EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 166.853/2016

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 406, de 12 de dezembro de 1994, e alterações posteriores, do Município de Ribeirão Preto. Servidor Público. Remuneração. Gratificações a título de incentivo. 1. A concessão de gratificação, de forma genérica, mediante o cumprimento de deveres inerentes à função, não se compatibiliza com os princípios da moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público. Assiduidade, pontualidade, dedicação e eficiência constituem deveres funcionais elementares que não demandam recompensa, além da contraprestação pecuniária pelo vencimento (Ofensa aos arts. 111 e 128 da CE). 2. Indevida extensão da vantagem remuneratória aos aposentados e pensionistas (Ofensa aos arts. 111 e 128 da CE). 3. Critérios para fixação do valor do prêmio que não obedecem ao postulado da reserva absoluta de lei (Ofensa aos arts. 5º e 24, § 2º, 1, da CE). 4. Inconstitucionalidade por arrastamento do art. 15 da Lei Complementar nº 361/94 e dos decretos que regulamentaram a vantagem do prêmio-incentivo.

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar nº 406, de 12 de dezembro de 1994, e das ulteriores modificações nela introduzidas pelas Leis Complementares nº 408/94 e nº 1.439/03, todas do Município de Ribeirão Preto, assim como, por arrastamento, do art. 15 da Lei Complementar nº 361/94 e também dos decretos regulamentadores relacionados à gratificação ora impugnada: 1) Decreto nº 34/95, publicado no dia 10 de fevereiro de 1995; 2) Decreto nº 35/95, publicado no dia 20 de fevereiro de 1995; 3) Decreto nº 164/95, publicado no dia 23 de agosto de 1995; 4) Decreto nº 11/96, publicado no dia 24 de janeiro de 1996; 5) Decreto nº 249/96, publicado no dia 21 de agosto de 1996; 6) Decreto nº 255/96, publicado no dia 27 de agosto de 1996; 7) Decreto nº 51/01, publicado no dia 21 de março de 2001; 8) Decreto nº 52/01, publicado no dia 21 de março de 2001; 9) Decreto nº 74/07, publicado no dia 28 de março de 2007; 10) Decreto nº 105/08, publicado no dia 23 de abril de 2008; 11) Decreto nº 140/08, publicado no dia 09 de maio de 2008; 12) Decreto nº 166/10, publicado no dia 25 de junho de 2010, todos do Município de Ribeirão Preto, pelos fundamentos a seguir expostos.

 

I.                                           DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

 

         A Lei Complementar nº 361, de 12 de julho de 1994, do Município de Ribeirão Preto, no que interessa ao caso em tela, dispunha:

“Artigo 15 – Ao servidor que nos semestres à iniciar-se em Janeiro e Julho de cada ano, não registrar nenhuma falta e não utilizar do direito da falta abonada prevista na Lei Complementar nº 240/93, será garantido o pagamento de um ‘prêmio por assiduidade ao serviço’ correspondente a 18% (dezoito por cento) da remuneração a ser pago na folha de pagamento em (sessenta) da aquisição do direito.

Parágrafo único – Ao servidor que incorrer em alguma penalidade prevista na norma estatutária ficará automaticamente excluído do ‘prêmio por assiduidade ao serviço’, instituído no presente artigo”.       

Posteriormente, sobreveio a Lei Complementar nº 406, de 12 de dezembro de 1994, do Município de Ribeirão Rio Preto, que instituiu “prêmio-incentivo aos servidores municipais” e revogou o benefício disciplinado pelo art. 15 da Lei Complementar nº 361/94, dispondo:

“Art. 1º - Fica criado o PRÊMIO-INCENTIVO ao servidor público municipal, que será pago mensalmente.

Art. 2º - O PRÊMIO-INCENTIVO, ora instituído, será concedido mediante a avaliação dos seguintes fatores:

I – assiduidade;

II – pontualidade;

III – dedicação;

IV – eficiência e produtividade.

Parágrafo único. Na aferição de assiduidade serão levadas em conta todas as faltas ao serviço. (Redação dada pela Lei Complementar nº 408/1994).

Art. 3º - No que se refere ao fator assiduidade, a não ocorrência de faltas redundará no pagamento do prêmio de 3% (três por cento) ao mês, calculado sobre o padrão de vencimento e apuradas as faltas mês a mês.

§ 1º - Os benefícios de que trata o ‘caput’ deste artigo produzirá seus efeitos a partir de 1º de janeiro de 1.995.

