EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

Protocolado n. 165.166/2016

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 2.008, de 15 de julho de 2014, do Município de Bilac. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Ausência de excepcionalidade. Prazo de duração excessivo. Necessidade de interpretação conforme. 1. A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de cabimento. 2. Lei local que genericamente “disciplina as contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” é incompatível com o art. 115, X, CE/89, que reproduz o art. 37, IX, CF/88. 3. A descrição de hipóteses que não denotam transitoriedade e a possibilidade de prorrogação contratual burla o sistema de mérito, compatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 da CE/89). 4. Tampouco é razoável a duração de contratos temporários por prazo total de até 24 (vinte e quatro) meses, impondo interpretação conforme a Constituição, para que referido prazo só alcance as hipóteses de contratação temporária previstas no inciso III do art. 2º da Lei, sendo certo que nas demais hipóteses, a contratação não poderá ter duração superior a 12 meses, tempo razoável para realização de certame.

 

 

         O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 2º, incisos II e IV a VII e art. 3º, caput da Lei nº 2.008, de 15 de julho de 2014, do Município de Bilac, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – OS DISPOSITIVOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

         A Lei nº 2.008, de 15 de julho de 2014, do Município de Bilac, “dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal”, e assim estabelece, no que interessa:

Art. 2º Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público o atendimento de necessidades urgentes, emergenciais e específicas, nos casos de:

I – assistência a situações de calamidade pública;

II – assistência a emergências em saúde pública;

III – substituição de pessoal decorrente de licenças previstas na legislação vigente, inclusive afastamento por nomeação para exercício de cargo em comissão;

IV – cumprimento de convênios ou execução de programas e de ações de natureza emergencial ou transitória;

V – vacância de cargos públicos no período de até 1 (um) ano após o término do prazo de validade do concurso realizado para provê-los, ou da data de publicação do seu resultado final, desde que não tenha havido a inscrição ou a aprovação de qualquer candidato no certame;

VI – contratação de professores para atuar na educação de jovens e adultos ministrada pela rede municipal de ensino;

VII – realização de levantamentos cadastrais e socioeconômicos declarados urgentes e inadiáveis.

Art. 3º As contratações previstas nesta Lei serão efetivadas por meio de contrato administrativo de prestação de serviço, por tempo determinado, pelo prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) meses, podendo ser rescindidos, a qualquer tempo, nas hipóteses previstas no art. 10 desta Lei.

(...)”

Os dispositivos normativos transcritos são inconstitucionais por violação dos arts. 111 e 115, X da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   Os dispositivos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

                   Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

                   O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

                   Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 37, IX, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 115, II e X da Constituição Estadual.

                   A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

                   Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.

                   Os atos normativos em questão são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: 

(...)

X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

A – AS HIPÓTESES DE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PESSOAL

Os incisos II e IV a VII do art. 2º da Lei n. 2.008, de 15 de julho de 2014, arrolam hipóteses de contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, que contrariam o inciso X do art. 115 da Constituição Federal.

                   Assistência a emergências em saúde pública, cumprimento de convênios, execução de programas, vacância em cargos públicos após término de prazo de validade de concurso, contratação de professores e realização de levantamentos cadastrais não têm ontologicamente os requisitos de transitoriedade e excepcionalidade e constituem expressões amplas, genéricas e indeterminadas que não demonstram efetiva excepcionalidade determinada e específica, como exige o parâmetro constitucional.

                   A contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público se destina ao suprimento de necessidade administrativa em face de “circunstâncias que compelem a Administração Pública a adotar medidas de caráter emergencial para atender a necessidades urgentes e temporárias e que desobrigam, por permissivo constitucional, o administrador público de realizar um concurso público para a contratação temporária (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014), sendo, portanto, exigível, para além de outros requisitos, que a contratação tenha como meta o atendimento de necessidade temporária e que esta se qualifique por excepcional interesse público.

                   Tampouco é possível afirmar aprioristicamente que as contratações por tempo determinado para assistência a emergências em saúde pública sejam hábeis para atendimento de necessidade de excepcional interesse público. Surtos e epidemias podem ocorrer, porém, não são suficientes por si próprios para indicar a excepcionalidade da medida se não for agregada à insuficiência de recursos humanos no quadro de pessoal da entidade ou do órgão da Administração Pública.

                   A amplitude, a indeterminação, e a vagueza das expressões permitem aninhar em seu pressuposto qualquer situação na área da saúde sem indicação de seu caráter transitório e extraordinário e da impossibilidade de sua consecução pelo emprego dos recursos humanos ordinários dos quadros da Administração. Tem-se que é “inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja demonstração da necessidade temporária subjacente” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).

