EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 173.168/16

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 6.797, de 01 de junho de 2016, do Município de Bauru. Regularização de construções clandestinas. Ausência de participação comunitária e de planejamento técnico. Alteração tópica. Normas urbanísticas alheadas ao plano diretor. Arts. 144, 180, II, 181 e 191, CE. 1. Inconstitucional lei municipal urbanística que não assegura a participação comunitária em seu processo legislativo, tampouco é precedida de planejamento técnico em sua produção. 2. Ademais, a adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade, bem ainda sua conformidade com as normas urbanísticas. 3. Inconstitucionalidade por violação aos arts. 180, “caput” e inciso II, 181, “caput” e § 1º, e 191, da Constituição Estadual.

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 6.797, de 01 de junho de 2016, do Município de Bauru, pelos seguintes fundamentos:

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO.

A Lei nº 6.797, de 01 de junho de 2016, do Município de Bauru, que “Dispõe sobre a regularização de construções perante a Prefeitura Municipal de Bauru”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º - Fica estipulado o prazo de 24 (vinte e quatro) meses, para que as construções clandestinas concluídas, regulares e irregulares, sejam regularizadas junto à Prefeitura Municipal, mediante a apresentação do projeto para a sua aprovação, sem a imposição das penalidades previstas nesta legislação.

Art. 2º - Consideram-se concluídas as construções que se apresentarem com as condições mínimas de habitabilidade, (com relação à iluminação e ventilação) com a existência e funcionamento das instalações elétricas, hidráulicas, sanitárias, colocação de portas e janelas externas e execução da barra impermeável.

Parágrafo único - O proprietário deverá anexar junto ao pedido de regularização uma declaração, elaborada por um profissional da área de engenharia, arquitetura ou técnico em edificações, devidamente habilitados, acompanhada de A.R.T. (Anotação de Responsabilidade Técnica) ou R.R.T. (Registro de Responsabilidade Técnica), atestando a habilidade da edificação.

Art. 3º - Construções clandestinas regulares são aquelas executadas de acordo com a Lei Municipal nº 2.371, de 18 de agosto de 1.982 e Lei Municipal nº 2.339, de 15 de fevereiro de 1.982, bem como as demais leis e decretos que as alteraram ou regulamentaram, porém, sem a devida aprovação por parte da Prefeitura.

Art. 4º - Construção clandestinas irregulares são aquelas que não atendem as leis, citadas no artigo anterior.

Art. 5º - Para a aprovação de construções irregulares, dentro do período citado no art. 1º, serão desconsiderados os índices urbanísticos, tais como taxas de ocupação e coeficiente de aproveitamento, previstos na Lei Municipal nº 2.339, de 15 de fevereiro de 1.982.

§ 1º - Durante a vigência dos efeitos dessa lei, somente para construções irregulares com área superior a 300,00m² (trezentos metros quadrados), será exigida como compensação financeira ao Município, paga pelo beneficiado, uma importância a ser recolhida à Secretaria Municipal de Planejamento, baseando-se na tabela do ISSQN.

§ 2º - O cálculo da compensação financeira terá como base o excedente da área construída que ultrapassar o coeficiente de aproveitamento básico, sendo aplicada a fórmula nas regularizações da seguinte forma CF = F x (TV/CAb) x FM, utilizando o fator moderador = FM, conforme o quadro abaixo: CF = F x (TV/CAb) x FM. Onde: CF = contrapartida financeira. F = valor da construção, conforme laudo de avaliação feito pelo Departamento de Planejamento e a Planta Genérica do Município referente ao m² das edificações. TV= terreno virtual = coeficiente acima do permitido 1.CAb = coeficiente de aproveitamento básico. FM = fator moderador do macrozoneamento do PDP; conforme a tabela abaixo:

EDIFICAÇÕES RESIDENCIAIS UNIFAMILIARES

0,015

REGULARIZAÇÃO DE QUALQUER TIPO DE EDIFICAÇÃO

0,03

 

§ 3º - O pagamento do valor referente a compensação financeira será recolhido ao final do procedimento administrativo.

