EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR
PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado n. 101.518/16
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação
direta de inconstitucionalidade. Cargos de provimento em comissão previstos na
estrutura administrativa municipal. Lei Complementar nº 236, de 21 de dezembro
de 2010, com a redação dada pela Lei Complementar nº 406, de 30 de março de
2017, do Município de Taubaté. Descrição de atribuições que não representam
assessoramento, chefia e direção, mas funções técnicas e burocráticas. Criação abusiva e superficial de cargos. 1.
Cargos de provimento em comissão instituídos
pelos Anexos V e VI da Lei Complementar nº 236, de 21 de dezembro de 2010, com
a redação dada pela Lei Complementar nº 406, de 30 de março de 2017, do
Município de Taubaté, cujas atribuições não evidenciam atividades de
assessoramento, chefia e direção, mas funções técnicas, burocráticas,
operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos
investidos em cargos de provimento efetivo. Arts. 111, 115, II e V, e 144, da CE/89.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de
São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da
Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade
com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da
República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado, vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face das expressões “Assessor”, “Assessor de Gabinete”,
“Assistente de Gabinete”, “Coordenador de Artes Plásticas”, “Coordenador de
Artes Populares”, “Coordenador de Atividades Artísticas”, “Coordenador de
Atividades Teatrais”, “Gerente de Área”, “Motorista do Prefeito” e
“Secretária de Gabinete”, constantes dos Anexos V e VI da Lei Complementar nº 236,
de 21 de dezembro de 2010, com a redação promovida pela Lei Complementar nº
406, de 30 de março de 2017, do Município de Taubaté, pelos fundamentos
expostos a seguir.
1.
ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS.
A
Lei Complementar nº 236, de 21 de dezembro de 2010, do Município de Taubaté,
que “Dispõe sobre a estrutura
administrativa do município e dá outras providências”, no que interessa, estabeleceu
(fls. 1.418/1.422):
“Art. 1º - A estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Taubaté passa a ser constituída do Gabinete do Prefeito, Secretarias, Departamentos e Assessorias, na seguinte conformidade:
(...)
Art. 106 - Ficam criados e/ou mantidos, no quadro de servidores do Poder Executivo Municipal, os cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, estruturados de acordo com a sua lotação, denominação, referência, quantidade e requisitos para investidura, constantes do Anexo II.
(...)
Art. 111 - Integram a presente Lei Complementar o Anexo I – Quadro de Pessoal Efetivo e o Anexo II – Cargos em Comissão.
(...)
Art. 113 - Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo seus efeitos ao primeiro dia do mês de janeiro de 2011, revogadas as disposições em contrário, de modo especial os arts. 1º a 59 da Lei Complementar nº 1, de 4 de dezembro de 1990, e as Leis Complementares nºs 81, de 29 de março de 2000; 96, de 31 de janeiro de 2002; 127, de 1º de agosto de 2005, 130, de 1º de agosto de 2005, e 144, de 26 de janeiro de 2006.
(...)” (sic).
A
Lei Complementar nº 236/2010, de Taubaté, sofreu alterações posteriores pelo
legislador local, que editou diversos atos normativos modificando, de alguma
forma, a estrutura administrativa municipal. Para a presente ação, destacam-se
as alterações promovidas pela Lei Complementar nº 406, de 30 de março de 2017,
do referido Município, in verbis (fl.
1.398):
“Art. 1º - Ficam alterados os Anexos I, II e III da Lei Complementar nº 236, de 21 de dezembro de 2010, conferindo-lhe nova redação e formatação.
Art. 2º - Ficam acrescentados à Lei Complementar nº 236, de 21 de dezembro de 2010, os Anexos IV, V e VI.
Art. 3º - Esta Lei Complementar entrará em vigor na data de sua publicação.
(...)”. (sic)
Os
Anexo V e VI da Lei Complementar nº 406, de 30 de março de 2017, do Município
de Taubaté, ao tratar do quadro de cargos de provimento em comissão e da
descrição das respectivas atribuições, assim dispuseram (fls. 1.403/1.404):
“(...)
