EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado
nº 127.076/2016
Ementa:
1)
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei
Complementar nº 42, de 05 de setembro de 2011, bem como parágrafo único do art.
1º, parágrafo único do art. 2º e art. 4º da Lei Complementar nº 61, de 10 de
abril de 2012, do Município de Iguape.
2)
Ausência de descrição legal das atribuições dos
cargos de provimento em comissão instituídos pela Lei Complementar nº 61, de 10
de abril de 2012, do Município de Iguape. Violação do princípio da reserva
legal. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do
modo da investidura e das condições do exercício das atividades do cargo
público deve estar descrito na lei. Arts. 111, 115, II e V, e 144, CE/89.
3)
Criação de cargos de
provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento,
chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e
profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos
de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança.
Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144).
O PROCURADOR-GERAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no
art. 116, inc. VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de
1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inc.
IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inc. VI, e no art. 90,
inc. III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 127.076/16), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei
Complementar nº 42, de 05 de setembro de 2011, bem como do parágrafo único do
art. 1º, do parágrafo único do art. 2º e do art. 4º da Lei Complementar nº 61,
de 10 de abril de 2012, do Município de Iguape, pelos fundamentos expostos a seguir:
1. ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS.
A Lei Complementar nº 42, de 05 de setembro de 2011, do Município de Iguape, que “Cria o emprego de Diretor do Centro Musical Maestro Paulo Massa, que passa a figurar no Anexo I, Quadro de Pessoal, Parte Permanente, da Lei 1.733, de 29 de outubro de 2003, e disciplina as respectivas atribuições”, tem a seguinte redação (fls. 28/29):
“Art. 1º - Fica criado no anexo I, Quadro de Pessoal, Parte Permanente, da Lei 1.733, de 29 de outubro de 2003, o item referente ao emprego público de Diretor do Centro Musical Maestro Paulo Massa, conforme a tabela abaixo:
Denominação |
Nº Emprego |
Referência |
Escolaridade |
Tabela |
Valor do
Vencimento |
Diretor do
Centro Musical Maestro Paulo Massa |
01 |
09 |
Ensino
Médio Completo e inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil |
I |
R$
2.250,00 |
Art. 2º - Fica criado no anexo VI, da Lei 1.733, de 29 de outubro de 2003 - Descrição dos Empregos de Provimento em Comissão - o tópico concernente às atribuições do Diretor do Centro Musical Maestro Paulo Massa, conforme segue abaixo:
Diretor do Centro Musical Maestro Paulo Massa.
I - ter qualificação para o exercício da profissão de músico com conhecimento em todos os instrumentos de Banda, bem como instrumentação, transcrição e adaptação para o repertório de Banda;
II - organizar e dirigir o Centro Musical “Maestro Paulo Massa”, bem como os setores que compõe;
III - elaborar e o repertório da banda Municipal;
IV - programar e realizar ensaios;
V - reger as apresentações da Banda Municipal;
VI - promover apresentações e concertos;
VII - controlar a disciplina dos instrumentistas, bem como a conservação dos instrumentos musicais e outros objetos pertencentes ao Centro Musical, horários de funcionamento e direcionamento dos trabalhos dos monitores.
Art. 3º - As despesas decorrentes da execução do presente Lei correrão por conta das verbas consignadas no orçamento vigente, suplementadas se necessário.
Art. 4º - Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.” (sic)
A seu turno, a Lei Complementar nº 61, de 10 de abril de 2012, do Município de Iguape, que “Dispõe sobre a criação da divisão de convênios e da divisão de habitação e desenvolvimento. Altera o Anexo I da Lei 1.733/03, altera a estrutura funcional do Departamento de Planejamento - e dá outras providências. E revoga as Leis Complementares n. 46 de 21 de junho de 2011, Lei Complementar n. 58 de 16 de março de 2012”, estabelece (fls. 23/27):
“Art. 1º - Fica criado a Divisão de Convênios, tendo como objetivos gerais:
I - ATRIBUIÇÕES:
. Prospectar novos recursos junto a parceiros do Governo Federal, Governo Estadual, Fundações e Iniciativa Privada.
. Acompanhar, assistir e encerrar os convênios vigentes com a Municipalidade.