§ 4º - Os imóveis onde o raio de curvatura da esquina esteja em desacordo com a matrícula mas acompanhem a curvatura das guias e sarjetas do leito carroçável já existentes, poderão ser regularizados, desde que não haja invasão do passeio público.

Art. 6º - Não serão aprovadas ou regularizadas as construções que:

I - estejam edificadas sobre logradouros, terrenos públicos e faixas destinadas a alargamentos das vias públicas ou que avancem sobre eles;

II - constituírem objeto de ação judicial relacionada à execução de construções irregulares;

III - não haja previsão legal de seu uso na zona em que se encontra inserida a edificação;

IV - estejam situadas em faixas não edificáveis junto às áreas de preservação permanente (APP), de represas, lagos, lagoas, rios e córregos, áreas de proteção ambiental, fundos de vale, faixas de escoamento de águas pluviais, galerias, canalizações, faixas não edificantes que estejam em processo de desapropriação, linhas de transmissão de energia de alta tensão ou em áreas atingidas por melhoramentos viários previstos em lei;

V - não atendam o disposto na Lei Municipal nº 3.996, de 18 de dezembro de 1.995 e suas alterações, que dispõe sobre a aplicação de normas de proteção e combate a incêndios;

VI - não atendam às leis, decretos e suas alterações sobre acessibilidade;

VII - estejam localizadas em áreas de segurança dos aeroportos ou que estejam desrespeitando quaisquer normas referentes a altura ou ruídos;

VIII - estejam situadas em áreas de risco;

IX - estejam em desacordo com as restrições de condomínios ou loteamentos aprovados pela Prefeitura Municipal e registrados no Cartório de Registro de Imóveis.

Art. 7º - As construções irregulares não terão seus projetos regularizados, caso estejam em desacordo com as normas que tratam de recuos de divisa com relação a terceiros, previstas no Código de Obras, bem como aquelas que desobedecerem aos recuos especiais previstos na legislação federal, estadual e municipal.

Art. 8º - As construções que contenham paredes com janelas ou aberturas edificadas com recuo em relação a imóveis de terceiros inferior a 1.50 metros só poderão ser aprovados se atenderem as exigências previstas no Código Civil.

Parágrafo único. Será exigida a apresentação de documentos comprobatórios, conforme prevê o Código Civil, podendo ser a declaração de finalização de obra de 01 (um) ano e 01 (um) dia.

Art. 9º - Os projetos cujos compartimentos da construção irregular, bem como poços de iluminação e ventilação com áreas inferiores a mínima exigida poderão ser aprovados desde que a diferença não ultrapasse a 30 % (trinta por cento).

Art. 10 - Após o prazo citado no art. 1º, serão aceitos os protocolos de regularização com base neste Lei, com aplicação de multa.

Art. 11 - Compete à Secretaria Municipal de Planejamento a fiscalização do cumprimento dos prazos e a aplicação das previstas nessa legislação.

Art. 12 - O lançamento de ofício da área construída, efetuada pela Divisão de Cadastro Físico do Município, cujo projeto não tenha sido aprovado, não implica em reconhecimento da legalidade da obra.

Art. 13 - As construções já aprovadas, bem como as que serão regularizadas, edificadas sobre mais de um lote, somente poderão receber o "Habite-se" após a unificação dos mesmos na matrícula do imóvel.

Art. 14 - A critério da Divisão de Aprovação de Projetos, poderão ser aprovados projetos de obras irregulares, com irregularidades não previstas nesta legislação, ou em grau de recurso, com a apresentação de fundamentação técnica e documentos pertinentes, desde que não prejudiquem as condições de habilidade ou direito de terceiros.

Art. 15 - A regularização das edificações nos termos desta lei não implica no reconhecimento do uso irregular da edificação, que deverá obedecer às normas vigentes para o licenciamento do uso praticado de acordo com a legislação de uso e ocupação do solo vigente.

