EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado
n. 147.991/2016
Ementa: Constitucional. Administrativo. Licitação. Inciso IV, do artIGO 50, da Lei nº 4.987, de 17 de setembro de 2007, do Município de Lins. Realização de contratações diretas por dispensa de licitação, preferencialmente por meio de microempresas e empresas de pequeno porte em dissonância com o inciso IV, do art. 49, da Lei Complementar Federal nº 123/2006. Invasão da competência normativa federal. Normas gerais de licitação. Competência legislativa da União para dispor sobre normas gerais sobre licitação e contrato administrativo, patenteando ofensa à competência normativa alheia, cognoscível por força do art. 144, CE/89, não existindo espaço para invocação de manifesto interesse local por não haver sua predominância nem para suplementação normativa que contraria regras federais.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de
São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da
Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade
com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da
República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado (PGJ nº 147.991/2016, que segue anexo), vem perante esse
Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face do inciso IV, do art. 50, da Lei nº 4.987, de 17 de setembro de 2007,
do Município de Lins, pelos fundamentos expostos a seguir:
1.
DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
A Lei nº 4.987, de 17 de setembro de 2007, do Município de Lins, que “Implanta o Programa de Incentivos para o Desenvolvimento Solidário, Econômico, Turístico e Tecnológico de Lins”, no que interessa, assim dispõe (fls. 185/208):
“(...)
Art. 50 – Para a ampliação da
participação das microempresas e empresas de pequeno porte nas licitações, o
Poder Executivo, com detalhamento dos procedimentos via decreto, no prazo de
seis meses, deverá:
(...)
IV – realizar as contratações diretas por dispensas de licitação,
preferencialmente, com microempresas e empresas de pequeno porte sediadas no
Município ou região;
(...)”
O inciso IV, do artigo 50 da Lei nº 4.987, de 17 de setembro de 2007, do Município de Lins, é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo.
II – dO parâmetro da
fiscalização abstrata de constitucionalidade
O inciso IV, do artigo 50, da Lei nº 4.987, de 17 de setembro de 2007, do Município de Lins, é inconstitucional porque – considerando a preponderância do interesse - trata de questão que está na esfera de competência do legislador federal.
Com efeito, o inciso IV, do art. 49, da Lei Complementar Federal nº 123, de 14 de dezembro de 2006, assim dispõe:
“(...)
Lei
Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006
Institui o Estatuto
Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos
das Leis no 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação
das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de
1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001,
da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis
no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999. (...) |
Art.
49. Não se aplica o disposto nos arts.
47 e 48 desta Lei Complementar quando:
(...)
IV - a
licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts.
24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993,
excetuando-se as dispensas tratadas pelos incisos I e II do art. 24 da mesma
Lei, nas quais a compra deverá ser feita preferencialmente de microempresas e
empresas de pequeno porte, aplicando-se o disposto no inciso I do art.
48.
(...)”
Observa-se que o dispositivo contestado possibilita ampla e geral contratação por dispensa de licitação, preferencialmente, por meio de microempresas e empresas de pequeno porte sediadas no município ou região, em descompasso com a regulamentação disposta na Lei Complementar nº 126/2006, a qual afastou o tratamento benéfico às microempresas e empresas de pequeno porte por meio de dispensa de licitação, salvo nas hipóteses dos incisos I e II, do artigo 24, da Lei n. 8666/93.
Pode-se afirmar, portanto, que as normas gerais sobre contratos administrativos e licitação, envolvendo microempresa e empresas de pequeno porte, estão previstas na Lei Federal n. 8.666/93, complementada pela Lei Complementar n. 123/06.
Legislar a respeito de normas gerais de licitação insere-se na competência privativa do legislador federal, nos termos do art. 22, inc. XXVII, da Constituição Federal.
As hipóteses de dispensa e
inexigibilidade de licitação, como é cediço, estão previstas no art. 24 e no
art. 25 da Lei nº 8.666/93, e, quando presentes, exigem a justificação
formal, em processo administrativo, nos termos do art. 26 da referida lei,
a partir de hipóteses de dispensa ou inexigibilidade previstas na própria Lei
de Licitações.