. Manter arquivo atualizado dos convênios do Município
. Manter Planilha Simplificada de Gestão dos convênios do Município, para rápido acesso e informação.
. Fazer gestão com outros municípios no sentido de cooperação técnica ou consorcio para a resolução de problemas em comum.
. Fazer gestão junto aos agentes financeiros no sentido de acompanhar todo o processo de formalização, acompanhamento e finalização de contratos de repasse.
. Acompanhar os programas disponibilizados no âmbito do SICONV e notificar por escrito os devidos Departamentos competentes para a elaboração de projeto básico para envio de proposta de repasse.
. Acompanhar Prazos e vigências dos contratos de convenio e suas exigências legais quanto a prorrogações, aditamentos e convalidações.
. Elaborar, organizar e remeter aos órgãos competentes a documentação necessária a formalização de convênios bem como da comprovação de sua execução.
. Preparar acompanhar e encaminhar os documentos de medição e pagamento a fornecedores/prestadores de serviços CEF.
Parágrafo único - O Anexo I da Lei
1.733/03, fica acrescido do cargo de Diretor da Divisão de Convênios.
Art. 2º - Fica criado a Divisão de Habitação de Desenvolvimento, tendo como objetivos gerais:
I - ATRIBUIÇÕES -
. Acompanhar, fazer gestão e prospectar os programas habitacionais de interesse do município.
. Prospectar e acompanhar os programas minha casa minha vida e PAC2 infra-estrutura;
. Prospectar e acompanhar os programas minha casa paulista, CDHU e cidade legal.
. Fazer gestão e manter a interlocução continua com a secretaria da habitação do estado de São Paulo.
. Acompanhar, prospectar e fazer gestão junto aos ministérios e secretarias com relação ao desenvolvimento regional, social e econômico do município de Iguape.
. Acompanhar e fazer gestão com relação ao Plano Local de Habitação e Interesse Social (PLHIS).
. Manter de forma continua a aplicação e usabilidade da Zona Especial da Habitação de Interesse Social (ZEHIS)
Parágrafo único - O Anexo I da Lei 1.733,
fica acrescido do cargo de Diretor da Divisão de Habitação e Desenvolvimento.
Art. 3º - A Diretoria Municipal de Planejamento passa a ser composta pelos seguintes órgãos:
a. Diretoria de Planejamento;
b. Divisão de Convênios;
c. Divisão de Habitação e Convênios;
d. Assessoria de Planejamento;
Art. 4º - Ficam acrescidos ao Anexo I,
QUADRO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO, da Lei nº 1.733/03 de 29 de outubro
de 2003, os seguintes cargos de provimento em comissão da Diretoria Municipal
de Planejamento.
Qtdade |
Denominação |
Requisito |
Ref. |
Salário |
01 |
Diretor (a) de Divisão de Convênios |
Nível Técnico ou Superior |
09 C |
2.947,50 |
01 |
Diretor (a) de Divisão de Habitação
e Desenvolvimento |
Nível Técnico ou Superior |
09 C |
2.947,50 |
Art. 5º - Fica incluída na estrutura organizacional do Poder Executivo do Município, criada pela Lei nº 1.733 de 29 de outubro de 2011, o organograma da Diretoria Municipal de Planejamento, anexo a presente Lei.
Art. 6º - As despesas decorrentes da execução do presente Lei correrão por conta das verbas consignadas no orçamento vigente, suplementadas se necessário.
Art. 7º - Esta Lei Complementar entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as Leis Complementares n. 46 de 21 de junho de 2011, e Lei Complementar 58 de 16 de março de 2012.” (sic)
A Lei Complementar nº
42/2011, bem como o parágrafo único do art. 1º, o parágrafo único do art. 2º e
o art. 4º da Lei Complementar nº 61/2012, do Município de Iguape, são
verticalmente incompatíveis com o ordenamento constitucional, como será
demonstrado a seguir.
2. O parâmetro da fiscalização abstrata de
constitucionalidade.
Os atos normativos impugnados, responsáveis
por criar cargos de provimento em comissão na estrutura administrativa
municipal, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à
qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts.
1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144,
que assim estabelece:
“Art. 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei
orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
A incompatibilidade das normas atacadas se visualiza a
partir de cotejo com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“(...)