Art. 16 - As regularizações dos projetos de construção, reforma com ampliação ou de regularização pela Prefeitura Municipal não implicam:

I - no reconhecimento de direitos de propriedade do imóvel, nem na transferência do domínio para o nome do Requerente;

II - na comprovação das dimensões ou na regularidade dos lotes;

III - na responsabilidade de funcionários que aprovaram o projeto ou vistoriaram a construção sobre quaisquer danos ou prejuízos causados à edificação.

Art. 17 - Para aprovação de projetos de regularização dos imóveis o valor das taxas deverão obedecer à tabela vigente no exercício fiscal da época do protocolo referente a taxa de aprovação, vistoria e alvará de construção + ISSQN (imposto sobre serviços de qualquer natureza) que deverá ser recolhido no momento da solicitação de aprovação do projeto:

§ 1º - Sobre o valor recolhido incidirá multa de 30% (trinta por cento) sobre o valor da taxa de aprovação somada ao “Habite-se” nos casos em que o protocolo for apresentado posteriormente a data indicada no art. 1º, quando as construções estiverem em desacordo com o Código de Obras.

§ 2º - Imóveis com área total inferior a 140,00m², sendo ampliação ou não, pagarão valor único de R$ 50,00 (cinquenta reais).

§ 3º - Imóveis com área entre 140,00m² e 180,00m² receberão desconto de 50% tanto na taxa de aprovação como no ISSQN.

Art. 18 - As disposições da Lei Municipal nª 5.791, de 21 de outubro de 2.009, que dispensa a exigência de apresentação de planta interna em edificações unifamiliares, se aplica para a regularização de imóveis clandestinos no que couber.

Art. 19 - Serão beneficiadas todas as construções cujas irregularidades foram comprovadas, bem como aquelas concluídas, habitadas e as vistoriadas in loco, na data de publicação dessa lei, conforme declaração feita pelo responsável técnico, não se aplicando para esse fim a Tabela do Polo Gerador de Tráfego no Município de Bauru, Decreto nº 12.949, de 04 de dezembro de 2015.

Parágrafo único - Todos os processos protocolados no prazo disciplinado pelo do art. 1º, terão os benefícios desta lei, desde que estejam com todos os documentos exigidos completos.

Art. 20 - Fica a Secretaria Municipal de Planejamento - SEPLAN autorizada a disponibilizar aos interessados as plantas acrofotogramétricas para subsidiar os laudos técnicos de comprovação de área e tempo de existência de imóveis.

Art. 21 - A administração municipal, pelos seus órgãos, isentará de quaisquer taxas ou outros ônus de natureza financeira, aqueles que comprovarem ter rendimento mensal familiar de até 01 (um) salário mínimo.

Art. 22 - Após a regularização dos imóveis objeto da presente lei, por requisição do proprietário do imóvel, mediante o recolhimento da taxa de serviço de certidão de construção/ampliação será emitida pela Prefeitura Municipal de Bauru, certidão de regularização do imóvel, onde deverá constar a área total regularizada.

Parágrafo único - O comunicado oficial de conclusão da obra de regularização de construção, dar-se-á através da emissão do “Habite-se” ou mediante a emissão de certidão de ampliação quando o imóvel já possuir “Habite-se”.

Art. 23 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação." (sic)

O ato normativo impugnado padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

2. DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE.

O processo legislativo do referido diploma legal contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal por força do seguinte preceito, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal, e do art. 144, da Constituição Paulista, verbis:

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

A lei local impugnada contrasta com os seguintes preceitos da Constituição Paulista:

“(...)

Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

(...)

II - a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

Art. 181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

§ 1º - Os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade de seu território municipal.

(...)

Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.

(...)”.

3 – DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR.

         De proêmio, cumpre salientar que a transformação da realidade urbana interfere amplamente na propriedade privada urbana, impondo limites e condicionamentos ao seu uso.

         Assim, a validade e legitimidade da norma urbanística, em virtude dos condicionamentos e limitações que impõe à atividade e aos bens particulares e de seu objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, pressupõe participação comunitária em todas as fases de sua produção.

