Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 24.674/16
Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei nº 1.471, de 19 de maio de 2016, do Município de cunha, que dispõe sobre o provimento de cargos em comissão e assessoramento, por servidores de carreira, no âmbito da administração municipal. Fixação de cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores puramente comissionados, atendendo ao disposto no art. 115, V, da CE/89. Violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do art. 115, V, da CE/89. 1. Inconstitucional a previsão de percentual para preenchimento de cargos em comissão na estrutura administrativa direta do município por servidores de carreira, no caso 25% (vinte e cinco por cento) para os cargos comissionados na administração pública municipal, vez que, ao estabelecer em lei percentuais desse jaez, o Município torna mera ficção jurídica a exigência plasmada no art. 115, V, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa. 2. Previsão normativa que não se concilia com os arts. 111 e 115, V, CE/89, pois torna sem efeito a intenção do Constituinte em limitar o provimento comissionado na estrutura administrativa direta municipal.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual
n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado
de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129,
IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI,
e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio
Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face do artigo 1º da Lei
nº 1.471, de 19 de maio de 2016, do Município de Cunha, que “Dispõe sobre o provimento de cargos em
comissão e assessoramento, por servidores de carreira, no âmbito da Administração
Municipal”, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I – O
Ato Normativo Impugnado
A Lei nº 1.471, de 19 de maio de 2016,
do Município de Cunha, ao dispor sobre o provimento de cargos em comissão e
assessoramento, por servidores de carreira, no âmbito da Administração
Municipal, estabeleceu percentuais referentes aos cargos de provimento em
comissão a serem preenchidos por servidores puramente comissionados, da seguinte forma (fl.
27):
“(...)
(...)”.
A proporção fixada pelo dispositivo impugnado impõe que aproximadamente 25%
dos cargos comissionados sejam ocupados por servidores de carreira.
A partir de uma leitura rasa do diploma transcrito, ainda que a contrario sensu,
o intérprete tem a impressão de que a legislação examinada guarda obediência ao
comando inscrito no art. 115, V, da Carta Paulista, o qual reclama a edição de
lei estipulando percentual mínimo dos cargos em comissão na estrutura administrativa
do ente a serem ocupados por servidores efetivos.
Todavia, conforme será demonstrado no curso desta vestibular, a partir da
interpretação do art. 7º, I, II e V, “a”, do diploma impugnado, ao prever elevado
percentual de cargos de provimento em comissão a serem
ocupados por servidores puramente comissionados e, em contrapartida, parcela
diminuta ou até mesmo inexistente para os servidores de carreira (neste caso, 25%
para os cargos em comissão), o Município torna a exigência plasmada no art.
115, V, mera ficção jurídica por evidente esvaziamento de sua ratio normativa, havendo, portanto,
notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Constituição Estadual.
II – O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os percentuais estabelecidos no art. 1º, da Lei nº 1.471, de 19
de maio de 2016, do Município de Cunha, contraria
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29
daquela e do art. 144 desta.
Os dispositivos normativos contestados são
incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 111 - A administração pública direta,
indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração
pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por
qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes
normas:
(...)
V - as funções de confiança, exercidas
exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em
comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e
percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento;
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
O
art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal,
determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal
e na Constituição Estadual.
O
inciso V do art. 115 da Constituição Estadual, reproduzindo o inciso V do art.
37 da Constituição Federal, determina a reserva de percentual mínimo, adotado
em ato normativo, de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira,
com nítido escopo de estímulo à profissionalização do serviço público (e
consequente valorização do servidor público titular de cargo de provimento
efetivo, isolado ou de carreira), bem como compatibilizar a liberdade de
provimento de cargos comissionados com os princípios que norteiam a atividade
administrativa, previstos no art. 111 da Carta Bandeirante.
É sabido que a nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.
O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.
Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.
Cumpre salientar que o art. 115, V, da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos.
A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimentos em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.
De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos, deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.
Pois bem.
A legislação examinada estabelece que 25% (vinte e cinco
por cento) de cargos
de provimento em comissão, no âmbito da administração municipal, serão
preenchidos por servidores de carreira, de forma que 75% (setenta em cinco a
por cento) poderão ser ocupados por servidores não integrantes do quadro da
Administração.
Dessa
forma, abstraindo-se a quantidade, em primeira análise, poder-se-ia cogitar sua
obediência ao disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual, porquanto se
visualiza no ente em comento diploma tendente a dar cumprimento ao comando
constitucional apontado.
Contudo,
a partir de uma interpretação acurada da ratio
essendi do art. 115, V, da CE, a intelecção supramencionada revela-se
errônea, pois ao prever percentual assaz diminuto de postos comissionados a
serem preenchidos por servidores de carreira no ente, conforme acima mencionado,
tornou mera ficção o dispositivo indicado por representar evidente esvaziamento
de seu comando, havendo, portanto, notória violação aos arts. 111 e 115, V, da
Carta Paulista, por afronta evidente à razoabilidade, à proporcionalidade, à
moralidade e burla implícita à excepcionalidade do provimento em comissão
quando do preenchimento de postos na estrutura da Administração.
Nesse
sentido, aliás, já se manifestou este Sodalício, firmando em sua jurisprudência
um piso de 50% (cinquenta por cento) ao percentual reclamado pelo Constituinte
quando da edição do art. 115, V, na Constituição Estadual. In verbis:
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PERCENTUAL DOS CARGOS DE PROVIMENTO
EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES
EFETIVOS - EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE FIXAÇÃO POR LEI - Mora verificada
Inconstitucionalidade por omissão reconhecida, com fixação de prazo de 180 (cento
e oitenta) dias para tomada das providências necessárias, após o que, em caso
de persistência da mora, 50% dos
cargos em questão deverão ser preenchidos por servidores efetivos. Ação
procedente, com determinação.” (TJSP, ADI nº 2069053-15.2015.8.26.0000, Órgão
Especial, Rel. Des. Moacir Peres, j. em 16.08.15 v.u – g.n.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. Ausência de edição
de lei específica que estabeleça percentual mínimo dos cargos de provimento em
comissão a serem preenchidos por servidores de carreira, na estrutura
administrativa do Município de Valparaíso, conforme preconiza o artigo 115, V,
da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade latente. Mora legislativa
configurada. Ação procedente com fixação do prazo de 180 (cento e oitenta) dias
para que a omissão seja suprida, bem como determinar que, enquanto persistir a omissão
legislativa, ao menos 50% (cinquenta
por cento) dos cargos em comissão sejam preenchidos por servidores efetivos.”
(TJSP, ADI nº 2010554-38.2015.8.26.0000, Órgão
Especial, Rel. Des. Péricles Piza, j. em 10.06.15 v.u – g.n.).
Ante o exposto, os percentuais
estabelecidos na lei objurgada não se conciliam com os arts. 111 e 115, V, da Constituição
Paulista, devendo ser declarada sua inconstitucionalidade por este E. Tribunal
de Justiça.
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura das normas municipais apontadas como violadoras de princípios e
regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de
lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo à legitimidade do
exercício de cargos públicos e à efetividade da Constituição, pois a manutenção
dos dispositivos impugnados favorecerá ao descumprimento do mandamento
constitucional.
À luz desta contextura,
requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e
definitivo julgamento desta ação, do art. 1º da Lei nº 1.471, de 19 de maio de
2016, do Município de Cunha, responsável por fixar o percentual para preenchimento de cargos em
comissão na estrutura administrativa direta do município.
IV – Pedido
Face ao exposto, requerer-se o recebimento e o processamento da
presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 1.471, de 19 de maio de 2016, do Município de
Cunha, responsável por fixar o percentual para preenchimento de cargos em
comissão na estrutura administrativa direta do município.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e ao Presidente da
Câmara Municipal de Cunha, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do
Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por
nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 29 de junho de 2.016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/sh
Protocolado nº
24.674/16
Promova-se
a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o
protocolado em epígrafe mencionado, em face do do art. 1º da Lei nº 1.471, de
19 de maio de 2016, do Município de Cunha, responsável por fixar o percentual
para preenchimento de cargos em comissão na estrutura administrativa direta do
município.
São Paulo, 29 de junho de 2.016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/sh