§ 2º - Em razão do benefício de que trata este artigo, ficará revogadas a partir de 12 de janeiro de 1.995, o artigo 15 da Lei Complementar nº 361, de 07 de julho de 1.994.

§ 3º - Os funcionários que fizerem jús ao recebimento do prémio-assiduidade, previsto no artigo 15 da Lei Complementar nº 361, de 07 de julho de 1.994, no período de 1º de julho a 31 de dezembro de 1.994, terão assegurados o direito ao recebimento do percentual constante naquela lei.

Art. 4º - O PRÊMIO-INCENTIVO não poderá ser superior a 50% (cinquenta por cento) do padrão de vencimentos, que será devido em níveis percentuais unificados em relação a todos os cargos, funções, atividades e carreiras funcionais, e será também devido durante os afastamentos em virtude de: férias, acidente de trabalho, doença profissional, licença gestante e licença para tratamento de saúde, esta última hipótese restrita aos casos de internação hospitalar, intervenções cirúrgicas e outras situações que possam ser definidas pela Junta Médica Oficial do Município.

§ 1º - Ficam ressalvadas os direitos adquiridos na legislação anterior, quanto à produtividade, não podendo, contudo, haver duplicidade de recebimentos em relação ao benefício instituído por esta lei.

§ 2º - A Concessão dos benefícios da presente lei não servirá de base, sob qualquer título, condição ou pretexto, na apuração das perdas de vencimentos e salários, acumuladas pelos servidores durante o exercício de 1.994, e que serão objeto de apuração quando da data-base para o reajuste e/ou majoração remuneratória dos servidores municipais.

Art. 5º - O Poder Executivo, a partir de acordo com o conjunto de representantes das diversas categorias que compõem o quadro de servidores municipais, fixará os percentuais do prêmio-incentivo.

Parágrafo único – O encaminhamento das deliberações tomadas pelo conjunto de representantes das categorias, será feito pelo Sindicato dos Servidores Municipais de Ribeirão Preto. (Redação dada pela Lei Complementar nº 408/1994)

Art. 6º - Fica assegurado o direito ao recebimento do prêmio incentivo aos aposentados e pensionistas municipais, incidindo com relação aos aposentados a contribuição previdenciária. (Redação da pela Lei Complementar nº 1.439/2003)

Art. 7º - O prêmio incentivo não se incorporará aos vencimentos ou salários para nenhum efeito, não comporá a base de cálculo para vantagens de qualquer natureza e sobre ele incidirá contribuição previdenciária. (Redação dada pela Lei Complementar nº 1.439/2003)

Art. 8º - As despesas decorrentes desta lei correrão à cinta das dotações próprias do orçamento (Prefeitura, Câmara e Autarquias Municipais), suplementadas oportunamente, se necessário.

Art. 9º - Esta lei complementar entrará em vigor na data de sua publicação, retroagindo seus efeitos a 1º de dezembro de 1.994.

Art. 10 – Revogam-se as disposições em contrário”.

Finalmente, anote-se que, para regulamentar o prêmio-incentivo, sobrevieram os seguintes decretos ainda vigentes: 1) Decreto nº 34/95, publicado no dia 10 de fevereiro de 1995; 2) Decreto nº 35/95, publicado no dia 20 de fevereiro de 1995; 3) Decreto nº 164/95, publicado no dia 23 de agosto de 1995; 4) Decreto nº 11/96, publicado no dia 24 de janeiro de 1996; 5) Decreto nº 249/96, publicado no dia 21 de agosto de 1996; 6) Decreto nº 255/96, publicado no dia 27 de agosto de 1996; 7) Decreto nº 51/01, publicado no dia 21 de março de 2001; 8) Decreto nº 52/01, publicado no dia 21 de março de 2001; 9) Decreto nº 74/07, publicado no dia 28 de março de 2007; 10) Decreto nº 105/08, publicado no dia 23 de abril de 2008; 11) Decreto nº 140/08, publicado no dia 09 de maio de 2008; 12) Decreto nº 166/10, publicado no dia 25 de junho de 2010, todos do Município de Ribeirão Preto.

 

II. O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

 

         Os dispositivos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

         Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

         As regras jurídicas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Artigo 24 – A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governado do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1)    Criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração.

