EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 154.281/16

 

 

 

Constitucional. Urbanístico. Ação direta de inconstitucionalidade. Leis Municipais nº 11.294, de 15 de janeiro de 2013, nº 11.295, de 15 de janeiro de 2013, nº 11.296, de 25 de janeiro de 2013, nº 11.297, de 25 de janeiro de 2013, nº 11.302, de 08 de março de 2013, 11.303, de 08 de março de 2013, nº 11.327, de 17 de maio de 2013, nº 11.328, de 17 de maio de 2013, nº 11.343, de 14 de junho de 2013, 11.373, de 05 de setembro de 2013, nº 11.374, de 06 de setembro de 2013, nº 11.386, de 15 de outubro de 2013, e nº 11.534, de 06 de junho de 2014, de São José do Rio Preto. Alterações tópicas de normas de uso e ocupação do solo. Ausência de planejamento técnico. Normas urbanísticas alheadas ao plano diretor. 1. Leis municipais que dispõem sobre uso e ocupação do solo e não asseguraram o planejamento específico nos respectivos processos legislativos. 2. A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade, bem como sua conformidade com as normas urbanísticas (arts. 180, V, e 181, § 1º, CE/89). 3. Inconstitucionalidade por violação aos arts. 180, I, II e V, e 181 da Constituição Estadual.

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inc. VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inc. IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inc. VI, e no art. 90, inc. III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover, pelos fundamentos adiante expostos, a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face das Leis nº 11.294, de 15 de janeiro de 2013, nº 11.295, de 15 de janeiro de 2013, nº 11.296, de 25 de janeiro de 2013, nº 11.297, de 25 de janeiro de 2013, nº 11.302, de 08 de março de 2013, nº 11.303, de 08 de março de 2013, nº 11.327, de 17 de maio de 2013, nº 11.328, de 17 de maio de 2013, nº 11.343, de 14 de junho de 2013, nº 11.373, de 05 de setembro de 2013, nº 11.374, de 06 de setembro de 2013, nº 11.386, de 15 de outubro de 2013, e nº 11.534, de 06 de junho de 2014, do Município e São José do Rio Preto, pelos fundamentos expostos a seguir.

1.      ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

O procedimento que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade e, a cujas folhas essa petição se reportará, foi instaurado a partir de representação ofertada pelo 4º Promotor de Justiça de São José do Rio Preto, noticiando a inconstitucionalidade das Leis Municipais nº 11.294, de 15 de janeiro de 2013, nº 11.295, de 15 de janeiro de 2013, nº 11.296, de 25 de janeiro de 2013, nº 11.297, de 25 de janeiro de 2013, nº 11.302, de 08 de março de 2013, nº 11.303, de 08 de março de 2013, nº 11.327, de 17 de maio de 2013, nº 11.328, de 17 de maio de 2013, nº 11.343, de 14 de junho de 2013, nº 11.373, de 05 de setembro de 2013, nº 11.374, de 06 de setembro de 2013, nº 11.386, de 15 de outubro de 2013, e nº 11.534, de 06 de junho de 2014, todas fruto de iniciativa parlamentar, daquela localidade (fls. 02/20).

A Lei nº 11.294, de 15 de janeiro de 2013, de São José do Rio Preto, que “Inclui na Zona 8, na Lei de Zoneamento, o trecho da Rua Siqueira Campos, entre a Avenida Alberto Andalô e a Rua Antônio de Godoy, em São José do Rio Preto”, tem a seguinte redação (fl. 30):

Art. 1º - Inclui na Zona 8, na Lei de Zoneamento, o trecho da Rua Siqueira Campos, entre a Avenida Alberto Andalô e a Rua Antônio de Godoy, Centro, em São José do Rio Preto.

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor a partir da data de sua publicação.”

A seu turno, a Lei nº 11.295, de 15 de janeiro de 2013, daquela localidade, que “Integra à Zona 3, na Lei de Zoneamento toda a extensão da Avenida Nelson Sinibaldi, no Bairro Parque São Miguel”, dispõe (fl. 72):

Art. 1º - Integra a Zona 3, na Lei de Zoneamento, toda a extensão da Avenida Nelson Sinibaldi, no Bairro Parque São Miguel.

Art. 2º - Esta lei entra em vigor a partir da data de sua publicação.”