         Os planos e normas urbanísticas devem levar em conta o bem-estar do povo. Cumprem essa premissa quando são sensíveis às necessidades e aspirações da comunidade. Esta sensibilidade, porém, há de ser captada por via democrática, e não idealizada autoritariamente. O planejamento urbanístico democrático pressupõe possibilidade e efetiva participação do povo na sua elaboração.

         Sendo democrático, ele se coloca contra pressões ilegítimas ou equivocadas em relação ao crescimento e ordenamento da cidade, busca contê-la e orientá-las adequadamente.

         Daí porque os dispositivos constitucionais parâmetros do controle de constitucionalidade da lei municipal em foco nesta sede asseguram a participação da população em todas as matérias atinentes ao desenvolvimento urbano e ao meio ambiente, inclusive nos anteprojetos e projetos de lei, e são reiteradamente prestigiados pela jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência ademais de plano diretor - A participação de Vereadores na votação do projeto não supre a necessidade de que as entidades comunitárias se manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel. Des. Aloísio de Toledo César, 18-02-2009).

 “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei complementar disciplinando o uso e ocupação do solo. Processo legislativo submetido à participação popular. Votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento dos munícipes. Vício insanável. Inconstitucionalidade declarada.

‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques, m.v., 05-05-2010 – g. n.) (sic).

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Leis Municipais de Guararema, que tratam do zoneamento urbano sem a participação comunitária. Violação aos artigos 180, II e 191 da Constituição Estadual. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade das leis nº 2.661/09 e 2.738/10 do Município de Guararema” (TJSP, ADI 0194034-92.2011.8.26.0000, Rel. Des. Ruy Coppola, v.u., 29-02-2012).

         Imprescindível, portanto, que a população participe da produção de normas que afetarão a estética urbana, a qualidade de vida e os usos urbanísticos.

         Em outras palavras, para que o Município possa exercer sua autonomia legislativa nesse assunto, é preciso possibilitar e efetivamente garantir o controle social, isto é, “a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes” (art. 180, II, CE/89 - Silva, José Afonso da, “Direito Urbanístico Brasileiro”, Malheiros, 3ª ed., 2000, p. 48). A participação popular no desenvolvimento urbano é um instrumento legitimador das normas produzidas na ordem democrática, que, além de possibilitar a discussão especializada e multifocal do assunto, garante-lhe a própria constitucionalidade, como robustece o art. 29, XII, da Constituição Federal de 88:

“Por conseguinte, será forçoso reconhecer que, diante das normas disciplinadoras do Estatuto, não há mais espaço para falar em processo impositivo (ou vertical) de urbanização, de caráter unilateral e autoritário e, em consequência, sem qualquer respeito às manifestações populares coletivas. Em outras palavras, abandona-se o velho hábito de disciplinar a cidade por regulamentos exclusivos e unilaterais do Poder Público. Hoje as autoridade governamentais, sobretudo as do Município, sujeitam-se ao dever jurídico de convocar as populações e, por isso, não mais lhe fica assegurada apenas a faculdade jurídica de implementar a participação popular no extenso e contínuo processo de planejamento urbanístico” (José dos Santos Carvalho Filho, Comentários ao Estatuto da Cidade, Lumen Juris, 4ªed, Rio de Janeiro: 2011, p. 298, g.n.).

         Conforme cópia do processo legislativo que segue em apartado (doc. 2), verifica-se que a lei impugnada não foi embasada em efetiva participação popular.

         Constou dos autos, apenas, a ata de reunião de trabalho da Comissão de Obras, Serviços Públicos, Habitação e Transporte, para a discussão do Projeto de Lei nº 06/16, da Câmara Municipal (fl. 147 - doc. 02).  

         Notadamente, portanto, a imprescindível participação comunitária na discussão e deliberação quanto à pretendida regularização imobiliária não se verificou.

         E, para ressaltar a sua importância, a participação popular deve ocorrer também no que diz respeito a emendas parlamentares, porque a democracia participativa assegurada no inciso II do art. 180 e no art. 191 da Constituição Estadual, assim como no inciso XII do art. 29 da Constituição Federal, alcança a elaboração do parcelamento do solo antes e durante seu processo legislativo até o estágio final de produção da lei.

