EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

Protocolado nº 130.545/2016

 

Ementa:

                                                          

1.      Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 2.537/07 que autoriza o Poder Executivo a devolver 25% (vinte e cinco por cento) do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), devidamente recolhido pelo contribuinte, que vier a transferir veículo registrado em seu nome em outros municípios para o Município de Itapeva.

2.      Benefício fiscal consistente na devolução de parcela do IPVA recolhido pelo contribuinte, mediante vinculação de receita de imposto a cuja parcela tem direito o Município, incompatível com o princípio da não afetação de receita de imposto a despesa (art. 176, IV, CE/89).

3.      Violação dos princípios da razoabilidade e moralidade, pois não existe discricionariedade na escolha do local para o registro de veículo, haja vista estar ela prevista no Código de Trânsito Brasileiro.

 

 

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 130.545/2016), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n° 2.537, de 10 de janeiro de 2007, do Município de Itapeva, pelos seguintes fundamentos:

1.     ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei nº 2.537, de 10 de janeiro de 2007, do Município de Itapeva, que “Autoriza o Poder Executivo a devolver 25% (vinte e cinco por cento) do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

“(...)

ARTIGO 1° - Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a devolver 25% (vinte e cinco por cento) do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), devidamente recolhido pelo contribuinte que transferir veículos automotores registrados em outros municípios para o Município de Itapeva, nos termos e limites da legislação aplicável.

ARTIGO 2° - O benefício previsto no art. 1º desta Lei será concedido por uma única vez e deve ser requerido pelo próprio contribuinte no mesmo ano em que houver o efetivo recolhimento do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) licenciados no Município de Itapeva, no prazo de 30 (trinta) dias após a comprovação do recolhimento total do imposto.

ARTIGO 3º - O requerimento exigido pelo artigo anterior deve estar acompanhado dos seguintes documentos devidamente autenticados:

I – cópia do documento de propriedade de veículo;

II – cópia de documento que comprova a transferência do veículo para o Município de Itapeva;

III – cópia da guia de recolhimento do imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA);

ARTIGO 4° - O benefício previsto nesta Lei não será concedido se requerido fora do prazo previsto no art. 2º.

ARTIGO 5º - A Secretaria Municipal de Finanças ficará responsável pela prática dos atos necessários à fiel execução da presente lei.

ARTIGO - As despesas decorrentes da execução da presente Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias constantes do orçamento.

ARTIGO - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

(...)”.

A lei é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     FUNDAMENTAÇÃO

O ato normativo ora impugnado, ao permitir a devolução de 25% (vinte e cinco por cento) do valor do IPVA recolhido pelo contribuinte que vier a transferir veículo registrado em seu nome em outros Municípios para o Município de Itapeva, o faz violando os princípios da razoabilidade e moralidade, bem como da proibição de vinculação de receita tributária, previsto no art. 176, IV, da Constituição Estadual, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta:

(...)

Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

 

Art. 176 – São vedados:

(...)

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas as permissões previstas no art. 167, IV, da Constituição Federal e a destinação de recursos para a pesquisa científica e tecnológica, conforme dispõe o art. 218, § 5º, da Constituição Federal.

(...)”.

O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

O preceito constitucional estadual supramencionado agasalha o princípio da não afetação, consistente na impossibilidade de vinculação da receita de impostos a órgãos, fundos ou despesas, com exceção de algumas hipóteses previstas na norma constitucional.

O princípio da não afetação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa denota a característica não vinculada dessa espécie tributária (Kiyoshi Harada. Direito Financeiro e Tributário, São Paulo: Atlas, 1998, 4ª ed., p. 74) e significa que “não pode haver mutilação das verbas públicas. O Estado deve ter disponibilidade da massa de dinheiro arrecadado, destinando-o a quem quiser, dentro dos parâmetros que ele próprio elege como objetivos preferenciais” (Régis Fernandes de Oliveira. Curso de Direito Financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 328).

O princípio da não afetação se justifica “na medida em reserva ao orçamento e à própria Administração, em sua atividade discricionária na execução da despesa pública, espaço para determinar os gastos com os investimentos e as políticas sociais” (Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, 2ª ed., vol. V, p. 275), pois, “em virtude da generalidade e da impessoalidade que haverão de presidir a elaboração e a execução do orçamento, em obséquio, inclusive, ao postulado de igualdade, que não poderia tolerar privilégios na destinação dos recursos públicos, que pertencem a toda a coletividade e não a um grupo de suseranos” (Eduardo Marcial Ferreira Jardim. Manual de Direito Financeiro e Tributário, São Paulo: Saraiva, 1994, 2ª ed., p. 25).

Como esclarece a literatura especializada, na atividade financeira, a Administração Pública deve ter a prerrogativa de estabelecimento de metas e prioridades e os recursos oriundos dos impostos se destinam, via de regra, ao atendimento das necessidades gerais, e o princípio tende a evitar leis que, vinculando receita proveniente de impostos, prejudiquem o custeio de despesas genéricas pelo orçamento (Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1999, 3ª ed., p. 348; Pinto Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1994, vol. VI, p. 115), assegurando “que os recursos sejam livres e à disposição para a realização de obras e serviços, em conformidade com as necessidades existentes e em obediência à escala de prioridades estabelecida a partir de análise rigorosa da situação existente” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 697).

A vedação constitucional é prestigiada na jurisprudência para neutralização da destinação de imposto para financiamento de programa habitacional (RTJ 167/287), programas de desenvolvimento econômico (STF, ADI 1.759-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-04-2010, v.u., DJe 20-08-2010), incentivo aos esportes (RTJ 202/68) e fornecimento gratuito de energia elétrica (STF, ADI-MC 2.848-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 03-04-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 26), proclamando-se a inadmissibilidade de extensão das exceções constitucionalmente previstas ao princípio da não afetação.

Trata-se de princípio constitucional de obediência obrigatória não só pela União, mas, também, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios (STF, ADI 103-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 03-08-1995, v.u., DJ 08-09-1995, p. 28.353), atuando como princípio sensível e norma de reprodução obrigatória pelos Estados e Municípios.

Portanto, o princípio da não afetação é acima de tudo uma interdição dirigida à lei, ao processo legislativo e ao legislador, pois, como destacado pelo Ministro Celso de Mello, “traduz vedação constitucional que incide sobre o legislador, pois impede que se proceda, em sede meramente legislativa, à vinculação”, que “há de ser observada pelo legislador comum, que não poderá fixar regras em sentido diverso, ressalvadas, unicamente, as situações excepcionais previstas, de modo expresso, no texto da própria Constituição da República” (STF, ADI-MC 2.355-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 19-06-2002, m.v., DJe 29-06-2007).

Cuida-se, também, de norma de direito financeiro e não de direito tributário (STF, AgR-RE 329.196-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, 17-09-2002, v.u., DJ 11-10-2002, p. 42).

As exceções ao princípio estão topicamente enumeradas no art. 167, IV, e § 4º, da Constituição Federal, e concorrem outras expressamente indicadas na Constituição Federal (arts. 100, § 15, 204, parágrafo único, 216, § 6º, 218, § 5º) e no Ato das Disposições Transitórias (arts. 71, 72, 79, 80, 82). O art. 176, IV, da Constituição Estadual, reproduz o art. 167, IV, da Constituição Federal.

A não afetação é a regra e a vinculação a exceção; dessa sentença decorre a inadmissibilidade da ampliação das exceções pelas Constituições Estaduais, Leis Orgânicas Municipais ou leis (STF, ADI 1.689-PE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 12-03-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 25), porque a sua enumeração é taxativa e sua sede é a Constituição Federal; ademais, essas exceções configuraram direito estrito, merecendo interpretação restritiva que refuta ampliações de seu alcance e de seu sentido.

O princípio da não afetação não diz respeito somente aos tributos próprios, como os do Município (ISS, ITBI, IPTU).

O § 4º do artigo 167, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 03, de 17 de março de 1993, arrola expressamente outras exceções permissivas da vinculação de receitas próprias geradas pelos impostos estaduais e municipais (artigos 155 e 156, Constituição Federal) e dos recursos da repartição das receitas tributárias (artigos 157, 158 e 159, I, a e b, e II), para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com a União. O § 4º do art. 167 da Constituição Federal cunha como exceção – merecedora de interpretação restritiva – a vinculação dos recursos decorrentes de transferências tributárias somente quando destinadas à prestação de garantia ou contragarantia à União para pagamentos de débitos com ela.

Sem obliterar a finalidade do princípio, o art. 176, IV, da Constituição Estadual, reproduzindo o art. 167, IV, da Constituição Federal, enuncia que a afetação vedada é da “receita de impostos”, e não “de impostos”, de maneira a frasear que o dispositivo compreende não somente a proibição da “vinculação de receita de impostos” como também a de “vinculação de impostos”, denotando o primeiro significado maior amplitude porque abarca receitas de impostos próprios ou não, como as decorrentes de transferências tributárias.

Não se pode perder de vista que, se é verdade que uma das exceções à não afetação é endereçada ao ente tributante na repartição do produto da arrecadação dos impostos (transferências públicas governamentais), a interpretação constitucional revela que, para a entidade dotada de competência tributária, a destinação de parcela da receita oriunda de seus impostos é vinculada às entidades políticas beneficiadas com a participação na arrecadação, e não que a titularidade ou o ingresso da receita daí partilhada na entidade beneficiada possa ser por ela vinculada, salvo aquela oriunda dos arts. 198, § 2º, e 212, da Constituição Federal e para os fins ali indicados. 