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)”.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

III.A. “PRÊMIO-INCENTIVO” EM DESACORDO COM OS PARÂMETROS DOS ARTS. 111 E 128 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL

 

As vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

Enquanto o adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição pelo desempenho de atribuições especiais ou condições inerentes ao cargo (ex facto officii), a gratificação constitui recompensa pelo desempenho de serviços comuns em condições anormais ou adversas (condições diferenciadas do desempenho da atividade – propter laborem) ou retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor (propter personam) [Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760].

A doutrina tradicional assinala que: “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452).

Aprofundando-se na distinção, tem-se, então, que: “a gratificação é uma vantagem relacionada a circunstâncias subjetivas do servidor, enquanto o adicional se vincula a circunstâncias objetivas. (...) dois servidores que desempenhem um mesmo cargo farão jus a adicionais idênticos. Já as gratificações serão a eles concedidas em vista das características individuais de cada um. No entanto, é evidente que tais gratificações se sujeitam ao princípio da isonomia, de modo a que dois servidores que apresentem idênticas circunstâncias objetivas farão jus a benefícios iguais” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 761).

Vale dizer: os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias.

Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85). 

Ademais, oportuno admoestar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).  

Os adicionais são devidos em razão do tempo de serviço (adicionais de vencimento ou por tempo de serviço) ou do exercício de cargo (condições inerentes ao cargo) que exige conhecimentos especializados ou regime especial de trabalho (adicionais de função) como melhora de retribuição. O adicional de função (ex facto officii) repousa no trabalho que está sendo feito (pro labore faciendo), razão pela qual cessado seu motivo, elide-se o respectivo pagamento, e compreende as seguintes espécies: “de tempo integral (regime em que o servidor fica inteiramente à disposição da pessoa a que se liga e proibido de exercer qualquer outra atividade pública ou privada), de dedicação plena (regime em que o servidor desempenha suas atribuições exclusivamente à pessoa pública a que se vincula, sem estar impedido de desempenhar outras em entidade pública ou privada, diversas das que desempenha para a pessoa pública em regime de dedicação plena) e de nível universitário (desempenho de atribuições que exige um conhecimento especializado, só alcançado pelos detentores de títulos universitários)” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., pp. 230-231).

As gratificações são precária e contingentemente instituídas para o desempenho de serviços comuns em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço) ou a título de ajuda em face de certos encargos pessoais (gratificações pessoais). A gratificação de serviço é “propter laborem” e “é outorgada ao servidor a título de recompensa pelos ônus decorrentes do desempenho de serviços comuns em condições incomuns de segurança ou salubridade, ou concedida para compensar despesas extraordinárias realizadas no desempenho de serviços normais prestados em condições anormais” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 232), albergando, por exemplo, situações como risco de vida ou saúde, serviços extraordinários (prestação fora da jornada de trabalho), local de exercício ou da prestação do serviço, razão do trabalho (bancas, comissões).

É assaz relevante destacar que “o que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor”, razão pela qual “essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., pp. 457-458).        

Partindo dessa conceituação, patente a inconstitucionalidade do “prêmio-incentivo” para servidores ora debatido, nos moldes estabelecidos pela legislação do Município do Ribeirão Preto.

Embora não se desconsiderem a importância e a necessidade de bem remunerar os servidores públicos, é necessário que a vantagem pecuniária atenda efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço, assim como respeite os princípios orientadores da Administração Pública, constitucionalmente previstos.

In casu, a criação do “prêmio-incentivo” não atende a nenhum interesse público, e tampouco às exigências do serviço, servindo apenas como mecanismo destinado a dissimular aumento de remuneração do servidor.

Lembre-se que o legislador estabeleceu que o referido “prêmio-incentivo” deveria ser concedido a partir de avaliação dos seguintes fatores: assiduidade, pontualidade, dedicação, eficiência e produtividade.

Todavia, tais aspectos são atributos intrínsecos ao exercício de qualquer função pública, não podendo ser considerados critérios para concessão da vantagem ora impugnada.

Qualquer que seja a fonte doutrinária adotada para o estudo da matéria, infere-se que, se não há uma razão peculiar que vá além do simples exercício da própria função inerente ao cargo, não se justifica a instituição, por lei, de vantagem pessoal na gratificação.

Por outras palavras, não havendo razão peculiar para além do assíduo e produtivo exercício da própria função inerente ao cargo, não se justifica a instituição, por lei, de vantagem pessoal na forma de adicional, gratificação ou de qualquer outro nomen iuris que se lhe atribua.

Isso equivale, na prática, à fixação de benefício sem indicação de fundamento e contraria, além disso, o disposto no art. 128 da Constituição do Estado, pelo qual “as vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço”, bem como os princípios da razoabilidade e da moralidade, previstos no art. 111 da Constituição Paulista.

