EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

 

Protocolado nº 160.598/16

 

                                              

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos II, III, IV, V, VI, VII e VIII do art. 2º e arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 95, de 25 de abril de 2002, na redação dada pela Lei Complementar nº 352, de 07 de maio de 2009, do Município de Mococa. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Ausência de excepcionalidade. Prazo de duração excessivo. Inadmissibilidade do regime celetista. 1. A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de cabimento. A descrição de hipóteses genéricas e que não denotam excepcionalidade burla o sistema de mérito, sendo incompatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência. Violação aos art. 111 e 115, X, CE/89, que reproduz o art. 37, IX, CF/88. 2. Tampouco é razoável a duração de contratos temporários, aí incluída sua prorrogação, por prazo total que exceda 12 (doze) meses. 3. Sujeição dos contratados por prazo determinado ao regime celetista, contrariando a exigência do regime administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (art. 111 da CE/89).

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 160.598/2016, que segue anexo), vem, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos incisos II, III, IV, V, VI, VII e VIII do art. 2º e dos arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 95, de 25 de abril de 2002, na redação dada pela Lei Complementar nº 352, de 07 de maio de 2009, do Município de Mococa, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei Complementar nº 95, de 25 de abril de 2002, do Município de Mococa, que “dispõe sobre a contratação de pessoal por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público”, possui, no que diz respeito ao objeto desta ação, a seguinte redação:

“Art. 1º - Para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público poderá ser efetuada contratação de pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei Complementar.

Art. 2º - Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse públicos, as seguintes situações:

(...)

II – assistência a situações de comoção pública ou emergência;

III – combate a surtos endêmicos;

IV – campanhas de saúde pública;

V – implantação de serviço urgente e inadiável;

VI – execução de serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica;

VII – execução de obra certa;

VIII – atividades finalísticas nas áreas da saúde, educação, pesquisa e saneamento.

Art. 3º - As contratações serão feitas por tempo determinado de até 12 (doze) meses, podendo ser prorrogadas uma única vez por igual período.

Art. 4º - As contratações de que trata esta Lei Complementar serão obrigatoriamente pelo regime jurídico do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, sendo garantido ao contratado todos os direitos trabalhistas decorrentes, além de serem exigidas todas as responsabilidade e deveres.

(...)”

 

Editada supervenientemente, a Lei Complementar nº 352, de 07 de maio de 2009, também do Município de Mococa, alterou dispositivo da lei anteriormente transcrita da seguinte maneira:

“Art. 1º - O inciso V, do art. 2º da Lei Complementar nº 095, de 25 de abril de 2002, passa a ter a seguinte redação:

(...)

Art. 2º - (...)

(...)

V – Implantação e manutenção de serviço urgente e inadiável.

(...)

Art. 2º - Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, revoga-se as disposições em contrário”.

Os dispositivos legais anteriormente descritos são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

           Os preceitos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

         Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

         O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

         Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 37, IX, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 115, II e X da Constituição Estadual.

         A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

         Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.

         Os preceitos normativos em questão são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: 

(...)

X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

3.  DA FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Contratação por tempo determinado fora das hipóteses de excepcionalidade, interesse público e temporariedade

Inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal), o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público.

Sendo assim e segundo José dos Santos Carvalho Filho, há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: 1) a determinabilidade temporal; 2) a temporariedade da função; 3) a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

A obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na excepcionalidade do interesse público.

Todavia, os incisos II, III, IV, V, VI, VII e VIII - excepcionado o inciso I, que trata da calamidade pública - do art. 2º da Lei Complementar nº 95, de 25 de abril de 2002, na redação dada pela Lei Complementar nº 352, de 07 de maio de 2009, do Município de Mococa, contemplam hipóteses de contratações por tempo determinado sem respaldo nos parâmetros delineados pela Constituição Federal.

 Com efeito, a literatura esclarece que:

“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

“Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

O atendimento dos serviços colocados à disposição da população, tais como saúde, educação, pesquisa, saneamento e execução de obra (hipóteses abarcadas nos incisos III, V, VII e VIII do art. 2º da lei ora impugnada), não constituem situações temporárias e de excepcional interesse público de sorte a autorizar a contratação temporária.

