EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO Egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 45.205/16

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de Inconstitucionalidade. Lei Orgânica do Município de Jacareí. Controle externo. Julgamento das contas do Prefeito Municipal. Decurso de prazo. Julgamento ficto. Inadmissibilidade.

1. O exercício do controle externo mediante o julgamento das contas do Prefeito Municipal, após parecer prévio do Tribunal de Contas, é irrenunciável, e exige expresso pronunciamento do Poder Legislativo, não se admitindo o julgamento ficto, por decurso de prazo.

2. Violação aos artigos 5º, § 1º, 20, VI, 32, 33, I, 144 e 150 da CE/89.

 

 

                   O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto nos art. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição da República, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado em epígrafe mencionado, vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da alínea “b”, do inciso VII, do artigo 28 e da expressão “considerando-se julgadas nos termos das conclusões desse parecer, se não houver deliberação nesse prazo” constante do § 3º do artigo 49, da Lei Orgânica do Município de Jacareí (Lei n. 2.761, de 31 de março de 1990), pelos fundamentos expostos a seguir:

I - O ATO NORMATIVO IMPUGNADO

                   A Lei Orgânica Municipal de Jacareí (Lei n. 2.761, de 31 de março de 1990) dispõe que:

Artigo 28 - Compete privativamente à Câmara Municipal exercer as seguintes atribuições, dentre outras:

(...)

VII - tomar e julgar as contas do Prefeito, deliberando sobre o parecer do Tribunal de Contas do Estado no prazo máximo de 60 (sessenta) dias de seu recebimento, observados os seguintes preceitos:

a) o parecer do Tribunal somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara;

b) decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias, sem deliberação pela Câmara, as contas serão consideradas aprovadas ou rejeitadas, de acordo com a conclusão do parecer do Tribunal de Contas;

c) rejeitadas as contas, serão estas, imediatamente, remetidas ao Ministério Público para os fins de direito.

(...)

Artigo 49 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Município e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pela Câmara Municipal, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

(...)

§ 2º - O controle externo da Câmara será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado e compreenderá a apreciação das Contas do Prefeito e da Mesa da Câmara, o acompanhamento das atividades financeiras e orçamentárias do Município, o desempenho das funções de auditoria financeira e orçamentária, bem como o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos.

§ 3º - As contas do Prefeito e da Câmara Municipal, prestadas anualmente, serão julgadas pela Câmara dentro de 60 (sessenta) dias após o recebimento do parecer prévio do Tribunal de Contas, considerando-se julgadas nos termos das conclusões desse parecer, se não houver deliberação nesse prazo. (fls. 10/83, 162/199 - g.n.)

II - O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

                   A alínea “b”, do inciso VII, do artigo 28 e a expressão “considerando-se julgadas nos termos das conclusões desse parecer, se não houver deliberação nesse prazo” constante do § 3º do artigo 49, da Lei Orgânica do Município de Jacareí (Lei n. 2.761, de 31 de março de 1990) são incompatíveis com a Constituição Estadual.

                   A Constituição da República, em seu art. 31, §§ 1º e 2º, assim dispõe acerca do controle externo das contas do Prefeito de Município:

Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

§ 1º. O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.

§ 2º. O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

                   Por sua vez, a Constituição do Estado de São Paulo dispõe:

Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

(...)

Artigo 20 - Compete, exclusivamente, à Assembleia Legislativa:

(...)

VI - tomar e julgar, anualmente, as contas prestadas pela Mesa da Assembleia Legislativa, pelo Governador e pelo Presidente do Tribunal de Justiça, respectivamente, do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Judiciário, e apreciar os relatórios sobre a execução dos Planos de Governo;

(...)

Artigo 32 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado, das entidades da administração direta e indireta e das fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de receitas, será exercida pela Assembleia Legislativa, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único - Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou de direito privado, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais o Estado responda, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza pecuniária.

Artigo 33 - O controle externo, a cargo da Assembleia Legislativa, será exercido com auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:

I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Governador do Estado, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias, a contar do seu recebimento;

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)

Artigo 150 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária operacional e patrimonial do Município e de todas as entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, finalidade, motivação, moralidade, publicidade e interesse público, aplicação de subvenções e renúncia de receitas, será exercida pela Câmara Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno e de cada Poder, na forma da respectiva lei orgânica, em conformidade com o disposto no art. 31 da Constituição Federal.

                   Dispensa maiores digressões a constatação no sentido de que o controle externo das contas do Prefeito Municipal constitui função exclusiva da Câmara Municipal, a exigir expresso pronunciamento sobre a matéria, não admitindo delegação.

                   O julgamento destas contas por decurso de prazo (ficto) acaba, indiretamente, por configurar renúncia indevida e delegação indevida de competência privativa do Poder Legislativo ao Tribunal de Contas para apreciação das contas do Prefeito Municipal.