No tocante à assiduidade, este colendo Órgão Especial julgou:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Adicional de assiduidade. Município de Chavantes. Artigos 43, 44 e 45 da Lei Complementar 127/2012 (Dispõe sobre o Plano de Cargos, Vencimentos e Evolução Funcional dos Profissionais do Magistério Público e dá outras providências). Inconstitucionalidade. Ausência de critério, pois não se foi além da assiduidade, dever e obrigação do servidor. Dispositivos que em nada asseguram valorização dos profissionais do magistério. Ação procedente” (ADI 2140689-75.2014.8.26.0000, Rel. Des. Borelli Thomaz, v.u., 28-01-2015).

Com efeito, a criação de gratificação, valendo-se de deveres intrínsecos ao desempenho de função pública, expõe a Administração Pública a tratamentos desigualitários, imorais, desarrazoados e, sobretudo, distantes do interesse público primário.

Trata-se, na realidade, de indiscriminado aumento indireto e dissimulado da remuneração, alheio aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos.

 

III.B. EXTENSÃO INDEVIDA DO PRÊMIO-INCENTIVO AOS APOSENTADOS E PENSIONSITAS

 

Demais disso, acrescente-se que representa flagrante violação aos princípios da moralidade e da razoabilidade constitucionalmente previstos a extensão aos servidores aposentados e aos pensionistas do “prêmio-incentivo” ora impugnado, que fora realizada pelo art. 6º da Lei Complementar nº 406/94, com a redação conferida pela Lei Complementar nº 1.439/03.

Servidores aposentados e pensionistas não estão atuando e, por conseguinte, não há meios para se aferir, mensalmente, a sua assiduidade, pontualidade, dedicação, eficiência e produtividade.

Anote-se, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu como tese de repercussão geral tal temática:

“O termo inicial do pagamento diferenciado das gratificações de desempenho entre servidores ativos e inativos é o da data da homologação do resultado das avaliações, após a conclusão do primeiro ciclo de avaliações, não podendo a Administração retroagir os efeitos financeiros a data anterior”. (Tema 664, RE 662406)

Logo, a extensão a aposentados e pensionistas representa outro vício de inconstitucionalidade, com fulcro nos arts. 111 e 128 da Constituição Estadual.

 

III.C. FIXAÇÃO DO VALOR DO PRÊMIO-INCENTIVO EM DESACORDO O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E DA RESERVA DE LEI DE INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO

 

Além das ponderações anteriores, é relevante enfatizar que a lei não fixou critérios objetivos para a concessão do “prêmio-incentivo”, isto é, para a efetiva avaliação de todos os fatores que fundamentam o benefício, sobretudo no tocante a pontualidade, dedicação e produtividade.

E mais, a Lei Complementar Municipal nº 406/94, em seu art. 5º, nada obstante tenha estabelecido o patamar máximo de 50% do padrão de vencimentos para a referida gratificação, dispôs que o Poder Executivo, a partir de acordo com o conjunto de representantes das diversas categorias que compõem o quadro de servidores, fixará os percentuais do “prêmio-incentivo”.

Em suma, a disposição legal aberta, pouco precisa e subordinada a acordo com representantes das categorias de servidores sobre as condições para recebimento da gratificação e os respectivos percentuais de incidência afrontou o princípio da reserva absoluta de lei prevista pelo art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual.

No mais, cumpre enfatizar que, em torno do tema, o Supremo Tribunal Federal prestigia a prevalência da reserva legal na remuneração dos servidores públicos e sua indelegabilidade e o respeito aos princípios constitucionais:

“O tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em conseqüência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurídica, emanados de fontes normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao âmbito de atuação do Poder Legislativo, notadamente quando se tratar de imposições restritivas ou de fixação de limitações quantitativas ao estipêndio devido aos agentes públicos em geral. - O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei - analisada sob tal perspectiva - constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes” (STF, ADI-MC 2.075-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 07-02-2001, v.u., DJ 27-06-2003, p. 28).

“Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art. 52, XIII. Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto n. 01, de 5-11-2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados” (STF, ADI 3.369-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, 16-12-2004, DJ 01-02-2005).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Resoluções n.ºs 26, de 22/12/94; 15, de 23/10/97, e 16, de 30/10/97, todas do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, havendo a primeira criado a gratificação de representação, correspondente a 40% do valor global atribuído a diversos cargos, estendendo-a, inclusive, aos inativos que se aposentaram em cargos de igual denominação ou equivalente. 2. Alegação de ofensa a funções privativas dos Poderes Legislativo e Executivo. 3. Medida cautelar deferida e suspensa, com eficácia ex nunc, a eficácia das Resoluções impugnadas. 4. Procedência da alegação de ofensa a funções privativas dos Poderes Legislativo e Executivo, eis que há necessidade de lei em sentido formal para a criação de vantagens pecuniárias a servidores do Poder Judiciário. 5. A Lei Magna não assegura aos Tribunais fixar, sem lei, vencimentos ou vantagens a seus membros ou servidores. 6. Jurisprudência do STF no sentido de que ‘não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob o fundamento da isonomia’ (Súmula 339 e ADINs n.º 1776, 1777 e 1782). 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente”(STF, ADI 1.732-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, 17-04-2002, v.u., DJ 07-06-2002, p. 81).

Completando, ainda se impõe mencionar que o Supremo Tribunal Federal também editou a Súmula 679, que guarda relação com o caso em tela e merece ser invocada:

 “Súmula 679. A fixação de vencimentos dos servidores públicos não pode ser objeto de convenção coletiva”.

Diante da impossibilidade de estabelecimento dos critérios objetivos para concessão de vantagem por meio de decreto e após acordo com representantes das categorias de servidores, conclui-se que o “prêmio-incentivo” é outorgado sem critérios definidos por lei, o que viola o disposto no art. 128 da Constituição do Estado, pelo qual “as vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço”, bem como a iniciativa do Poder Executivo para projetos de lei sobre remuneração de servidores e o princípio da separação de poderes.       

Neste momento e por oportuno, frise-se que o reconhecimento da inconstitucionalidade da vantagem impugnada não importa em violação ao princípio da irredutibilidade dos vencimentos dos servidores públicos, previsto no art. 115, XVII, da CE, ou mesmo do direito adquirido, pois estes princípios pressupõem a legalidade, moralidade e razoabilidade do adicional, não podendo, portanto, ser invocados para amparar pagamentos flagrantemente contrários aos princípios constitucionais da Administração Pública.

Por todo o exposto, conclui-se que são inconstitucionais a Lei Complementar nº 406, de 12 de dezembro de 1994 e as modificações nela promovidas pelas Leis Complementares nº 408/1994 e nº 1439/03, todas do Município de Ribeirão Preto.

        

IV. INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO

 

Para finalizar, importa dizer que, acolhido o pedido da presente ação direta de inconstitucionalidade, será automaticamente restaurado o art. 15 da Lei Complementar nº 361/94, que fora expressamente revogado pelo art. 3º, § 2º, da Lei Complementar nº 406/94.

         Embora tenha contemplado gratificação diversa denominada “prêmio por assiduidade ao serviço”, desponta claro da leitura do dispositivo em questão que trata de vantagem do mesmo jaez concedida com base tão-somente na assiduidade do servidor público e que, pelos mesmos fundamentos acima indicados (III.A), deve ser declarado inconstitucional por arrastamento.

         Neste passo, cumpre lembrar que a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento é possível sempre que: a) o reconhecimento da inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal torna despidos de eficácia e utilidade outros preceitos do mesmo diploma, ainda que não tenham sido impugnados; b) nos casos em que o efeito repristinatório restabelece dispositivos já revogados pela lei viciada que ostentem o mesmo vicio; c) quando há na lei dispositivos que não foram impugnados, mas guardam direta relação com aqueles cuja inconstitucionalidade é reconhecida.

Anote-se que, restabelecidos os efeitos da lei revogada, dá-se o que se chama de efeito indesejado, já havendo assentado o Supremo Tribunal Federal que:

"A reentrada em vigor da norma revogada nem sempre é vantajosa. O efeito repristinatório produzido pela decisão do Supremo, em via de ação direta, pode dar origem ao problema da legitimidade da norma revivida. De fato, a norma reentrante pode padecer de inconstitucionalidade ainda mais grave que a do ato nulificado. Previne-se o problema com o estudo apurado das eventuais conseqüências que a decisão judicial haverá de produzir. O estudo deve ser levado a termo por ocasião da propositura, pelos legitimados ativos, de ação direta de inconstitucionalidade. Detectada a manifestação de eventual eficácia repristinatória indesejada, cumpre requerer igualmente, já na inicial da ação direta, a declaração da inconstitucionalidade, e, desde que possível, a do ato normativo ressuscitado" (STF, ADI-MC 2.621-DF, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2002).

