §
2º e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI e 90, III,
da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “ou de comoção interna”
constante no inciso I, dos incisos II a VII e do § 3º do art. 2º; do parágrafo
único do art. 3º e do art. 4º da Lei nº 3.182, de 02 de agosto de 2001, do
Município de Orlândia, pelos fundamentos a seguir expostos:
1. DOS DISPOSITIVOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
A Lei nº 3.182, de 02 de agosto de 2001, do Município de Orlândia, regulamenta a contratação de pessoal por tempo determinado, assim dispondo no que interessa:
“Art. 2º - A contratação de pessoal somente poderá ocorrer em
caso de:
I – calamidade pública ou
de comoção interna;
II – campanha de saúde
pública;
III - implantação de
serviço urgente e inadiável;
IV- saída voluntária,
de dispensa ou afastamento transitórios de servidores, cuja ausência possa prejudicar
a execução de determinado serviço público;
V- execução de serviços
transitórios de necessidade esporádica;
VI - execução de obras
certas e determinadas;
VII - atendimento a
convênios.
(...)
§ 2º - A
contratação se fará com vigência máxima de 180 (cento e oitenta) dias,
independentemente da existência de cargo, emprego ou função, mediante processo
seletivo simplificado, se houver tempo, observando-se prazos determinados e
compatíveis com cada situação.
§ 3º - O prazo máximo
de vigência fixado no § 2º, deste artigo, não se aplica às contratações
temporárias para:
I – instalação de salas
de aula, em caráter emergencial, nos termos do inciso III, deste artigo, cujo
prazo máximo de vigência ficará vinculado ao período letivo da respectiva
instalação;
II – substituições no
ensino fundamental, nos termos do inciso IV, deste artigo, cujo prazo máximo de
vigência ficará vinculado ao fixado para a respectiva substituição;
III – atender a
execução de convênios, cuja contratação deverá estar prevista na Lei que
autorizar a respectiva celebração, vinculado o prazo máximo de vigência do
vínculo do emprego ao da vigência do convênio.
IV – execução direta de
obras certas e determinadas, cujo prazo máximo ficará vinculado ao período da
realização da respectiva obra.
Artigo 3º - O contrato de trabalho celebrado por prazo
determinado, nos casos previstos no artigo 2º desta Lei, não poderá ser
prorrogado.
§ único – Excetuam-se da proibição
prevista no ‘caput’ deste artigo, os contratos celebrados para atendimentos a
convênios, cujos prazos de vigência poderão ser prorrogados, uma vez
prorrogados os respectivos convênios.
Artigo 4º - Por
tratar-se de contratações por prazo determinado, as admissões efetuadas com
base nesta lei estarão sujeitas ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.
(...)" (grifo nosso)
Os atos normativos transcritos são inconstitucionais por violação dos arts. 111 e 115, X da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.
2. DO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os dispositivos impugnados contrariam
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal, sendo incompatíveis com os
seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 111 - A
administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes
do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e
eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para
a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as
fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em
cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de
provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão,
declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(....)
X - a lei
estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público.
(...)
Artigo
144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)”
3. DA FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Contratação
temporária em hipóteses que não denotam excepcionalidade, interesse público e
temporariedade: expressão “ou de comoção interna” constante no inciso I e incisos
II a VII do art. 2º da Lei nº 3.182, de 02 de agosto de 2001, do Município de
Orlândia
Com efeito,
inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art.
111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, "caput", da
Constituição Federal) o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o
art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada
ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender
a necessidade temporária de excepcional interesse público, pois, segundo José
dos Santos Carvalho Filho há três elementos que configuram pressupostos na
contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da
função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito
Administrativo, 9ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, pp. 478-479).
A obra
legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da
contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento
qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na
excepcionalidade do interesse público.
A Lei nº 3.182,
de 02 de agosto de 2001, do Município de Orlândia, prevê contratações por tempo
determinado, para atender necessidade
temporária de excepcional interesse público, à míngua de qualquer
característica excepcional, pois, conforme assevera balizada literatura:
“(...) empregando o termo
excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou
claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento
desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse
público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos
Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, 9ª ed., Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2002, , pp. 478-479).
“(...) trata-se, aí, de ensejar
suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das
situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações
incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária
(incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas
quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões
muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação
de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a
atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se
faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido,
‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso,
sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de
acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo,
20ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 281-282).