Previsões contidas em outros
diplomas, estaduais ou municipais, alargando o tratamento benéfico a
microempresas e empresas de pequeno porte, por meio dispensa ou inexigibilidade
da licitação, calcados, violam o artigo 22, inciso XXVII, da Constituição da
República, configurando invasão da competência normativa da União para legislar
sobre o tema, norma que deve ser obedecida pelos Municípios, por força do
artigo 29 da Constituição Federal e do artigo 144 da Constituição Estadual.
Cuidando especificamente do
tema, Celso Antônio Bandeira de Mello esclareceu que "normas que
estabelecem particularizadas definições, que minudenciam condições específicas
para licitar ou para contratar, que definem valores, prazos e requisitos de publicidade,
que arrolam exaustivamente modalidades licitatórias e casos de dispensa, que regulam registros cadastrais, que assinalam
com minúcia o iter e o regime procedimental, os recursos cabíveis, os prazos de
interposição, que arrolam documentos exigíveis de licitantes, que
preestabelecem cláusulas obrigatórias de contratos, que dispõem até sobre
encargos administrativos da administração contratante no acompanhamento da
execução da avença, que regulam penalidades administrativas, inclusive quanto
aos tipos e casos em que cabem, evidentissimamente sobre não serem de Direito
Financeiro, menos ainda serão normas gerais , salvo no sentido de que toda
norma - por sê-lo -é geral". E acrescenta o ilustre administrativista:
"Se isto fosse norma geral, estaria apegada a distinção constitucional
entre norma, simplesmente, e norma geral" (Licitações, RDP 83/16).
Desta forma, o dispositivo
contestado afronta o art. 144 da Constituição Paulista.
Como
é cediço, a Constituição da República estabelece a repartição constitucional de
competências entre as diversas esferas da federação brasileira. E a repartição
de competências entre os entes federados é o corolário mais evidente do
princípio federativo.
Referindo-se
aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas
essenciais do Estado, José Afonso da Silva aponta que entre eles podem ser
inseridos, entre outros, “os princípios
relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de
Direito (art. 1º)” (Curso de direito
constitucional Positivo, 31ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 94, g.n.).
Um
dos aspectos de maior relevo, e que representa a dimensão e alcance do
princípio do pacto federativo, adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente
o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a
repartição de competências entre os entes federativos, bem como a fixação da
autonomia e dos respectivos limites, dos Estados, Distrito Federal, e
Municípios, em relação à União.
Anota
a propósito Fernanda Dias Menezes de Almeida que “avulta, portanto, sob esse ângulo, a importância da repartição de
competências, já que a decisão tomada a respeito é que condiciona a feição do
Estado Federal, determinando maior ou menor grau de descentralização.” Daí
a afirmação de doutrinadores no sentido de que a repartição de competências é “‘a chave da estrutura do poder federal’, ‘o
elemento essencial da construção federal’, ‘a grande questão do federalismo’,
‘o problema típico do Estado Federal” (Competências
na Constituição Federal de 1988, 4. ed., São Paulo, Atlas, 2007, p. 19/20).
Não
pairaria qualquer dúvida a respeito da inconstitucionalidade de proposta de
emenda constitucional ou de lei que sugerisse, por exemplo, a extinção da própria
Federação: a Constituição veda proposta de emenda “tendente a abolir”, entre outros, “a forma federativa de Estado” (art. 60, § 4º, I, da CR/88).
A
preservação do princípio federativo tem contado com a anuência do C. Supremo
Tribunal Federal, como destacado em julgado relatado pelo Min. Celso de Mello:
"(...)
a idéia de Federação — que tem, na autonomia dos Estados-membros, um de seus
cornerstones — revela-se elemento cujo sentido de fundamentalidade a torna
imune, em sede de revisão constitucional, à própria ação reformadora do
Congresso Nacional, por representar categoria política inalcançável, até mesmo,
pelo exercício do poder constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I)." (HC
80.511, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 21-8-01, DJ de 14-9-01).
Por essa linha de raciocínio, pode-se também afirmar
que a lei municipal que regula matéria cuja competência é do legislador federal e
do estadual está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências,
a violar o princípio federativo.
Pois bem.
No art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal, o constituinte reservou a disciplina das normas gerais de licitação e contratos, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios à competência normativa privativa da União.
Conclui-se,
daí, que o inciso IV, do art. 50, da Lei nº 4.987, de 17 de setembro de 2007,
do Município de Lins é inconstitucional porque, à vista do disposto no art. 144
da Carta Política Estadual, os Municípios devem obediência aos princípios
estabelecidos na Constituição Federal, dentre os quais aquele que
consagra a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de
licitação e contratos.
A
prescrição de que os Municípios devem observar os princípios constitucionais
estabelecidos não se encontra apenas no art. 144 da Constituição Paulista. O
art. 29, caput, da Constituição
Federal prevê que “O Município reger-se-á
por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e
aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará,
atendidos os princípios estabelecidos
nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado, e os seguintes
preceitos (g.n.).”
Em casos semelhantes, esse
egrégio Tribunal assim se manifestou:
“ARGUIÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE – Artigo 1º da Lei 481, de 05 de dezembro de 2006 do
Município de Borá – Lei que busca a convalidação de atos administrativos
preteritamente editados, emanados do Chefe do Poder Executivo local – Permissão
de Uso de Bens Públicos – Necessidade de realização do procedimento licitatório
– Observância dos princípios da isonomia, licitação e impessoalidade – Licitação como regra geral, sendo as causas
de dispensa e inexigibilidade exceções à regra – Competência da União para Legislar
sobre regras gerais de licitação –
Inadmissibilidade de reconhecer a inconstitucionalidade por arrastamento dos
decretos provenientes do Chefe do Poder Executivo Local – Ato tipicamente
administrativo – Questão referente a controle de legalidade – Arguição
Incidental de Constitucionalidade Procedente”. (TJ/SP, II nº
0020311-56.2016.8.26.00000, Des. Rel. Francisco Casconi, julgada procedente em
28 de setembro de 2016) g.n
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ART.
144 DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO PARDO, NA REDAÇÃO
DECORRENTE DA EMENDA Nº 29, DE 26 DE JUNHO DE 2013 – DISPOSITIVO QUE, EM SUA
NOVA REDAÇÃO, DEIXA DE EXIGIR A CONSECUÇÃO DE LICITAÇÃO NAS HIPÓTESES DE
PERMISSÃO DE USO DE BENS MUNICIPAIS – NORMA QUE DESATENDE A CONSTITUIÇÃO
ESTADUAL, POR AFRONTAR A REGRA GERAL DE LICITAÇÃO, BEM COMO
PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE, MORALIDADE E ISONOMIA – OFENSA AOS ARTIGOS 111,
117 E 144 DA CARTA PAULISTA – PEDIDO INICIAL JULGADO PROCEDENTE”. (TJ/SP, ADI nº
2213336-68.2014.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Casconi, julgada procedente em
13 de maio de 2015)
3. DO PEDIDO
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada
procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do inciso IV, do art. 50,
da Lei nº 4.987, de 17 de setembro de 2007, do Município de Lins.
Requer-se,
ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito
Municipal de Lins, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para
manifestar-se sobre o dispositivo normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se
vista para fins de manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se deferimento.
São Paulo, 19 de abril de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aaamj/mi
Protocolado
nº 147991/2016
Interessado: Dr. Shizuo Antônio Catelan Yano - 5º Promotor de
Justiça de Lins
1.
Distribua-se eletronicamente a inicial da ação
direta de inconstitucionalidade, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2.
Arquive-se a representação no que se refere ao art. 48 da Lei nº 4.987, de 17 de
setembro de 2007, do Município de Lins, pois as isenções de taxas estão de
acordo com o disposto no art. 4º, §3º,
da Lei Complementar Federal nº 123/06. Em relação à isenção de Imposto
sobre Serviços, a matéria foi recentemente regulamentada, vedando-se a isenção
total, com a fixação do prazo de 01 (um) ano para que os entes federados se
adequem, nos termos do art. 6º da Lei Complementar Federal nº 157/2016. Nesses
termos, caso persista a omissão, haverá crise de legalidade, inclusive com
previsão de configuração de ato de improbidade administrativa, com ofensa
reflexa e não direta à Constituição Federal.
3.
Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 19 de abril de
2017.
Gianpaolo
Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aaamj/mi