Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado nº 62.587/16

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Emenda n. 39, de 11 de novembro de 2014, à Lei Orgânica do Município de Guarulhos. Alteração do inciso I do § 1º do art. 10. Câmara Municipal. Composição. Número de vagas. Aumento. Proporcionalidade.

1. Emenda n. 39, de 11 de novembro de 2014, à Lei Orgânica do Município de Guarulhos, que, alterando o inciso I do § 1º do art. 10 da Lei Orgânica, elevou de 34 para 37 o número de Vereadores a comporem a Câmara Municipal de Guarulhos.

2. Incompatibilidade com o art. 144, CE/89, norma remissiva aos princípios estabelecidos na Constituição Estadual e na Constituição Federal.

3. Parâmetro constitucional estadual que incorpora o princípio democrático e a representação popular (art. 1º e parágrafo único, CF/88), bem como a regra de proporcionalidade na fixação do número de Vereadores na Câmara Municipal que estabelece quantidade de vagas de acordo com quantidade demográfica da população (art. 29, IV, CF).

4. Censo do IBGE de 2010 que aponta 1.221.979 habitantes, com estimativa (aproximada) de 1.312.000 para 2014.

5. Cálculo da Câmara Municipal projetando população aproximada de 1.357.000 habitantes em 2016.

6. Quantidade demográfica inoficial, imprestável para fixação do número de vagas lastreado no art. 29, IV, o, CF/88, devendo ser mantida a quantidade menor de acordo com o limite do art. 29, IV, n, CF/88.

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Emenda n. 39, de 11 de novembro de 2014, à Lei Orgânica do Município de Guarulhos, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O ATO NORMATIVO IMPUGNADO

                   Em 11 de novembro de 2014 a Câmara Municipal de Guarulhos editou a Emenda n. 39 à sua Lei Orgânica que altera o inciso I do § 1º de seu art. 10 (fl. 175). Eis sua redação:

Art. 1º O inciso I do § 1º do art. 10 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos, promulgada em 5 de abril de 1990, passa a ter a seguinte redação:

“I – O número de Vereadores para as próximas legislaturas será de 37 (trinta e sete) Vereadores.”

Art. 2º Esta Emenda à Lei Orgânica Municipal entra em vigor na data de sua publicação.

                   Antes dessa emenda o número de Vereadores fixado no preceito normativo era 34 (trinta e quatro).

                   Da motivação constante da justificativa do projeto de emenda destacam-se os seguintes fundamentos:

“Considerando que, o censo realizado pelo IBGE no ano de 2010 apresentou o número de 1.221.979 para a população guarulhense com a estimativa para o ano de 2014 de 1.312.000 aproximadamente, seguindo conforme consta em print anexo;

Considerando que, seguindo o raciocínio e o cálculo praticado pelo IBGE para atingir a estimativa para o ano de 2014, podemos acreditar que em 2016 a população de nossa cidade terá aproximadamente 1.357.000 habitantes;

Considerando que, diante dessa apuração a cidade pode contar com 37 Vereadores” (fl. 147).

                   No documento a ela anexado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE aponta em 2010 a população de 1.221.979 e a estimativa de 1.312.197 habitantes para 2014 (fl. 149).

                   Acompanhando a representação da douta Promotoria de Justiça de Guarulhos (fl. 02), há nota técnica emitida pelo IBGE (fls. 52/57) estimando a população de Guarulhos de 1.324.781 em 2015 (fl. 57).

III – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   O ato normativo impugnado contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal. Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

                   A Emenda n. 39, de 11 de novembro de 2014, à Lei Orgânica do Município de Guarulhos, é incompatível com o seguinte preceito da Constituição do Estado de São Paulo:

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

 

                   O art. 144 da Constituição Estadual impondo a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como decidiu o Supremo Tribunal Federal ao admitir o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

                   Neste sentido, invoco os seguintes precedentes:

“1. Agravo regimental em reclamação constitucional. 2. Competência dos tribunais de justiça estaduais para exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais contestados em face de constituição estadual. 3. Legitimidade da invocação, como referência paradigmática para controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais/estaduais, de cláusula de caráter remissivo que, inscrita na Constituição estadual, remete a norma constante da própria Constituição Federal, incorporando-a, formalmente, ao ordenamento constitucional do Estado-membro. 4. Invocação de paradigma. Reclamação 7.396. Processo de caráter subjetivo. Efeitos restritos às partes. 5. Agravo regimental a que se nega provimento”. (STF, AgR-Rcl 10.406-GO, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 26-08-2014, v.u., DJe 16-09-2014).