Registre-se
que a lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e
indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja
possível conceber na excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO.
SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei
10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do
art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso,
as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação
temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação
de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação
estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta
de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).
“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL
CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA
ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR.
INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de
saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual
não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar
temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação
prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a
jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de
servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de
relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente”
(STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009,
v.u., DJe 23-10-2009).
Não
é somente a temporariedade de uma atividade que justifica a contratação por
tempo determinado, porquanto, ela pode ser desempenhada por recursos humanos
constantes do quadro de pessoal permanente. Para autorizá-la, é mister que a
lei precise a excepcionalidade da medida.
Com efeito, as situações
ventiladas no art. 2º (com exceção da primeira parte do inciso I, que trata de
calamidade pública) não espelham extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência
que fundamentam a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço
público, na medida em que traduzem situações concretas ou abstratas, presentes,
passadas ou futuras, da rotina administrativa, e cuja execução compete, de
ordinário, a servidores públicos titulares de cargos de provimento
efetivo.
Mencionados dispositivos da
lei local – através de expressões abrangentes e genéricas - autorizam a
contratação temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente
incumbem à Administração Pública, não configurando situação capaz de legitimar
a contratação por tempo determinado.
As impugnadas hipóteses só
legitimarão a contratação por tempo determinado quando houver insuficiência no
atendimento com os meios próprios ordinários da Administração e o
comprometimento imprevisível de serviços inadiáveis que demande soluções
transitórias, em que a provisoriedade (do desempenho) e a excepcionalidade (da
situação) inspiram o vínculo efêmero.
Pecam especialmente pela
generalidade a segunda parte do inciso I (“ou de comoção interna”) e os incisos
III (“serviço urgente e inadiável) e V (serviços transitórios e de necessidade
esporádica).
Os incisos II (“campanha de
saúde pública”), VI (“execução de obras certas e determinadas”) e VII (atendimento
a convênios) correspondem a objetivos corriqueiros das políticas públicas de
praticadas no território nacional. Diante da continuada imprescindibilidade de
ações desse tipo, não podem elas ficar à mercê de projetos de governo
casuísticos, implementados por meio de contratos episódicos, sobretudo quando a
lei não tratou de designar qualquer contingência especial a ser atendida.
Em relação ao inciso
IV (“saída voluntária, dispensa ou afastamento transitórios de servidores,
cuja ausência possa prejudicar a execução de determinado serviço público”), o
vício reside na manifesta generalidade, ou seja, na ausência de demonstração da
emergencialidade. Em caso análogo decidiu o Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da ADI nº 3.721-CE:
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI COMPLEMENTAR 22/2000,
DO ESTADO DO CEARÁ. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES DO ENSINO BÁSICO.
CASOS DE LICENÇA. TRANSITORIEDADE DEMONSTRADA. CONFORMAÇÃO LEGAL IDÔNEA, SALVO
QUANTO A DUAS HIPÓTESES: EM QUAISQUER
CASOS DE AFASTAMENTO TEMPORÁRIO (ALÍNEA “F” DO ART. 3º). PRECEITO GENÉRICO.
IMPLEMENTAÇÃO DE PROJETOS DE ERRADICAÇÃO DO ANALFABETISMO E OUTROS (§ ÚNICO DO
ART. 3º). METAS CONTINUAMENTE EXIGÍVEIS.
1. O artigo 37, IX, da Constituição exige complementação
normativa criteriosa quanto aos casos de “necessidade temporária de excepcional
interesse público” que ensejam contratações sem concurso. Embora recrutamentos
dessa espécie sejam admissíveis, em tese, mesmo para atividades permanentes da
Administração, fica o legislador sujeito ao ônus de especificar, em cada caso,
os traços de emergencialidade que justificam a medida atípica.
2. A Lei Complementar 22/2000, do Estado do Ceará,
autorizou a contratação temporária de professores nas situações de “a) licença
para tratamento de saúde; b) licença gestante; c) licença por motivo de doença
de pessoa da família; d) licença para trato de interesses particulares; e )
cursos de capacitação; e f) e outros afastamentos que repercutam em carência de
natureza temporária”; e para “fins de implementação de projetos
educacionais, com vistas à erradicação do analfabetismo, correção do fluxo
escolar e qualificação da população cearense” (art. 3º, § único).