         Idêntica premissa se estende à realização de levantamentos cadastrais e socioeconômicos declarados urgentes e inadiáveis, e ao cumprimento de convênios com órgãos estaduais ou federais e execução de programas. O levantamento de dados é atividade ordinária da Administração Pública, a ser desempenhada pela mão-de-obra investida em cargos ou empregos públicos de seu quadro de pessoal, sendo certo que a imprecisão de quando tais levantamentos seriam urgentes ou inadiáveis não permite a identificação da hipótese excepcional que justificaria sua realização por servidores que não aqueles da Administração.

De outro lado, a execução de convênios celebrados com outras esferas públicas não introduz excepcionalidade ou transitoriedade porque a cooperação governamental é comum e a sua celebração implica apoio para desempenho de atividades públicas próprias e permanentes do Município ou que a ele foram delegadas. Acórdão deste colendo Órgão Especial afirma que não anima a contratação temporária o genérico atendimento a objetivos resultantes de quaisquer convênios ou consórcios porque não se presta ao serviço de atividades administrativas permanentes:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PERMITIDA GENERICAMENTE, PARA CONVÊNIOS CELEBRADOS ENTRE O MUNICÍPIO E A UNIÃO OU MUNICÍPIO E ESTADO. MEDIDA EXCEPCIONAL INAPLICÁVEL A FUNÇÕES DE NATUREZA PERMANENTE. MOLÉSTIA AO PRECEITO DO INCISO X DO ARTIGO 115 DA CONSTITUIÇÃO PAULISTA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. AÇÃO PROCEDENTE” (TJSP, ADI 990.10.196095-8, Órgão Especial, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 17-11-2010).

O mesmo ocorre em relação à execução de programas, que devem ficam a cargo do quadro de pessoal permanente da Administração, observando-se que o cumprimento de “ações de natureza emergencial ou transitória” é dotada de generalidade que não permite identificar nem a necessidade temporária e nem o excepcional interesse público.

De outro lado, a possibilidade de contratação temporária de professores para atuar na educação de jovens e adultos na rede municipal de ensino padece de inconstitucionalidade manifesta, pois referidas hipóteses não espelham extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço público, na medida em que traduzem situações concretas ou abstratas, presentes, passadas ou futuras, da rotina administrativa, e cuja execução compete, de ordinário, a servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. Mencionado dispositivo da lei local autoriza a contratação temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à Administração Pública, não configurando situação capaz de legitimar a contratação por tempo determinado.

O mesmo se aplica à contratação derivada da vacância de cargos públicos no período de até um ano após o fim do prazo de validade de concurso para provimento, quando não houver inscrição ou aprovação de candidatos. Admitir a contratação temporária nessas hipóteses, além de não consistir hipótese de excepcional interesse público, significa admitir que o Administrador deixe de tomar as providências necessárias ao provimento de cargos pelo período de um ano, o que vai de encontro ao interesse público.

Destaque-se que a adoção de cláusulas abertas para contratação temporária de servidores, permitindo todo e qualquer preenchimento, não se coaduna com o disposto no art. 115, X da Constituição estadual, porquanto também acaba por delegar ao Administrador a tarefa – específica do legislador – de definir em concreto situações que legitimam a contratação temporária.

Regra constitucional é a admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração Pública mediante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II, da Constituição Federal. Ressalvada a investidura em cargos de provimento em comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa regra.

A Constituição Estadual no art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37, IX, da Constituição da República, possibilitando limitada, residual e excepcionalmente a admissão de pessoal por tempo determinado em razão de necessidade administrativa transitória de excepcional interesse público.

Não é qualquer interesse público que autoriza a contratação temporária – que constitui outra exceção à regra do concurso público – somente aquele que veicula uma necessidade do aparelho administrativo na prestação de seus serviços, devendo, ademais, concorrer a excepcionalidade desse interesse público, a temporariedade da contratação e a submissão à previsão legal, notadamente pela imprevisibilidade e extraordinariedade da situação e a impossibilidade de a Administração Pública acorrê-lo com meios próprios e ordinários de seu quadro de recursos humanos.

A admissão de pessoal a termo, portanto, deve objetivar situações anormais, urgentes, incomuns e extraordinárias que molestem as necessidades administrativas, não se admitindo dissimulação na investidura em cargos ou empregos públicos à margem do concurso público e para além das ressalvas constitucionais, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

Repita-se, por relevante, que a lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade.

Em outras palavras, “empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

                   A admissibilidade da contratação por tempo determinado visa ao “suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

Por fim, consigne-se que o tema foi objeto de Repercussão Geral no Colendo Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:

“Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos.