         Tais hipóteses não espelham extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço público, na medida em que traduzem situações da rotina administrativa e cuja execução compete, de ordinário, a servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo.

         Não é somente a temporariedade de uma atividade que justifica a contratação por tempo determinado, pois ela pode ser desempenhada por recursos humanos constantes do quadro de pessoal permanente.

Os dispositivos aqui impugnados padecem de generalidade manifesta. A abertura de suas cláusulas (como “situações de comoção pública ou emergência”, constante no inciso II, “serviço urgente e inadiável”, constante no inciso V e “serviços absolutamente transitórios e de necessidade esporádica”, constante no inciso VI) permite todo e qualquer preenchimento, o que não se coaduna com o disposto no art. 115, X da Constituição Estadual, porquanto também acaba por delegar ao Administrador a tarefa – específica do legislador – de definir em concreto as situações que legitimam a contratação temporária.

Também nesse sentido:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).

Por outras palavras, os citados dispositivos da lei local autorizam a contratação temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à Administração Pública, não configurando situação capaz de legitimar a contratação por tempo determinado.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Art. 2º, incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X e parágrafo único; art. 3º, caput e art. 4º e incisos, da Lei nº 3.155, de 03 de dezembro de 2014, de Itaquaquecetuba, Contratação, por tempo determinado, para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Natureza dos serviços a prestar. Inadmissível quando não se apresentam imprevisíveis ou extraordinários. Prazo máximo de contratação razoável. Próximo do admitido em precedentes do STF. Inconstitucionalidade (art. 111 e art. 115, II e X, CE). Modulação. (art. 27 da Lei nº 9.868/99). Procedente, em parte, a ação, com modulação”. (TJSP, ADI nº 2210.892-28.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Evaristo dos Santos, julgado em 27 de janeiro de 2016, v.u)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u)

Por fim, consigne-se que o tema foi objeto de Repercussão Geral no Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 658.026-MG (Tema nº 612), oportunidade em que se estabeleceu que “nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração”.

A ementa do julgamento tem o seguinte conteúdo:

Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos.

1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, da constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”.

2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente.

3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.

4. É inconstitucional a lei municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a Constituição Federal.” (REX n. 658.026-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, dje 31/10/2014).   

Desse modo, necessária a declaração de inconstitucionalidade das mencionadas hipóteses de contratação temporária.

         3.2. Prazo de duração das contratações

O art. 3º da Lei Complementar nº 95, de 25 de abril de 2002, de Mococa, fixa que “as contratações serão feitas por tempo determinado de até 12 (doze) meses, podendo ser prorrogadas uma única vez por igual período”. As contratações, portanto, podem perdurar pelo total de 24 meses.

O prazo de 12 meses, prorrogável por igual período, é excessivo, longo, elástico, não ostenta qualquer razoabilidade, e denota, ademais, nítida intenção de subversão à regra da investidura permanente e efetiva em cargo ou emprego públicos mediante aprovação em prévio concurso público.

A lei de regência da contratação temporária deve conter a fixação do período necessário de vigência e eficácia da contratação, que deve ser o mais curto possível (Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 11. ed., p. 270). Estabelecer um período mínimo é logicamente oposto à ideia de transitoriedade, excepcionalidade e brevidade temporal que caracterizam e autorizam a contratação temporária.

         A Suprema Corte deliberou que é razoável prazo de 12 (doze) meses:

“7) A realização de contratação temporária pela Administração Pública nem sempre é ofensiva à salutar exigência constitucional do concurso público, máxime porque ela poderá ocorrer em hipóteses em que não há qualquer vacância de cargo efetivo e com o escopo, verbi gratia, de atendimento de necessidades temporárias até que o ocupante do cargo efetivo a ele retorne. Contudo, a contratação destinada a suprir uma necessidade temporária que exsurge da vacância do cargo efetivo há de durar apenas o tempo necessário para a realização do próximo concurso público, ressoando como razoável o prazo de 12 meses” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014 – g.n.).

