EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado n. 127.385/2016
Ementa: Constitucional.
Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos 1° ao 6° da Lei
n° 652, de 08 de dezembro de 2015, do Município de Natividade da Serra. Gratificação
de Incentivo à Atividade Médica. Violação aos princípios da legalidade,
moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público. Servidor
Público. Remuneração. Vantagem Pecuniária. Instituição desvinculada do
atendimento ao interesse público e às exigências do serviço. Ofensa aos
princípios da moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público. A
concessão de gratificação aos médicos integrantes do quadro de pessoal do
Município de Natividade da Serra mediante o cumprimento de deveres inerentes à
função, não se compatibiliza com os princípios da moralidade, razoabilidade,
finalidade e interesse público (art. 111, CE/89). Trata-se, ainda, de vantagem
pecuniária que não atende efetivamente ao interesse público e às exigências do
serviço (art. 128, CE/89), tendo em vista que a assiduidade, pontualidade,
produtividade, qualidade e eficiência constituem deveres funcionais elementares
que não demandam recompensa, além da contraprestação pecuniária pelo vencimento
(referência).
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, em conformidade com o
disposto nos artigos 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e nos
artigos 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo
nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 127.385/16), vem,
respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em
face dos artigos 1° a 6° da Lei n° 652,
de 08 de dezembro de 2015, do Município de Natividade da Serra, pelos fundamentos
a seguir expostos.
I.
DO ATO
NORMATIVO IMPUGNADO
A Lei nº 652, de 08 de dezembro de 2015, do
Município de Natividade da Serra, possui a seguinte redação:
“(...)
Art. 1°. Fica instituído, no âmbito
do Município de Natividade da Serra, Estado de São Paulo, a Gratificação de
Incentivo à Atividade Médica.
Parágrafo único – A gratificação a que se refere o caput deste artigo será devida aos médicos integrantes do Quadro de
Pessoal do Município em efetivo exercício, no desempenho de suas atividades
junto ao Departamento Municipal de Saúde.
Art. 2°- Considera-se efetivo
exercício, para efeito desta Lei, os afastamentos em virtude de:
I-
Férias;
II-
Casamento;
III-
Falecimento do cônjuge, pais, filhos, irmãos, avós e sogros;
IV-
Júri e outros serviços obrigatórios por Lei;
V-
Licença à funcionária gestante;
VI-
Licença paternidade.
Art. 3° - O valor da gratificação
estabelecida no artigo 1°, desta Lei, poderá atingir percentual de até 75%
(setenta e cinco por cento) do salário base previsto para o cargo de médico,
desde que cumpridos os critérios estabelecidos no artigo 5°, desta Lei.
Art. 4° - A gratificação criada por
esta Lei não será incorporada, em nenhuma hipótese, aos vencimentos dos
servidores e aos proventos de inatividade, e não servirá de base de cálculo
para a incidência de qualquer vantagem, excetuando-se férias e 13º (décimo
terceiro) salário.
Art. 5°- A gratificação ora
instituída será paga mensalmente, na conformidade do resultado obtido em
Processo de Avaliação previsto nos parágrafos 1° e 2°, deste artigo.
§ 1° - A gratificação será paga à
proporção de 50% (cinquenta por cento) do salário base do médico que atender
aos seguintes fatores:
I-
Assiduidade;
II-
Pontualidade;
III-
Produtividade;
§ 2º - Fará jus aos demais 25 %
(vinte e cinco por cento) da gratificação, também incidentes sobre o salário
base do médico que atender aos seguintes fatores:
I-
Grau de resolutividade;
II-
Qualidade dos trabalhos prestados;
III-
Responsabilidade e eficiência na execução das atividades.
Art. 6°- O Processo de Avaliação,
para fins do disposto nos parágrafos 1º e 2º do artigo anterior, será realizado
com base nas condições a serem estabelecidas em decreto, mediante proposta a
ser apresentada pelo Departamento Municipal de Saúde.
(...)”.
II. O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE
CONSTITUCIONALIDADE
Os dispositivos legais impugnados do Município de Natividade da Serra contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Referido ato normativo municipal é
incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, de
observância obrigatória pelos Municípios por força de seu art. 144, verbis:
“Art.
111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse
público e eficiência.
(...)
Art.
128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e
quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.
(...)
Art.
144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
Como é cediço, a instituição de
vantagens pecuniárias para servidores públicos só se mostra legítima se
realizada em conformidade com o interesse público e com as exigências do
serviço, nos termos do art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos
Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.