Assim, se constata violação ao inciso II do art. 180 e ao art. 191 da Constituição Bandeirante, visto que é imprescindível a participação da comunidade para discutir acerca da criação de programa de regularização imobiliária no território do Município, pois evidente a significativa alteração do ordenamento urbanístico.

  Por fim, sobre a intervenção popular, já decidiu esse E. Tribunal:

“(...)

A participação popular na criação de leis versando política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Ela deve ser assegurada não apenas de forma indireta e genérica no ordenamento normativo do Município, mas especialmente na elaboração de cada lei que venha a causar sério impacto na vida da comunidade.

(...)” (ADIN n. 0052634-90.2011.8.26.0000 – rel. Elliot Akel – j. 27.02.13)

         Conclui-se, pois, que o processo legislativo do referido diploma legal, responsável por criar programa de regularização de edificações no Município de Bauru, não contou com efetiva participação popular, ofendendo diretamente os arts. 180, II, e 191 da Constituição Estadual.

4. DA Violação Ao princípio do planejamento.

O ato normativo impugnado desrespeitou a necessidade de planejamento, princípio que deve ser observado na edição de leis relacionadas à instituição de diretrizes urbanas.

Nos termos dos arts. 180, II, e 181, § 1º, da Constituição Estadual, pode-se extrair que planejamento é indispensável à validade e legitimidade constitucional da legislação relacionada ao desenvolvimento urbano.

E não poderia ser diferente, vez que eventuais alterações nesta temática produzem significativas modificações na geografia e dinâmica urbana, seja em termos de mobilidade, saneamento, questões ambientais e outras, sendo imperiosa a elaboração de minucioso planejamento técnico destinado a apontar eventuais desdobramentos resultantes da mudança do ordenamento urbano.

Assim sendo, todo e qualquer regramento concernente ao zoneamento urbano, seja em sede inaugural ou em razão de futuras alterações necessárias no curso do desenvolvimento do território, deve levar em consideração a cidade em sua dimensão integral, dentro de um sistema de ordenamento urbanístico, razão pela qual a exigência de estudos técnicos se faz imprescindível.

Dessa forma, não há dúvida de que o planejamento é necessário na fase de elaboração do Plano Diretor. Mas não é suficiente por si só, pois todos e quaisquer projetos de lei ulteriores, que tratem do uso do solo e da respectiva proteção ambiental também devem ser submetidos a análises prévias.

Não fosse assim, o legislador teria a possibilidade de alterar, a seu bel prazer, e à revelia dos projetos e discussões realizados anteriormente, os destinos reservados ao uso do solo e ao zoneamento na cidade. E essa interpretação colocaria por terra os princípios do planejamento e da participação, que inspiram as diretrizes constitucionais para a edição legislativa nessa matéria.

Cumpre recordar que a exigência do plano diretor como “instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana” está assentada no §1º do art. 182 da Constituição da República. Também está respaldada no art. 181, § 1º, da Constituição Paulista, que exige que os planos diretores, obrigatórios em todos os Municípios, considerem a “totalidade de seu território municipal”.

Está, nesta mesma ordem de ideias, por exemplo, o art. 182, caput, da Constituição Federal, estabelecendo que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

Oportuno recordar, ademais, que o inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”.

É possível extrair dos dispositivos acima apontados que: (a) a adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei; (c) as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo Plano Diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a legislação específica sobre uso e ocupação do solo também deve pautar-se em adequado planejamento, a ser feito de forma global, considerando todo o território do Município.

Portanto, para que a norma urbanística tenha legitimidade e validade, deve necessariamente decorrer de um planejamento, definido como um processo técnico instrumentalizado para transformar a realidade existente de acordo com objetivos previamente estabelecidos.

Não pode decorrer da simples vontade do administrador, desprovida, em muitos casos, de elementos vinculados às reais necessidades do território e de sua população, mas de estudos técnicos que visem assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitar, trabalhar, circular e recrear) e garantir o bem-estar de seus habitantes.