Nesse contexto, a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento do art. 15 da Lei Complementar nº 361/94 é medida de rigor, pois referida norma apresenta o mesmo vício que macula o ato normativo que figura como objeto principal desta ação direta de inconstitucionalidade.

Finalmente, são inconstitucionais, por arrastamento vertical, os decretos regulamentadores relacionados ao “prêmio-incentivo” ora impugnada vigentes: 1) Decreto nº 34/95, publicado no dia 10 de fevereiro de 1995; 2) Decreto nº 35/95, publicado no dia 20 de fevereiro de 1995; 3) Decreto nº 164/95, publicado no dia 23 de agosto de 1995; 4) Decreto nº 11/96, publicado no dia 24 de janeiro de 1996; 5) Decreto nº 249/96, publicado no dia 21 de agosto de 1996; 6) Decreto nº 255/96, publicado no dia 27 de agosto de 1996; 7) Decreto nº 51/01, publicado no dia 21 de março de 2001; 8) Decreto nº 52/01, publicado no dia 21 de março de 2001; 9) Decreto nº 74/07, publicado no dia 28 de março de 2007; 10) Decreto nº 105/08, publicado no dia 23 de abril de 2008; 11) Decreto nº 140/08, publicado no dia 09 de maio de 2008; 12) Decreto nº 166/10, publicado no dia 25 de junho de 2010, todos do Município de Ribeirão Preto.

 

V. DO PEDIDO

 

         Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do “prêmio-incentivo” criado pela Lei Complementar nº 406, de 12 de dezembro de 1994 e as modificações nela promovidas pelas Leis Complementares nº 408/1994 e nº 1439/03, assim como, por arrastamento, do art. 15 da Lei Complementar nº 361/94 e também dos decretos regulamentadores relacionados à gratificação ora impugnada: 1) Decreto nº 34/95, publicado no dia 10 de fevereiro de 1995; 2) Decreto nº 35/95, publicado no dia 20 de fevereiro de 1995; 3) Decreto  nº 164/95, publicado no dia 23 de agosto de 1995; 4) Decreto nº 11/96, publicado no dia 24 de janeiro de 1996; 5) Decreto nº 249/96, publicado no dia 21 de agosto de 1996; 6) Decreto nº 255/96, publicado no dia 27 de agosto de 1996; 7) Decreto nº 51/01, publicado no dia 21 de março de 2001; 8) Decreto nº 52/01, publicado no dia 21 de março de 2001; 9) Decreto nº 74/07, publicado no dia 28 de março de 2007; 10) Decreto nº 105/08, publicado no dia 23 de abril de 2008; 11) Decreto nº 140/08, publicado no dia 09 de maio de 2008; 12) Decreto nº 166/10, publicado no dia 25 de junho de 2010, todos do Município de Ribeirão Preto.

         Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Ribeirão Preto, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 05 de maio de 2017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

pss


Protocolado nº 166.853/16

 

 

1)    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Complementar nº 406, de 12 de dezembro de 1994 e as modificações nela promovidas pelas Leis Complementares nº 408/1994 e nº 1439/03, assim como, por arrastamento, do art. 15 da Lei Complementar nº 361/94 e também dos decretos regulamentadores relacionados à gratificação ora impugnada: 1) Decreto nº 34/95, publicado no dia 10 de fevereiro de 1995; 2) Decreto nº 35/95, publicado no dia 20 de fevereiro de 1995; 3) Decreto  nº 164/95, publicado no dia 23 de agosto de 1995; 4) Decreto nº 11/96, publicado no dia 24 de janeiro de 1996; 5) Decreto nº 249/96, publicado no dia 21 de agosto de 1996; 6) Decreto nº 255/96, publicado no dia 27 de agosto de 1996; 7) Decreto nº 51/01, publicado no dia 21 de março de 2001; 8) Decreto nº 52/01, publicado no dia 21 de março de 2001; 9) Decreto nº 74/07, publicado no dia 28 de março de 2007; 10) Decreto nº 105/08, publicado no dia 23 de abril de 2008; 11) Decreto nº 140/08, publicado no dia 09 de maio de 2008; 12) Decreto nº 166/10, publicado no dia 25 de junho de 2010, todos do Município de Ribeirão Preto, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

 

2)    Oficie-se à douta Promotoria de Justiça de Ribeirão Preto, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 05 de maio de 2017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

pss