A gratificação ora
impugnada concedido aos servidores médicos de Natividade da Serra não atende a
nenhum interesse público e, tampouco, às exigências do serviço, porquanto os
requisitos para o seu recebimento representam meros deveres funcionais
inerentes ao exercício de qualquer função pública (art. 5° da Lei).
Retrata simplesmente dispêndio
público sem causa, o que desperta preocupação, como observa Wellington Pacheco
Barros, verbis:
“Comungo com o pensamento político moderno de que uma das causas do inchaço da despesa pública é a remuneração com pessoal, que não raramente inviabiliza a tomada de decisões do agente político sobre investimentos de obras públicas de caráter benéfico à população. E uma das causas da despesa pública com pessoal é a atribuição indiscriminada pelo legislador de vantagens pecuniárias a servidor público sem que haja uma contraprestação de serviço e, o que é pior, com o rótulo de permanente e de efeito incorporador ao vencimento, elitizando a administração de existência de remunerações desproporcionais entre o maior e o menor vencimento de um cargo público” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 128).
Vale lembrar, ainda, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles,
criticando a excessiva liberalidade da Administração Pública na concessão de
vantagens pecuniárias “anômalas”, sem qualquer razão de interesse público:
“Além dessas vantagens, que encontram justificativa em fatos ou situações de interesse administrativo, por relacionadas direta ou indiretamente com a prestação do serviço ou com a situação do servidor, as Administrações têm concedido vantagens anômalas, que refogem completamente dos princípios jurídicos e da orientação técnica que devem nortear a retribuição do servidor. Essas vantagens anômalas não se enquadram quer como adicionais, quer como gratificações, pois não têm natureza administrativa de nenhum destes acréscimos estipendiários, apresentando-se como liberalidades ilegítimas que o legislador faz à custa do erário, com o só propósito de cortejar o servidor público” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2008, 34ª ed., p. 495).
Não se deve olvidar, ademais, clássica
admoestação no sentido de que, verbis:
“a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 1991, p. 111).
Não se vislumbra interesse público,
nem atendimento às exigências do serviço a título de remuneração ou
indenização, a outorga de vantagem pecuniária que não tem qualquer causa
jurídica hígida, significando autêntica liberalidade com o dinheiro público.
O art. 128, da Constituição Estadual,
norma que descende diretamente dos princípios de seu art. 111, condiciona a
concessão de vantagens aos servidores aos motivos nele indicados (interesse
público e exigências do serviço).
Não há, na vantagem outorgada pela lei
impugnada, qualquer causa razoável a justificar sua instituição, implantando
tratamento desigualitário em detrimento dos trabalhadores em geral.
Este Colendo Órgão Especial, em
oportunidades anteriores, já declarou a inconstitucionalidade de normas
similares, verbis:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 81, da Lei Complementar nº 08/1992, e da Lei nº 1.082/2011, do Município de Macedônia, instituindo, a primeira, a incorporação de quinquênios aos vencimentos dos servidores ‘para todos os efeitos’, gerando o efeito conhecido como ‘repique’ ou ‘cascata’, tendo a segunda mencionada lei criado o 14º salário a ser pago no mês do aniversário do servidor.
1. O efeito gerado pela LC 08/92 no cálculo do adicional viola proibição constitucional de acumulação de acréscimos ulteriores, os quais devem incidir sem considerar aquela incorporação. Precedentes do STF.
2. Do mesmo modo, ‘quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna’, tal como na concessão injustificada de 14º salário, há afronta aos princípios constitucionais da moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público.
3. Ofensa aos artigos 111, 115, XVI, e 128, da Constituição Bandeirante.
4. Julgaram procedente a ação, declarando a inconstitucionalidade do artigo 81, da Lei Complementar nº 08/1992, e da Lei nº 1.082/2011, do Município de Macedônia” (ADI 2213310-70.2014.8.26.0000, Rel. Des. Vanderci Álvares, v.u., 04-02-2015).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar n.° 2, de 24 de novembro de 2011, do Município de Pirapozinho. Norma que cria o 14° (décimo quarto) salário aos servidores municipais. Alegação de ofensa ao princípio da economicidade, à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei de Regime Geral de Previdência Social. Ato normativo municipal que não pode ter como parâmetro imediato de controle de constitucionalidade a norma infraconstitucional, nem a Constituição da República. Ação que é conhecida apenas na parte que combate ofensa à Constituição Estadual. Mérito. Município que enfrenta graves problemas financeiros e orçamentários e que não tem condições de agraciar seus próprios servidores com benefício ímpar, sem qualquer correspondência no funcionalismo público ou mesmo na esfera privada. Endividamento bastante considerável, com veículos avariados, ausência de coleta regular de lixo, falta de estoque de medicamentos e vias urbanas sem pavimentação adequada. Provas abundantes a demonstrar a situação calamitosa do ente Municipal. Violação aos princípios da moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público. Ação julgada procedente” (ADI 0086144- 26.2013.8.26.0000, Rel. Des. Luis Soares de Mello, v.u., 23-10-2013).