3. As hipóteses descritas entre as alíneas “a” e
“e” indicam ocorrências alheias ao controle da Administração Pública cuja
superveniência pode resultar em desaparelhamento transitório do corpo docente,
permitindo reconhecer que a emergencialidade está suficientemente demonstrada.
O mesmo não se pode dizer, contudo, da
hipótese prevista na alínea “f” do art. 3º da lei atacada, que padece de
generalidade manifesta, e cuja declaração de inconstitucionalidade se impõe. (...)” (ADI nº 3.271-CE, Rel. Min. Teori
Zavascki, j. 09.06.16)
Assim, os referidos
dispositivos da lei examinada autorizam a contratação temporária para a
prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à Administração
Pública, não configurando situação capaz de legitimar a contratação por tempo
determinado.
3.2. Aplicação da Consolidação das Leis Trabalhistas aos
contratados temporários para atender à necessidade temporária de excepcional
interesse social: art. 4º da Lei nº 3.182, de 02 de agosto de 2001, do
Município de Orlândia
O
art. 4º da lei objurgada prevê que as contratações temporárias serão regidas de
acordo com o regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho.
Ocorre que a sujeição dos ocupantes de funções temporárias ao regime celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, os contratos temporários são inconciliáveis com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.
A contratação por tempo determinado serve a necessidade temporária de excepcional interesse público, devendo durar enquanto as circunstâncias que o justificaram persistir.
A inserção dessas funções no regime celetista, portanto, é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do serviço, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).
De fato, o desprovimento da função temporária é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e de conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.
A
subordinação dos servidores públicos temporários ao regime celetista importa em
franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade,
previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição
Estadual.
Enquanto
a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial
dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de
racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações
injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração
da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa fé,
finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública
pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou
seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência
nos atos normativos.
Na
espécie, a lei municipal infringe ambos os princípios. Como a contratação para
serviços temporários constitui exceção à regra constitucional do acesso à
função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a
investidura por outros critérios, sob o pálio da instabilidade e da
transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de sua duração, é
desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do regime contratual
a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a
indenização compensatória (e outros consectários). Trata-se da atribuição de uma
garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica precária e instável.
O
padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a
oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de emprego
temporário, à luz da conformação constitucional que realça a natureza
excepcional e temporária de seu provimento - orientada por força de
ingredientes puramente excepcional de necessidade e interesse público. Em suma,
a sujeição dos servidores temporários ao regime celetista implica intolerável
outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio inadmissível à
vista da natureza da contratação cuja marca eloquente é a instabilidade e
temporariedade ditada por necessidade e interesse público.
Todavia, a contratação de natureza administrativa,
cujo regime jurídico é próprio e diferenciado, não garante aos servidores
temporários os direitos delineados pela Consolidação das Leis do Trabalho. Do
mesmo modo, os servidores temporários não estão sujeitos ao regime jurídico dos
servidores públicos efetivos, contratados por meio de concurso público e
detentores de estabilidade.
O regime da contratação
estribada no inciso IX do art. 37 da Constituição Federal ou no inciso X do
art. 115 da Constituição Estadual, é administrativo-especial, e não se admite o
celetista, porque não há possibilidade, na relação jurídica entre o servidor e
o poder público, permanente ou temporária, de regência senão pela legislação
administrativa. Neste sentido:
“Os servidores temporários não estão vinculados a um
cargo ou emprego público, como explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro, mas
exercem determinada função, por prazo certo, para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público. O seu vínculo com o Estado
reveste-se, pois, de nítido cunho administrativo, quando mais não seja porque,
como observa Luís Roberto Barroso, ‘não seria de boa lógica que o constituinte
de 1988, ao contemplar a relação de emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a
mesma hipótese no inciso IX, utilizando-se de terminologia distinta” (STF, RE
573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-
“Constitucional. Reclamação. Ação civil pública.
Servidores públicos. Regime temporário. Justiça do Trabalho. Incompetência. 1.
No julgamento da ADI nº 3.395/DF-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e
qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da Constituição Federal (na
redação da EC nº 45/04) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a
apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele
vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter
jurídico-administrativo. 2. As contratações temporárias para suprir os serviços
públicos estão no âmbito de relação jurídico-administrativa, sendo competente
para dirimir os conflitos a Justiça comum e não a Justiça especializada. 3.
