Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 41.429/16

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 110, de 22 de março de 2016, do Município de Mirante do Paranapanema (arts. 4º e § 1º, 11 e §§ 1º 3º, b e c, 23 e 24). Cargo de provimento em comissão. Procurador-Geral do Município. Membro estranho à carreira. Assessor da Procuradoria. Incompatibilidade com o regime jurídico da Advocacia Pública. Autorização legislativa para criação desses cargos. Contraste com a reserva absoluta de lei. Dotação de independência, inamovibilidade e vitaliciedade aos procuradores jurídicos do município incompatível com a subordinação hierárquica e a estabilidade.  

1. A chefia da Advocacia Pública Municipal admite o provimento comissionado, restrito aos integrantes da carreira, titulares do cargo de provimento efetivo de Procurador Jurídico do Município, não se permitindo a investidura de pessoa estranha à carreira ocupante exclusivamente do cargo do Procurador-Geral do Município.

2. É inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão cujas atribuições sejam próprias à advocacia pública, como os de Assessor de Procuradoria.

3. Lei, ademais, que delega ao Chefe do Poder Executivo a criação desses cargos de Assessor de Procuradoria, violando a reserva absoluta de lei e a separação de poderes.

4. Atribuição de independência, inamovibilidade e vitaliciedade aos Procuradores Jurídicos do Município discrepante do perfil da Advocacia Pública que os aquinhoa apenas com estabilidade.

5. Incompatibilidade com os arts. 5º, § 1º, 24, § 2º, 1, 98, §§ 1º a 3º, 100 e parágrafo único, 111, 115, II e V, CE/89.

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos arts. 4º e § 1º, 11 e §§ 1º e 3º, b e c, 23 e 24, da Lei Complementar n. 110, de 22 de março de 2016, do Município de Mirante do Paranapanema, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – OS Dispositivos Normativos Impugnados

                   A Lei Complementar n. 110, de 22 de março de 2016, do Município de Mirante do Paranapanema, que cria a Procuradoria Geral do Município, contém as seguintes disposições:

“Artigo 4º - A Procuradoria-Geral do Município é dirigida pelo Procurador-Geral do Município, nomeado em comissão pelo Chefe do Poder Executivo, com prerrogativa e representação de Secretário Municipal.

§ 1º - O cargo de Procurador-Geral do Município é privativo de brasileiro, com idade mínima de 18 (dezoito) anos, Bacharel em Direito, regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Seccional do Estado de São Paulo, com efetivo exercício da advocacia por, no mínimo, 02 (dois) anos, idoneidade moral e reputação ilibada.

(...)

Artigo 11 – O Procurador Jurídico do Município, no exercício de suas funções, goza de independência e das prerrogativas inerentes à atividade advocatícia, inclusive as garantias constitucionais da inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos, segundo suas prerrogativas, além das também previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, as seguintes:

(...)

§ 1º - Fica vedada a remoção do Procurador Jurídico do Município, sem sua concordância, de processos judiciais ou administrativos os quais estejam em seus cuidados, salvo no caso de afastamentos previstos em lei.

(...)

§ 3º - No exercício do cargo público, são asseguradas aos Procuradores do Município as seguintes garantias:

(...)

b) Vitaliciedade, como garantia do bom desempenho institucional de suas funções em face dos governos e agentes públicos;

c) Inamovibilidade, como condição necessária e eficaz para assegurar o exercício das funções com independência.

(...)

Artigo 23 – Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a criar e a nomear no quadro de pessoal da Prefeitura Municipal, até 02 (dois) cargos em comissão de Assessor de Procuradoria para cada cargo ocupado na Procuradoria-Geral do Município.

§ 1º - O cargo de Assessor de Procuradoria é privativo de brasileiro, com idade mínima de 18 (dezoito) anos, Bacharel em Direito, regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Seccional do Estado de São Paulo, com efetivo exercício da advocacia por, no mínimo, 02 (dois) anos.

