EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 174.228/2016

 

 

Ementa:

1)      Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III, IV, V, VI e VII, do art. 2º e art. 3º da Lei nº 1.719, de 09 de março de 2001, Lei nº 1.812, de 10 de julho de 2003, e Lei nº 2.329, de 17 de maio de 2011, todas do Município de Guaiçara.

2)      A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de cabimento.

3)      Lei local que genericamente “Dispõe sobre a Regulamentação de Contratação de Pessoal para Atender a Necessidade Temporária de Relevante Interesse Público”, sem pormenorizar o caráter excepcional, é incompatível com os arts. 111 e 115, X, da Constituição Estadual.

4)       A descrição de hipóteses que não denotam transitoriedade burla o sistema de mérito, contrariando os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 e 115, II, CE/89).

5)      É incompatível a sujeição dos ocupantes de funções temporárias ao regime celetista por conferir, indiretamente, estabilidade inconciliável com a natureza do serviço, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (arts. 111 e 115, X, da Constituição Estadual).

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos incisos III, IV, V, VI e VII, do art. 2º e do art. 3º da Lei nº 1.719, de 09 de março de 2001, da Lei nº 1.812, de 10 de julho de 2003, e da Lei nº 2.329, de 17 de maio de 2011, do Município de Guaiçara, pelos fundamentos expostos a seguir.

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

O procedimento administrativo que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade, e a cujas folhas essa petição se reportará, foi instaurado em razão de representação encaminhada pela Promotoria de Justiça de Lins (fls. 03/13).

A Lei nº 1.719, de 09 de março de 2001, do Município de Guaiçara, que “Dispõe sobre Regulamentação de Contratação de Pessoal para Atender a Necessidade Temporária de Relevante Interesse Público”, tem a seguinte redação (fls. 06/07):

Art. 1º - Para atender a necessidade temporária de relevante interesse público, o Executivo Municipal poderá efetuar contratação de pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei.

Art. 2º - Considera-se necessidade temporária de relevante interesse público:

I - Assistência a situações de Calamidade Pública;

II - Combate a Surtos Endêmicos e Epidêmicos;

III - Realização de Recenseamentos Populacional, Territorial, Predial e Fiscal.

IV - Capinação, Limpeza geral e Exterminação de animais e insetos peçonhentos nos períodos de chuvas;

V - Atividades Especiais ou Encargos Temporários de obras e serviços de necessidade da Administração (mecânico, eletricista, encanador, monitor, merendeira).

VI - Mão de obra para atender a Expansão na Área Industrial sempre no interesse do aumento da demanda de geração de empregos para a população local.

VII - Atividades Especiais na área de Educação, Saúde, Assistência Social (Psicólogo, enfermeira, Médico Veterinário, Fisioterapeuta, Farmacêutico, Professor, Assistente Social, Engenheiro Sanitarista).

Art. 3º - O período de contratação será de 01 (um) ano, prorrogável por igual período.

Art. 4º - As contratações não poderão exceder os gastos permitidos com pessoal nos termos da LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (Lei Complementar nº 101 de 04/01/2.000).

Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.” (grifo nosso - sic)

Posteriormente, foi editada a Lei nº 1.795, de 11 de março de 2003, do Município de Guaiçara, que revogou integralmente o diploma normativo supramencionado (fl. 08).

A seu turno, a Lei nº 1.812, de 10 de julho de 2013, revogou a Lei nº 1.795/03, do Município de Guaiçara, e expressamente restabeleceu os efeitos da Lei nº 1.719/01, daquela localidade. Senão vejamos:

Art. 1º - Ficam Revogados na íntegra os dispositivos da Lei Municipal nº 1.795, de 11/03/03, ficando restabelecidos os Termos da Lei nº 1.719, de 09/03/01.

Art. 2º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.” (sic)

Não é só.

A Lei nº 2.329, de 17 de maio de 2011, de Guaiçara, “Que autoriza o Chefe do Poder Executivo Municipal a contratar pessoal por prazo determinado, para o exercício das funções que especifica, e dá outras providências”, assim dispôs:

Art. 1º - Fica o Chefe do Poder Executivo Municipal autorizado a contratar pessoal por prazo determinado, para atendimento dos diversos convênios e programas executados pela municipalidade, de acordo com as especificações abaixo:

