Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado nº 110.826/2016

 

 

 

Ementa: Constitucional. Tributário. Art. 33 da Lei Complementar nº 115, de 30 de dezembro de 2015, do Município de Bertioga. Concessão de Isenção fiscal por meio de lei que cuida de outorga de concessão. Necessidade de lei específica para a concessão de isenção. Ofensa direta aos arts. 144 e 163, § 6º, ambos da CE/89 e ao art. 150, § 6º, da CF.

 

 

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 33 da Lei Complementar nº 115, de 30 de dezembro de 2015, do Município de Bertioga, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – O Ato Normativo Impugnado

 

         A Lei Complementar nº 115, de 30 de dezembro de 2015, do Município de Bertioga, “dispõe sobre a outorga e a gestão de concessão para operação, administração, manutenção e conservação do Terminal Rodoviário e de Terminais de Integração de Passageiros; instalação e conservação de abrigos de parada de ônibus, totens indicativos de parada de ônibus e relógios eletrônicos digitais com exploração publicitária”.

A citada lei, em seu art. 33, estabelece:

“Art. 33. As atividades concedidas serão isentas de tributos municipais, considerando que inexistirá renúncia de receita que nunca foi realizada, o futuro pagamento da outorga e a finalidade pública da concessão, que transmite a onerosidade das atividades públicas à iniciativa privada”. (grifos nossos)

         O dispositivo acima transcrito está em flagrante afronta às disposições constitucionais estaduais e federais, conforme será exposto abaixo.

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

O art. 33 da Lei Complementar nº 115, de 30 de dezembro de 2015, do Município de Bertioga contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos artigos 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

O ato normativo contestado municipal é incompatível com o art. 163, § 6º, da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, e que assim estabelecem:

 

“Art. 163.

(...)

§ 6º. Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderão ser concedidos mediante lei estadual específica, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, ‘g’, da Constituição Federal.

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.  (grifos nosso)

         Para completar, o dispositivo impugnado viola, além disso, expressamente o art. 144 da Constituição Estadual, na medida em que afronta o art. 150, § 6º, da Constituição Federal (que contempla princípio de observância mandatória para os Municípios), que dispõe no mesmo sentido do art. 163, § 6º da Constituição Estadual acima referido:

 

“Art. 150.

(...)

§ 6º. Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderão ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art 155, § 2º, XII, g”.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

         É literal e flagrante a violação aos Textos Constitucionais Estadual e Federal.

Explicando melhor, a Constituição Federal, em dispositivo que se aplica aos Municípios por força de normas constitucionais federais e do art. 144 da Constituição Estadual, bem como a própria Constituição Estadual, só permitem a concessão de isenção de tributos municipais por meio de lei específica ou na lei que cuidar exclusivamente do tributo.

No caso em tela, a isenção foi prevista em lei relativa a outorga de concessão e, por conseguinte, violando as disposições constitucionais estaduais e federais.

A propósito da isenção, Roque Antonio Carrazza observa que:

“(...) qualquer vantagem fiscal (‘subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão’) só será validade se objeto de ‘lei específica’ da pessoa política, isto é, que ‘regule exclusivamente’ tal matéria. Daí podermos falar em princípio da especificidade e exclusividade das leis tributárias específicas. Portanto, nenhum benefício fiscal pode ser disciplinado em lei voltada a outros temas. Graças à determinação constitucional, evita-se que emendas capciosas induzam parlamentares menos avisados a aprovar, sem que o percebam, favores fiscais que nada têm a ver com o assunto central do ato normativo que estiver em votação” (Curso de direito constitucional tributário, 22ª ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p. 863).

         Por oportuno, vale citar também Tércio Sampaio Ferraz Júnior:

“(...) a exigência de lei específica significa, nesse sentido, que seus preceitos devem estar dirigidos a um subconjunto dentro de um conjunto de sujeitos ou que seu conteúdo deve estar singularizado na descrição da facti species normativa, i. é, pela delimitação de um subconjunto material dentro de um conjunto. (...) lei específica, segundo o § 6º do art. 150 da Constituição, deverá regular exclusivamente as matérias ali enumeradas ou regular exclusivamente o correspondente tributo ou contribuição” (Tércio Sampaio Ferraz Júnior, A noção de Lei Específica no art. 150, § 6º, a CF e a Recepção dos Decretos-lei n. 2163/84 e 1184/71, “in” Leandro Paulsen, Direito Tributário, 9ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2007, p. 267).

Desse modo, é de rigor o reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo impugnado.

IV - DA LIMINAR

 

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito legal do Município de Bertioga apontado como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, de maneira a evitar maior oneração do erário, que não está vendo ingressar em seus cofres a receita relativa a tributos municipais que são devidos, já que ilegítima a isenção.

         À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento do art. 33 da Lei Complementar nº 115/15 do Município de Bertioga.

V - DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 33 da Lei Complementar nº 115, de 30 de dezembro de 2.015, do Município de Bertioga.

         Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Bertioga, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   São Paulo, 25 de julho de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado 110.826/16

Assunto: Análise de constitucionalidade da LC 115/15, do Município de Bertioga

 

 

 

1.               Trata-se de protocolado inicialmente instaurado para a análise de constitucionalidade dos arts. 2º, § 2º, e 33, ambos da Lei Complementar nº 115/15, do Município de Bertioga, após o recebimento de representação encaminhada pela Associação Pró-Urbe Bertioga.

Instado a se manifestar, o Prefeito Municipal defendeu a validade do diploma legislativo (fls.105/111).

Solicitadas informações, a Câmara Municipal confirmou a vigência da citada lei complementar e defendeu a sua constitucionalidade (fls.361/376).

É o breve relato do essencial.

O caso é de arquivamento parcial do expediente.

No que tange ao § 2º do art. 2º da Lei Complementar nº 115/15, não se vislumbra fundamento para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade.

Com efeito, o art. 2º, § 2º, da Lei Complementar nº 115, de 30 de dezembro de 2.015, do Município de Bertioga, estabelece:

“Art. 2º. A concessão de que trata esta Lei Complementar será outorgada pelo prazo máximo de 30 (trinta) anos, admitindo sua prorrogação, a critério do Poder Concedente, atendido o interesse público.

(...)

§ 2º. Ao término da concessão as áreas afetadas ao cumprimento do contrato de concessão serão restituídas ao Município, com todas as construções, equipamentos e benfeitorias a elas definitivamente incorporadas, sem nenhum direito de retenção e independentemente de qualquer pagamento ou indenização, podendo o Município delas fazer o uso que entender conveniente, de forma direta ou por intermédio de terceiro”. (grifos nossos)

Em suma, o citado § 2º apenas prevê que, concluído o contrato de concessão, o Município receberá de volta a área afetada, com equipamentos e benfeitorias incorporadas, bem como que o concessionário não terá qualquer direito de retenção ou indenização.

Com o devido respeito, não se identifica qualquer inconstitucionalidade na referida previsão.

O interessado que se dispuser a participar desde a licitação e a firmar o contrato de concessão com o Poder Público, desde o início, tem conhecimento de que, ao final, não haverá direito de retenção ou indenização e, portanto, formulará a sua proposta considerando tal consequência.

Destarte, não se verifica qualquer afronta ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão garantido pela Constituição ou a qualquer outra norma.  

Para completar, importa consignar que não se verifica qualquer afronta a norma constitucional relativa ao processo legislativo.

Anote-se, ainda, que a alegada violação a Lei Orgânica Municipal feita pelo autor da representação, no transcorrer do processo legislativo, não autoriza o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade, na medida em que a afronta às disposições constitucionais seriam meramente reflexas. Apenas a afronta direta à Constituição Estadual daria ensejo a ação direta.

Face ao exposto, não vislumbrando fundamento para ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade em face do § 2º do art. 2º da Lei Complementar nº 115/15, do Município de Bertioga, promovo o arquivamento do procedimento neste tópico.

2.               Distribua-se ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado em epígrafe mencionado, em face do art. 33 da Lei Complementar nº 115/15, do Município de Bertioga.

3.               Ciência ao interessado, remetendo-lhe cópia da petição inicial e do presente despacho.

 

São Paulo, 25 de julho de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

pss