Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado nº 159.897/2016

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Pensão Mensal Vitalícia para Ex-Prefeitos, Viúvas, Filhos menores de 18 anos e ex-Vice Prefeitos portadores de deficiência física. Ofensa aos princípios da impessoalidade, moralidade, razoabilidade e interesse público. Violação ao princípio federativo. competência Privativa da União para legislar sobre seguridade social. estabelecimento de benefício previdenciário sem fonte de custeio. 1. Ofende os princípios da impessoalidade, moralidade, razoabilidade e interesse público a instituição, por lei municipal, de pensão mensal vitalícia a agente político municipal, investido em mandato, e sua extensão a familiares. 2. Representa invasão da competência privativa da União para legislar sobre seguridade social a lei municipal que institui tal benefício. 3. Ausência de indicação de fonte de custeio na criação de benefício de caráter previdenciário evidencia inconstitucionalidade na criação do benefício. 

 

 

        

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos arts. 227, caput e §§ 1º, 2º e 3º, e 227-A e 228, da Lei Orgânica do Município de Caraguatatuba, de 05 de abril de 1990, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – O Ato Normativo Impugnado

 

         A Lei Orgânica do Município de Caraguatatuba, de 05 de abril de 1.990, estabelece:

“Art. 227 - Fica instituída pensão mensal vitalícia ao ex-Prefeito Municipal, com a idade superior a sessenta anos de idade, calculada na base de cinco salários mínimos mensais.

§ 1º - Para gozar do benefício de que trata esta lei, o beneficiário deverá ter exercido, em qualquer tempo, o mandato direto ou indireto de Prefeito Municipal, pelo período de quatro anos corridos, comprovados com atestado de exercício fornecido pela Câmara Municipal.

§ 2º - O benefício é extensivo à viúva, com o limite de idade e proporção financeira, bem como ao menor dependente de até 18 anos de idade, quando houver, sujeito o recebimento do benefício ao alvará do Juizado de Menores da Comarca.

§ 3º - Se o beneficiário voltar a exercer mandato eletivo remunerado, terá suspenso, dentro do mandato, o benefício do recebimento da pensão mental vitalícia, com direito à reabilitação de sua percepção, mediante requerimento ao Executivo.

Art. 227-A – Conceder-se-á pensão mensal vitalícia ao ex-Vice-Prefeito Municipal que, tendo exercido o cargo por qualquer tempo e independente de sua idade, seja portador de deficiência física permanente que o impeça de prover sua própria subsistência e não conte com qualquer fonte de rendimentos, calculada na base de quatro salários mínimos mensais. (artigo acrescido pela Emenda nº 19, de 19/11/97)

Art. 228 – O Poder executivo fará constar, em seu orçamento anual, verba própria à finalidade, e regulamentará, no que necessário, a forma de percebimento da pensão vitalícia”.

 

         Os dispositivos acima transcritos estão em flagrante afronta às disposições constitucionais estaduais, conforme será exposto abaixo.

 

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

         O estabelecimento de pensão mensal vitalícia para ex-Prefeitos, seus familiares e Vice-Prefeitos contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

         Os dispositivos normativos contestados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

         Por fim, frise-se que o art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal, determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

         Pois bem, diante de uma ordem constitucional republicana, que subordina a Administração Pública, dos três níveis da Federação, aos princípios da impessoalidade, da moralidade, da razoabilidade e do interesse público, não podem ser admitidos privilégios em favor de agentes políticos e seus familiares.

A instituição da referida pensão mensal vitalícia viola o princípio da impessoalidade, porque confere benefício a uma categoria de agentes políticos sem qualquer fundamento legítimo que torne as pessoas destinatárias merecedoras da pensão mensal. 

Afronta o princípio da moralidade, porque não está em consonância com ditames de justiça, equidade, honestidade.

Igualmente não está de acordo com o princípio da razoabilidade, já que não há fundamentos de fato ou de direito que possam sustentá-la e não evidencia qualquer proporcionalidade entre os gastos do erário público para pagamento de pensão por tempo indefinido e o benefício alcançado pela população que contribui para as despesas. Não se vislumbra qualquer razoabilidade no fato de uma pessoa exercer o cargo de Prefeito por um mandato e, por tal motivo, ela própria, sua esposa ou filho menor de dezoito anos ser contemplado com uma pensão de tal jaez.

Neste passo, é relevante mencionar que a Constituição da República, em seu art. 203, V, cuida da “garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

Ora, tendo qualquer brasileiro portador de deficiência ou idoso sem condições de prover o seu sustento o direito ao recebimento de um salário-mínimo mensal, não se afigura razoável que, no Município de Caraguatatuba, seja instituído benefício do mesmo jaez para ex-Prefeito idoso, familiares seus e ex-Vice Prefeito portador de deficiência física sem condições de prover o próprio sustento. Nada diferencia as pessoas que exercem tais mandatos e seus familiares das demais pessoas a ponto de justificar a instituição dos benefícios ora impugnados.

Para completar, não se identifica qualquer interesse público no estabelecimento na concessão do benefício.

Porém, não é só.

A pensão mensal ora debatida viola os arts. 22, XIII, e 195, § 5º, da Constituição Federal, que devem ser observados pelos Municípios, por força do art. 144 da Constituição Estadual.

O mencionado art. 144 da Constituição Estadual é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal.

Explicando melhor, verifica-se que a lei questionada na presente ação trata de seguridade social e da forma de custeio de benefício, disciplinando questões que não eram de sua alçada enquanto ente federativo e de forma contrária a normas constitucionais federais que deveria respeitar.

Lembre-se que o art. 22, XXIII, da Constituição da República dispõe:

“Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

XXIII – seguridade social”.

Evidente, por conseguinte, que os dispositivos contestados afrontam a competência privativa legislativa da União e, por conseguinte, a repartição constitucional de competências entre os entes federativos, consagrada pelos arts. 1º e 18 da Constituição da República.

Frise-se que não pode o legislador municipal, ainda que a pretexto de legislar sobre assuntos de interesse local ou suplementar a legislação Federal ou Estadual de ordem geral, nos termos do art. 30, I e II, da CF, invadir a competência legislativa destes entes federativos superiores (RE 313.060, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-11-2005, Segunda Turma, DJ de 24-2-2006).

Desse modo, pode-se afirmar que a lei municipal ora debatida, ao tratar de matéria cuja competência é do legislador federal, desrespeitou a repartição constitucional de competências, violando o princípio federativo.

A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre União, Estado e Município. É através desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.

Logo, é princípio a ser respeitado, nos termos do art. 144 da Constituição Estadual, e que não o foi.

E, complementando, lembre-se que o art. 195, § 5º, da CF, apresenta a seguinte redação:

“Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.

Conquanto o art. 228 ora impugnado preveja que o Poder Executivo deve fazer constar de orçamento anual verba própria à finalidade, tal previsão não é suficiente para atendimento ao previsto pelo art. 195, § 5º, da CF.

Na prática, a previsão atribui todo o ônus financeiro ao erário municipal, o que não pode ser aceito, em se tratando de benefício previdenciário que deve ter caráter contributivo, nos termos do art. 201 da Constituição Federal.

Destarte, os dispositivos municipais impugnados violam disposições da Constituição Federal, cujo respeito é obrigatório para o Município, por força da norma remissiva do art. 144 da Constituição Estadual.

Em suma, é flagrante a ofensa à Constituição Estadual pelos dispositivos municipais debatidos.

         E, neste sentido, pronuncia-se o Supremo Tribunal Federal:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 35, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2006, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. ACRÉSCIMO DO ART. 29-A, CAPUT e §§ 1º, 2º E 3º, DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS GERAIS E TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO SUL-MATO-GROSSENSE. INSTITUIÇÃO DE SUBSÍDIO MENSAL E VITALÍCIO AOS EX-GOVERNADORES DAQUELE ESTADO, DE NATUREZA IDÊNTICA AO PERCEBIDO PELO ATUAL CHEFE DO PODER EXECUTIVO ESTADUAL. GARANTIA DE PENSÃO AO CÔNJUGE SUPÉRSTITE, NA METADE DO VALOR PERCEBIDO EM VIDA PELO TITULAR.1. Segundo a nova redação acrescentada ao Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição de Mato Grosso do Sul, introduzida pela Emenda Constitucional n. 35/2006, os ex-Governadores sul-mato-grossenses que exerceram mandato integral, em 'caráter permanente', receberiam subsídio mensal e vitalício, igual ao percebido pelo Governador do Estado. Previsão de que esse benefício seria transferido ao cônjuge supérstite, reduzido à metade do valor devido ao titular. 2. No vigente ordenamento republicano e democrático brasileiro, os cargos políticos de chefia do Poder Executivo não são exercidos nem ocupados ‘em caráter permanente’, por serem os mandatos temporários e seus ocupantes, transitórios. 3. Conquanto a norma faça menção ao termo ‘benefício’, não se tem configurado esse instituto de direito administrativo e previdenciário, que requer atual e presente desempenho de cargo público. 4. Afronta o equilíbrio federativo e os princípios da igualdade, da impessoalidade, da moralidade pública e da responsabilidade dos gastos públicos (arts. 1º, 5º, caput, 25, § 1º, 37, caput e inc. XIII, 169, § 1º, inc.I e II, e 195, § 5º, da Constituição da República). 5. Precedentes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 29-A e seus parágrafos do Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul” (STF, ADI 3.853-MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 12-09-2007, m.v., DJ 26-10-2007, p. 29, RTJ 203/139).

         E esta Corte Paulista igualmente:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DISPOSITIVO DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE MONTEIRO LOBATO QUE CRIA BENEFÍCIO DE PENSÃO MENSAL E VITALÍCIA PARA VIÚVA DE EXPREFEITO. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, INTERESSE PÚBLICO, IMPESSOALIDADE E DO REGIME PREVIDENCIÁRIO CONTRIBUTIVO. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. AÇÃO PROCEDENTE”.

(ADIN n° 0205868-92.2011.8.26.0000, julgamento no dia 07/11/12)

“Ação direta de inconstitucionalidade – Lei Municipal n° 2.582/96, que autorizou o pagamento de pensão vitalícia a viúva de ex-prefeitos municipais, em valor correspondente a três salários base do município de Olímpia - Benefício de caráter previdenciário que foi instituído sem a correspondente fonte de custeio – Vício de inconstitucionalidade material configurado, por afronta ao disposto nos artigos 111, 128 e 144, todos da Carta

Estadual - Ação procedente”.

(ADIN n° 0288960-65.2011.8.26.0000, julgamento no dia 13/06/12)

Portanto, o benefício instituído pelos dispositivos impugnados é incompatível com os princípios constitucionais basilares de um Estado Democrático e Direito.

 

III – Pedido liminar

 

         À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Caraguatatuba apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, de maneira a evitar maior oneração do erário, que já vem sendo lesado há tantos anos com a criação de um privilégio totalmente contrário a princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.

         À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento dos arts. 227, caput e §§ 1º, 2º e 3º, e 227-A e 228, da Lei Orgânica do Município de Caraguatatuba, de 05 de abril de 1990.

 

IV - Pedido

 

Face ao exposto, requerer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para reconhecer a inconstitucionalidade dos arts. 227, caput e §§ 1º, 2º e 3º, e 227-A e 228, da Lei Orgânica do Município de Caraguatatuba, de 05 de abril de 1990.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e ao Presidente da Câmara Municipal de Caraguatatuba, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os dispositivos normativos impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                            Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 19 de maio de 2017.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

pss

Protocolado 159.897/16

Assunto: Pensões ilegais para ex-Prefeitos

 

 

 

1.           Distribua-se ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado em epígrafe mencionado, em face dos arts. 227, caput e §§ 1º, 2º e 3º, e 227-A e 228, da Lei Orgânica do Município de Caraguatatuba, de 05 de abril de 1990.

2.           Ciência ao interessado, remetendo-lhe cópia da petição inicial e deste despacho.

São Paulo, 19 de maio de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

pss