A Lei nº 11.296, de 25 de janeiro de 2013, de São José do Rio Preto, estabelece o quanto segue (fl. 133):

Permite o funcionamento de empresa de controle de pragas na Rua Almirante Tamandaré, nº 1091, Jardim Maria Lúcia.

Art. 1º - Permite o funcionamento de empresa de controle de pragas na Rua Almirante Tamandaré, nº 1091.

Art. 2º - Esta lei entra em vigor a partir da data de sua publicação.”

Por sua vez, a Lei nº 11.297, de 25 de janeiro de 2013, de São José do Rio Preto, prevê (fl. 207):

Permite o funcionamento de estabelecimento de som automotivo e instalação de equipamentos em veículos na Rua Yole Spaolonzi Ismael, nº 190, com frente voltada para a Rua Zahia Leime Homsi, Jardim Maria Lúcia.

Art. 1º - Permite o funcionamento de estabelecimento de som automotivo e instalação de equipamentos em veículos na Rua Yole Spaolonzi Ismael, nº 190, com frente voltada para a Rua Zahia Leime Homsi, Jardim Maria Lúcia.

Art. 2º - Esta lei entra em vigor a partir da data de sua publicação.”

A Lei nº 11.302, de 08 de março de 2013, de São José do Rio Preto, que “Integra na Zona 06 a Rua Helvécio Afonso de Mello, no trecho compreendido entre as Ruas Maria Francisca Oliveira e João Zanardi, no Bairro Vila Toninho”, disciplina o seguinte (fl. 483):

Art. 1º - Passa a integrar a Zona 06, na Lei de Zoneamento, a Rua Helvécio Afonso de Mello, no trecho compreendido entre as Ruas Maria Francisca Oliveira e João Zanardi, no Bairro Vila Toninho.

Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

A Lei nº 11.303, de 08 de março de 2013, de São José do Rio Preto, que “Inclui na Zona 4, na Lei de Zoneamento, prédio instalado na Rua Professor Francisco Felipe Caputo, esquina com a Rua Antônio Munia, nº 617, no bairro Jardim Nazaré, em São José do Rio Preto”, disciplina o seguinte (fl. 396):

Art. 1º - Inclui na Zona 4, na Lei de Zoneamento, prédio instalado na Rua Professor Francisco Felipe Caputo, esquina com a Rua Antônio Munia, número 617, no bairro Jardim Nazaré, em São José do Rio Preto.

Art. 2º - Esta lei entra em vigor a partir da data de sua publicação.”

A Lei nº 11.327, de 17 de maio de 2013, de São José do Rio Preto, a seu modo, “Integra à Zona 8, na Lei de Zoneamento, a Avenida Brigadeiro Faria Lima, trecho compreendido entre a Avenida Arthur Nonato até a Avenida Coração de Jesus, no bairro Vila São Pedro”, que (fl. 357):

Art. 1º - Integra à Zona 8, na Lei de Zoneamento, a Avenida Brigadeiro Faria Lima, trecho compreendido entre a Avenida Arthur Nonato até a Avenida Coração de Jesus, no bairro Vila São Pedro.

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”.

A Lei nº 11.328, de 17 de maio de 2013, do Município de São José do Rio Preto, “Dispõe sobre a inclusão na Zona 8, na Lei de Zoneamento, da quadra compreendida entre as Avenida Brasilusa, Ruas Comendador Antônio Teixeira Correia Leite, Antônio dos Santos D´Andrade (Rua D), e Américo Gomes Novoa, no bairro Jardim Redentor” (fl. 319 - sic):

Art. 1º - Inclui na Zona 8, na Lei de Zoneamento, a Quadra compreendida entre as Avenida Brasilusa, Ruas Comendador Antônio Teixeira Correia Leite, Antônio dos Santos D´Andrade (Rua ‘D’), e Américo Gomes Novoa, no bairro Jardim Redentor, em São José do Rio Preto.

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor a partir da data de sua publicação.”.

A Lei nº 11.343, de 14 de junho de 2013, de São José do Rio Preto, que “Permite atividade de oficina mecânica de veículos automotores e autopeças em geral na Rua Totó Duarte, nº 1.185, Jardim Roseli”, dispõe (fl. 246):

Art. 1º - Permite a atividade de oficina mecânica de veículos automotores e autopeças em geral na Rua Totó Duarte, nº 1.185, no Jardim Roseli.

Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

A Lei nº 11.373, de 05 de setembro de 2013, de São José do Rio Preto, que “Inclui na Zona 6, na Lei de Zoneamento, toda extensão da Rua João José Lucânia Fernandes, no Bairro São Deocleciano”, assim disciplina (fl. 110):

Art. 1º - Inclui na Zona 6, na Lei de Zoneamento, toda extensão da Rua João José Lucânia Fernandes, no Bairro São Deocleciano.

Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

Não é só. A Lei nº 11.374, de 06 de setembro de 2013, de São José do Rio Preto, “Inclui na Zona 4, na Lei de Zoneamento, prédio instalado na Rua Presciliano Pinto, esquina com a Rua São Domingos, número 2.150, no bairro Jardim Boa Vista, em São José do Rio Preto”, prescreve (fl. 444):

Art. 1º - Inclui na Zona 4, na Lei de Zoneamento, prédio instalado na Rua Presciliano Pinto, esquina com a Rua São Domingos, número 2.150, no bairro Jardim Boa Vista, em São José do Rio Preto.

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor a partir da data de sua publicação.”

A Lei nº 11.386, de 15 de outubro de 2013, de São José do Rio Preto, que “Dispõe sobre a inclusão da Zona 6, na Lei de Zoneamento da Av. Aparecida de Souza Vetorasso, entre as Ruas João Figueira e Nelvo Facchini, no Bairro Residencial Nato Vetorasso”, de São José dos Campos, prescreve (fl. 520):

Art. 1º - Inclui na Zona 6, na Lei de Zoneamento, a Av. Aparecida de Souza Vetorasso, entre as Ruas João Figueira e Nelvo Facchini, no Bairro Residencial Nato Vetorasso.

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor a partir da data de sua publicação.”

A Lei nº 11.534, de 06 de junho de 2014, de São José do Rio Preto, que “Permite atividades de oficina mecânica de veículos automotores em geral na Rua Amauri Sanches Banhos, nº 220, Parque das Amoras”, dispõe (fl. 285):

Art. 1º - Permite a atividade de oficina mecânica de veículos automotores em geral na Rua Amauri Sanches Banhos, nº 220, Parque das Amoras.

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

         Os atos normativos acima transcritos são inconstitucionais, como será demonstrado a seguir.

2. DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

Os referidos diplomas legais e os respectivos processos legislativos contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

As leis locais impugnadas contrastam os seguintes preceitos da Constituição Paulista:

“Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;

II - a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;

(...)

Art. 181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

§ 1º - Os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade de seu território municipal. (g. n.)

(...)”. (grifos nossos)

Os atos normativos em exame foram discutidos e aprovados pela Câmara Municipal, sem que tenha havido efetivo planejamento.

Não há qualquer dúvida quanto à indispensabilidade de planejamento prévio, princípio que deve ser observado na edição de leis relacionadas ao zoneamento e ao uso do solo.

As expressões colocadas em destaque no dispositivo acima transcrito (plano, programas, projetos, diretrizes, plano diretor, uso e ocupação do solo, proteção ambiental, totalidade do território municipal), não deixam qualquer dúvida de que:

(a) é obrigatória a existência de Plano Diretor em todos os Municípios do Estado de São Paulo;

(b) a ocupação e uso do solo devem ser realizados mediante planejamento prévio e com imprescindível participação popular;

(c) esse planejamento e essa participação também são imprescindíveis no que diz respeito à ocupação e uso do solo com vistas à proteção ambiental;

(d) esse planejamento prévio e essa participação popular, que devem estar presentes no processo de elaboração da legislação referente ao uso e ocupação do solo, inclusive com vistas à proteção ambiental, devem ser feitas de modo global, ou seja, contextualizado, levando em consideração todo o território do Município, advindo daí a exigência de que todos os Municípios tenham Plano Diretor.

Em síntese: planejamento prévio, nos termos acima delineados, é imprescindível à legitimidade constitucional da legislação relacionada ao uso do solo, como será pormenorizado.

3.      DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO PLANEJAMENTO

Os atos normativos impugnados desrespeitaram a necessidade de planejamento, princípio que deve ser observado na edição de leis relacionadas ao uso do solo.

Nos termos dos arts. 180, II, e 181, § 1º, da Constituição Estadual, pode-se extrair que planejamento é indispensável à validade e legitimidade constitucional da legislação relacionada ao uso do solo.