Ademais, ressalta a adequada exegese constitucional que, em se tratando de receita resultante da arrecadação e participação de imposto estadual (como o IPVA, por exemplo), a sua afetação (ou vinculação) só é admitida nas hipóteses constitucionalmente previstas (e não para garantir devolução do imposto aos contribuintes que transferirem o registro do veículo ao Município, como no caso dos autos).

Para o efeito do alcance do princípio da não afetação, é irrelevante se a receita é oriunda de imposto de competência própria ou alheia (isto é, resultante da participação). Como dito, a fórmula constitucional expressiva da regra da não afetação não menciona “vinculação de impostos”, mas, e com maior dimensão, “vinculação da receita de impostos”, o que abrange, destarte, a arrecadação tributária própria ou partilhada.

De fato, o dado relevante é a consideração do ingresso decorrente da participação no produto de impostos de outro ente tributante (transferência corrente) como receita pública derivada de natureza tributária, pois obtida a partir de obrigação legal que grava o patrimônio particular e transfere suas riquezas ao Estado – perfeitamente amoldada ao conceito de tributo constante do art. 3º do Código Tributário Nacional. Como salientado em julgamento do Supremo Tribunal Federal, é “irrelevante se a destinação ocorre antes ou depois da entrada da receita nos cofres públicos” (RTJ 202/68).

A vantagem prevista é um benefício ou incentivo financeiro. É como se o erário municipal recebesse parcela da arrecadação de imposto alheio (IPVA) e concedesse um percentual ao particular (devolução do imposto), gerando uma espécie de dispêndio público, pois o benefício é egresso do erário municipal.

Consoante elucida a literatura especializada, a partir da arrecadação, “quando o dinheiro entra nos cofres públicos, ele fica sujeito às regras do Direito Financeiro” (Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 1992, 2ª ed., p. 136), o que compreende as regras da repartição de receitas tributárias. Neste sentido, acentua a doutrina:

“Os privilégios tributários, que operam na vertente da receita, estão em simetria e podem ser convertidos em privilégios financeiros, a gravar a despesa pública. A diferença entre eles é apenas jurídico-formal. A verdade é que a receita e a despesa são entes de relação, existindo cada qual em função do outro, donde resulta que tanto faz diminuir-se a receita, pela isenção ou dedução, como aumentar-se a despesa, pela restituição ou subvenção, que a mesma conseqüência financeira será obtida” (Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, 2ª ed., vol. V, p. 259).

O benefício financeiro em foco pode ser encarado, para o Município, como devolução do imposto a título de incentivo, não se apresentando, a rigor, como incentivo tributário ou fiscal, mas um incentivo financeiro. A importância “devolvida” não é tributo em si, categoria exclusiva da receita, mas uma prestação de direito público idêntica a qualquer outra obrigação do Estado.

No caso dos autos, o ressarcimento das despesas e investimentos privados é promovido através de recursos gerados pela arrecadação do IPVA repassada ao Município. Trata-se, portanto, de vinculação proibida da receita de imposto a uma despesa, em flagrante inconstitucionalidade ao ordenamento constitucional. Neste sentido, pronuncia a jurisprudência:

“LEI ESTADUAL QUE DETERMINA QUE OS MUNICÍPIOS DEVERÃO APLICAR, DIRETAMENTE, NAS ÁREAS INDÍGENAS LOCALIZADAS EM SEUS RESPECTIVOS TERRITÓRIOS, PARCELA (50%) DO ICMS A ELES DISTRIBUÍDA - TRANSGRESSÃO À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA NÃO-AFETAÇÃO DA RECEITA ORIUNDA DE IMPOSTOS (CF, ART. 167, IV) E AO POSTULADO DA AUTONOMIA MUNICIPAL (CF, ART. 30, III) - VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE IMPEDE, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, A VINCULAÇÃO, A ÓRGÃO, FUNDO OU DESPESA, DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DE IMPOSTOS - INVIABILIDADE DE O ESTADO-MEMBRO IMPOR, AO MUNICÍPIO, A DESTINAÇÃO DE RECURSOS E RENDAS QUE A ESTE PERTENCEM POR DIREITO PRÓPRIO - INGERÊNCIA ESTADUAL INDEVIDA EM TEMA DE EXCLUSIVO INTERESSE DO MUNICÍPIO - DOUTRINA - PRECEDENTES - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - CONFIGURAÇÃO DO ‘PERICULUM IN MORA’ - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA” (STF, ADI-MC 2.355-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 19-06-2002, m.v., DJe 28-06-2007).