FUNÇÃO

VAGA

SALÁRIO

R$

JORNADA

RESUISITOS BÁSICOS

Monitor Corte Costura

01

875,00

75hs/mensal

15 hs/semanal

Ensino Fundamental (1º grau) completo

Monitor de Artesanato

01

500,00

65hs/mensal

13hs/semanal

Ensino Médio Completo

Monitor de Cabelereiro

01

875,00

75hs/mensal

15hs/semanal

Ensino Médio Completo com certificado na área

Monitor Manicure e Pedicuro

01

500,00

45hs/mensal

9hs/semanal

Ensino Médio Completo com certificado na área

Monitor de Depilação

01

500,00

45hs/mensal

9hs/semanal

Ensino Médio Completo com certificado na área

Monitor de Culinária

01

926,10

200hs/mensal

40hs/semanal

Ensino Médio Completo com certificado na área

Monitor de Garçom

01

500,00

45hs/mensal

9hs/semanal

Ensino Médio Completo com certificado na área

Monitor de Dança

01

680,00

35hs/mensal

7hs/semanal

Ensino Médio Completo com certificado na área

Monitor de Música

01

989,28

175hs/mensal

35hs/semanal

Ensino Médio Completo com registro na ordem dos músicos

Professor de Educação Física

01

1.262,89

200hs/mensal

40hs/semanal

Ensino Superior em Educação Física

Monitor de Maquiagem

01

375,00

35hs/mensal

7hs/semanal

Ensino Médio Completo com certificado específico

Psicopedagogo

01

1.262,89

200hs/mensal

40hs/semanal

Ensino Superior em Pedagogia com especialização em Psicopedagogia

Monitor de Marcenaria

01

875,00

75hs/mensal

15hs/semanal

Ensino Fundamental Completo

 

Art. 2º - O regime de contratação será o celetista, precedido de processo seletivo, obedecidas as disposições da Lei Municipal nº 1.719, de 09/03/2001.

Art. 3º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.

(...)”. (grifo nosso - sic)

Entretanto, os incisos III, IV, V, VI e VII, do art. 2º e o art. 3º da Lei nº 1.719, de 09 de março de 2001, a Lei nº 1.812, de 10 de julho de 2003, e a Lei nº 2.329, de 17 de maio de 2011, do Município de Guaiçara, são contrários ao ordenamento jurídico vigente, conforme será demonstrado.

2.     DA FUNDAMENTAÇÃO

 Os dispositivos e lei questionados, que dispuseram sobre a contratação por tempo determinado no âmbito do Município de Guaiçara, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

 Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

  A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

         Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contem remissão expressa ao direito estadual.

O ato normativo e os dispositivos questionados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: 

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissões, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

(...)”.

Além das situações contempladas efetivamente não consubstanciarem hipóteses de necessidade de excepcional interesse público, houve previsão da submissão dos contratados ao regime da CLT.

Inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, “caput”, da Constituição Federal) o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

A obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na excepcionalidade do interesse público.

Os preceitos impugnados são instituídos para disciplinar as contratações por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, à míngua de qualquer característica excepcional.

         Neste sentido, explica a literatura que:

“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

“trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

A lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:

 “CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).

Não é somente a temporariedade de uma atividade que justifica a contratação por tempo determinado, pois ela pode ser desempenhada por recursos humanos constantes do quadro de pessoal permanente. Para autorizá-la, é mister que a lei precise a excepcionalidade da medida.

Com efeito, as situações ventiladas nos preceitos impugnados não espelham extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço público, na medida em que traduzem situações concretas ou abstratas, presentes, passadas ou futuras, da rotina administrativa, e cuja execução compete, de ordinário, a servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo.

De fato, os incisos III a VII da Lei nº 1.719/01, do Município de Guaiçara, autorizam contratação temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à Administração Pública, não configurando situações capazes de legitimar a contratação por tempo determinado, tais como: realização de recenseamentos (inciso III); capinação, limpeza geral e exterminação de animais e insetos (inciso IV); efetivação de atividades especiais ou encargos temporários de obras e serviços da Administração (inciso V); mão de obra para atendimento da expansão industrial (inciso VII); e atividades especiais na área de Educação, Saúde e Assistência Social, a serem desempenhadas por psicólogos, enfermeiras, médicos veterinários, fisioterapeutas, entre outros (inciso VI).

Ou seja, além de genéricas, as hipóteses previstas denotam que as atividades que ensejam a contratação temporária consistem em atividades rotineiras da administração.

         De outro lado, o artigo 3º da Lei nº 1.719/01, de Guaiçara, ao estabelecer que “o período de contratação será de 01 (um) ano, prorrogável por igual período”, possibilita que a Administração Pública prorrogue os contratos temporários de forma discricionária e ilimitada, de modo que afasta o requisito da transitoriedade das contratações, gerando maior comprometimento das despesas públicas.

         A regra é o sistema do concurso público, cuja exceção é a contratação temporária necessária a excepcional interesse público. O mencionado dispositivo viola o sistema de mérito, sendo, pois, incompatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 da CE/89).

A situação não é diferente no que diz respeito à Lei nº 2.329/11, do Município de Guaiçara, que estabelece, em seu art. 1º, a possibilidade de o Chefe do Poder Executivo Municipal autorizar a contratação por prazo determinado, em atendimento de convênios e programas locais, visando o desempenho de atividades rotineiras da administração, como, por exemplo, a contratação de monitores (de costura, artesanato, cabelereiro, manicure, depilação, culinária, garçom, dança, música, maquiagem e marcenaria) e de psicopedagogo.