Todo e qualquer regramento relativo ao uso e ocupação do solo, seja ele geral ou individualizado (autorização para construção em determinado imóvel, regularização de construção, alteração do uso do solo para determinada via, área ou bairro, etc.), deve levar em consideração a cidade em sua dimensão integral, dentro de um sistema de ordenamento urbanístico, daí a exigência de planejamento e estudos técnicos.

O art. 182, caput, da Constituição Federal disciplina que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

O inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê ainda a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”.

Em decorrência dos dispositivos acima apontados, pode-se concluir que: (a) a adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei; (c) as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a legislação específica sobre uso e ocupação do solo deve pautar-se por adequado planejamento e participação popular.

A norma urbanística é, por sua natureza, uma disciplina, um modo, um método de transformação da realidade, de superposição daquilo que será a realidade do futuro àquilo que é a realidade atual.

Para que a norma urbanística tenha legitimidade e validade deve decorrer de um planejamento que é um processo técnico instrumentalizado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos. Não pode decorrer da simples vontade do administrador, mas de estudos técnicos que visem assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitar, trabalhar, circular e recrear) e garantir o bem-estar de seus habitantes.

O planejamento não é mais um processo discricionário e dependente da mera vontade dos administradores. É uma previsão e exigência constitucional (art. 48, IV, e 182, da CF e art. 180, II, da CE). Tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos e estudos quando se trate da elaboração normativa relativa ao estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano.

O planejamento urbanístico não é um simples fenômeno técnico, mas um verdadeiro processo de criação de normas jurídicas, que ocorre em duas fases: uma preparatória, que se manifesta em planos gerais normativos, e outra vinculante, que se realiza mediante planos de atuação concreta, de natureza executiva.

Discorrendo a respeito do tema, Joseff Woff consigna que o plano urbanístico não constitui simples conjunto de relatórios, mapas e plantas técnicas, configurando um acontecer unicamente técnico. Compenetrando-se da realidade a ser transformada e das operações de transformação que consubstanciam o processo de planejamento, sob pena de ser mera abstração sem sentido, o plano urbanístico adquire, ele próprio, por contaminação necessariamente dialética, as características de um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo, no sentido de que os anteprojetos elaborados por técnicos e especialistas adquirem a categoria de diretrizes para a política do solo e sua edificação, ao mesmo temo que, em seus desdobramentos, se manifesta como conjunto de atos e fundamentos para a produção de atos de atuação urbanística concreta. (El Planeamiento Urbanístico del Território y lãs Normas que Garantizan su Efectividad, conforme a la Ley Federal de Ordenación Urbana, em La Ley Federal Alemana de Ordenación Urbanística y los Municípios, p. 28, apud José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A propósito do tema, José Afonso da Silva chega a observar que:

“Muitos fatores contribuem para dificultar a implantação desse processo, tais como carência de meios técnicos de sustentação, de recursos financeiros e de recursos humanos, bem assim certo temor do Prefeito e da Câmara de que o processo de planejamento substitua sua capacidade de decisão política e de comando administrativo.” (Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A ordenação do uso e ocupação do solo é um dos aspectos substanciais do planejamento urbanístico. Preconiza uma estrutura orgânica para a cidade, mediante aplicação de instrumentos legais como o do zoneamento e de outras restrições urbanísticas que, como manifestação concreta do planejamento urbanístico, tem por objetivo regular o uso da propriedade do solo e dos edifícios em áreas homogêneas no interesse do bem-estar da população, conformando-os ao princípio da função social.

Para que o ordenamento urbanístico seja legítimo, há de ter objetivos públicos, voltados para a realização da qualidade de vida dos habitantes da cidade e de quem por ela circule.

Qualquer atividade urbanística busca a transformação e orientação da realidade das cidades, dando uma sistematização senão a ideal, pelo menos, a possível e mais adequada. Por esse motivo é que alterações das normas que regulam o uso e ocupação do solo dependem de um estudo que deve levar em conta a situação existente e os objetivos do poder público com respeito às características a dar a cidade, segundo as possibilidades atuais e futuras do seu desenvolvimento, tal como precisa ser com qualquer tipo de planejamento.

A sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes e ordenação global da ocupação e uso do solo - evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível.