O planejamento não é mais um processo discricionário e dependente da mera vontade dos administradores. É uma previsão de exigência constitucional (art. 48, IV, 182, da CF e art. 180, II, da CE). Tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos, estudos e congêneres, quando se trate da elaboração normativa relativa ao estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano.

Outrossim, o planejamento urbanístico não é um simples fenômeno técnico, mas um verdadeiro processo de criação de normas jurídicas, que ocorre em duas fases: uma preparatória, que se manifesta em planos gerais normativos, e outra vinculante, que se realiza mediante planos de atuação concreta, de natureza executiva.

Discorrendo a respeito do tema, Joseff Woff consigna que o plano urbanístico não constitui simples conjunto de relatórios, mapas e plantas técnicas, configurando um acontecer unicamente técnico. Compenetrando-se da realidade a ser transformada e das operações de transformação que consubstanciam o processo de planejamento, sob pena de ser mera abstração sem sentido, o plano urbanístico adquire, ele próprio, por contaminação necessariamente dialética, as características de um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo, no sentido de que os anteprojetos elaborados por técnicos e especialistas adquirem a categoria de diretrizes para a política do solo e sua edificação, ao mesmo tempo que, em seus desdobramentos, se manifesta como conjunto de atos e fundamentos para a produção de atos de atuação urbanística concreta. (El Planeamiento Urbanístico del Território y lãs Normas que Garantizan su Efectividad, conforme a la Ley Federal de Ordenación Urbana, em La Ley Federal Alemana de Ordenación Urbanística y los Municípios, p. 28 ,  apud José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro,  2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83). (ok)

A propósito do tema, José Afonso da Silva chega a observar que:

“Muitos fatores contribuem para dificultar a implantação desse processo, tais como carência de meios técnicos de sustentação, de recursos financeiros e de recursos humanos, bem assim certo temor do Prefeito e da Câmara de que o processo de planejamento substitua sua capacidade de decisão política e de comando administrativo.” (Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

Para que a ordenação urbanística seja legítima, portanto, há de ter objetivos públicos, voltados para a realização da qualidade de vida dos habitantes da cidade e de quem por ela circule, à luz de suas reais necessidades e de critérios objetivos aferidos a partir de estudo técnico.

Qualquer atividade urbanística busca a transformação e orientação da realidade das cidades, dando uma sistematização senão a ideal, pelo menos, a possível e mais adequada. Por esse motivo é que alterações das normas que regulam o uso e ocupação do solo dependem de um estudo que deve levar em conta a situação existente e os objetivos do poder público com respeito às características a dar a cidade, segundo as possibilidades atuais e futuras do seu desenvolvimento, tal como precisa ser com qualquer tipo de planejamento.

A própria sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global do território urbano - evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível.

Entendimento diverso, inclusive, tornaria sem valor algum todo o trabalho realizado previamente para fins de elaboração e aprovação da Lei do Plano Diretor. A propósito, anota Hely Lopes Meirelles (Direito Municipal Brasileiro, 6. ed., 3. tir., São Paulo, Malheiros, 1993, p. 393 e 395):

“(...)

Toda cidade há que ser planejada: a cidade nova, para sua formação; a cidade implantada, para sua expansão; a cidade velha, para sua renovação. Mas não só o perímetro urbano exige planejamento, como também as áreas de expansão urbana e seus arredores, para que a cidade não venha a ser prejudicada no seu desenvolvimento e na sua funcionalidade pelos futuros núcleos urbanos que tendem a formar-se na periferia.

 (...)”.

Tratando especificamente da ocupação e uso do solo, José Afonso da Silva (Direito Urbanístico, 4. ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p. 251), em lição que mutatis mutandis é aplicável à hipótese em exame, anota que a respectiva ordenação é um dos aspectos fundamentais do planejamento urbanístico, salientando ainda que:

“(...)

recomenda-se, nessas alterações, muito critério, a fim de que não se façam modificações bruscas entre o zoneamento existente e o que vai resultar da revisão. É preciso ter em mente que o zoneamento constitui condicionamento geral à propriedade, não indenizável, de tal maneira que uma simples liberação inconseqüente ou um agravamento menos pensado podem valorizar demasiadamente alguns imóveis, ao mesmo tempo que desvalorizam outros, sem propósito. É conveniente que o zoneamento resultante da revisão ou da alteração constitua uma progressão harmônica do zoneamento revisado ou alterado, para não causar impactos, que, por sua vez, geram resistências que dificultam sua implantação e execução. É prudente avançar devagar, mas com firmeza, energia e justiça.