         Vale ressaltar, a propósito, que a existência de cargo vago não justifica a contratação temporária, pois não pode ser suprido senão por concurso público para provimento efetivo. Tal permissão é incompatível com a contratação temporária, e tem a potencialidade de procrastinação do provimento definitivo de cargo vago.

Em outras palavras, não é o fato de haver cargo vago na estrutura administrativa que enseja a contratação temporária. Havendo vaga, o poder público deve tomar imediatamente as providências necessárias para seu suprimento, legitimando-se a partir daí o recurso à contratação temporária desde que haja imprescindibilidade na continuidade do serviço e insuficiência dos meios ordinários para enfrentá-la.   

A posição aqui sustentada encontra esteio em inúmeros julgados desse E. Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Dispositivos da Lei nº 214/2000 do Município de Itajobi, que instituiu o Programa de Saúde da Família, e alterações posteriores – Contratações por tempo determinado – Necessidade de observância da regra de prestação de concurso público, com interpretação restritiva às hipóteses que a excepcionam – Para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável – Requisitos não preenchidos no caso – Desrespeito aos artigos 111, 115, incisos II e X, e 144 da Constituição Estadual – Inconstitucionalidade configurada – Ação julgada procedente, com modulação dos efeitos”.  (TJSP, ADI nº 2225484-77.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Moacir Peres, julgado em 16 de março de 2016, v.u)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Art. 2º, incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X e parágrafo único; art. 3º, caput e art. 4º e incisos, da Lei nº 3.155, de 03 de dezembro de 2014, de Itaquaquecetuba, Contratação, por tempo determinado, para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público.

Natureza dos serviços a prestar. Inadmissível quando não se apresentam imprevisíveis ou extraordinários.

Prazo máximo de contratação razoável. Próximo do admitido em precedentes do STF.

Inconstitucionalidade (art. 111 e art. 115, II e X, CE).

Modulação. (art. 27 da Lei nº 9.868/99).

Procedente, em parte, a ação, com modulação”. (TJSP, ADI nº 2210.892-28.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Evaristo dos Santos, julgado em 27 de janeiro de 2016, v.u)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Dispositivos da Lei nº 3.581, de 20 de novembro de 2013, que disciplina as contratações por tempo determinado no Município de Adamantina. Ausência do requisito de necessidade temporária de excepcional interesse público, reportando-se a norma a atividades regulares e corriqueiras. Repercussão geral reconhecida no STF (Tema nº 612). Inconstitucionalidade reconhecida. Ação procedente, com modulação”. (TJSP, ADI nº 2069047-08.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Tristão Ribeiro, julgado em 26 de agosto de 2015, v.u)

Por fim, depreende-se da leitura do art. 2º da Lei nº 2.329/11, do Município de Guaiçara, que os empregados por elas previstos, contratados para o exercício de funções temporárias, estão submetidos ao regime celetista.

A sujeição dos ocupantes de funções temporárias ao regime celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, os contratos temporários são inconciliáveis com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.

Com efeito, a contratação por tempo determinado serve a necessidade temporária de excepcional interesse público, devendo durar enquanto as circunstâncias justificadoras persistirem.

A inserção dessas funções no regime celetista, portanto, é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do serviço, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

De fato, o desprovimento da função temporária é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e de conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

A subordinação dos servidores públicos temporários ao regime celetista importa em franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.

Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos atos normativos.

Na espécie, o art. 2º da Lei nº 2.329/11, de Guaiçara, infringe ambos os princípios. Como a contratação para serviços temporários constitui exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por outros critérios, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória (e outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica precária e instável.

O padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de emprego temporário, à luz da conformação constitucional que realça a natureza excepcional e temporária de seu provimento - orientada por força de excepcional necessidade e interesse público.

Em suma, a sujeição dos servidores temporários ao regime celetista implica intolerável outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio inadmissível à vista da natureza da contratação cuja marca eloquente é a instabilidade e temporariedade.

Dessa forma, notadamente inconstitucionais os incisos III, IV, V, VI e VII, do art. 2º e o art. 3º da Lei nº 1.719, de 09 de março de 2001, a Lei nº 1.812, de 10 de julho de 2003, e a Lei nº 2.329, de 17 de maio de 2011, do Município de Guaiçara.

3.     DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos incisos III, IV, V, VI e VII, do art. 2º e do art. 3º da Lei nº 1.719, de 09 de março de 2001, da Lei nº 1.812, de 10 de julho de 2003, e da Lei nº 2.329, de 17 de maio de 2011, do Município de Guaiçara.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Guaiçara, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 09 de maio de 2017.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

        Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca/mjap

 

 


Protocolado nº 174.228/2016

 

 

 

1.     Distribua-se eletronicamente a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao representante informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 09 de maio de 2017.

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

        Procurador-Geral de Justiça

 

aca