O ato normativo que altera sensivelmente as condições, limites e possibilidades do uso do solo urbano, sem realização de qualquer planejamento ou estudo específico, viola diretamente a sistemática constitucional na matéria.

Não se admite, nesse quadro, modificações individualizadas, pontuais, casuísticas e dissociadas da estrutura sistêmica da utilização de todo o solo urbano estampadas nas leis de uso e ocupação do solo urbano. Caso contrário, tornaria inócuo e sem qualquer validade todo o planejamento e estudos realizados pelo Poder Executivo, por ocasião da propositura e aprovação da lei complementar que instituiu o Plano Diretor Participativo e o Sistema de Planejamento Integrado e Gestão Participativa do Município.

Acerca da importância do planejamento urbanístico que deve preceder a toda e qualquer legislação elaborada nesta matéria, discorre Toshio Mukai que:

“(...) a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 29).

Do mesmo sentir é o pensamento de José dos Santos Carvalho Filho (Comentários ao Estatuto da Cidade, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris Editora, 2006, p. 25/26), ao afirmar que o planejamento, em matéria urbanística, consiste em:

“(...)
processo prévio de análise urbanística pelo qual o Poder Público formula os projetos para implementar uma política de transformação das cidades com a finalidade de alcançar o desenvolvimento urbano e a melhoria das condições de qualquer tipo de ocupação dos espaços urbanos.

(...)

constitui, indiscutivelmente, um dos princípios básicos do Poder Público.

(...)”.

A partir da análise das leis impugnadas, e de seus respectivos processos legislativos, verifica-se que não estão fundados em planejamento urbanístico destinado a atender os efetivos anseios da cidade e a promover a melhoria das condições de vida dos cidadãos, porquanto buscam regularizar, de forma aleatória e sem qualquer lastro técnico, o uso da propriedade de particulares (comerciantes) específicos.

Senão vejamos.

Em princípio, da justificativa do Projeto referente à Lei nº 11.294/13, de São José do Rio Preto (fl. 34), ficou expressamente consignado:

“Encaminhando à deliberação dessa Casa Legislativa, projeto de lei que visa alterar a Lei do Zoneamento, o trecho da rua Siqueira Campos, entre a avenida Alberto Andaló e a rua Antonio de Godoy, em São José do Rio Preto, atendendo a solicitação de proprietários de comércios do local, visando à adequação dos mesmos.” (sic - grifo nosso).

Por sua vez, no tocante à Lei nº 11.295/13, de São José do Rio Preto, também constou a intenção de favorecer destinatários determinados (fl. 75):

“Encaminhamos à deliberação dessa Casa Legislativa, projeto de lei que visa alterar a Lei do Zoneamento, de toda extensão da Avenida Nelson Sinibaldi, visando atender a solicitação de proprietários de comércio local, para adequação dos mesmos, conforme ofício da Associação de Moradores em anexo” (sic - grifo nosso).

A justificativa expressa no Projeto referente à Lei nº 11.296/13, de São José do Rio Preto, outrossim, deixou o propósito evidente, conforme denota-se do seguinte trecho (fl. 137):

A presente propositura visa regularizar a atividade exercida neste lugar há mais de 01 ano. Apesar de não ser notificado pelo Poder Público, o proprietário, com zelo que lhe é peculiar, tentou se adequar a legislação vigente, mas o obstáculo da Lei do Zoneamento não permitiu sua regularização, principalmente para aquisição de talonário de Notas Fiscais, que exige. (...)”. (sic - grifo nosso)

Seguindo a mesma linha, inclusive com redação equivalente, segue parte da justificativa presente do Projeto que culminou na elaboração da Lei nº 11.297/13, de São José do Rio Preto (fl. 211):

A presente propositura visa liberar a atividade no local. Apesar de estar há mais de cinco anos funcionando no local e ainda não ser notificado pelo Poder Público por ter o ‘Alvará Provisório’, o proprietário, com zelo que lhe é peculiar, tenta se adequar a legislação vigente, mas o obstáculo da Lei do Zoneamento não permitiu sua regularização, principalmente para aquisição de talonário de notas Fiscais, que a Lei exige. (...) O proprietário do estabelecimento, preocupado em se legalizar, comprova sua idoneidade e seu interesse em trabalhar corretamente, dentro da Lei e da ordem pública. (...)”. (sic - grifo nosso)

A seu turno, o Projeto que originou a Lei nº 11.302/13, de São José do Rio Preto, contou com os seguintes embasamentos (fl. 491):

Por solicitação dos moradores e proprietários de imóveis e empresas da Rua Helvécio Afonso de Mello, no trecho compreendido entre as Ruas Maria Francisca Oliveira e João Zanardi, no Bairro Vila Toninho, apresento aos Nobres Vereadores o presente Projeto Lei que altera para Zona 6 o trecho acima mencionado.