(...)”.

O ato normativo que altera sensivelmente as condições, limites e possibilidades do uso do solo urbano, sem realização de qualquer planejamento ou estudo específico, viola diretamente a sistemática constitucional na matéria.

Não se admite, nesse quadro, modificações individualizadas, pontuais, casuísticas e dissociadas da estrutura sistêmica da utilização de todo o solo urbano estampadas nas leis de uso e ocupação do solo urbano. Caso contrário, tornaria inócuo e sem qualquer validade todo o planejamento e estudos realizados pelo Poder Executivo, por ocasião da propositura e aprovação da lei complementar que instituiu o Plano Diretor Participativo do Município.

Destacando a importância do planejamento urbanístico e da necessária razoabilidade de que se deve revestir a legislação elaborada nesta matéria, recorda Toshio Mukai (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental, Belo Horizonte, Editora Fórum, 2004, p. 29), que:

 “(...)

a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade.

(...)”.

Do mesmo sentir é o pensamento de José dos Santos Carvalho Filho (Comentários ao Estatuto da Cidade, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris Editora, 2006, p. 25/26), ao afirmar que o planejamento, em matéria urbanística, consiste em:

“(...)
processo prévio de análise urbanística pelo qual o Poder Público formula os projetos para implementar uma política de transformação das cidades com a finalidade de alcançar o desenvolvimento urbano e a melhoria das condições de qualquer tipo de ocupação dos espaços urbanos.

(...)

constitui, indiscutivelmente, um dos princípios básicos do Poder Público.

(...)”.

A partir da análise da Lei nº 6.797, de 01 de junho de 2016, do Município de Bauru, e de seu processo legislativo, verifica-se que o diploma objeto da impugnação não está fundado em planejamento urbanístico destinado a atender os efetivos anseios da cidade e a promover a melhoria das condições de vida dos cidadãos, porquanto busca regularizar, de forma aleatória e sem qualquer lastro técnico, obras clandestinas ou irregulares.

A lei objeto da impugnação não foi precedida de planejamento urbanístico voltado a buscar o crescimento ordenado da cidade, não havendo nos autos estudos ou levantamentos técnicos, indicativos das áreas a serem regularizadas, número de construções irregulares que devem ser adequadas, etc.

Assim, a lei impugnada, ainda que tenha sido de iniciativa do Executivo, por não decorrer da atividade de planejamento urbano do município, compromete o crescimento organizado da cidade e a ocupação ordenada de seus espaços.

Esse Egrégio Órgão Especial já teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão em caso semelhante, verbis:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Complementar nº 112, de 17 de julho de 2015, de Campinas, que dispõe sobre a regularização de construções clandestinas e/ou irregularidades na cidade de Ibitinga e dá outras providências – Realização de audiência pública em conformidade com os preceitos da Constituição Estadual – Processos legislativos respectivos desprovidos de planejamento e estudo técnico de adequação das alterações impostas, bem como não submetidos à apreciação popular exigências constitucionalmente inerentes às normas de direito urbanístico contraste aos artigos 180, e 191 da Constituição Bandeirante - Precedentes Do C. Órgão Especial - Ação procedente, com modulação dos efeitos. (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2114028-88.2016.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, j. 16.089.16).

Vale a pena destacar parte do voto proferido pelo DD. Desembargador Relator:

“(...) a participação da população em audiência pública e ou debates, visa o interesse da coletividade, com enfoque nas melhorias e obras de mobilidade urbana, e também, visa fornecer dados técnicos à fase de Metodologia. Faz-se mister elucidar, que nesta etapa, a audiência, não é um referendo. Onde a população é consultada sobre a apresentação de um projeto pré-estabelecido, pelos técnicos, que, muitas das vezes, são profissionais escolhidos para elaborar e elencar os dados técnicos do município, com base em documentos técnicos contidos na prefeitura e levantamento de pesquisa realizado por órgão público. Assim, a participação popular, nesta fase, é muito importante no tocante a leitura técnica. Onde deveria haver o confronto da referida leitura, produzida pelos técnicos, com a realidade municipal. Através de debates da população menos favorecida. Evitando que os estudos sejam voltados apenas para uma parcela da sociedade.

(...)

O planejamento não é mais um processo discricionário e dependente da mera vontade dos administradores. É uma previsão e exigência constitucional (Art. 48, IV, 182, da CF e art. 180, II, da CE). Tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos, estudos quando se trate da elaboração normativa relativa ao estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano (grifo nosso).

No mesmo sentido foi o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2007245-72.2016.8.26.0000, aos 11 dias do mês de maio de 2016, Rel. Des. Ricardo Anafe, na qual esse E. Órgão Especial assim entendeu:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei Complementar nº 112, de 17 de julho de 2015, do Município de Campinas que dispõe sobre a regularização de construções clandestinas e/ou irregularidades na cidade Matéria relativa à Administração Municipal, de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo - Ato normativo que por seu conteúdo, dependia de prévios estudos de planejamento e efetiva participação popular, exigências reservadas às situações indicadas no artigo 181 da Constituição Estadual - Violação aos artigos 47, incisos II e XIV, 144, 180, inciso II, 181 e 191, todos da Constituição Estadual - Modulação dos efeitos (ex nunc). Pedido procedente, com modulação” (grifo nosso).

No referido acórdão prolatado, consignou-se, verbis:

É, pois, inegável a direta interferência no planejamento urbano do Município, ao dispor sobre a regularização de construções clandestinas e/ou irregulares na cidade, sem o necessário e prévio estudo administrativo, a que o Poder Executivo é o único habilitado a promover, vale dizer, relacionada com o uso e ocupação do solo, a iniciativa legislativa sobre a matéria é do Prefeito, porque depende de estudos prévios e técnicos que só o Poder Executivo Municipal pode realizar.

(...)

Também não há informação de estudos prévios a recomendar a elaboração do projeto e, se não os há, não se poderia cogitar da participação de entidades comunitárias na sua elaboração.”(grifo nosso).

Deste modo, padece de inconstitucionalidade o ato normativo que, sem qualquer estudo prévio consistente - planejamento específico -, de forma casuística, altera o regime jurídico relativamente ao uso e ocupação do solo, ferindo frontalmente o disposto no art. 180, inciso II, bem como no art. 181, § 1º e 191, ambos da Constituição Estadual; bem ainda, por força do art. 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos art. 182, caput, § 1º, e o art. 30, inciso VIII da CF.

4. DO PEDIDO LIMINAR.

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que a lei impugnada padece de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos preceitos questionados, subsistirá a sua aplicação, com um crescimento desordenado da cidade, com comprometimento ao planejamento urbanístico, ao bem-estar da população, à qualidade de vida e ao desenvolvimento sustentável da comuna, que dificilmente poderão ser sanados, na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que a ocupação do solo, a eventual regularização de construções e imóveis clandestinos, poderá levar a situações urbanisticamente não desejáveis, que poderão gerar conflitos e intranquilidade na comunidade.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, dificilmente será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que eventualmente já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

No contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da Lei nº 6.797, de 01 de junho de 2016, do Município de Bauru.

5. DO PEDIDO PRINCIPAL.

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade Lei nº 6.797, de 01 de junho de 2016, do Município de Bauru.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Bauru, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

                   São Paulo, 26 de junho de 2017.

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

efsj/mjap

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 173.168/16

Assunto: inconstitucionalidade da Lei nº 6.797, de 01 de junho de 2016, do Município de Bauru.

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei nº 6.797, de 01 de junho de 2016, do Município de Bauru, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

              São Paulo, 26 de junho de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

efsj/mjap