Reclamação julgada procedente” (RTJ 207/611).
Desse modo, requer-se a declaração de inconstitucionalidade do art. 4º da Lei n. 3.182, de 02 de agosto de 2001, do Município de Orlândia, por violação aos artigos 111 e 115, II, da Constituição Paulista.
3.3. Prazo de duração das
contratações: § 3º do art. 2º e parágrafo único do art. 3º da Lei n. 3.182, de 02 de agosto de 2001,
do Município de Orlândia
Com relação ao § 3º do art. 2º da Lei n.
3.182, de 02 de agosto de 2001, do Município de Orlândia, nota-se que houve a admissão da
contratação temporária “cujo prazo máximo de vigência ficará vinculado ao
período letivo da respectiva instalação”, “ao fixado para a respectiva
substituição” ou “ao da vigência do convênio”.
O parágrafo único do art. 3º, por sua vez, permitiu
a prorrogação do contrato conforme a prorrogação do respectivo convênio.
Adotaram-se períodos
excessivos, longos e elásticos de contratação, que não ostentam qualquer
razoabilidade, assim como o de sua prorrogação, o que denota, ademais, nítida
intenção de subversão à regra da investidura permanente e efetiva em cargo ou
emprego públicos mediante aprovação em prévio concurso público.
A
lei de regência da contratação temporária, além de descrever seus pressupostos
(as hipóteses abstratas de seu cabimento) deve conter a fixação do período
necessário de vigência e eficácia da contratação, que deve ser curto (Odete
Medauar. Direito Administrativo Moderno,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 11. ed., p. 270). A Suprema Corte
deliberou que é razoável prazo máximo de 12 (doze) meses:
“7) A realização de contratação temporária pela Administração Pública nem
sempre é ofensiva à salutar exigência constitucional do concurso público,
máxime porque ela poderá ocorrer em hipóteses em que não há qualquer vacância
de cargo efetivo e com o escopo, verbi gratia, de atendimento de necessidades
temporárias até que o ocupante do cargo efetivo a ele retorne. Contudo, a contratação destinada a suprir uma
necessidade temporária que exsurge da vacância do cargo efetivo há de durar
apenas o tempo necessário para a realização do próximo concurso público,
ressoando como razoável o prazo de 12 meses” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).
O
E. Supremo Tribunal Federal decidiu - em face de regras permissivas de
prorrogação genérica por igual período ao da contratação - que “a generalidade
da previsão, dessa forma, permitiria a realização de sucessivas prorrogações,
circunstâncias de todo incompatível com a regra constitucional de exceção que
exige tempo determinado” e “afasta-se do requisito de transitoriedade das
contratações (...) a conveniência pessoal dos trabalhadores então contratados
de forma irregular, e não necessidade temporária de excepcional interesse
público” (STF, ADI 890-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa,
11-09-2003, m.v., DJ 06-02-2004, p. 21).
No mesmo sentido, o Tribunal Paulista:
“Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º
(redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de
março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para
‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade.
Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse
público. Inconstitucionalidade, ainda,
da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses.
Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli
Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u, g.n.)
Portanto,
devem ser declarados inconstitucionais o § 3º do art. 2º e o parágrafo único do
art. 3º da Lei n. 3.182, de 02 de agosto de 2001, do Município de
Orlândia.
4. DO Pedido
Face ao exposto, requer o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade da expressão “ou de comoção interna” constante no inciso
I, dos incisos II a VII e do § 3º do art. 2º; do parágrafo único do art. 3º e do
art. 4º da Lei nº 3.182, de 02 de agosto de 2001,
do Município de Orlândia.
Requer ainda sejam requisitadas informações à
Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Orlândia, bem como posteriormente
citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato
normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 12 de abril de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ef/mam
Protocolado nº 163.034/2016
Interessado: Paulo Augusto Radunz Júnior
1. Distribua-se
a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da expressão “ou de comoção interna”
constante no inciso I, dos incisos II a VII e do § 3º do art. 2º; do parágrafo
único do art. 3º e do art. 4º da Lei nº 3.182, de 02 de agosto de 2001,
do Município de Orlândia, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 12 de abril de 2017.
Gianpaolo Poggio
Smanio
Procurador-Geral
de Justiça
ef/mam