                   A matéria já foi enfrentada por este Colendo Órgão Especial:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Art. 9º, inciso XIII, letra ‘b’, da Lei Orgânica do Município de Santo André - Julgamento fido das contas do Prefeito - Inadmissibilidade - Controle externo do Poder Executivo pelo Legislativo - Princípio que deve ser aplicado aos municípios - Câmara Municipal deve tomar e julgar, anualmente, as contas do Prefeito, após parecer do Tribunal de Contas - Afronta aos arts. 5º, § Iº , 20, inciso VI, 32, 33, inciso I, e 144, todos da Constituição Bandeirante - Caracterização - Ação procedente” (TJSP, ADI 151813-0/8, Rel. Des. Sousa Lima, Órgão Especial, 18-06-2008).

                   Esta também é a posição adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral:

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. INELEGIBILIDADE.CONTAS ANUAIS. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. PARECER PRÉVIO. IRREGULARIDADE.JULGAMENTO. PODER LEGISLATIVO. OBRIGATORIEDADE.

1. Segundo a jurisprudência do TSE, não há falar em rejeição de contas de prefeito em decorrência do decurso de prazo conferido à Câmara Municipal para julgar o parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas do Estado. Precedentes.

2. A existência de prazo para julgamento das contas anuais de prefeito, estabelecida em Lei Orgânica, não enseja a confirmação do parecer prévio do TCE, considerando a norma constitucional que exige o expresso pronunciamento do Poder Legislativo quanto às referidas contas.

3. Agravo regimental não provido” (TSE, AgR-REspe nº 12775, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, 25-09-2012).

                   Portanto, não resta dúvida sobre a patente inconstitucionalidade da alínea “b”, do inciso VII, do artigo 28 e da expressão “considerando-se julgadas nos termos das conclusões desse parecer, se não houver deliberação nesse prazo” constante do § 3º do artigo 49, da Lei Orgânica do Município de Jacareí (Lei n. 2.761, de 31 de março de 1990), ao instituírem o julgamento de contas do Prefeito Municipal por decurso de prazo (ficto), pois, viola os artigos 5º, § 1º, 20, VI, 32, 33, I, 144, e 150 da Constituição Estadual, inclusive pela remissão dos arts. 144 e 150 da Constituição Estadual aos artigos 31, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal.

III - PEDIDO LIMINAR

                   Estão presentes os pressupostos para a concessão da liminar, determinando-se a suspensão dos preceitos normativos impugnados.

                   A razoável fundamentação jurídica evidencia-se pelos motivos que lastreiam a propositura desta ação direta. Quanto ao perigo da demora, evidencia-se pelo fato de que, a prevalecer, por ora, a presunção de constitucionalidade das normas glosadas nesta ação direta, atos materiais serão realizados no sentido de concretização de suas previsões normativas, gerando situações cuja reversão ao status quo ante, futuramente, será de considerável grau de dificuldade.

                   As situações consolidadas, muitas vezes, criam espaço para argumentação no sentido da improcedência da ação, ou mesmo afastamento de seus efeitos concretos, desprestigiando, em última análise, o próprio sistema de controle concentrado de constitucionalidade, bem como esvaziando a autoridade da Corte Constitucional, seja no plano federal, como no estadual.

                   De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

                   Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (RTJ 138/64; RTJ 142/52).

                   Requer-se, destarte, a concessão da liminar, determinando-se a suspensão da eficácia da alínea “b”, do inciso VII, do artigo 28 e da expressão “considerando-se julgadas nos termos das conclusões desse parecer, se não houver deliberação nesse prazo” constante do § 3º do artigo 49, da Lei Orgânica do Município de Jacareí (Lei n. 2.761, de 31 de março de 1990), até definitivo julgamento da lide.

IV - PEDIDO

                   Face ao exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da alínea “b”, do inciso VII, do artigo 28 e da expressão “considerando-se julgadas nos termos das conclusões desse parecer, se não houver deliberação nesse prazo” constante do § 3º do artigo 49, da Lei Orgânica do Município de Jacareí (Lei n. 2.761, de 31 de março de 1990).

                   Requer-se a requisição de informações à Câmara Municipal de Jacareí, e a citação do Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre os preceitos normativos impugnados, protestando posteriormente por manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 06 de setembro de 2016.

 

 

 

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 45.205/16

Interessado: Edson Anibal de Aquino Guedes Filho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, instruída pelo protocolado referido em epígrafe, junto ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado e à douta Promotoria de Justiça de Jacareí, com o envio de cópia da petição inicial, comunicando-se a propositura da ação.

 

São Paulo, 06 de setembro de 2016.

 

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

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