ANEXO V
QUADRO
DE CARGOS EM COMISSÃO
QUANT. |
CARGO EM COMISSÃO |
REF. |
CARGA HORÁRIA (H/SEM) |
REQUISITOS MÍNIMOS |
3 |
Assessor |
56 |
40 |
Livre Escolha |
2 |
Assessor de Gabinete |
44 |
40 |
Livre Escolha |
2 |
Assistente de Gabinete |
44 |
40 |
Livre Escolha |
1 |
Auditor Chefe |
52 |
40 |
Nível Universitário
Compatível com o Cargo |
1 |
Auditor Fiscal Chefe de
Departamento de Receita |
62 |
40 |
Servidor efetivo do
quadro de Auditor Fiscal de Tributos Municipais |
1 |
Chefe do Gabinete do
Prefeito |
62 |
40 |
Livre Escolha |
1 |
Controlador Chefe |
52 |
40 |
Nível Universitário
Compatível com o Cargo |
1 |
Coordenador de Artes Plásticas |
32 |
40 |
Livre Escolha |
1 |
Coordenador de Artes Populares |
32 |
40 |
Livre Escolha |
1 |
Coordenador de Atividades Artísticas |
32 |
40 |
Livre Escolha |
1 |
Coordenador de Atividades Teatrais |
32 |
40 |
Livre Escolha |
25 |
Diretor de Departamento |
62 |
40 |
Livre Escolha |
45 |
Gerente de Área |
52 |
40 |
Nível Universitário
Compatível com o Cargo |
1 |
Motorista do Prefeito |
30 |
40 |
Livre Escolha |
1 |
Ouvidor Chefe |
52 |
40 |
Livre Escolha |
1 |
Procurador Chefe |
62 |
40 |
Nível Universitário
Compatível com o Cargo |
1 |
Secretária de Gabinete |
44 |
40 |
Livre Escolha |
1 |
Secretário |
Subsídio fixado por lei |
40 |
Nível Universitário
Compatível com o Cargo |
ANEXO
VI
DESCRIÇÃO
SUMÁRIA DOS CARGOS EM COMISSÃO
REF. |
FUNÇÃO DE CONFIANÇA |
DESCRIÇÃO |
56 |
Assessor |
Assessora o Prefeito
nas questões políticas e administrativas da Administração Municipal, a fim de
coletar, sistematizar informações, com vistas ao planejamento das ações,
programas e projetos do órgão que assessora, auxiliando seus superiores
hierárquicos na identificação de problemas e soluções. Dirige veículo
oficial. Executa outras atividades correlatas. |
44 |
Assessor de Gabinete |
Assessora o Prefeito
nas questões políticas e administrativas da Administração Municipal, a fim de sistematizar informações para auxiliar na identificação de problemas.
Dirige veículo oficial. Executa outras atividades correlatas. |
44 |
Assistente de
Gabinete |
Assessora o Prefeito
nas questões políticas e administrativas da Administração Municipal. Dirige
veículo oficial. Executa outras atividades correlatas. |
52 |
Auditor Chefe |
Realiza auditagem, acompanha as execuções orçamentárias,
financeiras, patrimoniais e de pessoal. Emite pareceres e elabora relatórios.
Dirige veículo oficial. Executa outras atividades correlatas. |
62 |
Auditor Fiscal Chefe de Departamento de Receita |
Planeja, coordena, promove a execução de todas as
atividades da unidade, orientando, controlando e avaliando resultados, para
assegurar o desenvolvimento da política de governo. Dirige veículo oficial.
Executa outras atividades correlatas. |
62 |
Chefe do Gabinete do Prefeito |
Assessora o Prefeito na organização, supervisão e
coordenação das atividades, bem como nas relações com os parlamentares e
munícipes. Dirige veículo oficial. Executa outras atividades correlatas. |
52 |
Controlador Chefe |
Acompanha as ações administrativas do governo municipal, as
políticas globais e setoriais, a execução das mesmas, avaliando seus
resultados, para assegurar o bem-estar geral, a integridade e segurança do
município e a defesa das instituições, bem como o cumprimento da legislação
em vigor, assegurando a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial, quanto à legalidade, legitimidade e economicidade
na gestão dos recursos e a avaliação dos resultados obtidos pela
Administração, acompanhando as ações relativas à atuação prévia, concomitante
e posterior aos atos administrativos visando avaliar as ações governamentais
e a gestão fiscal dos administradores municipais, avaliando o cumprimento dos
programas, objetivos, metas e orçamentos e das políticas administrativas
prescritas, verificando também, a exatidão e a fidelidade das informações
contábeis e financeiras, assegurando o cumprimento das leis, coordenando a
prestação de contas do Município, na forma da lei em vigor. Controla os
recursos e as atividades do órgão público, com o objetivo de minimizar o
impacto financeiro da materialização dos riscos. Dirige veículo oficial.