Ademais, a lei municipal, além de
vulnerar os princípios de moralidade, interesse público e finalidade, também
ofende o princípio da razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e
a atividade legislativa e que, como aqueles, têm assento no art. 111, da
Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144, da
mesma Carta.
Por força desse
princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de
razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva
dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins
públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido
estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam
excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).
A gratificação ora
impugnada não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não
atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício
exclusivamente da conveniência dos servidores públicos beneficiados por essa
vantagem pecuniária; (b) é, por consequência, inadequada na perspectiva do
interesse público; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus
financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em
vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.
Não é ocioso obtemperar que a
razoabilidade é critério de aferição da constitucionalidade de leis e atos
normativos, conforme entendimento jurisprudencial:
“(...) TODOS OS ATOS EMANADOS DO PODER PÚBLICO ESTÃO NECESSARIAMENTE SUJEITOS, PARA EFEITO DE SUA VALIDADE MATERIAL, À INDECLINÁVEL OBSERVÂNCIA DE PADRÕES MÍNIMOS DE RAZOABILIDADE. - As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do ‘substantive due process of law’. Lei Distrital que, no caso, não observa padrões mínimos de razoabilidade. A EXIGÊNCIA DE RAZOABILIDADE QUALIFICA-SE COMO PARÂMETRO DE AFERIÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS ATOS ESTATAIS. - A exigência de razoabilidade - que visa a inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no desempenho de suas funções normativas - atua, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. (...)” (STF, ADI-MC 2.667-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 19-06-2002, v.u., DJ 12-03-2004, p. 36).
“(...) SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW E FUNÇÃO LEGISLATIVA: A cláusula do devido processo legal - objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição - deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário. A essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe da competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. O magistério doutrinário de CAIO TÁCITO. Observância, pelas normas legais impugnadas, da cláusula constitucional do substantive due process of law. (...)” (RTJ 178/22).
Nem se alegue que a gratificação em comento visa à premiação
da assiduidade e produtividade dos servidores, porquanto estas são deveres
inerentes ao exercício da função pública, cujo descumprimento deve ensejar, inclusive,
a instauração de processo administrativo disciplinar pelo órgão competente, nos
termos do estatuto funcional respectivo.
Com efeito, vantagens pecuniárias são
acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos,
compreendendo adicionais e gratificações.
Enquanto o adicional significa
recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição pelo
desempenho de atribuições especiais (ex facto offici), a gratificação constitui
recompensa pelo desempenho de serviços comuns em condições anormais ou adversas
(condições diferenciadas do desempenho da atividade – propter laborem) ou
retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor
(propter personam), como se extrai da literatura especializada. (Hely Lopes
Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª
ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva,
2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo,
São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760).
Se tradicional lição assinala que “o que
caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma
recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho
de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação
por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma
ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor”
(Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros,
2001, 26ª ed., p. 452), agrega-se a partir de uma distinção mais aprofundada
que “a gratificação é uma vantagem relacionada a circunstâncias subjetivas do
servidor, enquanto o adicional se vincula a circunstâncias objetivas. (...)
dois servidores que desempenhem um mesmo cargo farão jus a adicionais
idênticos. Já as gratificações serão a eles concedidas em vista das
características individuais de cada um. No entanto, é evidente que tais
gratificações se sujeitam ao princípio da isonomia, de modo a que dois
servidores que apresentem idênticas circunstâncias objetivas farão jus a
benefícios iguais” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São
Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 761).
Ou seja, os adicionais são compensatórios
dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade
administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços
comuns realizados em condições extraordinárias.
Ademais,
oportuno advertir que, verbis:
“as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).