Art. 111 – A administração pública direta,
indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Art. 115 – Para a organização da
administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou
mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das
seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende
de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre
nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente
por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem
preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais
mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia
e assessoramento;
(...)”.
3. FUNDAMENTAÇÃO.
3.1. AUSÊNCIA DE
DESCRIÇÃO LEGAL DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO CRIADOS
PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 1º, PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º E PELO ART. 4º DA
LEI COMPLEMENTAR Nº 61/2012, DO MUNICÍPIO DE IGUAPE.
De
início, cumpre esclarecer que é inconstitucional a criação de cargos de
provimento em comissão cujas atribuições sejam de natureza burocrática,
ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de
assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores
investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso
público.
A
criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada,
artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V,
da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, I, II e V, da Constituição
Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as
quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções
técnicas ou profissionais, às quais é reservado o provimento efetivo precedido
de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como
apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.
Não
é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo público,
mas somente daqueles que demandem relação de confiança, devido ao exercício de
atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção.
Destarte, é absolutamente
imprescindível que a lei descreva as efetivas atribuições dos cargos de
provimento em comissão, para se aquilatar se realmente se amoldam às funções
que lhes são inerentes.
Ademais,
referida exigência decorre do próprio princípio da legalidade, o qual se
desdobra na reserva legal, a exigir lei em sentido formal para criação e
disciplina de cargos públicos, como adverte a doutrina, verbis:
“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em
sentido formal para criação e disciplina de cargo público, compreendido este
como o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um servidor,
criado por lei, em número certo, com denominação própria, sujeito à remuneração
e à subordinação hierárquica, para o exercício de uma função pública específica
(cf. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 16 ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2012- p. 298).
Desse modo, ponto elementar relacionado à criação de
cargos públicos é a exigência de que lei específica – no sentido de reserva
legal ou de lei em sentido formal, como ato normativo produzido pelo Poder
Legislativo, mediante o competente e respectivo processo - descreva as
correlatas atribuições.
Somente
a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a
bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados,
averiguar-se a completa licitude do exercício das funções públicas pelo agente
público.
Trata-se
de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em
nome da Administração Pública e, em especial, daqueles que tangenciam os
direitos dos administrados, e que, ainda, permite a aferição da legitimidade da
forma de investidura no cargo público - a qual deve ser guiada pela legalidade,
moralidade, impessoalidade e razoabilidade.
Nem
se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria
competência para descrição das atribuições dos cargos públicos, sob pena de
convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal.
Isso
porque, “a nossa ordem constitucional não
se compadece com as autorizações legislativas puras ou incondicionadas, de
nítido e inconfundível conteúdo renunciativo. Tais medidas representam
inequívoca deserção do compromisso de deliberar politicamente, configurando
manifesta fraude ao princípio da reserva legal e à vedação à delegação de
poderes.” (cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional.
Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4 ed.. São Paulo:
Saraiva, 2009- pp. 960).
Ademais,
a possibilidade de regulamento autônomo, para disciplina da organização e
funcionamento da administração (art. 47, XIX, a, da Constituição Paulista), não se confunde com a delegação de
competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público,
sob pena de violação ao art. 24, § 2º, 1, da Carta Paulista, que exige, para
tanto, lei em sentido formal.
Com
efeito, o regulamento autônomo (ou de organização) deve conter normas sobre a
organização administrativa, isto é, sobre a disciplina do modo de prestação do
serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de
seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos – podendo,
tão-somente, extingui-los, quando vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para fins de contenção de despesas
(art. 169, § 4°, Constituição).
Na
lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, o “decreto autônomo” previsto no art.
84, VI, a, da Constituição,
representa:
“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).
Neste
sentido, em casos análogos a este, pronunciou o E. Supremo Tribunal Federal a
inconstitucionalidade de leis que delegam ao Poder Executivo a fixação da
descrição das atribuições de cargos de provimento em comissão, in verbis:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009).
“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008).
A Lei Complementar nº 61/2012, por meio do parágrafo
único do art. 1º, do parágrafo único do art. 2º e do art. 4º, instituiu no
Anexo I da Lei nº 1.733/2003, ambas de Iguape, as unidades de “Diretor da Divisão de Convênios” e “Diretor da Divisão de Habitação e
Desenvolvimento” na estrutura administrativa local.