§ 2º - A referência salarial será conforme o quadro de pessoal da Prefeitura Municipal, baseado na referência ‘RN-10’ e carga horária de ’30 (trinta) horas’ semanais.

Artigo 24 – São atribuições do Assessor de Procuradoria:

I – Prestar assessoramento técnico-jurídico, na área administrativa, ao Procurador-Geral e aos Procuradores do Município;

II – Analisar e orientar a aplicação de leis e regulamentos no âmbito da Procuradoria-Geral do Município;

III – Estudar e sugerir soluções para assuntos de ordem administrativo-legal de interesse da Instituição;

IV – Promover e acompanhar processos de ordem técnico-administrativa em todas as suas fases, emitindo parecer técnico na fase própria;

V – Prestar assessoramento às unidades da Instituição quanto à aplicação da legislação relativa a direitos e deveres, encargos e responsabilidades, ônus e vantagens dos servidores, indicando a solução e o procedimento referente a tais assuntos;

VI – Elaborar minutas das peças informativas solicitadas judicialmente em virtude de mandado de segurança contra o Procurador-Geral do Município e autoridades subalternas;

VII – Elaborar contratos, aditivos, termos de compromisso, acordos de cooperação, convênios, ofícios e outros documentos de natureza jurídico-administrativa;

VIII – Elaborar anteprojetos de lei, resoluções, portarias e demais atos oficiais que digam respeito a assuntos administrativos;

IX – Integrar e/ou fornecer subsídios a comissões de licitação, de sindicância e processo administrativo, disciplinar ou não;

X – Praticar os demais atos e promover medidas que se relacionem com atribuições próprias da Assessoria Jurídica” (fls. 14/24).

                   Cumpre destacar que as atribuições do Procurador-Geral do Município estão descritas no art. 5º e, ademais, a lei em foco prevê os cargos de Procurador Jurídico do Município de provimento efetivo (art. 6º), cujas competências estão descritas no art. 7º e na Lei Complementar n. 98, de 02 de dezembro de 2014 (fls. 37).

                   Dispõe a Lei Complementar n. 110/16 no art. 7º:

“Os Procuradores do Município de Mirante do Paranapanema, Estado de São Paulo, têm por atribuição, além daquelas previstas na Lei Complementar Municipal nº 98/2014, executar as atribuições de competência da Procuradoria-Geral do Município previstas nesta lei complementar, bem como executar outras atividades inerentes às suas funções, atribuídas pelo superior hierárquico ou em regulamento”.

                   E a Lei Complementar n. 98/14 que cria o cargo de Procurador Jurídico assim descreve suas atribuições no parágrafo único de seu art. 1º:

“(...) Defender direitos e interesses da municipalidade, representando-a em juízo ou fora dele, nas ações em que este for autor, réu, ou interessado, acompanhando o andamento de processos, praticando os atos necessários para garantir o seu trâmite legal, prestando assistência jurídica, propondo ou contestando ações, solicitando providências, avaliando provas documentais e orais, contribuindo na elaboração de projetos de lei, analisando legislação para atualização e implementação, apresentando recursos, comparecendo a audiências e outros atos, dentro dos princípios éticos. Prestar assessoria jurídica extrajudicialmente, mediando questões, proferindo palestras, prestando serviços de peritagem, arbitrando interesses de partes, formalizando parecer técnico jurídico, firmando acordos, realizando audiências administrativas, participando de negociações coletivas. Adequar os fatos à legislação aplicável, estudando a matéria jurídica e de outra natureza e consultando códigos, leis, jurisprudência, doutrina e outros documentos. Obter os elementos necessários à defesa ou acusação, complementando ou apurando as informações levantadas, bem como tomando outras medidas como preparar a defesa ou acusação e arrolar e correlacionar fatos, aplicando o procedimento adequado para apresentá-los em juízo, entre outros. Redigir e elaborar documentos jurídicos, pronunciamentos, minutas e informações sobre questões de natureza administrativa, fiscal, civil, comercial, trabalhista, penal, constitucional e outras, bem como atos administrativos, convênios, termos administrativos, projetos de lei, entre outros. Efetuar a cobrança da dívida ativa, judicial ou extrajudicialmente, bem como coordenar e participar de comissões de inquéritos e sindicâncias. Assistir a municipalidade na negociação de contratos, convênios e acordos com outras entidades públicas ou privadas, bem como avaliar os procedimentos referentes aos diversos tipos de convênios e contratos firmados, examinando toda a documentação e os aspectos legais concernentes à transação” (fl. 37). 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   Os dispositivos acima transcritos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