No trecho acima mencionado existem alguns barracões construídos há mais de 20 anos e as empresas instaladas nesses barracões funcionavam com a aprovação da Prefeitura. O local foi adquirido por um novo proprietário que necessita da regularização da documentação junto aos órgãos competentes.” (sic - grifo nosso)

A seu turno, a edição da Lei nº 11.303/13, de São José do Rio Preto, foi assim motivada (fl. 402):

“Encaminhamos à deliberação dessa Casa Legislativa, projeto de lei que visa alterar a Lei do Zoneamento, prédio instalado na rua Professor Francisco Felipe Caputo, esquina com a Rua Antônio Munia, número 617, no bairro Jardim Nazaré, em São José do Rio Preto, atendendo a solicitação do proprietário da área, visando à adequação da mesma.” (sic - grifo nosso)

Do mesmo modo, a promulgação da Lei nº 11.327/13, de São José do Rio Preto, cujos objetivos estão assim resumidos (fl. 360):

“Encaminhamos à deliberação dessa Casa Legislativa, projeto de lei que visa alterar a Lei do Zoneamento, da Avenida Brigadeiro Faria Lima, trecho compreendido entre a Avenida Arthur Nonato até a Avenida Coração de Jesus, no bairro Vila São Pedro, visando atender a solicitação de proprietários de comércios local, para a adequação dos mesmos.” (sic - grifo nosso)

Mais sinteticamente, porém sem esconder a intenção de favorecer particulares específicos, constou da justificativa do Projeto da Lei nº 11.328/13, de São José do Rio Preto, que foi elaborado “atendendo a solicitação do proprietário da área, visando à adequação da mesma” (sic - fl. 322).

No mesmo sentido, o Projeto referente à Lei nº 11.343/13, de São José do Rio Preto, do qual se extrai, por oportuno, o seguinte (fl. 250):

“ (...)

É público e notório o interesse de várias empresas, dos mais variados tipos de atividades, de se instalarem na referida área, uma vez que, a mesma se encontra situada em local privilegiado da nossa cidade, ou seja, nas proximidades estabelecimentos bancários, supermercados e outros segmentos que dispensa maiores comentários.

Tal providência visa legalizar a atividade que faz meses atuando no local e que gerará novos empregos, diretos e indiretos, proporcionando entre outros benefícios, o aumento significativo na arrecadação de ISS e ISQN (...)” (sic - grifo nosso)

Com a Lei nº 11.373/13, de São José do Rio Preto, não foi diferente. Restou consignado da justificativa de seu Projeto de Lei que a mudança pretendida objetivou “alterar e regulamentar os comércios e adequar ao zoneamento da faixa da Avenida lateral, Vergílio Dias de Castro, no Bairro São Decleciano” (fl. 114).

Igualmente, a justificativa atinente à elaboração da Lei nº 11.374/13, de São José do Rio Preto, deixou claro que o encaminhamento visou alterar pontualmente a Lei de Zoneamento (fl. 448):

“(...) No prédio atualmente funciona uma rotisseria e para atender as necessidades dos consumidores locais, os proprietários visam transformá-la em um restaurante, para isso, se faz necessária à alteração da lei de zoneamento, proposta no projeto” (sic)

Já no Projeto destinado à aprovação da Lei nº 11.386/13, de São José do Rio Preto, ficou registrado (fl. 523):

“Tendo em vista a necessidade de adequação da lei de zoneamento a fim de regularizar os empreendimentos que nesta área se encontram estabelecidos, peço aprovação dos pares” (sic)

Por fim, do Projeto concernente à Lei nº 11.534/14, de São José do Rio Preto, também há referência expressa ao objetivo de prestigiar particular específico (fl. 288):

“A presente propositura visa regularizar a atividade exercida há no endereço acima citado. O proprietário já tentou se adequar a legislação vigente, mas o obstáculo da Lei do Zoneamento não permitiu sua inteira regularização. A oficina mecânica é tradicional, uma vez estar instalada algum tempo no local e oferecer serviços a contendo e preços acessíveis à população do Bairro e de toda Região. (...)”. (sic)

Pois bem.

Além da evidente intenção de favorecimento de interesses particulares em todos os projetos que originaram as leis impugnadas, estes não foram embasados em estudos e demais planejamentos específicos, os quais também não ocorreram durante as demais fases do processo legislativo. 

A alteração incriteriosa do zoneamento, diga-se, sem planejamento, prescinde e/ou posterga a realização de Estudo de Impacto de Vizinhança/EIV e do Estudo de Impacto Ambiental, acompanhado do Relatório de Impacto ao Meio Ambiente/EIA-RIMA, pelos órgãos e técnicos competentes, que poderiam nortear de forma segura a alteração legislativa, no escopo de garantir a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável da cidade.

Deste modo, padecem de inconstitucionalidade os atos normativos que, sem qualquer estudo prévio consistente, de forma casuística, alteraram o regime jurídico relativamente ao zoneamento ou uso do solo, ferindo frontalmente o disposto no art. 180, II, bem como no art. 181, § 1º, ambos da Constituição Estadual; bem ainda, por força do art. 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos art. 182, caput, e § 1º, e o art. 30, VIII, da CF.

4.      DA PROIBIÇÃO DE CRIAÇÃO DE NORMAS URBANÍSTICAS ALHEADAS AO PLANO DIRETOR

A lei também é inconstitucional por ofensa aos arts. 180, V, e 181, § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo.

Das normas municipais de desenvolvimento urbano se impõe compatibilidade às normas urbanísticas (art. 180, V, Constituição Estadual) e, outrossim, delas se exige, inclusive no tocante às limitações administrativas, que instituam conformidade com diretrizes do plano diretor, que deve caráter integral (art. 181 e § 1º Constituição Paulista).

A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade. O Supremo Tribunal Federal entende possível o contencioso de constitucionalidade sem que se configure contraste entre a lei impugnada e o plano diretor, estimando desafio direto e frontal à Constituição:

“(...) Plausibilidade da alegação de que a Lei Complementar distrital 710/05, ao permitir a criação de projetos urbanísticos ‘de forma isolada e desvinculada’ do plano diretor, violou diretamente a Constituição Republicana. (...)” (STF, QO-MC-AC 2.383-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 27-03-2012, v.u., 28-06-2012).

Como já pormenorizado, as alterações pontuais tiveram como objetivo possibilitar a regularização das atividades comerciais específicas, as quais notadamente exigem planejamento prévio adequado, compatível ao plano diretor.

5.      DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que, ao final, seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade das Leis nº 11.294, de 15 de janeiro de 2013, nº 11.295, de 15 de janeiro de 2013, nº 11.296, de 25 de janeiro de 2013, nº 11.297, de 25 de janeiro de 2013, nº 11.302, de 08 de março de 2013, nº 11.303, de 08 de março de 2013, nº 11.327, de 17 de maio de 2013, nº 11.328, de 17 de maio de 2013, nº 11.343, de 14 de junho de 2013, nº 11.373, de 05 de setembro de 2013, nº 11.374, de 06 de setembro de 2013, nº 11.386, de 15 de outubro de 2013, e nº 11.534, de 06 de junho de 2014, do Município de São José do Rio Preto.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Após, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 03 de maio de 2017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

pss/mjap


                                                                                                                                                                                                              

Protocolado nº 154.281/16

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face Leis nº 11.294, de 15 de janeiro de 2013, nº 11.295, de 15 de janeiro de 2013, nº 11.296, de 25 de janeiro de 2013, nº 11.297, de 25 de janeiro de 2013, nº 11.302, de 08 de março de 2013, nº 11.303, de 08 de março de 2013, nº 11.327, de 17 de maio de 2013, nº 11.328, de 17 de maio de 2013, nº 11.343, de 14 de junho de 2013, nº 11.373, de 05 de setembro de 2013, nº 11.374, de 06 de setembro de 2013, nº 11.386, de 15 de outubro de 2013, e nº 11.534, de 06 de junho de 2014, do Município e São José do Rio Preto.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

3.     Cumpra-se.

São Paulo, 03 de maio de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 pss/mjap