Em que pese tenha descrito em seus artigos 1º e 2º as atividades
dos órgãos a que estão vinculados, isto
é, da Divisão de Convênios e da Divisão de Habitação e Desenvolvimento, o ato
normativo não trouxe em nenhum de seus dispositivos a resenha de atribuições
inerentes aos cargos supramencionados.
Desta forma, é de rigor a declaração de
inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º, do parágrafo único do art.
2º e do art. 4º da Lei Complementar nº 61/2012, de Iguape, responsáveis por
alterar a Lei nº 1.733/2003, criando os cargos comissionados puros de “Diretor
da Divisão de Convênios” e “Diretor da Divisão de Habitação e Desenvolvimento”,
ante a ausência da descrição das respectivas atribuições em lei, cuja omissão
não pode ser suprida por decreto do Poder Executivo ou por portaria.
3.2. DA NATUREZA TÉCNICA E
BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DOS CARGOS COMISSIONADOS
DE “DIRETOR DO CENTRO MUSICAL MAESTRO PAULO MASSA”, “DIRETOR DA DIVISÃO DE
CONVÊNIOS” E “DIRETOR DA DIVISÃO DE HABITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO” PREVISTOS NAS
LEIS COMPLEMENTARES Nº 42/2011 E Nº 61/2012, DO MUNICÍPIO DE IGUAPE.
Com efeito, a unidade “Diretor
do Centro Musical Maestro Paulo Massa”, instituída pela Lei Complementar nº
42/2011, do Município de Iguape, corresponde a cargo de provimento em comissão, que, na
realidade, possui natureza meramente técnica, burocrática, operacional e
profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior, exigindo-se
tão somente o dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a
todo e qualquer servidor.
Ademais,
ainda que não tenham sido contempladas expressamente as ocupações
inerentes aos cargos comissionados de “Diretor
de Divisão de Convênios” e “Diretor
de Divisão de Habitação e Desenvolvimento” - estabelecidos pelo parágrafo
único do art. 1º, parágrafo único do art. 2º e pelo art. 4º da Lei Complementar
nº 61/2012, de Iguape -, caso se interprete como tais as atividades enumeradas
nos arts. 1º e 2º do referido ato normativo, verifica-se que consubstanciam
incumbências de natureza meramente técnica, burocrática, operacional e
profissional.
Senão
vejamos.
O
art. 2º da Lei Complementa nº 42/2011 criou no Anexo VI da Lei nº 1.733/03, de
Iguape, um tópico concernente às atribuições do cargo de “Diretor do Centro
Musical Maestro Paulo Bassa”, estabelecendo que lhe cabe: organizar e dirigir o
centro musical e seus setores; elaborar o repertório da banda; programar e
realizar ensaios; promover e reger apresentações; bem ainda controlar a
disciplina dos instrumentistas, conservação de instrumentos e objetos
pertencentes ao Centro Musical, horários de funcionamento e direcionamento dos
trabalhos dos monitores.
Por
sua vez, o art. 1º da Lei Complementar nº 61/2012, de Iguape, previu as seguintes
atividades relacionadas à Divisão de Convênios (e, caso assim se interprete, ao
“Diretor de Convênios”): prospectar recursos junto a parceiros do Governo;
acompanhar, assistir e encerrar convênios; manter arquivo atualizado de
convênios e planilhas simplificadas de gestão; realizar cooperação técnica ou
consórcios com outros Municípios; acompanhar as etapas de elaboração e
conclusão de contratos de repasse; acompanhar programas no âmbito do SICONV e
notificar os departamentos competentes; acompanhar prazos e vigências de
contratos de convênios; elaborar, organizar e remeter documentação necessária à
formalização de convênios; e preparar e encaminhar documentos de medição e
pagamento a fornecedores/prestadores de serviços.
No
que concerne à Divisão de Habitação e Desenvolvimento (ou ao posto de “Diretor
de Divisão de Habitação e Desenvolvimento”, caso seja esse o entendimento), o
art. 2º da Lei Complementar nº 61/12, de Iguape, consignou como funções
relacionadas: acompanhar, gerir e prospectar os programas habitacionais de
interesse do município, entre eles, o programa “minha casa minha vida”, “PAC2
infra-estrutura” (sic), “CDHU” e
“cidade legal”; manter a interlocução com a Secretaria da Habitação do Estado
de São Paulo; atuar junto aos ministérios e secretarias com relação ao
desenvolvimento regional, social e econômico local; acompanhar e gerir o Plano
Local de Habitação e Interesse Social (PLHIS); e , por fim, manter de forma
continua a aplicação e usabilidade da Zona Especial de Habitação de Interesse
Social (ZEHIS).
Em linhas gerais, embora tenham sido utilizadas as expressões
“controlar, assistir, dirigir”, em verdade, foram enumeradas atividades relacionadas
a suporte técnico, interlocução, administração, planejamento e organização,
destinadas a atender necessidades executórias e ao trabalho cotidiano no âmbito
da Prefeitura, sem que seja necessária a presença do elemento “confiança
pessoal” a justificar o provimento comissionado puro.
Dessa
forma, os cargos anteriormente destacados são incompatíveis com a ordem
constitucional vigente, em especial com
os arts. 111, 115, incisos I, II e V, e 144, da Constituição do Estado de São
Paulo.
Destaque-se
que essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos
pela Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso.
Embora
o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do
sistema federativo (art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia
não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição
Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito
constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).
A
autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos
na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David
Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso
de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
No
exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos e funções,
mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras
questões, bem como se estruturando adequadamente.
Todavia,
a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra
balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça
através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais
relativas ao regime jurídico do serviço público.
A
regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos
por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se
garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição
Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa
deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou
burocrática.
A
criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração,
deve ser limitada aos casos em que seja exigível
especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que
adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade
predominantemente política.
Há
implícitos limites à sua criação, visto que, não fosse assim, estaria na
prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao
serviço público.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo
Tribunal Federal, que “a criação de cargo
em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso
ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável
esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno,
Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem
ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria
natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança
e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento
político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes
políticos, que vão muito além do dever comum de lealdade às instituições
públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.
É
esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de
certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da
autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover
a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão
necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se
desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não
poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua
confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito
Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Por outras palavras, não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão. A atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.
E, no caso vertente, pela análise da natureza e atribuições dos cargos em destaque, não se identificam os elementos que justificam o provimento em comissão.
Escrevendo
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável
ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação
de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a
permissão para tal criação, “propiciar ao
Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de
certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as
diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é,
portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o
seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta
confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das
atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles
não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e
administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um
comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos
agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se
que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de
chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem
declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar
administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro,
procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o
escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional,
técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza”(Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
É
necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados
desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des.
Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des.
Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel.
des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008,
v.u.).
Cabe
também registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria, na
prática, negativa de vigência ao art. 115,
incisos I, II e V, da Constituição Estadual, bem como ao art. 37, incisos I, II
e V, da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art.
144 da Carta Estadual.
4. Pedido liminar.
À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do
Município de Iguape apontados como violadores de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, de maneira a evitar oneração do erário irreparável ou de difícil
reparação.
À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para
suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei Complementar nº 42, de 05 de setembro de 2011,
bem como do parágrafo único do art. 1º, do parágrafo único do art. 2º e do art.
4º da Lei Complementar nº 61, de 10 de abril de 2012, do Município de Iguape.
5. PEDIDO PRINCIPAL.
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que, ao final, seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 42, de 05 de setembro de 2011, bem como do parágrafo único do art. 1º, do parágrafo único do art. 2º e do art. 4º da Lei Complementar nº 61, de 10 de abril de 2012, do Município de Iguape.
Requer-se,
ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito
Municipal de Iguape, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do
Estado para manifestar-se sobre os atos normativos impugnados.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos
em que, aguarda-se deferimento.
São
Paulo, 03 de julho de 2.017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
pss/mjap
Protocolado nº 127.076/2016
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta
de inconstitucionalidade em face da Lei
Complementar nº 42, de 05 de setembro de 2011, bem como do parágrafo único do
art. 1º, do parágrafo único do art. 2º e do art. 4º da Lei Complementar nº 61,
de 10 de abril de 2012, do Município de Iguape, junto ao
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao representante, informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 03 de julho de 2.017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
pss