                   Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

                   As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

(...)

Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

(...)

Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

(...)

Artigo 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva lei orgânica.

Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

                   São as seguintes as teses que inspiram a promoção desta ação: (a) a chefia da Advocacia Pública Municipal admite o provimento comissionado, restrito aos integrantes da carreira, titulares do cargo de provimento efetivo de Procurador Jurídico do Município, não se permitindo a investidura de pessoa estranha à carreira ocupante exclusivamente do cargo do Procurador-Geral do Município; (b) é incompatível a criação de cargos de provimento em comissão de Assessor de Procuradoria, cujas atribuições são próprias à advocacia pública, consistentes na consultoria e no assessoramento técnico jurídico à Administração Pública, ao Procurador-Geral do Município e aos Procuradores Jurídicos do Município; (c) é vedado à lei delegar ao Chefe do Poder Executivo a criação desses cargos de Assessor de Procuradoria, violando a reserva absoluta de lei e a separação de poderes; (d) os Procuradores Jurídicos do Município, titulares de cargo de provimento efetivo, são agentes públicos subordinados ao Chefe do Poder Executivo, não comportando o regime constitucional da Advocacia Pública a atribuição de vitaliciedade, inamovibilidade e independência funcional.                  

1 – CRIAÇÃO ARTIFICIAL DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

                   É inconstitucional a criação de cargos ou empregos de provimento em comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

                   No particular, os arts. 4º e § 1º e 23 e 24 da Lei Complementar n. 110/16 do Município de Mirante do Paranapanema afrontam os arts. 111 e 115, II e V, da Constituição Estadual.

                   A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

                   Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego público, somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção, e não nos meramente burocráticos, definitivos, operacionais, técnicos, de natureza profissional e permanente.

                   Portanto, têm a ver com essas atribuições de natureza especial (assessoramento, chefia e direção em nível superior), para as quais se exige relação de confiança, pouco importando a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. Necessária é a análise de sua natureza excepcional, a qual não se satisfaz com a mera declaração do legislador. O essencial é análise do plexo de atribuições das funções públicas.

                   É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.

                   A jurisprudência proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008; STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553; STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).

                   Ora, a análise das atribuições dos cargos referidos nos arts. 4º e § 1º e 23 da Lei Complementar n. 110/16 revela cuidar-se de atribuições profissionais, técnicas, burocráticas, para as quais não se legitima o provimento em comissão.

2 – PROVIMENTO EM COMISSÃO DO CARGO DE PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO

                   Incompatível com os arts. 98 e 100 e parágrafo único da Constituição Estadual a forma de provimento em comissão livre destinada ao cargo de Procurador Geral do Município no art. 4º e § 1º da lei local impugnada.

                   Pois, não bastassem as ponderações anteriores, atividades inerentes à advocacia pública como assessoramento, consultoria e representação jurídica dos órgãos e entidades da Administração Pública centralizada ou descentralizada, são exclusivamente reservadas a profissionais investidos em cargos de provimento efetivo da respectiva carreira mediante aprovação prévia em concurso público - como revela a remissão ao art. 132 da Constituição Federal contida no § 1º do art. 98 da Constituição Estadual além dos próprios arts. 98 e 100 e parágrafo único da Constituição Estadual - e inclusive sua chefia.

                   Com efeito, se a chefia da Advocacia Pública Municipal é posto de direção (o que, em linha de princípio, viabiliza o provimento comissionado), os parâmetros constitucionais invocados demonstram que seu provimento ainda que comissionado é adstrito e cingido a profissionais da respectiva carreira, não tolerando a investidura de pessoa exclusivamente ocupante desse cargo comissionado, estranha aos quadros da carreira. Neste sentido, a jurisprudência assim enuncia:

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Cargo de Procurador Geral do Município de Batatais. Cargo em comissão. Hipótese que não configura função de chefia, assessoramento e direção. Função técnica. Atividade de advocacia pública. Inobservância aos arts. 98 a 100, 111, 115, incisos I, II e V, e 144, todos da Constituição Estadual. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial do Tribunal de Justiça. Ação procedente. Modulação dos efeitos da declaração” (TJSP, ADI 2022500-07.2015.8.26.0000, Rel. Des. Marcio Bártoli, v.u., 29-07-2015).

                   Ora, a norma local objurgada admite que se invista no cargo de Procurador-Geral do Município de maneira comissionada (a) tanto pessoa estranha aos quadros da Advocacia Pública Municipal (b) quanto Procurador Jurídico do Município, sendo a primeira hipótese incompatível com a Constituição.

                   Assim sendo, se à Corte não aprouver a declaração de inconstitucionalidade da norma, o caso inculca a adoção de técnica de julgamento como a interpretação conforme a Constituição ou a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.

                   Enquanto a interpretação conforme a Constituição pressupõe norma constitucional com locuções ambíguas ou polissêmicas geratrizes de mais de uma interpretação e impõe a adoção daquela que mais se ajuste à Constituição, a técnica de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto exclui determinada hipótese de aplicação da norma por considerá-la inconstitucional, consoante discorre Dirley da Cunha Júnior (Controle de constitucionalidade: teoria e prática, Salvador: Editora JusPodium, 2014, 7ª ed., pp. 223-225). Conforme explica:

“na interpretação conforme, o Tribunal exclui um ou mais sentidos da norma legal, com a atribuição de um outro sentido com o qual se possa compatibilizar a norma à Constituição; na declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, a Corte considera inválida a aplicação ou incidência da norma legal sobre determinada situação, sem impedir a sua incidência legítima relativamente a outras situações” (ob. cit., p. 224).

                   Em ambas as hipóteses, alvitro como resultado a nomeação para o cargo de provimento em comissão de Procurador-Geral do Município dentre os Procuradores Jurídicos do Município na linha de entendimento do colendo Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça captada do seguinte acórdão:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Pleito para ser declarada inconstitucionalidade do §1º do artigo 76 da Lei Orgânica do Município de Penápolis, além das expressões ‘demais’, constante no § 2º do mesmo artigo, e ‘em regime da C.L.T.’ e ‘Procurador Geral do Município’, estas contidas no Anexo I da Lei 1.104, de 19 de fevereiro de 2003 (e, por arrastamento, das mesmas expressões constantes na redação original do Anexo I da Lei 111, de 10 de dezembro de 1991), também daquela Municipalidade. Inexistência de vício quando à descrição das atribuições. Cargo de ‘Procurador Geral do Município’. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, para possibilitar livre nomeação do cargo pelo Prefeito, limitada, no entanto, a Procuradores admitidos na carreira, pelo sistema de mérito, por concurso público. Precedentes. Incompatibilidade, ademais, do regime celetista para cargos de provimento em comissão. Ação procedente em parte, com efeitos a partir de 120 dias da data do julgamento” (ADI 2210910-49.2015.8.26.0000, Rel. Des. Borelli Thomaz, 04-05-2016, v.u.).