         No mesmo sentido, o Tribunal Paulista:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Incisos III e VII do art. 2º, e do artigo 3º e §1º (redação dada pelas Leis 2.279/14 e 2.245/13), ambos da Lei 1.027, de 10 de março de 1995, do Município de São Sebastião. Contratação temporária para ‘campanhas de saúde pública’ e ‘de menores aprendizes’. Inconstitucionalidade. Inexistência de situação de necessidade temporária de excepcional interesse público. Inconstitucionalidade, ainda, da autorização para contratação por lapso temporal superior a 12 (doze) meses. Ação procedente, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento”. (TJSP, ADI nº 2128333-14.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Borelli Thomaz, julgado em 09 de dezembro de 2015, v.u, g.n.)

         Admitir a duração máxima dos contratos por 24 meses foge da excepcionalidade exigida pelo constituinte, notadamente por se tratar de situações fáticas contingenciais e imediatas, o que se nota por exemplo ao analisar o inciso I do artigo 2º da Lei Complementar nº 95/2002: as situações de calamidade pública são justamente temporárias e não são de efeitos prolongados por tempo superior a 12 (doze) meses.

         Seria inimaginável uma hipótese de calamidade pública com duração de 24 meses (prazo máximo total fixado pela Lei Complementar nº 95/2002). Não se poder olvidar que município conta com seu quadro de cargos efetivos para atender às demandas que sobrevierem e, além do mais, um ano é período suficiente para a conclusão de concurso público a fim de prover novos cargos.  

         Por isso, requer-se o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 3º da Lei Complementar nº 95, de 25 de abril de 2002, do Município de de Mococa.

3.3. Aplicação da Consolidação das Leis Trabalhistas aos contratados temporariamente para atender à necessidade temporária de excepcional interesse social

Verifica-se que o art. 4º da Lei Complementar nº 95, de 25 de abril de 2002, do Município de Mococa, sujeitou todos os empregados contratados para o exercício da função temporária ao regime celetista.

Ocorre que a sujeição dos ocupantes de funções temporárias ao regime celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, os contratos temporários são inconciliáveis com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.

Com efeito, a contratação por tempo determinado serve à necessidade temporária de excepcional interesse público, devendo durar enquanto as circunstâncias que o justificaram persistir.

A inserção dessas funções no regime celetista, portanto, é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do serviço, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

De fato, o desprovimento da função temporária é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e de conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

A subordinação dos servidores públicos temporários ao regime celetista importa em franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.

Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos atos normativos.

Na espécie, a lei municipal infringe ambos os princípios. Como a contratação para serviços temporários constitui exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por outros critérios, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória (e outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica precária e instável.

O padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de emprego temporário, à luz da conformação constitucional que realça a natureza excepcional e temporária de seu provimento - orientada por força de ingredientes puramente excepcional de necessidade e interesse público. Em suma, a sujeição dos servidores temporários ao regime celetista implica intolerável outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio inadmissível à vista da natureza da contratação cuja marca eloquente é a instabilidade e temporariedade ditada por necessidade e interesse público.

Todavia, a contratação de natureza administrativa, cujo regime jurídico é próprio e diferenciado, não garante aos servidores temporários os direitos delineados pela Consolidação das Leis do Trabalho. Do mesmo modo, os servidores temporários não estão sujeitos ao regime jurídico dos servidores públicos efetivos, contratados por meio de concurso público e detentores de estabilidade.

O regime de vínculo das funções temporárias é administrativo-especial como deliberado pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 207/611), pois, “os servidores temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como explica Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem determinada função, por prazo certo, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso, ‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX, utilizando-se de terminologia distinta’” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008). Neste sentido:

“CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No julgamento da ADI 3.395-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. 2. Contratações temporárias que se deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime jurídico aplicável às partes figurantes do contrato. Caracterização de vínculo jurídico-administrativo entre contratante e contratados. 3. Procedência do pedido. 4. Agravo regimental prejudicado” (RTJ 209/1084).

“Conflito de competência. 2. Reclamação trabalhista contra Município. Procedência dos pedidos em 1a e 2a instâncias. 3. Recurso de Revista provido para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho, sob fundamento no sentido de que, na hipótese, o contrato é de natureza eminentemente administrativa. Lei Municipal no 2378/89. Regime administrativo-especial. 4. Contrato por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Típica demanda trabalhista contra pessoa jurídica de direito público. Competência da Justiça do Trabalho. Art. 114 da Constituição. Precedentes. 5. Conflito de competência procedente” (RTJ 193/543).

No mesmo sentido discorre a doutrina:

“Ora, a Constituição de 1988 apesar de se referir à contratação como forma de vínculo não pretendeu que a função temporária fosse presidida pelo regime jurídico celetista (contratual e bilateral) que domina os empregos públicos.

O art. 37, IX, impõe um regime administrativo especial, próprio para a contratação temporária, e não que esta adote o regime celetista. A forma de vínculo (bilateral) não se confunde com sua natureza (administrativo-especial e que é unilateral legal), estando superada a polêmica que existia no passado sobre admissão de servidor temporário e contratação de prestação de serviços técnicos especializados.

Se ao agente público não se aplica o regime estatutário (dos servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo após aprovação em concurso público), isso não quer dizer que os servidores temporários se sujeitarão ao regime jurídico celetista, que é contido aos empregados públicos – aqueles investidos em empregos públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Se assim fosse, não haveria necessidade de referência à lei específica.

É essa menção à lei específica que fundamenta a derrogação do direito laboral comum e do direito estatutário geral e aponta para a necessidade de um regime jurídico administrativo especial, porque deve ser peculiar para orientação das relações jurídicas daí decorrentes. A contratação é apenas forma prevista para o vínculo, e não a essência ou o conteúdo do regime jurídico. Além disso, como a adoção do regime celetista na Administração Pública é excepcional, mister a existência de expressa permissão constitucional, e cuja ausência implica interpretar-se interditada.

Como a União é detentora exclusiva da competência legislativa em direito trabalhista (art. 22, I, Constituição de 1988), Estados, Distrito Federal e Municípios estariam impedidos da edição de suas respectivas leis específicas para admissão de contratação temporária, o que implicaria perda de suas autonomias constitucionalmente asseguradas, inclusive pelo art. 37, IX, da Carta Magna. Esse preceito não lhes autorizou a apenas definir as hipóteses de contratação temporária, como pode parecer à primeira vista. A norma constitucional lhes franqueia a definição integral e completa da contratação temporária, o que abrange os contornos de seu regime jurídico. A menção à contratação é apenas a impressão de requisito de forma, não de conteúdo, pois, não significa a adoção do regime jurídico trabalhista (contratual ou celetista)” (Wallace Paiva Martins Junior. Contratação por prazo determinado: comentários à Lei nº 8.745/93, São Paulo: Atlas, 2015, p. 55).

Desta forma, é necessária a declaração de inconstitucionalidade do o art. 4º da Lei Complementar nº 352, de 07 de maio de 2009, do Município de Mococa.

4. DO PEDIDO

Face ao exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos II, III, IV, V, VI, VII e VIII do art. 2º e dos arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 95, de 25 de abril de 2002, na redação dada pela Lei Complementar nº 352, de 07 de maio de 2009, do Município de Mococa.

Requer ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Mococa, bem como posteriormente citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os dispositivos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

            São Paulo, 08 de junho de 2017.

 

    Gianpaolo Poggio Smanio

     Procurador-Geral de Justiça

ef/mam


Protocolado nº 160.598/2016

Interessado: Município de Mococa

Objeto: representação para controle de constitucionalidade das Leis Complementares nº 95, de 25 de abril de 2002, e nº 352, de 07 de maio de 2009, do Município de Mococa.

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face dos incisos II, III, IV, V, VI, VII e VIII do art. 2º e dos arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 95, de 25 de abril de 2002, na redação dada pela Lei Complementar nº 352, de 07 de maio de 2009, do Município de Mococa.

2.    Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

            São Paulo, 08 de junho de 2017.

 

    Gianpaolo Poggio Smanio

     Procurador-Geral de Justiça

ef/mam