1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, da constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”.

2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente.

3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.

4. É inconstitucional a lei municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a Constituição Federal.” (REx n. 658.026-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, dje 31/10/2014)    

B – PRAZO DE DURAÇÃO DAS CONTRATAÇÕES

O caput do artigo 3º da Lei nº 2.008, de 15 de julho de 2014 estabelece que as contratações temporárias poderão ser realizadas por até 24 meses.

Adotou-se período excessivo, longo e elástico de contratação, que não ostenta qualquer razoabilidade, o que denota, ademais, nítida intenção de subversão à regra da investidura permanente e efetiva em cargo ou emprego públicos mediante aprovação em prévio concurso público.

A lei de regência da contratação temporária, além de descrever seus pressupostos (as hipóteses abstratas de seu cabimento) deve conter a fixação do período necessário de vigência e eficácia da contratação, que deve ser curto (Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 11. ed., p. 270).

A Suprema Corte deliberou que é razoável prazo de 12 (doze) meses:

“7) A realização de contratação temporária pela Administração Pública nem sempre é ofensiva à salutar exigência constitucional do concurso público, máxime porque ela poderá ocorrer em hipóteses em que não há qualquer vacância de cargo efetivo e com o escopo, verbi gratia, de atendimento de necessidades temporárias até que o ocupante do cargo efetivo a ele retorne. Contudo, a contratação destinada a suprir uma necessidade temporária que exsurge da vacância do cargo efetivo há de durar apenas o tempo necessário para a realização do próximo concurso público, ressoando como razoável o prazo de 12 meses” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014).

No mesmo sentido, o Tribunal Paulista:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u, g.n.)

Ora, admitir a duração máxima dos contratos por até 24 meses, foge da excepcionalidade, notadamente se analisados os incisos I e II do art. 2º, porquanto situações como calamidade pública e emergências relativas à saúde, não são de efeitos prolongados no tempo superior a 12 (doze) meses, e a necessidade de pessoal por conta de vacância empenha de imediato providências para substituição definitiva nas vagas.

Seria inimaginável uma hipótese de calamidade pública com duração de dois anos. Não se poder olvidar que o Município conta com seu quadro de cargos efetivos para atender às demandas que sobrevierem e, além do mais, um ano é período suficiente para a conclusão de concurso público a fim de prover novos cargos.  

De outro lado, não se pode olvidar que o artigo 2º da Lei 2.008, de 15 de julho de 2014, prevê, no inciso III, hipótese de contratação, não impugnada nessa ação, para substituição de pessoal decorrente de licenças previstas na legislação vigente, inclusive afastamento por nomeação para exercício em cargo em comissão.

Trata-se de hipótese em que a contratação temporária não será sucedida da realização de um concurso público. De fato, imagine-se  um professor que tenha obtido uma licença para tratar assuntos particulares pelo prazo de 2 anos. Durante esse período, será viável a contratação temporária e a Administração Pública não terá interesse na realização de concurso público para a referida função, na medida em que, findo o período da licença, o servidor ocupante do cargo efetivo retornará.

Desse modo, o art. 3º da lei municipal deve ser interpretado conforme a Constituição, a fim de que o prazo ali previsto só alcance as hipóteses de contratação temporária previstas no inciso III do art. 2º da Lei nº 2008/14. De outro lado, quando a contratação temporária se der com fundamento nos demais incisos do art. 2º, a contratação temporária não poderá ter duração superior a 12 meses, tempo razoável para a realização do certame.

Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 3649-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, j. 28.05.14.

III – Pedido

Face ao exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 2º, incisos II e IV a VII da Lei nº 2.008, de 15 de julho de 2014, do Município de Bilac e dar intepretação conforme ao art. 3º, caput, da mesma lei, no sentido de que os prazos lá previstos só alcançam as hipóteses de contratação temporária previstas no inciso III do art. 2º da Lei nº 2008/14, sendo certo que nas demais hipóteses, a contratação temporária não poderá ter duração superior a 12 meses, tempo razoável para a realização do certame.

Requer ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Bilac, bem como posteriormente citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os dispositivos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 03 de maio de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado n. 165.166/2016

Interessado:  Promotoria de Justiça de Bilac

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 2.008, de 15 de julho de 2014, do Município de Bilac.

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 2º, incisos II e IV a VII e art. 3º, caput da Lei nº 2.008, de 15 de julho de 2014, do Município de Bilac, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

         São Paulo, 03 de maio de 2017.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

                           Procurador-Geral de Justiça

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