Executa outras atividades correlatas. |
32 |
Coordenador de Artes
Plásticas |
Coordena e promove
atividades dentro de sua especialidade, tendo em vista o conhecimento e a
promoção da arte. Dirige veículo oficial. Executa outras atividades
correlatas. |
32 |
Coordenador de Artes
Populares |
Coordena e promove
atividades dentro de sua especialidade, tendo em vista o conhecimento e a
promoção da arte. Dirige veículo oficial. Executa outras atividades
correlatas. |
32 |
Coordenador de
Atividades Artísticas |
Coordena e promove
atividades dentro de sua especialidade, tendo em vista o conhecimento e a
promoção da arte. Dirige veículo oficial. Executa outras atividades
correlatas. |
32 |
Coordenador de
Atividades Teatrais |
Coordena e promove
atividades dentro de sua especialidade, tendo em vista o conhecimento e a
promoção da arte. Dirige veículo oficial. Executa outras atividades
correlatas. |
62 |
Diretor de Departamento |
Promove a execução das propostas políticas e
administrativas, em sua área específica, da gestão em curso que visem o
atendimento das necessidades do município. Dirige veículo oficial. Executa
outras atividades correlatas. |
52 |
Gerente de Área |
Planeja, coordena,
promove a execução de todas as atividades da unidade, orientando, controlando
e avaliando resultados, para assegurar o desenvolvimento da política de
governo. Dirige veículo oficial. Executa outras atividades correlatas. |
30 |
Motorista do Prefeito |
Dirige e conserva
veículos automotores, da frota da Administração Pública, de uso exclusivo do
prefeito, manipulando os comandos de marcha e direção, conduzindo-o em
trajeto determinado de acordo com as normas de trânsito e as instruções
recebidas do chefe do Poder Executivo ou servidor por ele designado. Executa
outras atividades correlatas. |
52 |
Ouvidor Chefe |
Lidera a Ouvidoria do Município desenvolvendo as atividades
inerentes à sua área de competência e gerindo a unidade organizacional sob
sua responsabilidade. Dirige veículo oficial. Executa outras atividades
correlatas. |
62 |
Procurador Chefe |
Promove a execução dos serviços dentro de sua Procuradoria.
Dirige veículo oficial. Executa outras atividades correlatas. |
44 |
Secretária de
Gabinete |
Executa serviços
gerais de secretária, desenvolvendo suas atividades no Gabinete do Prefeito,
a fim de atender ao expediente. Dirige veículo oficial. Executa outras
atividades correlatas. |
Subsídio fixado por lei |
Secretário |
Coordena e executa políticas, segundo as diretrizes do
Programa de Governo do Município. Dirige veículo oficial. Executa outras
atividades correlatas. |
(...)”. (sic - grifo nosso)
A instituição dos cargos de provimento em comissão em destaque é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.
2. O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade.
Os atos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.
As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“(...)
Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional,
de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação,
interesse público e eficiência.
(...)
Art. 115 - Para a organização da administração pública direta e
indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos
Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou
de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissões,
declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por
servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem
preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais
mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia
e assessoramento.
(...)
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)”.
Com
efeito, ao analisar as atividades referentes aos cargos de provimento em
comissão de “Assessor”, “Assessor de Gabinete”,
“Assistente de Gabinete”, “Coordenador de Artes Plásticas”, “Coordenador de
Artes Populares”, “Coordenador de Atividades Artísticas”, “Coordenador de
Atividades Teatrais”, “Gerente de Área”, “Motorista do Prefeito” e
“Secretária de Gabinete”, constantes dos Anexos V e VI da Lei Complementar nº
236, de 21 de dezembro de 2010, com a redação promovida pela Lei Complementar nº
406, de 30 de março de 2017, do Município de Taubaté, constata-se que
predominam atividades de natureza genérica, burocrática, técnica, operacional e
profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que
devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento
efetivo mediante aprovação em concurso público.
De antemão, cumpre registrar que entendimento diverso do aqui
sustentado significaria, na prática, negativa de vigência aos arts. 111 e 115, II
e V, da Constituição Estadual, como será adiante corroborado - cuja
aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.
3. CRIAÇÃO ABUSIVA E ARTIFICIAL DE CARGOS DE
PROVIMENTO EM COMISSÃO NA ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DO MUNICÍPIO DE TAUBATÉ.
Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo, esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459), devendo, portanto, observância aos princípios constitucionais.
A autonomia municipal, entre outros aspectos, envolve a capacidade normativa própria, isto é, a aptidão para autolegislar, instituindo normas próprias sobre matéria de sua competência, bem como a capacidade de autoadministração.