Nesse julgamento ficou assentado que:

“O exame do diploma legislativo estadual em causa parece evidenciar que a hipótese de afetação da receita oriunda da arrecadação de imposto (ICMS), nele prevista, não se subsume ao rol taxativo, que, em numerus clausus, encontra fundamento no art. 167, IV, da Constituição da República, expondo-se, em conseqüência, tal vinculação – porque instituída com inobservância do modelo federal – à censura do próprio magistério jurisprudencial firmado, no tema, pelo Supremo Tribunal Federal, quer sob a égide da Carta Política anterior (RTJ 120/997, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RTJ 127/56, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RE 100.435-SP, Rel. Min. SOARES MUÑOZ), quer em face da vigente Lei Fundamental (RDA 185/148, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RDA 192/174, Rel. Min. CARLOS VELLOSO)”.

Em outro precedente, a Corte Suprema reforça a tese:

“(...) Com efeito, revela-se inexigível a majoração de um ponto percentual (de 17% para 18%), instituída pelas Leis paulistas nºs 6.556/89 e 7.003/90, que destinaram, o produto da arrecadação resultante dessa elevação tributária (ICMS), ao financiamento de programas habitacionais desenvolvidos e executados pelo Estado de São Paulo. É que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 183.906/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – e tendo em vista o princípio constitucional da não afetação da receita (RTJ 167/287) de impostos – proclamou a inconstitucionalidade dessa vinculação legal: “Imposto – Vinculação a órgão, fundo ou despesa (CF, art. 167, IV). A teor do disposto no inciso IV do artigo 167 da Constituição Federal, é vedado vincular receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. A regra apanha situação concreta em que lei local implicou majoração do ICMS, destinando-se o percentual acrescido a um certo propósito – aumento de capital de caixa econômica, para financiamento de programa habitacional. Inconstitucionalidade dos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º da Lei nº 6.556, de 30 de novembro de 1989, do Estado de São Paulo.” Sob tal aspecto, a decisão proferida pelo Tribunal de origem ajusta-se à orientação jurisprudencial firmada por esta suprema Corte, na análise do tema ora em exame. (...)” (AI 489625/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24/03/2004 PP-00045).

E em hipótese similar, este egrégio Órgão Especial assim decidiu:

“AÇÃO DIRETA DE INCONTITUCIONALIDADE Lei nº 1.638, de 19 de dezembro de 2006, do Município de Itirapuã, que “autoriza o Executivo a devolver 25% (vinte e cinco por cento) do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e dá outras providências” A regra constitucional é de não afetação da receita tributária, impossibilitando a vinculação da receita de impostos a órgãos, fundos ou despesas, salvo exceções expressamente constantes na Constituição Federal (art. 167, IV, da CF; e art. 176, IV, da CE, aplicável aos Municípios por força do art. 144) A lei impugnada viola o princípio da não afetação da receita tributária às despesas públicas, vinculando receita a despesa pública ao autorizar o Poder Executivo a devolver 25% do IPVA recolhido pelo contribuinte que transferir veículos automotores registrado sem outros municípios para o Município de Itirapuã Violados os artigos 176, IV, e 144 da CE e 167, IV, da CF) Inconstitucionalidade configurada. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.” (TJSP, ADI 2270832-21.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. João Carlos Saletti, d.j. 14/09/2016).

Dessa forma, firme nessa premissa, reitero a evidente vinculação – proibida – de receita tributária prevista na lei local ora impugnada, que permite a devolução de 25% (vinte e cinco por cento) do valor do IPVA recolhido pelo contribuinte que vier a transferir veículo registrado em seu nome em outro Município para o Município de Itapeva.

Para finalizar, a lei objurgada ofende o princípio da moralidade,  uma vez que o registro de veículo automotor é vinculado ao domicílio ou residência do proprietário, de forma que o caráter parafiscal da isenção estabelecida não apresenta razoabilidade, pois a obrigação decorre da lei, uma vez que o artigo 120 do Código de Trânsito Brasileiro dispõe que “todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semi-reboque, deve ser registrado perante o órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no Município de domicílio ou residência de seu proprietário, na forma da lei”.

De outro lado, a isenção estabelecida estimula comportamento que afronta a lei, isto é, registro deliberado do veículo fora do domicílio, de Jundiaí, onde deveria ser registrado, para só então transferir e gozar da isenção.

3.     DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei n° 2.537, de 10 de janeiro de 2007, do Município de Itapeva.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Itapeva, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 05 de julho de 2017.

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

aca/ts

 


 

Protocolado nº 130.545/2016

Assunto: apurar a inconstitucionalidade da Lei n° 2.537, de 10 de janeiro de 2007, do Município de Itapeva

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Comunique-se a propositura da ação ao interessado.

3.     Cumpra-se.

 

 

 

São Paulo, 05 de julho de 2017.

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

aca