3 – PROVIMENTO EM COMISSÃO DOS CARGOS DE ASSESSOR DE PROCURADORIA

                   Sem embargo de sua incompatibilidade com os arts. 111 e 115, II e V, da Constituição Estadual, os arts. 23 e 24 da Lei Complementar n. 110/16 são incompossíveis com o art. 98 ao prever a forma de provimento em comissão aos cargos de Assessor de Procuradoria.

                   Conquanto tenham atribuições idênticas ou auxiliares aos Procuradores Jurídicos do Município, reveladas a partir do cotejo entre o art. 24 da Lei Complementar n. 110/16 e a Lei Complementar n. 98/14, o complexo de funções consignadas além de não revelar autêntico assessoramento, mas, tarefas burocráticas, profissionais e técnicas, próprias de cargo de provimento efetivo, demonstram que, em realidade, exercem atividades inerentes à advocacia pública como assessoramento e consultoria jurídicos de agentes, entidades, e órgãos públicos, e que são exclusivamente reservadas a profissionais investidos em cargos de provimento efetivo da respectiva carreira mediante aprovação prévia em concurso público - como se colhe da remissão ao art. 132 da Constituição Federal contida no § 1º do art. 98 da Constituição Estadual além do próprio § 2º do art. 98 da Constituição Estadual.

                   Aliás, não bastasse a força desse argumento, é verdadeiro nonsense o Assessor de Procuradoria ser provido em comissão se compreendido que entre suas atribuições está o assessoramento do Procurador Jurídico do Município, cargo de provimento em comissão.

                   E sobre o tema cediça jurisprudência assim pronuncia:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI ESTADUAL Nº 8.186/2007 (ALTERADA PELAS LEIS nºs 9.332/2011 e 9.350/2011) DO ESTADO DA PARAÍBA: ART. 3º, INCISO I, ALÍNEA ‘A’ (‘na elaboração de documentos jurídicos’) E ANEXO IV, ITENS NS. 2 A 21 (NAS PARTES QUE CONCERNEM A CARGOS E A FUNÇÕES DE CONSULTORIA E DE ASSESSORAMENTO JURÍDICOS) – CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO – FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO – APARENTE USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS RESERVADAS A PROCURADORES DO ESTADO E DO DISTRITO FEDERAL PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (ART. 132) – PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA PRETENSÃO CAUTELAR – MANIFESTAÇÕES FAVORÁVEIS DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO E DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA – DECISÃO CONCESSIVA DE SUSPENSÃO CAUTELAR DE EFICÁCIA DAS NORMAS IMPUGNADAS INTEIRAMENTE REFERENDADA, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, PREJUDICADO O RECURSO INTERPOSTO. O SIGNIFICADO E O ALCANCE DA REGRA INSCRITA NO ART. 132 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: EXCLUSIVIDADE E INTRANSFERIBILIDADE, A PESSOAS ESTRANHAS AO QUADRO DA ADVOCACIA DE ESTADO, DAS FUNÇÕES CONSTITUCIONAIS DE PROCURADOR DO ESTADO E DO DISTRITO FEDERAL. – É inconstitucional o diploma normativo editado pelo Estado-membro, ainda que se trate de emenda à Constituição estadual, que outorgue a exercente de cargo em comissão ou de função de confiança, estranho aos quadros da Advocacia de Estado, o exercício, no âmbito do Poder Executivo local, de atribuições inerentes à representação judicial e ao desempenho da atividade de consultoria e de assessoramento jurídicos, pois tais encargos traduzem prerrogativa institucional outorgada, em caráter de exclusividade, aos Procuradores do Estado pela própria Constituição da República. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Magistério da doutrina. – A extrema relevância das funções constitucionalmente reservadas ao Procurador do Estado (e do Distrito Federal, também), notadamente no plano das atividades de consultoria jurídica e de exame e fiscalização da legalidade interna dos atos da Administração Estadual, impõe que tais atribuições sejam exercidas por agente público investido, em caráter efetivo, na forma estabelecida pelo art. 132 da Lei Fundamental da República, em ordem a que possa agir com independência e sem temor de ser exonerado ‘ad libitum’ pelo Chefe do Poder Executivo local pelo fato de haver exercido, legitimamente e com inteira correção, os encargos irrenunciáveis inerentes às suas altas funções institucionais. CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO: A QUESTÃO DO VALOR JURÍDICO DO ATO INCONSTITUCIONAL (ADI 2.215-MC/PE, REL. MIN. CELSO DE MELLO). O “STATUS QUAESTIONIS” NA JURISPRUDÊNCIA E NA DOUTRINA CONSTITUCIONAIS: PLURALIDADE DE OPINIÕES DOUTRINÁRIAS EM TORNO DOS GRAUS DIFERENCIADOS DE INVALIDADE DO ATO INCONSTITUCIONAL. A POSIÇÃO PREVALECENTE NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A MODULAÇÃO TEMPORAL COMO TÉCNICA DECISÓRIA DE ABRANDAMENTO, MEDIANTE JUÍZO DE CONCRETA PONDERAÇÃO, DO DOGMA DA NULIDADE DO ATO INCONSTITUCIONAL. DOUTRINA. PRECEDENTES. – Concessão, ‘ad referendum’ do Plenário, por decisão monocrática do Relator, de medida cautelar em sede de fiscalização abstrata. Possibilidade excepcional. A questão do início da eficácia desse provimento cautelar. Execução imediata, com todas as consequências jurídicas a ela inerentes, dessa decisão, independentemente de ainda não haver sido referendada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. – O tríplice conteúdo eficacial das decisões (tanto as declaratórias de inconstitucionalidade quanto as concessivas de medida cautelar) nos processos objetivos de controle abstrato de constitucionalidade: (a) eficácia vinculante, (b) eficácia geral (“erga omnes”) e (c) eficácia repristinatória. Magistério doutrinário. Precedentes” (STF, ADI 4.843-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 11-12-2014, v.u., DJe 19-02-2015).

4 – AUTORIZAÇÃO PARA CRIAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS

                   Além da nódoa que ostenta a atribuição de provimento em comissão dos cargos de Assessor de Procuradoria, o art. 23 da Lei Complementar n. 116/10 padece de inconstitucionalidade formal.

                   Com efeito, a norma não cria o cargo público; autoriza o Chefe do Poder Executivo a criá-lo, como se percebe do caput do citado art. 23.

                   Ora, tal autorização legislativa para que o Poder Executivo crie cargo público configura delegação vedada e inconciliável com a separação de poderes na medida em subverte a exigência de reserva absoluta de lei para criação de cargos públicos.

                   Neste sentido, enuncia a jurisprudência:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECRETOS 26.118/05 E 25.975/05. REESTRUTURAÇÃO DE AUTARQUIA E CRIAÇÃO DE CARGOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INOCORRENTE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I - A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. II - Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. III - Recurso Extraordinário desprovido” (RTJ 209/430).

                   Destarte, o preceito legal enfocado é incompatível com os arts. 5º e § 1º e 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual.

5 – DOTAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL, VITALICIEDADE E INAMOVIBILIDADE AOS PROCURADORES JURÍDICOS DO MUNICÍPIO

                   O caput do art. 11 e os §§ 1º e 3º, b e c, da Lei Complementar n. 110/16 são incompatíveis com o art. 98 e § 3º da Constituição Estadual, não bastasse a remissão ao parágrafo único do art. 132 da Constituição Federal no citado § 1º do art. 98 da Carta Política Estadual.

                   Referidas normas aquinhoam os Procuradores Jurídicos do Município de garantias como independência, vitaliciedade e inamovibilidade, contrastando com a relação de subordinação hierárquica que o cargo tem em relação ao Chefe do Poder Executivo e à limitação à garantia da estabilidade na medida em que o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro oferece taxativamente aqueloutras garantias aos magistrados e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas.

