Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado n. 111.451/16

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Inciso I do art. 5º da Lei n. 52, de 03 de maio de 2002, na redação original e na que foi dada pela Lei n. 92, de 08 de maio de 2003, do Município de Vargem Grande Paulista. Servidor Público. Cargo de provimento em comissão. Comandante da Guarda Civil. Residência no Município. Experiência mínima por tempo determinado como integrante da Polícia Civil ou Militar do Estado de São Paulo. Comissionamento restrito a servidores da carreira de Guarda Municipal. Requisitos de habilitação. Discriminação desarrazoada. 

1. Padece de inconstitucionalidade a ampla liberdade de provimento comissionado do cargo de Comandante da Guarda Civil, pois, o comissionamento deve ser restrito a servidores de carreira dada a característica técnico-profissional da instituição (arts. 111 e 115, V, CE/89).

2. Exigência de residência no Município e de tempo de experiência nas Polícias Civil ou Militar do Estado que constituem discriminações desarrazoadas no provimento de cargos públicos (arts. 111 e 115, I, CE/89).

 

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do inciso I do art. 5º da Lei n. 52, de 03 de maio de 2002, na redação original e na que foi dada pela Lei n. 92, de 08 de maio de 2003, do Município de Vargem Grande Paulista, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – Os dispositivos Normativos Impugnados

                   A Lei n. 52, de 03 de maio de 2002, dispõe sobre a instituição da Guarda Civil de Vargem Grande Paulista, assim dispondo o inciso I de seu art. 5º:

Artigo 5º - Fica estabelecido o efetivo de 60 (sessenta) homens e mulheres, para a “Guarda Civil de Vargem Grande Paulista”, criados os seguintes cargos:

I – 01 (um) Comandante, enquadrado na referência “18”, do quadro de referências e remuneração, constante do anexo I da Lei municipal nº 30, de 15 de dezembro de 2.000, de provimento em comissão por livre nomeação do Chefe do Poder Executivo, escolhido entre os residentes no Município de Vargem Grande Paulista, que comprovem experiência no mínimo de 05 anos, como integrante da uma das polícias, civil ou militar do Estado de São Paulo. (fl. 58)

                   Posteriormente, em 08 de maio de 2003, a redação desse dispositivo foi alterada pela Lei n. 92, com o seguinte teor:

Artigo 1º - O Inciso I do artigo 5º, da lei municipal nº 52, de 03 de maio de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:

“I – 01 (um) Comandante, enquadrado na referência “18”, do quadro de referências e remuneração, constante do anexo I da Lei municipal nº 30, de 15 de dezembro de 2.000, de provimento em comissão por livre nomeação do Chefe do Poder Executivo, escolhido entre os residentes no Município de Vargem Grande Paulista, que comprovem experiência no mínimo de 03 anos, como integrante da uma das polícias, civil ou militar do Estado de São Paulo.

................................................................................ (fl. 66)

                   Conveniente observar que a mensagem do Chefe do Poder Executivo que deu origem ao Projeto de Lei n. 08, de 26 de abril de 2002, que resultou na Lei n. 52/02, apenas previa que o cargo de Comandante era “de provimento em comissão por livre nomeação do Chefe do Poder Executivo” (fl. 31), porém recebeu emenda parlamentar – afinal aprovada – adicionando a expressão “escolhido entre os residentes no Município de Vargem Grande Paulista, que comprovem experiência no mínimo de 05 anos, como integrante da uma das polícias, civil ou militar do Estado de São Paulo” (fl. 41).

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   Os dispositivos normativos acima transcritos contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

                   Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

                   As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

..........................................................................................

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

..........................................................................................

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

..........................................................................................

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

                    A análise das atribuições do cargo de Comandante da Guarda Civil (art. 10, Lei n. 52/02) demonstra que se trata de função de direção, em que é, em linha de princípio, admissível o provimento em comissão.

                   Porém, sua abertura tendente à investidura de qualquer pessoa não atende ao arts. 111 e 115, V, da Constituição Estadual, pois, o provimento em comissão de tal cargo deve ser restrito a servidores de carreira.