“RECLAMAÇÃO. A QUESTÃO DA PARAMETRICIDADE DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS ESTADUAIS, DE CARÁTER REMISSIVO, PARA FINS DE CONTROLE CONCENTRADO, NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL, DE LEIS E ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS E/OU MUNICIPAIS CONTESTADOS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. RECLAMAÇÃO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

- Revela-se legítimo invocar, como referência paradigmática, para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e/ou municipais, cláusula de caráter remissivo, que, inscrita na Constituição Estadual, remete, diretamente, às regras normativas constantes da própria Constituição Federal, assim incorporando-as, formalmente, mediante referida técnica de remissão, ao plano do ordenamento constitucional do Estado-membro.

Com a técnica de remissão normativa, o Estado-membro confere parametricidade às normas, que, embora constantes da Constituição Federal, passam a compor, formalmente, em razão da expressa referência a elas feita, o ‘corpus’ constitucional dessa unidade política da Federação, o que torna possível erigir-se a própria norma constitucional estadual, de conteúdo remissivo, à condição de parâmetro de confronto, para os fins a que se refere o art. 125, § 2º da Constituição da República. Doutrina. Precedentes” (STF, Rcl 2.462-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, 30-04-2015, DJe 06-05-2014).

                   Destarte, é possível examinar o preceito legal municipal impugnado à luz das normas constitucionais centrais, viabilizando por força da mencionada norma remissiva o seu contraste com a fixação do número de vagas na composição das Câmaras Municipais de acordo com a proporcionalidade, tal como consta do inciso IV do art. 29 da Constituição Federal, porque ele é inegavelmente princípio estabelecido (e de observância obrigatória) decorrente do princípio democrático que orienta a representação popular (art. 1º e parágrafo único, Constituição Federal), cuja legitimidade repousa exatamente na observância da proporcionalidade no foro de representação popular.

                   Em outras palavras, é princípio estabelecido e fundamental, e de observância obrigatória a proporcionalidade da representação popular no Parlamento.

                   A proporcionalidade que busca o texto constitucional estabelecer entre a composição das Câmaras Municipais e a população do Município, não apenas atua como garantia da probidade administrativa e de proteção ao erário municipal, mas, tem o objetivo de assegurar a legítima representatividade em termos quantitativos.

                   Além disso, o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo – assim como o art. 29 da Constituição da República – subordina e condiciona a autonomia municipal, limitando-a aos preceitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual.

                   O exercício da autonomia municipal não pode contrariar princípios e regras como os invocados na petição inicial que preordenam a capacidade normativa municipal. Raciocínio contrário desafia o princípio da supremacia da Constituição. Bem por isso já se decidiu:

“AGRAVO – NÚMERO DE CADEIRAS EM CÂMARA MUNICIPAL. Cabe à Câmara dos Vereadores, via lei orgânica, a fixação do número de cadeiras na Casa Legislativa, respeitados os limites previstos no inciso IV do artigo 29 da Constituição Federal” (STF, AgR-RE 391.827-MG, 1ª Turma, Rel.  Min. Marco Aurélio, 29-03-2016, v.u., DJe 22-04-2016).

                   Destarte, as disposições da Constituição Estadual não se aplicam aos Municípios naquilo que a Constituição Federal reservou, implícita ou explicitamente, privativamente à esfera normativa municipal.

                   No particular, a Constituição de 1988, inclusive na redação dada pela Emenda n. 58/09, estabeleceu a regra de proporcionalidade para composição das Câmaras Municipais fixando o número de vagas de Vereadores relativamente à quantidade demográfica do Município. Eis sua redação:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

.............................................................................................. IV - para a composição das Câmaras Municipais, será observado o limite máximo de:

a) 9 (nove) Vereadores, nos Municípios de até 15.000 (quinze mil) habitantes;

b) 11 (onze) Vereadores, nos Municípios de mais de 15.000 (quinze mil) habitantes e de até 30.000 (trinta mil) habitantes;

c) 13 (treze) Vereadores, nos Municípios com mais de 30.000 (trinta mil) habitantes e de até 50.000 (cinquenta mil) habitantes; 

d) 15 (quinze) Vereadores, nos Municípios de mais de 50.000 (cinquenta mil) habitantes e de até 80.000 (oitenta mil) habitantes;

e) 17 (dezessete) Vereadores, nos Municípios de mais de 80.000 (oitenta mil) habitantes e de até 120.000 (cento e vinte mil) habitantes; 

f) 19 (dezenove) Vereadores, nos Municípios de mais de 120.000 (cento e vinte mil) habitantes e de até 160.000 (cento sessenta mil) habitantes; 

g) 21 (vinte e um) Vereadores, nos Municípios de mais de 160.000 (cento e sessenta mil) habitantes e de até 300.000 (trezentos mil) habitantes; 