Ora, a assiduidade, pontualidade,
produtividade, qualidade, responsabilidade e eficiência, adotadas como
parâmetro para a concessão da gratificação ora impugnada, são deveres funcionais
gerais, elementares ao exercício de qualquer função pública, não podendo,
assim, ser consideradas como critério para concessão da vantagem em comento. Ao
se consignar ao servidor público municipal prêmio pecuniário com base nos
aludidos requisitos, o estamos remunerando duplamente por cumprir nada mais que
seu dever.
Se não há razão peculiar para além do
assíduo exercício da própria função inerente ao cargo, não se justifica a
instituição, por lei, de vantagem pessoal na forma de bônus, gratificação ou de
qualquer outro nomen iuris que se lhe atribua. Na prática, tal corresponde à
fixação de benefício sem indicação de fundamento lógico e racional, o que
contraria o art. 128 da Constituição do Estado e os princípios da razoabilidade
e da moralidade, previstos no art. 111 da Constituição Paulista.
Neste sentido, este colendo Órgão
Especial julgou inconstitucional lei que instituiu adicional de assiduidade:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Adicional de assiduidade. Município de Chavantes. Artigos 43, 44 e 45 da Lei Complementar 127/2012 (Dispõe sobre o Plano de Cargos, Vencimentos e Evolução Funcional dos Profissionais do Magistério Público e dá outras providências). Inconstitucionalidade. Ausência de critério, pois não se foi além da assiduidade, dever e obrigação do servidor. Dispositivos que em nada asseguram valorização dos profissionais do magistério. Ação procedente” (ADI 2140689-75.2014.8.26.0000, Rel. Des. Borelli Thomaz, v.u., 28-01-2015).
A criação de gratificação, valendo-se
de deveres intrínsecos ao desempenho de função pública, expõe a Administração
Pública a tratamentos desigualitários, imorais, desarrazoados, e, sobretudo,
distantes do interesse público primário. Trata-se, na realidade, de indiscriminado
aumento indireto e dissimulado da remuneração, alheio aos parâmetros de
razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a
concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos.
A necessidade de verificar se a
vantagem pecuniária atende efetivamente ao interesse público e às exigências do
serviço, está motivada pela parcimônia, sobriedade e prudência que os
Municípios devem ter em relação à gestão do dinheiro público. Não se
desconsidera a importância e necessidade de bem remunerar os servidores
públicos. No entanto, devem ser observados os princípios orientadores da
Administração Pública, constitucionalmente previstos.
Nem se alegue que a vantagem em foco é
válida se cotejada com o instituto comum e tradicional às normas estatutárias
da licença prêmio, simplesmente porque esta não substancia prêmio pecuniário à
assiduidade, mas, benefício que confere o licenciamento do servidor durante
certo período e cujo indeferimento de gozo pela necessidade do serviço gera
direito à indenização com base na responsabilidade civil do Estado por ato
lícito, assim como o de férias.
Tampouco possível associar-se a vantagem
em cena ao § 7º, do art. 39, da Constituição Federal, verbis:
“Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade”.
A vantagem ventilada no preceito
constitucional está atrelada aos “recursos orçamentários provenientes da
economia com despesas corrente” e contempla bônus por critérios como qualidade
e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e
racionalização do serviço público, excluindo dessa relação a assiduidade, tida
na lei municipal em foco como mero recurso do taylorismo que não se afina à
deontologia estrutural do serviço público.
Posto isso, são inconstitucionais os
artigos 1° a 6° da Lei n° 652, de 08 de dezembro de 2015, do Município
de Natividade da Serra.
III - PEDIDO LIMINAR
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora. A atual tessitura da legislação contestada, apontada como
violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo, é sinal,
de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação,
evitando-se atuação desconforme com o ordenamento jurídico, criadora de lesão
irreparável ou de difícil reparação, sobretudo pelo agravo ao erário.
À luz desta
contextura, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até
final e definitivo julgamento desta ação, dos artigos 1° a 6° da Lei n°
652, de 08 de dezembro de 2015, do Município de Natividade da Serra.
IV - PEDIDO
Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da
presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade dos artigos 1° a 6° da Lei n° 652, de 08 de
dezembro de 2015, do Município de Natividade da Serra.
Requer-se,
ainda, sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Natividade
da Serra, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se
manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista,
posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 20 de junho de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
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Protocolado n. 127.385/16
Interessado: Promotoria do Patrimônio Público da Comarca de Paraibuna
1. Distribua-se a petição
inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face dos artigos 1° a 6° da Lei n° 652, de
08 de dezembro de 2015, do Município de Natividade da Serra, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 20 de junho de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
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