EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 25.883/2016

                       

                       

Ementa:    

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Leis nºs 1.066, de 10 de dezembro de 2012, 1.085, de 13 de maio de 2.013, 1.218, de 20 de julho de 2015, do Município de Eldorado.

2)      A concessão de gratificação a servidores públicos, sem critérios objetivos determinados ou que considera como critério objetivo requisito para provimento do cargo, viola os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, interesse público.

3)      Norma que confere indiscriminado aumento indireto e dissimulado da remuneração, estando alheada aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos.

4)      A concessão de gratificação a servidores públicos, por discricionariedade da autoridade, viola o princípio da legalidade.

5)      Benefícios que não atendem à legalidade, interesse público e às exigências do serviço. Violação dos arts. 5º, 24, § 2º, 1, 111, 128 e 144 da Constituição Estadual.

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 25.833/2016, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face das Leis nºs 1.066, de 10 de dezembro de 2012, 1.085, de 13 de maio de 2.013, 1.218, de 20 de julho de 2015, do Município de Eldorado, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação do Promotor de Justiça da Comarca de Eldorado (fls. 02/05).

A Lei nº 1.066, de 10 de dezembro de 2012, do Município de Eldorado, tem a seguinte redação (fls. 64/66):

“(...)

 

(...)”

A Lei nº 1.085, de 13 de maio de 2.013, prevê (fls. 67):

“(...)

Art. 1º. Fica criada a comissão de Avaliação de Bens Patrimoniais, composta por um Presidente e 02 membros do quadro de servidores da Câmara Municipal.

Art. 2º. O Presidente da Comissão de Bens Patrimoniais fará jus a uma gratificação de 15% sobre seu salário base e os demais membros a 10%.

Art. 3º. As despesas com a execução da presente lei correrão por conta de verba própria consignada no Orçamento, suplementada se necessário.

Art. 4º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

(...)”

Por fim, a Lei nº 1.218, de 20 de julho de 2015, do Município de Eldorado, dispõe:

“(...)

Art. 1º. Fica criado o adicional de 35% (trinta e cinco por cento) por acúmulo de funções aos funcionários públicos efetivos do quadro de pessoal da Câmara de Vereadores do Município e Estância Turística de Eldorado/SP, que vierem a acumular, na constância de sua jornada de trabalho regular, as funções de colegas afastados por motivo de férias, licença-prêmio, tratamento de saúde, participação em cursos ou outra causa relevante, assim reconhecida por ato da presidência, enquanto instrumento competente para a atribuição da acumulação.

§ 1º. O tempo ininterrupto mínimo de acumulação de funções, que deverá ser pago proporcionalmente, não poderá ser inferior a 10 (dez) dias corridos.

§ 2º.  O adicional referido no caput deste artigo, será calculado sobre o vencimento básico do servidor público efetivo nomeado.

§ 3º.  A nomeação para a acumulação de função referida no caput, que jamais poderá ser referente a cargos da mesma, será realizada via requerimento do servidor interessado e/ou por ato da presidência, ficando inteiramente a critério subjetivo e discricionário do Presidente da Câmara, que poderá deixar de fazê-lo se assim não entender necessário.

Art. 2º. As despesas com a execução da presente lei, correrão por conta das verbas orçamentárias próprias rubricadas ao custo com pessoal do poder legislativo local, suplementadas se necessário.

Art. 3º. Esta lei entrará em vigor na data da sua publicação, revogando-se todas as disposições em contrário e retroagindo seus efeitos à data de 1º (primeiro) de abril do ano de 2015.

(...)”

2.     DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

Os atos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

As regras jurídicas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

(...)

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 128 - As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)”.

3.     DA FUNDAMENTAÇÃO

Sabe-se que as vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

O adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição ligada a determinados cargos ou funções que, para serem bem desempenhados, exigem um regime especial de trabalho, uma particular dedicação ou uma especial habilitação de seus titulares (ex facto officii). (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760).

A doutrina assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452).

Os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias. Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85). 

Ademais, oportuno ressaltar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).  

A Constituição do Estado de São Paulo subordina a previsão de vantagens pecuniárias à concorrência de dois requisitos; devem atender ao interesse público (e não somente o do servidor) e às exigências do serviço.

Diante destas considerações, verifica-se incompatibilidade constitucional das gratificações previstas na Lei nº 1.066, de10 de dezembro de 2012 e na Lei nº 1.085, de 13 de maio de 2013, ambas do Município de Eldorado.

           Com efeito, as normas impugnadas conferiram indiscriminado aumento indireto e dissimulado da remuneração, estando alheia aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos, conforme alude o artigo 128 da Constituição Bandeirante.

Cabe ressaltar que a moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito do “bom administrador”. Quando se trata da gestão do patrimônio público, todas as condutas devem concorrer para a criação do bem comum, e, para tanto, devem observar não somente o que é lícito ou ilícito, o justo ou injusto, mas atender a critérios morais que hoje dão valor jurídico à vontade psicológica do administrador. A gestão do dinheiro público exige do administrador prudência muito maior do que aquela que empregamos na gestão dos nossos bens.

Hoje a moralidade administrativa foi erigida em fator de legalidade não só do ato administrativo, mas também da produção normativa.

A instituição das referidas gratificações não se coadunam com a moral administrativa e com o interesse público.

A necessidade de se verificar se a vantagem pecuniária atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço está motivada pela sobriedade e prudência que os Municípios devem ter em relação à gestão do dinheiro público. Não se desconsidera a importância e necessidade de bem remunerar os servidores públicos, no entanto, devem ser observados os princípios orientadores da Administração Pública, constitucionalmente previstos.

Ademais, os atos normativos impugnados que instituíram as gratificações em questão contrariam o princípio da razoabilidade e moralidade, que devem nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Por força desse princípio, é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

As gratificações no âmbito da Câmara Municipal de Eldorado não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos servidores públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; (b) é, por consequência, inadequada na perspectiva do interesse público; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

A ofensa ao princípio da razoabilidade tem servido, em julgados desse C. Órgão Especial, ao reconhecimento da inconstitucionalidade de leis que criam ônus excessivos e desnecessários para seus destinatários ou para o próprio Poder Público. Confira-se: ADI 0136976-34.2011.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, j. 16 de novembro de 2011, ADI 152.442-0/1-00, j. 07.05.08, v.u., rel. des. Penteado Navarro; ADI 150.574-0/9-00, j. 07.05.08, v.u., rel; des. Debatin Cardoso.

Bem observa Wellington Pacheco Barros, destacado Professor e Desembargador:

“Comungo com o pensamento político moderno de que uma das causas do inchaço da despesa pública é a remuneração com pessoal, que não raramente inviabiliza a tomada de decisões do agente político sobre investimentos de obras públicas de caráter benéfico à população. E uma das causas da despesa pública com pessoal é a atribuição indiscriminada pelo legislador de vantagens pecuniárias a servidor público sem que haja uma contraprestação de serviço e, o que é pior, com o rótulo de permanente e de efeito incorporador ao vencimento, elitizando a administração de existência de remunerações desproporcionais entre o maior e o menor vencimento de um cargo público” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 128).

No caso em tela não há qualquer contraprestação especial ou extraordinária para que haja incidência e justificativa para a concessão da vantagem pecuniária individual.

A instituição de vantagens pecuniárias para servidores públicos só se mostra legítima se realizada em conformidade com o interesse público e com as exigências do serviço, nos termos do art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Em casos análogos, essa Corte tem reconhecido a inconstitucionalidade das normas que instituem tais vantagens, firme no entendimento de que são violadoras da moralidade administrativa, princípio de assento constitucional, como demonstra o seguinte excerto de julgado:

“[A] Constituição do Estado, em seu artigo 111, preceitua que a Administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, deve obedecer aos princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público e, ainda, no seu artigo 128, só autoriza o pagamento de vantagens pecuniárias que atendam ao interesse público e às exigências do serviço, o que, no caso em tela, não aconteceu.

É evidente que o pagamento de adicional de nível universitário a servidores efetivos que exerçam funções para as quais não se exige, como pré-requisito o curso superior, não atende as exigências do serviço como tampouco satisfaz o interesse público, visando, portanto, favorecer somente um grupo de servidores privilegiados que preencheram um dado absolutamente incidental - ter curso superior -, o que se constitui em uma verdadeira liberalidade ilegítima, às expensas do erário, como foi oportunamente lembrado pela douta Procuradoria.

(...)

Diante disso, a promulgação, pela Câmara Municipal, da Resolução impugnada, afronta os artigos 111, 128 e 144, todos da Constituição do Estado” (ADIN nº 064.382-0/0-00, rel. Sinésio de Souza, j. 19 Set. 2001).

Posto isso, as Leis nºs 1.066, de 10 de dezembro de 2012 e 1.085, de 13 de maio de 2.013, do Município de Eldorado, são inconstitucionais uma vez que contrariam os artigos 111 e 128 da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

b. Da violação ao princípio da legalidade

O §3º do art. 1º, da Lei nº 1.218, de 20 de julho de 2015, deixa  a critério da autoridade concedente, o deferimento do adicional referido na respectiva lei.

Os vencimentos dos servidores públicos devem ser fixados em lei específica, assim como as vantagens pecuniárias, até porque accessorium sequitur principale.

De qualquer modo, nessa compreensão, incluem-se as vantagens pecuniárias e seus respectivos valores porque a dimensão da reserva de lei - da tradição jurídico-constitucional brasileira (art. 15, n. 17, Constituição de 1824; art. 34, n. 24, art. 72, n. 32, Constituição de 1891; art. 65, IV, Constituição de 1946; arts. 43, V, e 57, II, Constituição de 1967; art. 37, X, Constituição de 1988) - abrange quaisquer espécies remuneratórias e, aliás, quaisquer estipêndios pagos pelo poder público sob qualquer rubrica, alcançando acréscimos e vantagens pecuniários, indenizações, auxílios, abonos que só podem ser concedidos por ato normativo da exclusiva alçada do Poder Legislativo, pois a ele compete a integralidade da disciplina da matéria.

Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: se à lei é reservada, com exclusividade, a função de fixação da remuneração do servidor público, inclusive de seu valor, pela mesma razão pertence-lhe fixar adicional ou a gratificação e seus respectivos valores (ainda que fracionário ou percentual e até com diferenciações em razão do cargo situar-se em maior ou menor grau de hierarquia, de complexidade etc.), sob pena, inclusive, de inviabilidade do planejamento e da execução orçamentária (art. 169, Constituição Estadual).

Em torno do tema, o Supremo Tribunal Federal prestigia a prevalência da reserva legal na remuneração dos servidores públicos:

“O tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em conseqüência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurídica, emanados de fontes normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao âmbito de atuação do Poder Legislativo, notadamente quando se tratar de imposições restritivas ou de fixação de limitações quantitativas ao estipêndio devido aos agentes públicos em geral. - O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei - analisada sob tal perspectiva - constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes” (STF, ADI-MC 2.075-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 07-02-2001, v.u., DJ 27-06-2003, p. 28).

“Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art. 52, XIII. Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto n. 01, de 5-11-2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados” (STF, ADI 3.369-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, 16-12-2004, DJ 01-02-2005).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Resoluções n.ºs 26, de 22/12/94; 15, de 23/10/97, e 16, de 30/10/97, todas do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, havendo a primeira criado a gratificação de representação, correspondente a 40% do valor global atribuído a diversos cargos, estendendo-a, inclusive, aos inativos que se aposentaram em cargos de igual denominação ou equivalente. 2. Alegação de ofensa a funções privativas dos Poderes Legislativo e Executivo. 3. Medida cautelar deferida e suspensa, com eficácia ex nunc, a eficácia das Resoluções impugnadas. 4. Procedência da alegação de ofensa a funções privativas dos Poderes Legislativo e Executivo, eis que há necessidade de lei em sentido formal para a criação de vantagens pecuniárias a servidores do Poder Judiciário. 5. A Lei Magna não assegura aos Tribunais fixar, sem lei, vencimentos ou vantagens a seus membros ou servidores. 6. Jurisprudência do STF no sentido de que ‘não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob o fundamento da isonomia’ (Súmula 339 e ADINs n.º 1776, 1777 e 1782). 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 1.732-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, 17-04-2002, v.u., DJ 07-06-2002, p. 81).

Perfilhando esta orientação, merece destaque julgamento deste egrégio Tribunal de Justiça, cuja ementa é a seguinte:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade – Ato normativo municipal que confere ao Chefe do Poder Executivo a possibilidade de, mediante portaria e a seu alvedrio, conceder gratificações de 20 e até 100% sobre os vencimentos dos servidores – Violação da cláusula da reserva legal, visto que somente por lei, em sentido formal, podem ser fixadas gratificações e vantagens – Precedente do Colendo Supremo Tribunal Federal – Preceito normativo que, ademais, vulnera a moralidade, o princípio da impessoalidade e da razoabilidade – Ofensa aos artigos 5º, 24, § 2º, nº 1, 111, 115, XI, todos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios ex vi o artigo 144 da mesma Carta – Inconstitucionalidade do § 1º do artigo 5º da Lei nº 3.122 do Município de Cruzeiro reconhecida – Inconstitucionalidade também do § 2º do mesmo preceito por arrastamento – Ação procedente” (TJSP, ADI 169.057-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, 28-01-2009, v.u.).

A fixação do adicional conferido a discricionariedade da autoridade viola o princípio da legalidade, pois nos termos do art. 24, § 2º, 1 da Constituição Federal o valor da remuneração do servidor público, que abrange as gratificações, deve ser fixada por lei.

4.     DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade das Leis nºs 1.066, de 10 de dezembro de 2012, 1.085, de 13 de maio de 2.013, 1.218, de 20 de julho de 2015, todas do Município de Eldorado. todos da Lei Complementar nº 55, de 17 de junho de 2010, do Município de Eldorado.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Eldorado, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 21 de novembro de 2016.

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

Efsj/sh

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 25.883/2016

Interessado: Promotoria de Justiça da Comarca de Eldorado

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face das Leis nºs 1.066, de 10 de dezembro de 2012, 1.085, de 13 de maio de 2.013, 1.218, de 20 de julho de 2015, do Município de Eldorado.

2.    Oficie-se ao representante, informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 21 de novembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

Efsj/sh