                   Emana da Constituição Estadual – que, no ponto, reproduz a Constituição Federal – que as funções de confiança são exercidas exclusivamente por servidores titulares de cargo de provimento efetivo e que percentual de cargos de provimento em comissão seja reservado a servidores de carreira, embora ambos desempenhem atribuições de direção, chefia e assessoramento.

                   Do inciso V do art. 115 da Constituição Estadual e do inciso V do art. 37 da Constituição Federal resulta que há cargos de provimento em comissão exclusivos ou não a servidores titulares de cargos de provimento efetivo. Se estes são livremente providos por qualquer pessoa que satisfaça os requisitos legais, aqueles somente por servidores de carreira, porque, embora o provimento seja precário, a natureza de chefia, direção ou assessoramento aponta com maior grau para o caráter técnico e profissional respectivo.

                   Portanto, o comando da Guarda Civil embora seja posto comissionado deve ser reservado a servidor público de carreira, pois, pressupõe o conhecimento específico das funções e da carreira, o domínio e a prática na área de segurança e de fiscalização da ordem pública, o conhecimento teórico e prático inerentes àquele que ascende na carreira, até ocupar cargos mais altos da instituição. É incompatível com as atribuições de comando Guarda Civil a livre escolha e a nomeação de qualquer pessoa, até porque ofende os princípios de razoabilidade e de interesse público contidos no art. 111 da Constituição Estadual.

                   Com efeito, a lógica natural da ordem das coisas demonstra ser contrária ao interesse público objetivamente considerado, e inadequada, desnecessária e desproporcional a escolha de pessoa alheia aos quadros permanentes de pessoal da Administração Pública para comandar a instituição.

                   Afinal, trata-se de relevante função de direção e de chefia que só pode ser atribuída ao servidor ocupante de cargo efetivo, em função da adição de atribuições que se impõe ao Comandante.

                   O comissionamento deve ser restrito a servidores de carreira dada a característica técnico-profissional da instituição.

                   Trata-se, em última análise, de atribuição que requer conhecimento técnico, de tal forma que deve haver uma adição ou um acoplamento de atribuições ao servidor efetivo, de carreira, que pertence à mesma unidade administrativa cujas competências incluam as atividades próprias do cargo efetivo.

                   Idênticas considerações se estendem à exigência de experiência mínima – de 03 (três) ou 05 (cinco) anos – nas Polícias Civil ou Militar e de residência no Município.

                   Não obstante, a residência no Município não pode limitar o acesso a cargos públicos, embora possa constituir dever funcional após a nomeação. Igual raciocínio é devotado seja ao tempo de experiência anterior seja à restrição de seu universo à Polícia Civil ou Militar do Estado de São Paulo, criando uma “reserva de mercado”, sendo que em ambas as situações há uma discriminação desarrazoada e atentatória da igualdade sem causa lícita que a justifique sob os espeques da adequação e da necessidade em relação ao interesse público.

                   Trata-se de grave ofensa aos arts. 111 e 115, I, da Constituição Estadual, e que, ademais, discrepa do art. 144 da Constituição Estadual, norma estadual remissiva que incorpora os preceitos estabelecidos na Constituição Federal, dentre eles o que proíbe a criação de distinções ou preferências entre brasileiros (art. 19, III, Constituição Federal).

III – Pedido

                   Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do inciso I do art. 5º da Lei n. 52, de 03 de maio de 2002, na redação original e na que foi dada pela Lei n. 92, de 08 de maio de 2003, do Município de Vargem Grande Paulista.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Vargem Grande Paulista, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 04 de abril de 2017.

 

 

 

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

wpmj

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 111.451/16

Interessado: Sindicato dos Guardas Civis Municipais e Outros da Região de Osasco

 

 

 

 

 

 

 

 

                   Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade no egrégio Tribunal de Justiça, instruída com o protocolado acima mencionado, em face do inciso I do art. 5º da Lei n. 52, de 03 de maio de 2002, na redação original e na que foi dada pela Lei n. 92, de 08 de maio de 2003, do Município de Vargem Grande Paulista.

                   Ciência ao representante e à douta Promotoria de Justiça de Vargem Grande Paulista.

                   São Paulo, 04 de abril de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

wpmj