Para que possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, se preciso for, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.
Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.
A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos cargos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante ampla acessibilidade e igualdade de condições a todos os interessados (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal, bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). O sistema de mérito, portanto, deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.
A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.
Nesse sentido, podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum.
É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).
Para verificar a natureza especial das atribuições dos
cargos comissionados (assessoramento, chefia e direção em nível superior), para
as quais se exige relação de confiança, pouco importa a denominação e a forma
de provimento atribuídas, pois,
É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.
Não
é o que ocorre no caso em análise, eis que as incumbências relacionadas aos
cargos de provimento de “Assessor”, “Assessor de
Gabinete”, “Assistente de Gabinete”, “Coordenador de Artes Plásticas”,
“Coordenador de Artes Populares”, “Coordenador de Atividades Artísticas”,
“Coordenador de Atividades Teatrais”, “Gerente de Área”, “Motorista do
Prefeito” e “Secretária de Gabinete”, constantes dos Anexos V e VI da Lei
Complementar nº 236, de 21 de dezembro de 2010, com a redação promovida pela
Lei Complementar nº 406, de 30 de março de 2017, do Município de Taubaté, têm,
notadamente, natureza meramente técnica, burocrática, operacional e
profissional.
Antes de pautar as razões da inconstitucionalidade dos postos impugnados, uma análise sumária da estrutura administrativa de Taubaté é suficiente para revelar o excesso de unidades comissionadas naquela localidade.
Junto ao Gabinete do Prefeito, foram criados os cargos de provimento em comissão de “Assessor” (3 postos), “Assessor de Gabinete” (2 unidades), “Assistente de Gabinete” (2 unidades) e “Secretária de Gabinete” (01 cargo) (Anexo V da Lei Complementar nº 236/2010, com a redação dada pela Lei Complementar nº 406/2017, do Município de Taubaté).
Entretanto, as atribuições conferidas ao “Assessor”, ao “Assessor de Gabinete” e ao “Assistente de Gabinete”, além de revelarem funções técnicas e burocráticas, foram previstas de forma ampla, genérica e demasiadamente similares.
Doutra banda, em segundo escalão, foram instituídos os cargos comissionados de “Coordenador de Artes Plásticas”, “Coordenador de Artes Populares”, “Coordenador de Atividades Artísticas” e “Coordenador de Atividades Teatrais”, sendo uma unidade para cada um dos referidos postos, os quais, todavia, apresentam idênticas atribuições, também técnicas e profissionais (Anexo V da Lei Complementar nº 236/2010, com a redação dada pela Lei Complementar nº 406/2017, de Taubaté)
Ademais, a existência de 25 cargos puramente comissionados de “Diretor de Departamento” revela o abuso na criação das unidades de “Gerente de Área”, contando com 45 vagas na estrutura administrativa local, a serem preenchidas por servidores não exclusivos (Anexo V da Lei Complementar nº 236/2010, com a redação dada pela Lei Complementar nº 406/2017, de Taubaté).
A equivalência das funções elencadas ao “Diretor de Departamento” e ao “Gerente de Área” denota a sobreposição das mencionadas ocupações e corrobora a ausência de necessidade de especial relação de confiança desta unidade, que, necessariamente, deve ser preenchida por servidor efetivo.
Com efeito, as obrigações para os cargos questionados nesta ação são
relacionadas a interlocução, instrução, acompanhamento, prestação de
informações, administração, planejamento e outras atividades destinadas a
atender necessidades executórias ou a dar suporte a decisões e execução.
Trata-se, portanto, de atribuições técnicas, administrativas e
burocráticas, distantes dos encargos de comando superior em que se exige
especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo. Senão vejamos.
Nos
termos do Anexo VI da Lei Complementar nº 236/2010, com a redação dada pela Lei
Complementar nº 406/2017, de Taubaté, o “Assessor”
tem como incumbências, em linhas gerais: o auxílio do Prefeito em questões
políticas e administrativas; a coleta e sistematização de informações; o planejamento
de ações, programas e projetos; a direção de veículo oficial; e execução de
outras atividades correlatas.
De maneira similar, estão elencadas como atividades inerentes ao “Assessor de Gabinete”: o assessoramento do Prefeito em questões políticas e administrativas, sobretudo na sistematização de informações e solução de problemas; a direção de veículo oficial; e execução de outras atividades correlatas (Anexo VI da Lei Complementar nº 236/2010, com a redação dada pela Lei Complementar nº 406/2017, de Taubaté).