h) 23 (vinte e três) Vereadores, nos Municípios de mais de 300.000 (trezentos mil) habitantes e de até 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) habitantes; 

i) 25 (vinte e cinco) Vereadores, nos Municípios de mais de 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) habitantes e de até 600.000 (seiscentos mil) habitantes; 

j) 27 (vinte e sete) Vereadores, nos Municípios de mais de 600.000 (seiscentos mil) habitantes e de até 750.000 (setecentos cinquenta mil) habitantes; 

k) 29 (vinte e nove) Vereadores, nos Municípios de mais de 750.000 (setecentos e cinquenta mil) habitantes e de até 900.000 (novecentos mil) habitantes;

l) 31 (trinta e um) Vereadores, nos Municípios de mais de 900.000 (novecentos mil) habitantes e de até 1.050.000 (um milhão e cinquenta mil) habitantes;

m) 33 (trinta e três) Vereadores, nos Municípios de mais de 1.050.000 (um milhão e cinquenta mil) habitantes e de até 1.200.000 (um milhão e duzentos mil) habitantes;

n) 35 (trinta e cinco) Vereadores, nos Municípios de mais de 1.200.000 (um milhão e duzentos mil) habitantes e de até 1.350.000 (um milhão e trezentos e cinquenta mil) habitantes;

o) 37 (trinta e sete) Vereadores, nos Municípios de 1.350.000 (um milhão e trezentos e cinquenta mil) habitantes e de até 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil) habitantes;

p) 39 (trinta e nove) Vereadores, nos Municípios de mais de 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil) habitantes e de até 1.800.000 (um milhão e oitocentos mil) habitantes;

q) 41 (quarenta e um) Vereadores, nos Municípios de mais de 1.800.000 (um milhão e oitocentos mil) habitantes e de até 2.400.000 (dois milhões e quatrocentos mil) habitantes;

r) 43 (quarenta e três) Vereadores, nos Municípios de mais de 2.400.000 (dois milhões e quatrocentos mil) habitantes e de até 3.000.000 (três milhões) de habitantes;

s) 45 (quarenta e cinco) Vereadores, nos Municípios de mais de 3.000.000 (três milhões) de habitantes e de até 4.000.000 (quatro milhões) de habitantes; 

t) 47 (quarenta e sete) Vereadores, nos Municípios de mais de 4.000.000 (quatro milhões) de habitantes e de até 5.000.000 (cinco milhões) de habitantes;

u) 49 (quarenta e nove) Vereadores, nos Municípios de mais de 5.000.000 (cinco milhões) de habitantes e de até 6.000.000 (seis milhões) de habitantes;

v) 51 (cinquenta e um) Vereadores, nos Municípios de mais de 6.000.000 (seis milhões) de habitantes e de até 7.000.000 (sete milhões) de habitantes; 

w) 53 (cinquenta e três) Vereadores, nos Municípios de mais de 7.000.000 (sete milhões) de habitantes e de até 8.000.000 (oito milhões) de habitantes; e 

x) 55 (cinquenta e cinco) Vereadores, nos Municípios de mais de 8.000.000 (oito milhões) de habitantes;

                   A Constituição, é certo, apresenta limite máximo de vagas, mas, o Município não tem liberdade para fixação de número de vagas além de sua quantidade demográfica por mera projeção de caráter não oficial.

                   Pelos dados oficiais, oriundos do IBGE, Guarulhos não comporta em sua Câmara Municipal 37 (trinta e sete) Vereadores, pois, o limite máximo é inferior, tal como previsto na alínea n do art. 29, IV, e não na alínea o.

IV – Pedido liminar

                   À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da legislação contestada, apontada como violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo, é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme com o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo pelo agravo à legitimidade da representação popular e ao erário pela majoração indevida da quantidade de edis com repercussão no erário, à vista da proximidade das eleições municipais.

                   À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Emenda n. 39, de 11 de novembro de 2014, à Lei Orgânica do Município de Guarulhos.

V – Pedido

                   Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Emenda n. 39, de 11 de novembro de 2014, à Lei Orgânica do Município de Guarulhos.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Guarulhos, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 21 de junho de 2016.

 

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 62.587/16

Interessado: Doutor Marcos Bento da Silva – Promotor de Justiça de Guarulhos

Objeto:  representação para o controle de constitucionalidade da Emenda n. 39, de 11 de novembro de 2014, que altera o inciso I do § 1º do art. 10 da Lei Orgânica do Município de Garulhos

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Emenda n. 39, de 11 de novembro de 2014, à Lei Orgânica do Município de Guarulhos, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 21 de junho de 2016.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj