Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente
do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado nº 153.960/2016
Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei nº 5.759 de 28 de abril de 2015, do Município de Sumaré. Regime jurídico de servidores. Iniciativa parlamentar. Ofensa ao Princípio da separação dos poderes. 1. Viola a separação dos poderes, lei de iniciativa parlamentar que disciplina sobre o tempo de afastamento de servidores, matéria que se encontra dentro da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo. 2. Arts. 24, § 2º, n. 4 e art. 144 da Constituição Paulista.
O
Procurador-Geral de Justiça do Estado
de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI,
da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no
art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts.
74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas
informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse
egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº
5.759, de 28 de abril de 2015, do Município de Sumaré, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – DO Ato Normativo Impugnado
A Lei nº 5.759, de 28 de abril de 2015, do Município de Sumaré, que “altera dispositivos da Lei Municipal nº 4.967, de 30 de abril de 2010 e dá outras providências”, tem o seguinte teor:
“(...)
(...)”
Referido ato normativo alterou, portanto, a
redação do artigo 195 da Lei nº 4.967, de 30 de abril de 2010, que tinha a
seguinte redação originária:
“(...)
(...)”
O ato normativo atacado, como se vê, alargou
o período de tempo de afastamento sem remuneração de servidores municipais, ampliando,
ainda, o número de prorrogações do referido afastamento.
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de
constitucionalidade
A Lei nº 5.759, de 28 de abril de 2015, do Município de Sumaré, de
iniciativa parlamentar, atenta contra a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção
normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição
Federal.
Os dispositivos legais ora impugnados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144:
“Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias
cabe a qualquer membro ou comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do
Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos,
na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
(...)
§2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a
iniciativa das leis que disponham sobre:
(...)
4 - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico,
provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
(...)”
Com efeito, a lei impugnada, fruto de iniciativa
parlamentar, ampliou o lapso temporal de afastamento não remunerado de servidores
municipais, bem como o número de prorrogações possíveis de referido
afastamento, diversamente do texto originário.
Em outros termos, trata-se de lei de iniciativa parlamentar
que alterou ponto sensível do regime jurídico dos servidores municipais,
decorrendo daí sua inconstitucionalidade.
III – DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Trata, a lei questionada, de aspecto do regime jurídico do servidor público municipal, matéria que nos termos do art. 24, § 2º, n. 4, da Constituição Estadual (norma que repete o art. 61, § 1º, II, “c” da Constituição Federal), é de iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo.
Esse entendimento é afirmado pela jurisprudência do C. STF, que destaca, em precedentes que são aplicáveis à hipótese “mutatis mutandis”, que a matéria de iniciativa privativa do Chefe do Executivo deve ser tratada por meio da legislação ordinária, excluída assim até mesmo a possibilidade de sua regulamentação na Constituição do Estado ou mesmo na Lei Orgânica da entidade federativa, visto que isso implicaria, necessariamente, desrespeito à reserva de iniciativa.
Confira-se:
“CONSTITUCIONAL
E ADMINISTRATIVO. LEI 10.893/2001, DO ESTADO DE SÃO PAULO. IMPLANTAÇÃO DE
PROGRAMA ESTADUAL DE SAÚDE VOCAL EM BENEFÍCIO DE PROFESSORES DA REDE ESTADUAL
DE ENSINO. ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DE SERVIDORES. MATÉRIA SUJEITA À
RESERVA DE INICIATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. NORMAS DE APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA
AOS ESTADOS-MEMBROS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL CARACTERIZADA. 1. Ao
instituir programa de atenção especial à saúde de professores da rede pública
local, a Lei 10.893/01 cuidou de instituir um benefício funcional, alterando o
regime jurídico desses servidores, além de criar atribuições e
responsabilidades para Secretarias Estaduais. 2. Ao assim dispor, por
iniciativa parlamentar, a lei estadual entrou em contravenção com regras de
reserva de iniciativa constantes do art. 61, II, alíneas “c” e “e”, da CF, que,
segundo ampla cadeia de precedentes deste Supremo Tribunal Federal, são de
observância obrigatória pelas Constituições Estaduais. 3. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente”. (ADI 4.211-SP, Rel. Min. Teori
Zavascki, j. 03.03.2016).
“ADMINISTRATIVO
E CONSTITUCIONAL. LEI COMPLEMENTAR 11.370/99, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
LIMITAÇÃO DO PODER-DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO. SUBMISSÃO OBRIGATÓRIA
AO PODER JUDICIÁRIO. ALTERAÇÃO NO REGIME JURÍDICO. MATÉRIA SUJEITA À RESERVA DE
INICIATIVA LEGISLATIVA. NORMAS DE APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA AOS ESTADOS-MEMBROS.
INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Segundo jurisprudência assentada no Supremo Tribunal
Federal, as regras de atribuição de iniciativa no processo legislativo
previstas na Constituição Federal formam cláusulas elementares do arranjo de
distribuição de poder no contexto da Federação, razão pela qual devem ser
necessariamente reproduzidas no ordenamento constitucional dos Estados-membros.
2. Ao provocar alteração no regime jurídico dos servidores civis do Estado do
Rio Grande do Sul e impor limitações ao exercício da autotutela nas relações
estatutárias estabelecida entre a Administração e seus servidores, a Lei
Complementar Estadual 11.370/99, de iniciativa parlamentar, padece de vício
formal e material de incompatibilidade com a Constituição Federal. 3. Ação
julgada procedente”. (ADI nº 2.300-RS, Rel. Mini. Teori Zavascki, j.
21.08.2014).
“DIREITO CONSTITUCIONAL. AGRAVO
REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. REGIME JURÍDICO.
COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO EXECUTIVO MUNICIPAL. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI
MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL.
1. A norma municipal foi declarada
inconstitucional pelo Órgão Especial do TJ/SP, por violação aos arts. 24 (§ 2º,
4) e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.
2.
A disposição sobre regime jurídico dos servidores municipais é de
competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 61, § 1º,
II, “a” e “c” da Constituição Federal, de observância obrigatória pelos
Municípios.
3. É inadmissível emendas
parlamentares em projeto de lei de iniciativa privativa do Prefeito Municipal
visando ampliar vantagens dos servidores que impliquem aumento de despesas.
Precedentes.
4. Agravo regimental a que se nega provimento *Ag.
Reg. no REX nº 370.563, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 31.052011).”
A reserva de iniciativa prevista no art. 24, § 2º, n. 4 da Constituição do Estado aplica-se aos Municípios por força do art. 144 da Carta Estadual, sendo, assim, inconstitucional a lei ora impugnada.
IV – PEDIDO LIMINAR
Claramente demonstrado o “fumus boni iuris”, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o “periculum in mora”.
Note-se que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da lei hostilizada, subsistirá a sua aplicação, permitindo o afastamento de servidores e a realização de despesas para suprir referidos afastamentos, que dificilmente poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.
A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.
Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o “status quo ante”.
De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.
Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADI-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADI-MC 568, RTJ 138/64; ADI-MC 493, RTJ 142/52; ADI-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Do exposto, requer-se a
concessão de liminar para a suspensão da eficácia da Lei nº 5.759, de 28 de abril de 2015, do Município de Sumaré, até o julgamento final da presente ação.
V – PEDIDO FINAL
Diante do exposto, requer-se o
recebimento e processamento da presente ação, para que ao final seja julgada
procedente, declarando a inconstitucionalidade Lei nº 5.759, de 28 de abril de 2015, do Município de Sumaré.
Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Sumaré, bem como, em seguida, citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado, aguardando-se, posteriormente, vista para fins de manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 05 de maio de 2017.
Gianpaolo Poggio
Smanio
Procurador-Geral
de Justiça
blo
Protocolado n. 153.960/2016
Assunto: análise da inconstitucionalidade da Lei nº 5.759, de 28 de abril de
2015, do Município
de Sumaré.
1.
Distribua-se a petição inicial da ação direta de
inconstitucionalidade, em face da Lei
nº 5.759, de 28 de abril de 2015, do Município de Sumaré, junto ao
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2.
Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da
ação, com cópia da petição inicial.
São
Paulo, 05 de maio de 2017.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral
de Justiça
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