De
modo ainda mais singelo, compete ao “Assistente
de Gabinete” o auxílio do Prefeito em questões políticas e administrativas,
a direção de veículo oficial e execução de outras atividades correlatas (Anexo VI
da Lei Complementar nº 236/2010, com a redação dada pela Lei Complementar nº
406/2017, de Taubaté).
Os
postos de “Coordenador de Artes
Plásticas”, “Coordenador de Artes
Populares”, “Coordenador de
Atividades Artísticas” e “Coordenador
de Atividades Teatrais” foram contemplados, de forma equivalente, com as
seguintes tarefas: promoção de atividades dentro de cada especialidade, tendo
em vista o conhecimento e a promoção da arte; direção de veículo oficial; e execução
de outras atividades correlatas (Anexo VI da Lei Complementar nº 236/2010, com
a redação dada pela Lei Complementar nº 406/2017, de Taubaté).
No mais, foram constituídos 45 cargos de “Gerente de Área”, todos com
incumbências técnicas, burocráticas e operacionais e distantes do alto comando
municipal. Nos termos do Anexo VI da Lei Complementar nº 236/2010, com a redação dada pela Lei
Complementar nº 406/2017, de Taubaté, é responsável pelo planejamento,
coordenação e promoção das atividades da respectiva unidade; orientação,
controle e avaliação dos resultados; direção de veículo oficial; e exercício de
outras atividades correlatas
A seu turno, ao “Motorista do Prefeito” compete: a
direção e conservação de veículos automotores de uso exclusivo do Prefeito; manipulação
dos comandos de marca e direção, de acordo com as normas de transito e instruções
do Chefe do Poder Executivo ou de servidor por ele designado; e desempenho
outras atividades equivalentes (Anexo VI da Lei Complementar nº
236/2010, com a redação dada pela Lei Complementar nº 406/2017, de Taubaté).
Por fim, e de
forma também lacônica, consta como tarefas inerentes à “Secretária de
Gabinete”, além do exercício de outros
encargos similares, a execução de serviços
gerais de secretaria, voltados ao cumprimento do expediente, bem ainda a
direção de veículo oficial (Anexo VI da Lei Complementar nº 236/2010, com a redação dada
pela Lei Complementar nº 406/2017, de Taubaté).
Pois
bem.
Embora na descrição das atribuições dos cargos mencionados tenham
sido utilizadas as expressões “planejar, assessorar, coordenar”, em verdade,
foram enumeradas atividades destinadas a atender necessidades executórias ou a dar suporte subalterno a decisões e
execução.
Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal já consolidou entendimento segundo o qual são inconstitucionais leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008). Neste sentido:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II),
7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA
PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do
pedido na ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional
norma editada durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a
alteração da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de
cargos na administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna
prejudicado o pedido na ação direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da
Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se
harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a
investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador
estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a
exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público.
Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).
“Agravo regimental em recurso
extraordinário com agravo. 2. Direito administrativo. 3. Criação de cargos em
comissão por leis municipais. Declaração de inconstitucionalidade pelo TJRS por
violação à disposição da Constituição estadual em simetria com a Constituição
Federal. 3. É necessário que a legislação demonstre, de forma efetiva, que as
atribuições dos cargos a serem criados se harmonizam com o princípio da livre
nomeação e exoneração. Caráter de direção, chefia e assessoramento. Precedentes
do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada.
5. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª
Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).
Merece destaque, reitere-se, além do significativo número de cargos comissionados, a sobreposição das funções de Diretores de Departamento e Gerentes de Área, estes muito distantes do alto comando municipal (Anexos IV e VI da Lei Complementar nº 236/2010, com a redação dada pela Lei Complementar nº 406/2017, de Taubaté).
A previsão de atribuições genéricas, amplas e comuns, bem
como a criação abusiva de cargos em
comissão revelam, com clareza, a violação dos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, previstos no art. 111 da Constituição
Paulista, que em sua perspectiva substancial exige proporcionalidade e
razoabilidade no que diz respeito às leis que delimitam aquilo que conhecemos
como Direito Material.
Nesse sentido, como anota Diogo de
Figueiredo Moreira Neto, o princípio da razoabilidade “visa a afastar o arbítrio que decorrerá da desadequação entre meios e
fins”, tendo importância tanto quando da criação da norma, como quando de sua
aplicação” (Curso de direito administrativo, 14. ed., Rio de Janeiro,
Forense, 2006, p. 101). Também nesse sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro
(Direito administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 95).
Em sede doutrinária, Gilmar Ferreira
Mendes, examinando a aplicação do princípio da razoabilidade ou
proporcionalidade pelo Col. Supremo Tribunal Federal, anotou “de maneira inequívoca a possibilidade de se
declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade
(inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de
ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo
perseguido e o ônus imposto ao atingido)” (cf. A proporcionalidade na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, publicado em Direitos Fundamentais
e Controle de Constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito
Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p. 83).
Assim, por todo o exposto, é de rigor a declaração de inconstitucionalidade
das expressões “Assessor”, “Assessor de Gabinete”, “Assistente de
Gabinete”, “Coordenador de Artes Plásticas”, “Coordenador de Artes Populares”,
“Coordenador de Atividades Artísticas”, “Coordenador de Atividades Teatrais”,
“Gerente de Área”, “Motorista do Prefeito” e “Secretária de Gabinete”,
constantes dos Anexos V e VI da Lei Complementar nº 236, de 21 de dezembro de
2010, com a redação promovida pela Lei Complementar nº 406, de 30 de março de
2017, do Município de Taubaté.
4. Pedido liminar.
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo às finanças públicas e à legitimidade do exercício de cargos ou empregos públicos.
À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para
suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, das expressões
“Assessor”,
“Assessor de Gabinete”, “Assistente de Gabinete”, “Coordenador de Artes
Plásticas”, “Coordenador de Artes Populares”, “Coordenador de Atividades
Artísticas”, “Coordenador de Atividades Teatrais”, “Gerente de Área”, “Motorista do Prefeito” e
“Secretária de Gabinete”, constantes dos Anexos V e VI da Lei Complementar nº
236, de 21 de dezembro de 2010, com a redação promovida pela Lei Complementar nº
406, de 30 de março de 2017, do Município de Taubaté.
5. DO PEDIDO.
Diante
de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que, ao final, seja ela julgada procedente, reconhecendo-se
a inconstitucionalidade das expressões “Assessor”,
“Assessor de Gabinete”, “Assistente de Gabinete”, “Coordenador de Artes
Plásticas”, “Coordenador de Artes Populares”, “Coordenador de Atividades
Artísticas”, “Coordenador de Atividades Teatrais”, “Gerente de Área”,
“Motorista do Prefeito” e “Secretária de Gabinete”, constantes dos Anexos V e
VI da Lei Complementar nº 236, de 21 de dezembro de 2010, com a redação
promovida pela Lei Complementar nº 406, de 30 de março de 2017, do Município de
Taubaté.
Requer-se,
ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito
Municipal Taubaté, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado
para manifestar-se sobre os atos normativos impugnados.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 19 de julho de
2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aaamj/mjap
Protocolado nº 101.518/2016
Interessado: Sr. Romeu Afarelli
Objeto: análise de eventual inconstitucionalidade de cargos de provimento
comissionado instituídos pela Lei Complementar nº 236/10 do Município de Taubaté.
1.
Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade
em face das expressões “Assessor”, “Assessor de
Gabinete”, “Assistente de Gabinete”, “Coordenador de Artes Plásticas”,
“Coordenador de Artes Populares”, “Coordenador de Atividades Artísticas”,
“Coordenador de Atividades Teatrais”, “Gerente de Área”, “Motorista do
Prefeito” e “Secretária de Gabinete”, constantes dos Anexos V e VI da Lei
Complementar nº 236, de 21 de dezembro de 2010, com a redação promovida pela
Lei Complementar nº 406, de 30 de março de 2017, do Município de Taubaté.
2.
Deixo de impugnar os cargos de “Auditor Chefe”, “Auditor
Fiscal Chefe de Departamento de Receita”, “Chefe de Gabinete do Prefeito”,
“Controlador Chefe”, “Diretor de Departamento”, “Ouvidor Chefe” e “Procurador
Chefe”, constantes dos Anexos V e VI da Lei Complementar nº 236/2010, com a
redação dada pela Lei Complementar nº 406/2017, de Taubaté, por vislumbrar o
predomínio do desempenho e de atribuições que exigem especial confiança, além do
que os postos de “Auditor Fiscal Chefe de Departamento da Receita”, “Procurador
Chefe”, “Controlador Chefe” e “Auditor Chefe” são exclusivos de servidores
efetivos, tudo a indicar a adstrição ao comando do artigo 115, II e V, da
CE/89.
3.
Oficie-se ao interessado, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 19 de julho de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aaamj/mjap