Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado n. 45.017/16

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Arts. 51 e 52 e Anexo II da Lei n. 5.498, de 07 de julho de 2010, do Município de Jacareí. Ação Direta Inconstitucionalidade. Criação de cargos de provimento em comissão. Descrição vaga, imprecisa, genérica ou indeterminada de atribuições. Atribuições não correspondentes a assessoramento, chefia e direção.

Padece de inconstitucionalidade o provimento comissionado se as funções descritas não substanciam assessoramento, chefia ou direção, mas, atribuições técnicas, profissionais, burocráticas, ou se são descritas com alta dose de imprecisão, indeterminação, generalidade e vagueza (arts. 111 e 115, II e V, CE/89).

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos arts. 51 e 52 e do Anexo II da Lei n. 5.498, de 07 de julho de 2010, do Município de Jacareí, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – Os dispositivos Normativos Impugnados

                   A Lei n. 5.498, de 07 de julho de 2010, do Município de Jacareí, estabelece a estrutura do Poder Executivo Municipal, os cargos de provimento em comissão e as funções gratificadas (fls. 03/165). Seus arts. 51 e 52 versam especificamente sobre os cargos de provimento em comissão. Eis sua redação:

Art. 51 Ficam criados e mantidos, no quadro de pessoal do Poder Executivo Municipal, os cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, estruturados de acordo com a sua lotação, denominação, referência, quantidade e vencimentos, constantes do Anexo III desta Lei.

Art. 52 São atribuições dos titulares dos cargos de provimento em comissão exercer as ações e atividades de competência da unidade administrativa para a qual for designado e, em especial:

I - planejar, organizar, coordenar e controlar as atividades da unidade administrativa, projeto ou grupo de servidores que dirige,

II - responsabilizar-se pelo desempenho eficiente e eficaz dos trabalhos que lhe são pertinentes;

III - promover reuniões periódicas entre seus subordinados a fim de traçar diretrizes, dirimir dúvidas, ouvir sugestões e discutir assuntos de interesse do órgão;

IV - promover, por todos os meios ao seu alcance, o aperfeiçoamento dos serviços sob sua direção;

V - elogiar e propor a aplicação de penalidades disciplinares dentro do âmbito de sua competência.

                   Conforme se verifica no Anexo II da lei – que contém o Quadro dos Cargos em Comissão - cada unidade (órgão) administrativa contempla vários cargos de provimento em comissão com denominações e quantidades igualmente variadas Assessor, Assistente, Diretor, Gerente, Consultor, Corregedor, Ouvidor, inclusive com especificações de áreas de atuação, havendo no Poder Executivo Municipal, conforme esclarecido pela Consultoria Jurídica do Gabinete do Prefeito, 326 (trezentos e vinte e seis) cargos de provimento em comissão, dos quais 315 (trezentos e quinze) se encontram preenchidos, e embora haja 7.177 (sete mil cento e setenta e sete) cargos de provimento efetivo somente 4.148 (quatro mil cento e quarenta e oito) se encontram providos (fl. 635).

                   Ou seja, se 96,62% dos cargos de provimento em comissão se encontram ocupados 58% dos cargos de provimento efetivo estão providos. 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   Os dispositivos normativos acima transcritos contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

                   Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

                   As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

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Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

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II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

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V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

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Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

                   As atribuições dos cargos de provimento em comissão elencados no Anexo II da Lei n. 5.498/10 são cunhadas com alta dose de imprecisão, indeterminação, generalidade e vagueza não permitindo assentar, com segurança e objetividade, se substanciam plexos de assessoramento, chefia e direção em que seja imprescindível a relação de confiança para transmissão e controle de diretrizes políticas de governo.

                   Aliás, a artificialidade da criação desses postos comissionados é robustecida não só pela excessiva quantidade, mas, e principalmente, porque a fórmula normativa dos incisos do art. 52 da Lei n. 5.498/10 se aplica indistintamente a todos os cargos de provimento em comissão descritos no Anexo II de referido diploma legal, e nem todos – permita-se obviar – exercem coordenação ou direção como revelam suas variegadas nomenclaturas.

                   A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

                   Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego público, somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção devida e suficientemente descritas no texto legal.

                   É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras ou descrições vagas, imprecisas, indeterminadas.

                   Neste sentido é fértil a jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II), 7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do pedido na ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional norma editada durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a alteração da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de cargos na administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna prejudicado o pedido na ação direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público. Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).

“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito administrativo. 3. Criação de cargos em comissão por leis municipais. Declaração de inconstitucionalidade pelo TJRS por violação à disposição da Constituição estadual em simetria com a Constituição Federal. 3. É necessário que a legislação demonstre, de forma efetiva, que as atribuições dos cargos a serem criados se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração. Caráter de direção, chefia e assessoramento. Precedentes do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).

                   Enfim, é dever do legislador na criação de posições comissionadas a demonstração da efetiva necessidade, não se coadunando com fórmulas vagas, imprecisas, genéricas e indeterminadas, aplicáveis a cargos com denominações diversas.

                   Destarte, os dispositivos normativos impugnados são incompatíveis com os arts. 111 e 115, II e V, da Constituição Estadual, que impõem razoabilidade, moralidade e impessoalidade na excepcional criação de cargos de provimento em comissão.  

III – Pedido liminar

                   À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo às finanças públicas e à legitimidade do exercício de cargos ou empregos públicos.

                   À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, dos arts. 51 e 52 e do Anexo II da Lei n. 5.498, de 07 de julho de 2010, do Município de Jacareí.

IV – Pedido

                   Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 51 e 52 e do Anexo II da Lei n. 5.498, de 07 de julho de 2010, do Município de Jacareí.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Jacareí, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 24 de outubro de 2016.

 

 

 

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

wpmj

 

 

 

Protocolado n. 45.017/16

Interessado: Alberico Fernandes A. Nunes

Objeto: representação para controle de constitucionalidade da Lei n. 5.498, de 07 de julho de 2010, do Município de Jacareí

 

 

 

 

 

 

 

 

                   Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade no egrégio Tribunal de Justiça, instruída com o protocolado acima mencionado.

                   Ciência ao representante e à douta Promotoria de Justiça de Jacareí.

                   São Paulo, 24 de outubro de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

wpmj