                    Não é ocioso ponderar que a Constituição Estadual – que, no ponto, segue a Constituição Federal – não outorgou independência funcional à Advocacia Pública; ao contrário, a normatização constitucional sujeita o órgão à subordinação hierárquica do Chefe do Poder Executivo.

                   A jurisprudência registra precedentes:

“(...) 3. A garantia da vitaliciedade não se coaduna com a estrutura hierárquica a que se submetem as Procuradorias estaduais, diretamente subordinadas aos Governadores de Estado.

4. Essa prerrogativa tem como objetivo preservar a autonomia e a independência de determinados agentes. Se não há autonomia e independência a serem asseguradas, nada justifica a concessão da vitaliciedade, que, no caso em exame, redundaria em óbice ao regular exercício do poder hierárquico inerente à Administração Pública.

5. Em hipótese análoga, o Ministro CELSO DE MELLO afirmou que a atribuição de vitaliciedade aos Procuradores do Estado ‘traduz restrição ao Chefe do Poder Executivo’(...)” (STF, ADI 2.729-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, 19-06-2013, v.u., DJe 12-02-2014).

“(...) A garantia da inamovibilidade é conferida pela Constituição Federal apenas aos Magistrados, aos membros do Ministério Público e aos membros da Defensoria Pública, não podendo ser estendida aos Procuradores do Estado. Em síntese, a autonomia conferida aos Estados pelo art. 25, caput da Constituição Federal não tem o condão de afastar as normas constitucionais de observância obrigatória. (...)” (STF, ADI 291-MT, Tribunal Pleno, Rel.  Min. Joaquim Barbosa, 07-04-2010, m.v., DJe 10-09-2010).

                   Não bastasse, afigura-se irrazoável a proibição à removibilidade à vista das dinâmicas necessidades do serviço público e da compreensão do exercício de função (que não é estanque) cujo destinatário é o Estado como pessoa jurídica de direito público, titular de direitos e deveres, e que para tanto não carece dessas especiais prerrogativas.

III – PEDIDO LIMINAR

                   À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura das normas municipais apontadas como violadoras de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico e geradora de lesão irreparável ou de difícil reparação, especificamente no que se relaciona à legitimidade de investidura em cargos públicos, ao impedimento do bom funcionamento administrativo, e a gastos com pessoal, onerando o erário.

                   À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, dos arts. 4º e § 1º, 11 e §§ 1º e 3º, b e c, 23 e 24, da Lei Complementar n. 110, de 22 de março de 2016, do Município de Mirante do Paranapanema.

IV – Pedido

                   Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 4º e § 1º, 11 e §§ 1º e 3º, b e c, 23 e 24, da Lei Complementar n. 110, de 22 de março de 2016, do Município de Mirante do Paranapanema, e, alternativamente, com relação ao art. 4º e § 1º, declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto ou interpretação conforme a Constituição restringindo a nomeação para o cargo de provimento em comissão de Procurador-Geral do Município dentre os Procuradores Jurídicos do Município.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Mirante do Paranapanema, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 19 de maio de 2016.

 

 

 

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 41.429/16

Interessado: Camilo Lima Medeiros da Silva

Objeto: representação para controle de constitucionalidade dos arts. 23 e 24 da Lei Complementar n. 110, de 22 de março de 2016, do Município de Mirante do Paranapanema

 

 

 

 

 

                   Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado em epígrafe mencionado, em face dos arts. 4º e § 1º, 11 e §§ 1º e 3º, b e c, 23 e 24, da Lei Complementar n. 110, de 22 de março de 2016, do Município de Mirante do Paranapanema.

                   Ciência ao representante e ao douto Promotor de Justiça de Mirante do Paranapanema, remetendo-lhes cópia da petição inicial.

                  São Paulo, 19 de maio de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj